terça-feira, 27 de outubro de 2020

Olivaldo Júnior (O Aluado)


Conheci o aluado há muito tempo. Não queria tê-lo conhecido, mas ele não me deu escolha. Morava num galho de árvore, na beira do rio. Comia os frutinhos que a mata lhe dava. Era um homem de mais ou menos trinta anos, pele escura pelo sol, olhos negros pela noite, com fiapos de luar em seus cabelos, tão sujinhos de memórias. Não falava nossa língua. Aliás, já não falava. Dizem que ficou assim depois de ter amado.

Não sei, mas o amor pode mesmo machucar. Não, o amor não. A paixão. A senhora dos corações humanos, ainda mais que o amor, esse bálsamo que os anjos de quando em quando deixam cobrir nossas feridas, a paixão é o que nos fere, muitas vezes mortal e irremediavelmente, sem dó. Assim estava ele, o aluado, em permanente estado apocalíptico, pós-paixão.

Conheci há muito tempo o aluado. Não queria tê-lo conhecido, mas ele não me deu escolha. Hoje, os olhos dele são meus olhos quando o vejo, tenho o tal em minha vista. Canta, cantarola em língua própria seu hinário, de dor, de amor, de andor. Não sei se o perco de vez na escuridão, se lhe dou a mão para subir, não sei o que fazer. Hoje é lua cheia. Do edifício das estrelas, São Jorge desce e quer levá-lo. Ave, Maria, cheia de garças, levai o Homem a ser ave! Posso, da vista de casa, avistá-los. O aluado não quer ir, mas São Jorge insiste e ele vai. No dorso do cavalo branco, guerreiro, perdendo a guerra em paz, o aluado vai morar no Céu, enfim.


Fonte:
Texto enviado pelo autor

Um comentário:

Olivaldo Júnior disse...

Caro amigo, muito obrigado por sempre se lembrar de mim. Abração!