O QUE LEVA UMA PESSOA em sã consciência a gravar, na agenda de seu telefone celular, nomes estrambóticos do tipo:
Ala, Ala,
Catulé Doidão,
Sanfonado,
Antão, Antinho,
Boca desdentada,
Assanhadinha do vovô,,
Xaparral e
Bigode de cafuné?
Ou, pior:
Barata miúda,
Otorrino,
Chifrudo conformado,
Filé Fiado,
Godóia,
Cano amassado,
Ontário,
Phimbinha e
até um asqueroso Gogó irritante?
Quem colocaria uma gaiatice tipo:
Picadinho,
Pirlimpimpim,
Saca Rolha,
Baroneto,
Tetefa,
Zangão, etc, etc...?
Seria um disfarce artificioso, ou um código para manter em segredo a identidade de determinadas pessoas? Por que meu sobrinho Gabriel, um garoto de apenas quinze anos usava deste expediente?
Estaria ele metido em alguma coisa errada? Más companhias? Ladrões? Aqueles nomes estranhos no rol de seu celular, seriam de fornecedores de drogas? Meu Deus! Que fazer? Que atitude tomar? Será que meu irmão e minha cunhada tinham conhecimento? Antes de conversar sério com os três, resolvi tirar a limpo aquela patacoada. Quem sabe, os nomes grafados não fossem além de pura doidice dele ou, no pior dos mundos, piração da minha cabeça? Talvez um punhado de amiguinhos de escola, namoradinhas, sei lá. Alguma razão, certamente, haveria de fazer frente a tal disparate. Adolescentes, nessa fase da vida, costumam nutrir quedas platônicas por amores secretos, namoradinhas ocultas, amigos de condutas estranhas e incomuns. Eu mesmo, no grupo escolar, me apaixonei pela minha professora de português e o apelido dela, no meu caderno (naquele tempo não havia celular), era ‘Vírgula Intrusa’.
Pois bem! Ainda que tudo não passasse de coisas da imaginação dele, um simples guri, na glória da aborrescência, ou da minha mania de ver e de sentir perigo em qualquer detalhezinho fora do comum, eu, como tio, precisava ir a fundo na tal ‘parada’. Pelo amor de Deus: Cavalo Loiro, Hilário Hilariante, Lombriga mal nutrida, Kotó, Laminado, Bíceps e outros ‘vulgos’ assobrerjéticos, deixaria qualquer cristão menos desavisado com a pulga atrás da orelha. Espiei em volta. Gabriel entrara no banho. E quando ele se metia no chuveiro... Podia esquecer. Aproveitei e, como o telefone estava disponível, resolvi dar uma de detetive. Escolhi um epíteto ao acaso e completei a ligação. Atendeu uma moça de voz adocicada:
— Oi, bom dia?
— Bom dia.
— Com quem falo?
— O senhor ligou para qual número?
— Esse ai, o seu.
— Tá, mas deseja falar exatamente com quem?
— Com o senhor Xumbrego Assanhado.
A jovem soltou uma gargalhada gostosa que estrondou dentro de meus ouvidos, como uma bomba:
— Não é senhor. É senhorita. Senhorita Xumbrega Assanhada. Você é o seu Alípio, pai do Gabriel?
“Menos ruim” —, pensei com meus botões. — Deveria ser uma gatinha que meu sobrinho andava à cata:
— Tudo bem, desculpe. Ela está?
— Acabou de sair... Com quem falo?
— Demora voltar?
— Primeiro responda a minha pergunta: quem gostaria?
Mandei o primeiro nome que me veio à cabeça:
— Catatau.
— Estranho! Este número é do Gabriel. O senhor é o que do Gabi? Deixa de onda, seu Alípio. Perdeu, entrega o jogo.
— Não tem jogo nenhum. O Gabriel me emprestou o telefone dele, mocinha.
— Ah, ta, legal, então, seu Catatau... A Xumbrega Assanhada chega por volta das cinco da tarde. É só com ela?
— Sim. Não me disse com quem tenho o prazer de conversar.
— Com a Capetinha da Freguesia do Ó. — A Xumbrega Assanhada foi se encontrar com o Pato Malocado. Ei, por acaso o senhor não é o tal do Pato Malocado e está mentindo pra mim e se passando pelo Catatau? Continuo achando que o senhor é o seu Alípio, pai do Gabriel.
— Escuta, senhorita... Como é mesmo? — Ah, Capetinha da Freguesia do Ó. Eu sou, de fato, o Catatau.
— ‘Podis crer, mano’. Seguinte —, a Xumbrega Assanhada me pediu para lhe passar um recado —, caso ligasse.
— Pra mim? Catatau? Não era para o Pato Malocado?
— Agora fiquei na dúvida.
— Não importa. Qual o recado?
— Para o senhor se encontrar com ela no mesmo lugar de sempre. Sabe onde fica o mesmo lugar de sempre?
Desliguei imediatamente. Continuava desconfiado, fiquei mais ainda, com o pé nas costas, apesar daquele pequeno diálogo insólito. Imaginava algo mais sério. Ponderei que, talvez, houvesse uma coincidência. Parti para um segundo nome da lista, ao acaso. Se tudo corresse como esperava, largava mão, de vez. Desta feita, atendeu um rapaz:
— Boa tarde, amigo. Gostaria de falar com o Jumento desengonçado. Ele se encontra?
Ao ouvir minha voz o sujeito partiu pra cima, com tudo:
— Pô, cara, pensei que não fosse ligar. Por que não veio ao encontro? Resolveu me tirar?
Fiquei de sobreaviso. Melhor entrar no papo da criatura:
— Houve um problema, Jumento Desengonçado...
— Não me venha com desculpas esfarrapadas. Deveria ter me avisado.
Na mosca. Eu sabia. Tinha certeza. Agora, iria até o fim:
— Boca de Pernilongo e Pepino Grosso ficaram pê da vida contigo, mano. Deixaram de atender um cliente dos bons por sua causa. Que falta de ‘responsa’, meu!
— Olha, vamos esclarecer uma coisa. Você sabe com quem está falando?
— Claro que sei. Sua voz é inconfundível.
— E quem sou eu?
— Deixa de onda, Broxado. Não estou pra brincadeira. Pensa que me engana? Conta outra!
Entrei de sola, com tudo, na pilha do desconhecido. Queria ver até onde a loucura do meu sobrinho Gabriel daria pé. Se eu fora identificado como Broxado, que mal havia?
— Deixa de brincadeira, Broxado —, continuou a figura —, Vamos com as ‘palhaçada’ pra outra hora. E pode tratar de mandar a grana dos meninos. Não me faça sair daqui para ir até sua casa, ou fazer a galera esperar por você na porta da escola, para cobrar a ‘bufunfa’ pessoalmente. Sua namoradinha não iria gostar. Está me ouvindo, Broxado? Broxado, fale comigo. Perdeu a voz? Bro...
Desliguei na cara do sujeito. As minhas dúvidas não se constituíam infundadas. Realmente alguma coisa de muito errada, de muito grave, existia por trás daqueles nomes maquiados na lista do celular do meu sobrinho. Então eu era o Broxado. Por que Broxado? O que eu, ou melhor, o que meu sobrinho marcara com Boca de Pernilongo e Pepino Grosso? Que grana eu (suposto Broxado) teria que arranjar? Que galera estaria à espera, na porta da escola de Gabriel? Um quebra cabeças que começava a ficar perigosamente interessante. Saí em campo, para a terceira ligação:
— Quem é?
— Como quem é? Até que enfim, Broxado, seu filho da mãe. Por que demorou a ligar? Onde está? Por que não veio ao encontro?
Precisava fazer o jogo. Juntar mais peças:
— Que encontro?
— Broxado, vou te comer no tapa. Que encontro? Esqueceu que eu, Onça ranzinza, tive que vir para cá, às pressas, tapar seu buraco? Jucundo está uma arara. Vai te comer o fígado, meu chapa, quando você pintar na reta.
— Que buraco, meu. Quem é Jucundo?
Justo nesta hora, meu sobrinho saiu do banheiro enrolado numa toalha e entrou na sala como um furacão. Mal tive tempo de dispensar’ o aparelho atirando no sofá, onde o achara. Despistei, como pude, e passei por ele em direção à cozinha.
— Me acompanha num café?
— Não tio, 'brigadu'. Valeu!
Catulé Doidão,
Sanfonado,
Antão, Antinho,
Boca desdentada,
Assanhadinha do vovô,,
Xaparral e
Bigode de cafuné?
Ou, pior:
Barata miúda,
Otorrino,
Chifrudo conformado,
Filé Fiado,
Godóia,
Cano amassado,
Ontário,
Phimbinha e
até um asqueroso Gogó irritante?
Quem colocaria uma gaiatice tipo:
Picadinho,
Pirlimpimpim,
Saca Rolha,
Baroneto,
Tetefa,
Zangão, etc, etc...?
Seria um disfarce artificioso, ou um código para manter em segredo a identidade de determinadas pessoas? Por que meu sobrinho Gabriel, um garoto de apenas quinze anos usava deste expediente?
Estaria ele metido em alguma coisa errada? Más companhias? Ladrões? Aqueles nomes estranhos no rol de seu celular, seriam de fornecedores de drogas? Meu Deus! Que fazer? Que atitude tomar? Será que meu irmão e minha cunhada tinham conhecimento? Antes de conversar sério com os três, resolvi tirar a limpo aquela patacoada. Quem sabe, os nomes grafados não fossem além de pura doidice dele ou, no pior dos mundos, piração da minha cabeça? Talvez um punhado de amiguinhos de escola, namoradinhas, sei lá. Alguma razão, certamente, haveria de fazer frente a tal disparate. Adolescentes, nessa fase da vida, costumam nutrir quedas platônicas por amores secretos, namoradinhas ocultas, amigos de condutas estranhas e incomuns. Eu mesmo, no grupo escolar, me apaixonei pela minha professora de português e o apelido dela, no meu caderno (naquele tempo não havia celular), era ‘Vírgula Intrusa’.
Pois bem! Ainda que tudo não passasse de coisas da imaginação dele, um simples guri, na glória da aborrescência, ou da minha mania de ver e de sentir perigo em qualquer detalhezinho fora do comum, eu, como tio, precisava ir a fundo na tal ‘parada’. Pelo amor de Deus: Cavalo Loiro, Hilário Hilariante, Lombriga mal nutrida, Kotó, Laminado, Bíceps e outros ‘vulgos’ assobrerjéticos, deixaria qualquer cristão menos desavisado com a pulga atrás da orelha. Espiei em volta. Gabriel entrara no banho. E quando ele se metia no chuveiro... Podia esquecer. Aproveitei e, como o telefone estava disponível, resolvi dar uma de detetive. Escolhi um epíteto ao acaso e completei a ligação. Atendeu uma moça de voz adocicada:
— Oi, bom dia?
— Bom dia.
— Com quem falo?
— O senhor ligou para qual número?
— Esse ai, o seu.
— Tá, mas deseja falar exatamente com quem?
— Com o senhor Xumbrego Assanhado.
A jovem soltou uma gargalhada gostosa que estrondou dentro de meus ouvidos, como uma bomba:
— Não é senhor. É senhorita. Senhorita Xumbrega Assanhada. Você é o seu Alípio, pai do Gabriel?
“Menos ruim” —, pensei com meus botões. — Deveria ser uma gatinha que meu sobrinho andava à cata:
— Tudo bem, desculpe. Ela está?
— Acabou de sair... Com quem falo?
— Demora voltar?
— Primeiro responda a minha pergunta: quem gostaria?
Mandei o primeiro nome que me veio à cabeça:
— Catatau.
— Estranho! Este número é do Gabriel. O senhor é o que do Gabi? Deixa de onda, seu Alípio. Perdeu, entrega o jogo.
— Não tem jogo nenhum. O Gabriel me emprestou o telefone dele, mocinha.
— Ah, ta, legal, então, seu Catatau... A Xumbrega Assanhada chega por volta das cinco da tarde. É só com ela?
— Sim. Não me disse com quem tenho o prazer de conversar.
— Com a Capetinha da Freguesia do Ó. — A Xumbrega Assanhada foi se encontrar com o Pato Malocado. Ei, por acaso o senhor não é o tal do Pato Malocado e está mentindo pra mim e se passando pelo Catatau? Continuo achando que o senhor é o seu Alípio, pai do Gabriel.
— Escuta, senhorita... Como é mesmo? — Ah, Capetinha da Freguesia do Ó. Eu sou, de fato, o Catatau.
— ‘Podis crer, mano’. Seguinte —, a Xumbrega Assanhada me pediu para lhe passar um recado —, caso ligasse.
— Pra mim? Catatau? Não era para o Pato Malocado?
— Agora fiquei na dúvida.
— Não importa. Qual o recado?
— Para o senhor se encontrar com ela no mesmo lugar de sempre. Sabe onde fica o mesmo lugar de sempre?
Desliguei imediatamente. Continuava desconfiado, fiquei mais ainda, com o pé nas costas, apesar daquele pequeno diálogo insólito. Imaginava algo mais sério. Ponderei que, talvez, houvesse uma coincidência. Parti para um segundo nome da lista, ao acaso. Se tudo corresse como esperava, largava mão, de vez. Desta feita, atendeu um rapaz:
— Boa tarde, amigo. Gostaria de falar com o Jumento desengonçado. Ele se encontra?
Ao ouvir minha voz o sujeito partiu pra cima, com tudo:
— Pô, cara, pensei que não fosse ligar. Por que não veio ao encontro? Resolveu me tirar?
Fiquei de sobreaviso. Melhor entrar no papo da criatura:
— Houve um problema, Jumento Desengonçado...
— Não me venha com desculpas esfarrapadas. Deveria ter me avisado.
Na mosca. Eu sabia. Tinha certeza. Agora, iria até o fim:
— Boca de Pernilongo e Pepino Grosso ficaram pê da vida contigo, mano. Deixaram de atender um cliente dos bons por sua causa. Que falta de ‘responsa’, meu!
— Olha, vamos esclarecer uma coisa. Você sabe com quem está falando?
— Claro que sei. Sua voz é inconfundível.
— E quem sou eu?
— Deixa de onda, Broxado. Não estou pra brincadeira. Pensa que me engana? Conta outra!
Entrei de sola, com tudo, na pilha do desconhecido. Queria ver até onde a loucura do meu sobrinho Gabriel daria pé. Se eu fora identificado como Broxado, que mal havia?
— Deixa de brincadeira, Broxado —, continuou a figura —, Vamos com as ‘palhaçada’ pra outra hora. E pode tratar de mandar a grana dos meninos. Não me faça sair daqui para ir até sua casa, ou fazer a galera esperar por você na porta da escola, para cobrar a ‘bufunfa’ pessoalmente. Sua namoradinha não iria gostar. Está me ouvindo, Broxado? Broxado, fale comigo. Perdeu a voz? Bro...
Desliguei na cara do sujeito. As minhas dúvidas não se constituíam infundadas. Realmente alguma coisa de muito errada, de muito grave, existia por trás daqueles nomes maquiados na lista do celular do meu sobrinho. Então eu era o Broxado. Por que Broxado? O que eu, ou melhor, o que meu sobrinho marcara com Boca de Pernilongo e Pepino Grosso? Que grana eu (suposto Broxado) teria que arranjar? Que galera estaria à espera, na porta da escola de Gabriel? Um quebra cabeças que começava a ficar perigosamente interessante. Saí em campo, para a terceira ligação:
— Quem é?
— Como quem é? Até que enfim, Broxado, seu filho da mãe. Por que demorou a ligar? Onde está? Por que não veio ao encontro?
Precisava fazer o jogo. Juntar mais peças:
— Que encontro?
— Broxado, vou te comer no tapa. Que encontro? Esqueceu que eu, Onça ranzinza, tive que vir para cá, às pressas, tapar seu buraco? Jucundo está uma arara. Vai te comer o fígado, meu chapa, quando você pintar na reta.
— Que buraco, meu. Quem é Jucundo?
Justo nesta hora, meu sobrinho saiu do banheiro enrolado numa toalha e entrou na sala como um furacão. Mal tive tempo de dispensar’ o aparelho atirando no sofá, onde o achara. Despistei, como pude, e passei por ele em direção à cozinha.
— Me acompanha num café?
— Não tio, 'brigadu'. Valeu!
Fonte:
Aparecido Raimundo de Souza. Comédias da vida na privada. RJ: Editora AMC-GUEDES, 2020. Texto enviado pelo autor.
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