terça-feira, 27 de outubro de 2020

Luiz Otávio (Um Coração em Ternura…) 5


A DESVENTURA É UMA ESCOLA...

Ao meu médico e amigo Dr. Francisco Gugliotti

A Desventura é uma Escola, ..
Curso de Aperfeiçoamento...
Dá Serenidade à alma,
e ao coração — sentimento...

Tenho vários companheiros
na minha infelicidade;
Inquietação, Incerteza,
mais o Silêncio e a Saudade…

O silêncio é doce amigo;
tenho-lhe grande amizade.
Mas dos outros não gostei.
Principalmente a Saudade…

A Saudade é implicante,
tem jeito dissimulado...
 Não sendo amiga da gente,
vive sempre ao nosso lado...

A desventura é uma Escola,
nem útil, não nego não...
Mas quem dera que chegasse
o dia da "Colação"...
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AO CREPÚSCULO

No meu quarto a brisa sopra
e a lâmpada rodopia…
O crepúsculo se insinua
bem de leve... Finda o dia...

Toca o Rádio... É Beethoven
numa triste melodia...
No meu peito sinto leve
agulhada, fina e fria…

Eu tão moço! Que tristeza!,..
E esta doce melodia,
a avivar minha incerteza
neste triste fim de dia!…
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CULPEM A VIDA...

"Deixa a tristeza de lado,
este tom sempre magoado,
de um Tempo que já morreu...
Este lirismo, hoje pobre,
do poeta Antônio Nobre,
de Casimiro de Abreu..."

…Mas nunca tem culpa a gente,
da vida que se viveu…
Eu não quis ficar doente...
Nem fiz o Destino meu...

Os meus versos são apenas,
reflexos de minhas penas,
o que eu já sofri enfim;
se lembram Nobre um momento,
culpem ao meu sofrimento,
à minha Dor... não a mim!…
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DESÂNIMO

Então é o fim? Ou fugirei ainda
de tão horrendo leito — a sepultura!?
Se aqui há tanto sol, e a vida é linda,
mais dói esta partida prematura…

E esta constante dúvida não finda:
"Meu Deus eu morrerei? Eu terei cura?"
Não é justo colher a flor que ainda
há de ser fruto, — a vida não madura…

Quase sempre nós temos um ideal;
e em sua busca tenho sido um forte!
Porém agora a luta é desigual,

e eu temo muito pela minha sorte!
Pois sei que é bem traiçoeiro este meu mal
e é sorrateira muito mais a morte...
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PERSISTÊNCIA

Se hoje, até velhos castelos,
bombas podem arrasar,
quanto mais os meus castelos
arquitetados no ar!...

Porém, por mais que estes dias,
sejam cruéis, intranquilos,
por mais também que os destruam,
tornarei a construi-los…
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POBRE LUIZ!

E nessa agitação, nesse abandono,
sinto que alguma coisa de anormal,
me faz perder completamente o sono...

…Quem sabe se ouço a voz desse soldado,
que eu vejo — com o olhar cheio de mágoa
perdido no Deserto ensolarado,
a pedir, quase morto, um pouco d'água!?

... Quem sabe se ouço a voz dessa velhinha,
que lá de sua tão longínqua terra,
pensa no filho e reza — coitadinha! —
para que acabe bem depressa a guerra!?...

...E nessa agitação, nesse abandono,
sinto que alguma coisa de anormal,
me faz perder completamente o sono...

…Quem sabe se ouço imprecações de Dor,
gemidos ou tremores de receio,
ou o barulho estranho de um motor,
de algum soturno avião de bombardeio!?

…Quem sabe (e eu a pensar sinto a mão fria!)
você, amor, que vive tão distante,
julga talvez que estou em agonia,
e pensa em mim agora nesse instante!?...

...E nessa agitação, nesse abandono,
sinto que alguma coisa de anormal,
me faz perder completamente o sono...

E amanhã, quando então sair, já dia,
de face branca e com olhar bem fundo,
hei de escutar, em frases de ironia,
a voz tola e inconsciente desse mundo:
"Se não deixar de vez esta boêmia,
verá bem cedo seu tristonho fim!"
"Sempre trocando a noite pelo dia,
vai muito mal, vai muito mal assim!"
"Está tão magro e pálido o infeliz!"
"Estas noites perdidas em orgia!
Pobre Luiz!"
— Oh! sim, pobre Luiz...

Fonte:
Luiz Otávio. Um coração em ternura…: poesias. RJ: Irmãos Pongetti, 1947.

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