sábado, 24 de outubro de 2020

José Lucas de Barros (Caderno Poético) IV, décimas


AFINEI PELA PRIMA DA VIOLA
O POEMA QUE FIZ PRA MINHA PRIMA.


Adocei a toada sertaneja,
Imitando a ternura dos gorjeios;
Busquei longe a alegria dos recreios
Embalados na terra benfazeja;
Com as bênçãos do Deus de minha igreja,
Recebi lá do céu a melhor rima
E, com todos os brios da auto-estima
De um canário liberto da gaiola,
Afinei pela prima da viola
O poema que fiz pra minha prima.
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A SAUDADE ACERTOU MEU ENDEREÇO
DESDE QUANDO VOCÊ FUGIU DE MIM.


Hoje sobra um lugar em minha cama
e um talher sempre limpo em minha mesa,
Mas não há mais lugar para a tristeza
Que em meus olhos mil lágrimas derrama!
Como é dura a existência de quem ama
Na distância cruel que não tem fim!
Todos sabem que agora vivo assim,
Porque, nesta prisão que não mereço,
A saudade acertou meu endereço
Desde quando você fugiu de mim!
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COISAS GUARDADAS QUE EU TENHO
QUE ÀS VEZES VOCÊ NÃO TEM.


Quero mostrar-lhe o desenho
Da vida, desde menino,
Um traçado do destino,
Coisas guardadas que eu tenho:
Carrego o peso de um lenho
Que Deus transforma num bem,
E quando a descrença vem,
O Mestre de Nazaré
Me devolve aquela fé
Que às vezes você não tem.
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É PRECISO SABER ENVELHECER.

– É tranquilo viver a juventude
No remanso febril dos verdes anos,
Sem sentir o amargor dos desenganos
Nem as dores da falta de saúde;
Mas não é permanente essa virtude,
Porque o tempo interfere no viver,
Muitas vezes trazendo desprazer,
Com o peso enfadonho da canseira.
Quem quiser ser feliz a vida inteira,
É preciso saber envelhecer.

– Há um modo de vida em cada idade
Por desígnio da própria natureza.
Ninguém pode guardar toda a beleza
Nem a graça da eterna mocidade;
Entretanto, pra ter felicidade,
Não precisa estressar-se nem correr,
Basta o amor no trabalho e no lazer
Pra manter a alegria da existência,
Pois, de acordo com as leis da Providência,
É preciso saber envelhecer.
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FUTURO É QUASE PRESENTE,
PRESENTE É QUASE PASSADO.

 
Até parecem mentira
Certas coisas deste mundo:
Numa fração de segundo,
A roda do tempo gira;
Quando um instante se retira,
Outro encosta no tablado.
O tempo é tão apressado
Que passa pisando a gente...
Futuro é quase presente,
Presente é quase passado.
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O POETA TAMBÉM CHORA,
MAS CHORA COMO QUEM CANTA.


Todo poeta se inspira
Na vibração de seu canto,
Embora, às vezes, o pranto
Em seu caminho interfira;
Afeito ao toque da lira,
O som das canções o encanta,
Mas, se um dia a musa santa
De seus sonhos vai embora,
O poeta também chora,
Mas chora como quem canta.
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OS MEUS SONHOS DE POETA
JÁ FORAM REALIZADOS.


Nunca fui um bom esteta,
Mas fiz da forma uma lei
E na trova não frustrei
Os meus sonhos de poeta;
O que falta. Deus completa
Pra redimir os pecados
Dos versos desengonçados
Que discrepam dos demais,
Por isso meus ideais
Já foram realizados.
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POESIA VEM DE ALGUM CANTO
QUE EU NUNCA SOUBE EXPLICAR.


Coisa tão simples... Deus cria,
Dá de graça a qualquer pobre,
Mas nenhum gênio descobre
Os mistérios da poesia;
Filha da noite e do dia,
Tem luz de estrela e luar;
Percorre os caminhos do ar
E nos bafeja; entretanto,
Poesia vem de algum canto
Que eu nunca soube explicar.

Fonte:
José Lucas de Barros. Pelas trilhas do meu chão. Natal/RN: CJA Ed., 2014

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