Foi mesmo assim, paixão à primeira vista. Sempre pensei que isso não existisse!
Aconteceu numa tarde, quando eu encerrava as compras natalinas daquele ano. Olhei para ele, ele olhou para mim e os sininhos tocaram! De ambos os lados, talvez? Incendiaram-se os meus sentidos! O verbo ter sobrepujou qualquer outro. Mas, não cedi à tentação, prontamente. Continuei a caminhar sem pressa, examinando, com cuidado exagerado, mercadorias que, por certo, não seriam compradas — demonstrava até certo alheamento pelo que, realmente me interessava.
Caminhei pela grande loja encantando os olhos, fascinada pelas luzes, cores e brilhos que a cada ano despertavam o espírito natalino, transportando almas para um mundo diferente onde, só em dezembro, todos falavam a mesma língua.
Depois de andar à roda, fechei o círculo em frente a ele. E, aí, não deu para esconder, nem disfarçar o meu real interesse.
Fitamo-nos olhos nos olhos e, sem mais ponderações, capitulei — aquele Papai Noel de três palmos de altura, cabelos longos, barbas branquinhas e vestido com requinte, seria meu, sem importar quanto custasse, mesmo porque, com a chegada da bisneta, qualquer quantia seria válida para comprar-lhe um sorriso.
O olhar azul do Bom Velhinho fixou-se no meu, cativando-me em definitivo. Quase voltei a ser criança quando, ao pressionar um botão, ouvi novamente soarem os sinos, a modular canções natalinas enquanto o boneco movia cabeça e braços ao ritmo das melodias. Numa das mãos, um saco de presentes e, na outra, uma lanterna acesa.
Que festa, voltar no tempo e sentir renascer as mesmas ingênuas emoções outrora sentidas!
Um Pai Noel como aquele não poderia faltar numa Noite de Natal em que um pequenino anjo, redundantemente chamado Ângela, fazia seu debut natalino.
Foi mágico o instante em que Angela pousou seus olhos no Papai Noel surpreendente, que se mexia e tocava sininhos invisíveis! Fascinação total! Tanto por parte do anjo, de apenas dez meses de idade, como dos que, enlevados, observavam a cena!
Findo o êxtase, difícil foi estabelecer limites protetores que preservassem a integridade do Bom Velhinho indefeso, exposto à curiosidade exacerbada de duas mãozinhas indóceis. No primeiro descuido, a lanterna trocou de dono, indo parar nas mãos angelicais, que quase a destruíram!
Passados os ecos do Natal, o Dia de Reis exigia que os vestígios natalinos desaparecessem nas caixas, nas gavetas e nos armários. A árvore tradicional, despida de luzes e enfeites, galhos dobrados, sumiu numa caixa comprida, no alto de um armário. O presepe, com carinho desmontado. As velas e os arranjos típicos, que enfeitavam mesas e móveis das salas, recolhidos.
Faltava ele! Só o Papai Noel, com suas barbas branquinhas e lanterna em punho, permanecia no posto, à espera de outra visita de Angela, para que o visse, uma vez mais, antes da sua forçada hibernação até o Natal vindouro.
Passaram-se quinze dias...e… Ângela não veio! Por várias vezes, ao me sentir solitária, acionei aquele botão mágico que me deliciava com melodias escolhidas para prolongar as emoções recentes do que poderia ser, quem sabe, meu último natal.
Questionei-me: — Por que me apegara tanto àquele Papai Noel tão meigo?! Por que não o doara, definitivamente a Ângela, já que evidentemente o comprara pensando nela?! As respostas não foram tão fáceis quanto as perguntas. Tentei justificar-me perante mim mesma; — Talvez porque, inconscientemente, eu quisesse atraí-la para mais perto de mim, para nos deliciarmos, juntas! Ela, com a magia dele emanada. Eu, com o encantamento que as duas presenças me proporcionariam.
Olhei-me, frente a frente, e então, a verdade aflorou. Ângela, minha tão querida bisneta, fora apenas um pretexto para justificar a compra daquele Papai Noel, que um dia será dela!
Simplesmente, porque a magia daquele Velhinho trazia à tona lembranças doces de natais felizes, (tão felizes!) que nunca mais voltarão, é que o fiz descer da prateleira da loja, trazendo-o para casa!
Comprei-o, sim! Impossível negar... comprei-o para mim mesma!
E com tristeza maior... sem mais esperas, engavetei o meu Papai Noel!
Fonte:
Carolina Ramos. Feliz Natal: contos natalinos. São Paulo/SP: EditorAção, 2015.
Livro enviado pela autora.
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sábado, 10 de outubro de 2020
Carolina Ramos (Paixão à Primeira Vista...)
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