O Juvêncio, explicador de matemáticas, era um homem lúgubre.
Nunca ninguém o viu rir, nunca ninguém lhe apanhou a expressão do olhar através dos óculos escuros.
Tinha as faces encovadas, o nariz adunco, a barba crescida.
Trajava sempre de preto e usava chapéu alto.
Era distraído e parecia estar sempre vagando pelos intermúndios do infinito, levado sobre uma nuvem de algarismos.
Numa dessas belas tardes cariocas, em que todas as mulheres bonitas vão assoalhar na Avenida a sua beleza e as suas toilettes, o explicador Juvêncio tomou, com alguma dificuldade, o bonde no Largo da Carioca, para ir dar uma explicação no Catete. Era à hora de mais afluência. Os lugares eram conquistados à força de agilidade e destreza.
O explicador Juvêncio ficou, por acaso, num bonde cheio de mulheres, num bonde que parecia antes a barca de Citera, pintada por um Watteau moderno. Que pena! O explicador Juvêncio, que era um viúvo positivista, não tinha olhos para a porção mais bela da humanidade.
No banco em que ele se sentou estavam três cocottes espaventosas, que o embriagavam com uma porção de capitosos perfumes.
O banco da frente estava ocupado por uma família: três elegantes senhoritas, acompanhadas pela mãe, que poderia passar pela irmã mais velha.
As três senhoritas falavam pelos cotovelos, comentando tudo quanto tinham visto durante o passeio.
Uma delas, por sinal que a mais bonita, agitava entre os dedos um pequenino lenço branco, um mimo de lenço em que nariz algum se atreveria a assoar-se.
No calor da conversa, a senhorita fez um gesto, e o lenço, escapando-lhe da mão, foi cair - vejam que fatal casualidade! - foi cair mesmo em cima da braguilha do explicador Juvêncio.
Este, que ia entretido a ler um livro de matemáticas, não deu absolutamente pela coisa.
As cocottes riram a bom rir, mas nenhuma se atreveu a ir buscar o lenço onde caíra para entregá-lo à dona. Entretanto, a que estava junto do explicador Juvêncio deu-lhe uma cotovelada e, com um olhar, chamou-lhe a atenção para o lenço.
O que se passou então foi extraordinário. O explicador Juvêncio disse consigo: - Quando me hei de corrigir das minhas distrações? Pois não é que deixei ficar de fora um pedaço da fralda da camisa? E imediatamente, cobrindo com o livro o que estava fazendo, empurrou o lencinho para dentro da braguilha.
Depois, tirou o chapéu à cocotte, dizendo:
- Muito obrigado, minha senhora - e continuou a ler imperturbavelmente.
Fonte:
Arthur de Azevedo. Contos vários.
Nenhum comentário:
Postar um comentário