O Brochado veio rapazito para o Rio de Janeiro e saltou aqui com o pé direito, porque arranjou logo emprego, e dois anos depois estava primeiro caixeiro, com magnífico ordenado e caderneta na Caixa Econômica.
Considerava-se feliz; só uma coisa o afligia: as saudades do pai, que deixara na aldeia.
Um dia em que, passando por uma loja da Rua do Ouvidor, viu exposto um retrato a óleo, lembrou-se de mandar pintar o do velho, a fim de pendurá-lo defronte da cama. Não podendo ter perto de si a pessoa, teria ao menos a imagem de seu pai!
O Brochado informou-se da residência do pintor e foi ter com ele.
- Vinha pedir-lhe que me pintasse o retrato de meu pai.
- Com todo o gosto.
- Mas não queria coisa que me custasse mais de trezentos mil réis. ~ quanto posso pagar.
- Está dito! Esse não é o meu preço, é muito barato; mas como o senhor não pode pagar mais, paciência! Onde está o senhor seu pai?
- Em Portugal.
- Ah! está ausente? É pena, porque não gosto de fazer retratos senão diante dos respectivos modelos. Enfim, como não há remédio...
- Faz o retrato?
- Faço. Queira mandar-me a fotografia.
- Que fotografia?
- Do senhor seu pai.
- Não tenho.
- Ah! não tem fotografia? Tem então um desenho?
- Que desenho?
- Um retrato qualquer do senhor seu pai.
- O retrato vai o senhor fazer-me.
- Mas o senhor não tem outro, do qual eu possa copiar o meu?
- Não, senhor; se eu tivesse o retrato de meu pai, não lhe encomendava outro; bastava-me um!...
- O senhor supõe que eu seja um telefotógrafo?
- Um quê?
- Como quer o senhor que eu faça o retrato de uma pessoa que não conheço, que nunca vi, e que não está presente?
- Dar-lhe-ei todas as informações necessárias.
O pintor compreendeu então que espécie de homem tinha diante de si e logo pensou em não perder os trezentos mil réis que estavam ganhos.
- Pois bem - disse ele - vamos às informações...
- Meu pai chama-se Francisco Brochado.
- O nome não é preciso.
- É viúvo.
- Adiante.
- Tem coisa de cinquenta anos. É alto, magro, barbado, louro, e corta cabelo à escovinha. Eu pareço-me com ele.
- É quanto basta - disse o pintor. - Daqui a três dias pode mandar buscar o retrato.
O Brochado Filho saiu, e no dia aprazado lá estava em casa do artista.
- Ali tem seu pai! - disse este apontando para um retrato que estava no cavalete.
O Brochado aproximou-se, teve um gesto de surpresa e levou muito tempo a olhar para a pintura.
Depois, as lágrimas começaram a deslizar-lhe pela face.
- Que tem o senhor?... Por que chora? - perguntou o pintor.
E o pobre diabo, com a voz embargada pelos soluços, exclamou:
- Como meu pai está mudado!...
Fonte:
Arthur de Azevedo. Contos vários.
Considerava-se feliz; só uma coisa o afligia: as saudades do pai, que deixara na aldeia.
Um dia em que, passando por uma loja da Rua do Ouvidor, viu exposto um retrato a óleo, lembrou-se de mandar pintar o do velho, a fim de pendurá-lo defronte da cama. Não podendo ter perto de si a pessoa, teria ao menos a imagem de seu pai!
O Brochado informou-se da residência do pintor e foi ter com ele.
- Vinha pedir-lhe que me pintasse o retrato de meu pai.
- Com todo o gosto.
- Mas não queria coisa que me custasse mais de trezentos mil réis. ~ quanto posso pagar.
- Está dito! Esse não é o meu preço, é muito barato; mas como o senhor não pode pagar mais, paciência! Onde está o senhor seu pai?
- Em Portugal.
- Ah! está ausente? É pena, porque não gosto de fazer retratos senão diante dos respectivos modelos. Enfim, como não há remédio...
- Faz o retrato?
- Faço. Queira mandar-me a fotografia.
- Que fotografia?
- Do senhor seu pai.
- Não tenho.
- Ah! não tem fotografia? Tem então um desenho?
- Que desenho?
- Um retrato qualquer do senhor seu pai.
- O retrato vai o senhor fazer-me.
- Mas o senhor não tem outro, do qual eu possa copiar o meu?
- Não, senhor; se eu tivesse o retrato de meu pai, não lhe encomendava outro; bastava-me um!...
- O senhor supõe que eu seja um telefotógrafo?
- Um quê?
- Como quer o senhor que eu faça o retrato de uma pessoa que não conheço, que nunca vi, e que não está presente?
- Dar-lhe-ei todas as informações necessárias.
O pintor compreendeu então que espécie de homem tinha diante de si e logo pensou em não perder os trezentos mil réis que estavam ganhos.
- Pois bem - disse ele - vamos às informações...
- Meu pai chama-se Francisco Brochado.
- O nome não é preciso.
- É viúvo.
- Adiante.
- Tem coisa de cinquenta anos. É alto, magro, barbado, louro, e corta cabelo à escovinha. Eu pareço-me com ele.
- É quanto basta - disse o pintor. - Daqui a três dias pode mandar buscar o retrato.
O Brochado Filho saiu, e no dia aprazado lá estava em casa do artista.
- Ali tem seu pai! - disse este apontando para um retrato que estava no cavalete.
O Brochado aproximou-se, teve um gesto de surpresa e levou muito tempo a olhar para a pintura.
Depois, as lágrimas começaram a deslizar-lhe pela face.
- Que tem o senhor?... Por que chora? - perguntou o pintor.
E o pobre diabo, com a voz embargada pelos soluços, exclamou:
- Como meu pai está mudado!...
Fonte:
Arthur de Azevedo. Contos vários.
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