O TELEFONE TOCOU DEZ VEZES. Na décima primeira, o sujeito atendeu:
— Alôaaa...
O que ligava estava agastado e super nervoso. Pê da vida. Xingou o cara para quem telefonava, dos pés a cabeça. Só não chamou o desgraçado de santo. O que atendeu, ao contrário, se achava super tranquilo e de bem com a vida:
— Mexerica, seu filho de uma égua. Por que demorou atender? Infeliz, você nem imagina a minha preocupação. Quase tenho um piripaque.
— Fala ai, Polvilho. Fica calmo. Estava no banheiro. O que você manda?
— Como o que eu mando? Tá me tirando? Fez o que pedi?
— Fiz. Ontem mesmo.
— Ah, tá. Deu tudo certo?
— Deu.
— Posso ficar tranquilo?
— Deve.
Polvilho ainda bufando de raiva e extremamente preocupado, procurou se acalmar:
— Desculpe ter me alterado. Achou fácil o endereço?
— Moleza! Com aquele mapa que me deu...
— E como foi o encontro com o maldito Torresmo?
— Correu tudo bem. Como aliás, havíamos previsto. Ele pegou os cento e cinquenta mil reais, contou, recontou e chiou um pouco pelo fato de você ter demorado a dar sinais de vida. De resto, nada de novo.
— Graças a Deus! Jesus Cristo seja louvado.
— Só teve um detalhe que me pediu para lhe comunicar o mais urgente possível.
— Detalhe? Que detalhe.
— Você esqueceu os juros do mês passado. Ele quer que você mande para ontem.
— Que inferno, Mexerica. Esqueci a droga dos juros. Você pediu um prazo?
— Pedi.
— E ele?
— Foi meio imparcial. Deu até sábado. Nem um dia a mais, nem a menos. Caso você não se manifeste, ele irá lhe procurar pessoalmente ai no seu restaurante.
— Diabos, Mexerica. Sábado agora? Espia, mano! Hoje é quarta.
— Eu sei. Fiz das tripas coração. Pedi quinze dias, ele virou bicho. Tem que ser sábado agora. Deixou isto bem sintetizado. O valor você já sabe. Vinte e cinco por cento do capital de cento e cinquenta mil reais.
— Com essa história de juros, acredito tenha pago e repago o capital do amaldiçoado umas quinze vezes.
— Bem, ele disse que sábado é o prazo final. Mandou que você desse seus pulos. Preciso estar com o Torresmo às duas horas em ponto. Polvilho, meu prezado, não tenho nada com a sua vida. Mesmo assim, vou lhe dar um conselho. Conselho de amigo. Acho que esta é a hora. Procura se virar nos tais juros e ai você fica livre da agiotagem desse espertalhão.
— Farei isso, Mexerica. A propósito: você me ajudaria com um novo favor?
— Se estiver ao meu alcance...
— Por tudo quanto é sagrado. Não quero tornar a ver a fuça do Torresmo na minha frente. Você leva o dinheiro dos juros para mim? Sábado pela manhã, ai pelas oito, você vem aqui no restaurante e pega comigo o valor. Combinado?
— Combinado, meu amigo.
Assim que Polvilho saiu de cena, Mexerica ligou correndo para a Melissa, sua namorada:
— Oi, gatinha. Arrumou as malas?
— Seu idiota. Claro que sim. Aliás, estão prontas tem mais de uma semana. E aí, quando vamos meter os pés na estrada?
— Neste sábado. Estou com as passagens.
— De verdade, amor?
— De verdade. Passa a mão nos seus cacarecos e se encontra comigo na rodoviária. Vou esperar por você em frente ao guichê da empresa. Não se atrase. Vamos pegar o primeiro. Lembra. Onze horas. Esteja lá.
— OK, meu amor. É certo mesmo, né?
— Ainda duvida de mim, Melissa. Beijos. Não esquece. Sábado agora. Vamos embarcar às onze em ponto. Se cuida.
— Você também, amor. Te amo!
***************
Sábado às sete horas da manhã, Polvilho tornou a ligar para o Mexerica. Como sempre, a demora da criatura em atender. Quando ia tocar pela décima sexta vez, Mexerica se fez ouvir:
— Bom dia. Fala, meu amigo.
— Filho do tinhoso. Por que demora tanto em atender a esse telefone?
— Porque estava com a minha velha, Polvilho. Você sabe como é. Mamãe não sabe das minhas tretas. E aí, está com a grana?
— Estou.
— Posso ir buscar?
— Agora.
— Está no restaurante?
— Sim. Pode vir.
— OK. Estou a caminho. Só o tempo de pegar um Uber.
No estabelecimento comercial, sem mais delongas Polvilho passou a grana limpinha do tal do juro em aberto para o amigo Mexerica, como fez anteriormente com o capital:
— Te devo mais esta.
— Fique tranquilo. Você não me deve nada. Amigo é para estas coisas.
— Confere, por favor.
— Confio em você, Polvilho. Se não confiasse...
— Obrigado pela parte que me toca. Apesar do ladrão do Torresmo ter me arrancando as cuecas e as calças, agradeça a ele por ter me quebrado o galho. Alias, um galhão. Hoje, me livro desse verme para sempre. Tome aqui dois mil e quinhentos reais pelo transtorno que lhe causei.
— Qué isso, cara. Você é meu amigo.
— Por isto quero que aceite. Sei que precisa. É um presente.
— Sempre vou estar às suas ordens, Polvilho. Se precisar, sabe onde me encontrar. A propósito: na volta tomamos uma cerveja?
— Se for uma só, estou dentro. Estes juros extras me deixaram a ver navios.
— Vamos fazer o seguinte. Eu pago uma e você promove a saideira. Fechado?
— Fechado, amigão. Vai com Deus. Que os anjos do céu lhe acompanhem! Depois me dê notícias.
Trocaram efusivos apertos de mãos e Mexerica pulou para dentro de um automóvel de aplicativo. Ligou para a Melissa imediatamente. A jovem atendeu, de pronto:
— Amor, estou indo para a rodoviária. Voa, minha princesa. Tá quase na hora do ‘buzuzão’ partir.
— Ok, lindo. Estou a caminho. Chego dentro de vinte minutos.
****************
Desde este sábado, Mexerica tomou chá de sumiço. Desapareceu do pedaço. Escafedeu, segundo amigos e vizinhos próximos, para lugar incerto e não sabido, levando a sua namorada Melissa, à tiracolo. Como toda história que envolve grana alta nunca teve final feliz, esta não poderia fugir à regra. Uma semana depois Torresmo em carne e osso, baixou com a sua turma de guarda costas mal encarados no restaurante de Polvilho:
— Olá meu amigo Torresmo. Quanta honra! A que devo a sua tão amável visita? — Vou mandar meus cozinheiros prepararem aquele almoço para você e seus amigos. Entrem, fiquem a vontade.
Torresmo, forte como um touro, não se ateve à palavrórios. Agarrou Polvilho pelo pescoço e o levantou no ar:
— Vim receber meu dinheiro, seu safado e caloteiro. Quero minha grana agora. Eu disse agora. Ou paga, ou reza.
Polvilho tentou falar... Sequer chegou a balbuciar:
— Torres... Tor... Res... Torres... Mo... Eu te pa... Paguei tu... Tudo.
— Verdade?
— Mandei meu amigo Mexerica levar seu dinheiro. E ele...
— Tratei com você. O Mexerica que se exploda.
Foram suas últimas palavras. As extremas, a bem da verdade. Polvilho foi atirado carinhosamente dentro de um dos carros pretos que faziam parte da comitiva de Torresmo. Desde este dia, o coitado do Polvilho parece ter se dissolvido na água. Nunca mais foi visto.
Fonte:
Aparecido Raimundo de Souza. Comédias da vida na privada. RJ: Editora AMC-GUEDES, 2020.
Texto enviado pelo autor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário