ALOÍSIO PEGARIA o trem às sete e trinta da manhã de sexta-feira, impreterivelmente. Nenhum minuto a mais, nem a menos. Preparou as malas. Reviu item por item o que pretendia levar na bagagem. Dormiria cedo. Nada de televisão, esta noite. Antes de se recolher botou o celular para despertar às cinco. Ligou para Ana, sua noiva. Meia dúzia de palavras. Dia seguinte teriam mais de quinze horas para ficarem juntos num passeio que prometia ser inesquecível. Trocaram carinhos. Beijos e juras de amor. O essencial para manter acesa a chama do coração. Desligaram simultaneamente com um meloso “boa noite, durma bem. Te amo”.
***
Às cinco horas em ponto, o celular despertou Aloísio de um sono gostoso. Pulou da cama ligeiro e correu para o banheiro. Fez a barba, tomou banho, vestiu as roupas novas que havia comprado. Discou para a noiva às cinco e trinta. Ela estava pronta, esperando a ligação:
— Falta só engolir o café que a mãe fez, amor, e comer um pãozinho com manteiga.
— O trem sai às sete e meia em ponto.
— Legal. Estarei lá.
— Então, até...
— Até.
— Te amo!
— Eu também.
***
Do bairro onde ficava a casa de Aloísio até a estação, meia hora. Dava para fazer o percurso a pé, caso optasse por não pegar ônibus lotado. Talvez, por isso, Aloísio tenha, realmente, resolvido caminhar. Geralmente, àquela hora, apesar de ser o último dia útil, os passageiros dos coletivos andavam iguais a sardinhas em lata. O quadro não mudava nunca. Somado a isso, o inconveniente da galera, aglutinada (apesar do desodorante e do perfume baratos), conservava os sovacos cheirando a bacalhau apodrecido. Pensando nesses contratempos, saiu e se pôs em marcha, com uma boa margem de antecedência. Quando Ana saltou, do outro lado da pista, ele igualmente descia as escadas de acesso à estação ferroviária, trazendo, à reboque, uma bolsa enorme. Foi a jovem quem o avistou primeiro. Levantou os braços e gritou:
— Beeeeeem... Espere.
Aloísio ouviu a voz da consorte na segunda chamada. Deteve os passos. Ana cruzou a avenida movimentada, usando a passarela enorme que se estendia de um lado a outro, indo afluir, de frente, ao átrio de embarque. A sombra da beldade passava por cima dos ônibus e carros com tanta velocidade, que sequer dava para ver ou medir o tamanho da sua euforia delineada no asfalto abarrotado de rodas e pneus. Depois de um amontoado de beijos e abraços à volta ao mundo real:
— Vamos nessa?
— Demorô.
— Que horas?
— Sete em ponto.
— Temos ainda trinta minutos.
— O trem nem encostou...
— E não chegou muita gente, pelo visto.
— Mas observe que está tudo aberto.
— Percebi.
— Dá tempo pra comprarmos alguma coisa pra comermos pelo caminho, se você quiser. Embora eu ache que não seja preciso. Mamãe fez cachorros quentes e sanduíches de mortadela e queijo.
—Tem razão, amor. Vamos economizar. Sua sogra mandou frutas, biscoitos e dois litros de refrigerantes, além daquele bolo de chocolate que faz você lamber os beiços.
***
O chefe da estação, de andar lento e cansado (lembrava o velho e obeso sargento Garcia da série Zorro) barrou os dois à roleta de acesso à plataforma:
— Bom dia, meus amados. Vocês dois pretendem ir para onde?
— Pegar o trem.
Risos.
— O trem? Meus filhos, a esta hora ele está bem longe daqui. Outro, agora, só amanhã...
— O trem partiu? Como? O horário de saída não é às sete e trinta?
— Perfeitamente. Só tem um probleminha: que horas no seu relógio?
— Sete e vinte.
— E no seu, moça?
— Sete e dezenove.
— Desculpe. São oito horas e vinte e cinco minutos. Só para lembrar aos pombinhos: o horário de verão começou ontem, à meia noite. Pelo visto, vocês dois empacaram no horário velho. Posso dar uma sugestão? Troquem os tiquetes para amanhã, ou se preferirem, para o próximo final de semana. Os valores pagos não se perdem. Valem por um ano.
— Oh my God!...
— Não acredito! Amor, que mico. Racha a cara!...
Aloísio, na verdade, se esquecera de adiantar os ponteiros. Ana também, levada pela euforia de saber que passaria um final de semana inteiro com seu príncipe encantado. Vencido o impacto do primeiro choque, e depois de trocados os bilhetes, ambos se retiraram cabisbaixos e chorosos, procurando refúgio na onda gigante da tristeza frustrante que de repente os envolveu.
Fonte:
Aparecido Raimundo de Souza. Comédias da vida na privada. RJ: Editora AMC-GUEDES, 2020.
Texto enviado pelo autor
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