quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Roberto Melo Mesquita (A Língua Portuguesa)


A Língua Portuguesa é um instrumento facilitador da organização do pensamento. Quem possui o conhecimento da estrutura da língua, tem plena consciência do que diz e automaticamente pensa melhor. A Língua é como a roupa: usa-se conforme a ocasião.

A variação linguística ainda é considerada um tabu entre os próprios professores de português. E o que mais me incomoda nessa questão é o conceito irreal de que temos uma “unidade linguística no Brasil”. A verdade é que esse tabu prejudica em muito o avanço à construção da nossa educação. É preciso reconhecer a grande diversidade do português falado pelos nossos irmãos brasileiros por esse Brasil afora.

Somos mais de 210 milhões de falantes, marcados por variantes e não por uma língua comum, única, sem diversidades. Estamos vinculados a uma série de fatores de ordem geográfica, econômica, de escolarização, de faixa etária que influenciam fortemente nessa diversidade. E aptos a entendermos que, quando falamos em Língua Portuguesa, estamos falando de uma unidade que se constitui de muitas variações: diatópicas (nacionais e regionais), diacrônicas (de uma época para outra), diastráticas (de um grupo social para outro), diafásicas (de uma situação para outra) e diamésicas (de uma modalidade – oral – para outra – escrita).

Se uma pessoa usar em sua fala expressões como “fósfro”, “home”, “trabaiá”, “môio ingrês”, a maioria vai achar, inclusive professores, que ela está falando errado.

Com o emprego dessas expressões, somos levados a abordar apenas as variedades diatópicas e diastráticas, que por sua vez, se estendem sobre a linguagem urbana e a linguagem rural. Aqui é que aparecem os dialetos ou falares regionais. E é neste momento que me permito fazer uma incursão ao nosso dialeto caipira, sempre tão bem estudado por Amadeu Amaral e muito bem representado por Cornélio Pires como nos lembra a estudiosa professora Durce Gonçalves Sanches. Cornélio coletou inúmeros dizeres caipiras. Já Amadeu estudou linguisticamente esse fenômeno.

Assim, em “Nóis vai, nóis vorta, o preço do ônibo é o mesmo” vale a pena marcar o “r” retroflexo tão característico de região definida por isoglossas como sendo “região do dialeto caipira”. Já em “Faiz mar, tomá banho de mar?Num faiz; é só tomá cuidado com o sar, por causa do sor”, temos uma expressão marcada como “apenas fenômeno no dialetal” e não como erro. É o caso de “Sarta da carçada, sordado marvado, que lá vai porva".

Daí, concluirmos que "se uma pessoa usar em sua fala expressões como 'fósfro', 'home', 'trabaiá', 'môio ingrês', a maioria vai achar, inclusive professores, que ela não está falando errado". Lembrando que, enquanto os gramáticos (normativos) lidam com erro e acerto, os linguistas trabalham com adequado e inadequado.

O brasileiro de uma forma geral tem camuflado o preconceito racial. Nesse momento, temos de lembrar sempre que, na linguagem, são refletidos não apenas a maneira de pensar e a evolução dos acontecimentos, mas também os preconceitos e tabus sociais. A função social da linguagem é permitir a compreensão entre os membros de uma comunidade. Muitas vezes a palavra exata é constrangedora em determinados momentos, usando-se então uma expressão atenuadora, o eufemismo. O ato de roubar, por exemplo, é nomeado de acordo com a posição social do sujeito que o pratica. O gerente desvia o dinheiro. Já o marginal assalta o banco.

O prestígio da linguagem das classes sociais elevadas é enorme, pois a maneira de falar de um superior sempre parece a nós invejável e se apresenta como símbolo de uma vida suposta como ideal. Os hábitos linguísticos vindos do que a sociedade considera inferior são sempre desdenhados — seja pela região geográfica, seja pela classe social.

Os usos procedentes do Centro-Sul, do eixo Rio-São Paulo são logo socializados. Seu padrão de vida é tido como invejável e imitável, além de exportado pela TV para todo o país.

Segundo pesquisas, apenas 26% das pessoas entre 15 e 64 anos são plenamente alfabetizadas, isto é, têm domínio das habilidades de leitura e escrita. Essas pesquisas nos deixam muito preocupados. Mas a vida continua e queremos que a nossa educação melhore. Então, a escola precisa aprender a desenvolver nos alunos habilidades e competências, no seu processo de ensino-aprendizagem. Aprender a focar a formação acima da informação, transformar o aluno em cidadão participante consciente. Fazer com que ele desenvolva a capacidade de raciocinar, de interpretar, de interferir na realidade, de resolver os problemas do dia a dia. Ao construir o próprio conhecimento, a partir da observação, da manipulação, da pesquisa, da análise, o aluno vai vivenciar o conceito ao invés de recebê-lo pronto. Vai internalizar, chegando com mais profundidade ao conhecimento. A escola ainda há de realizar um currículo com conteúdos contextualizados, próximos da realidade do aluno, e trabalhados de maneira interdisciplinar, em conteúdos interligados.

E é bom que se diga que o domínio da leitura e escrita é fundamental para o aprendizado em todas as disciplinas. Ensinar a ler e a escrever é tarefa de toda a escola e não só do professor de Língua Portuguesa.

Fonte:
Língua e Tradição

Nenhum comentário: