A bonequinha de pano
que vi, naquela vitrina,
era o aflito desengano
do olhar da pobre menina!
- - - - - -
Da flor da infância, o perfume
me embriaga, eternamente!...
Saudade é faca sem gume,
aos poucos cortando a gente!
- - - - - -
Desperta a aurora em meu ninho,
e a alvorada, enfim, reluz...
Pondo mais luz no caminho
da estrada que me conduz!
- - - - - -
É tão profundo o desgosto,
das queixas do fim do dia...
Que escuto os ais do Sol posto,
na dor da melancolia!
- - - - - -
Lágrimas de luz, ao vê-las,
nos olhos do céu bonito,
são queixumes das estrelas
na solidão do infinito!
- - - - - –
Mãe! um temor me assedia
nesta idade que me alcança:
É o de esquecer, que algum dia,
em teus braços fui criança!
- - - - - -
Minha casa é uma surpresa;
é simples, do teto ao chão...
Se faltar pão sobre a mesa,
sobra amor no coração!
- - - - - -
Na praça, os dois se exibindo;
idílios da vida em flor...
E o banco em silêncio ouvindo
jovens promessas de amor!
- - - - - -
Nos versos, mais sutileza,
na trova, laços de enlevo.
Assim, convenço a tristeza
que é mais feliz quando escrevo!
- - - - - -
O mar, com tudo se arruma.
Por ser poeta, se esmera,
quando faz versos de espuma
nas noites de primavera!
- - - - - –
Para a criança indefesa,
vítima desse fracasso...
Melhor que um pão sobre a mesa.
é a ternura de um abraço!
- - - - - -
Por teu talento, ó, Jesus,
vejo entre estrelas tão belas...
Uma lua sem ter luz,
brilhar mais que todas elas!
- - - - - -
Quando a saudade me aperta,
nada, no amor, mais me acalma...
Só tu tens a chave certa,
que abre os portões de minha alma!
- - - - - –
Quando o céu pinta a moldura
de uma seca no sertão,
o manto da desventura
cobre as cinzas do meu chão!
- - - - - -
Quando o velho mar se alteia,
por entre as brisas e a bruma,
esconde o tédio na areia,
por sob a barba de espuma!
- - - - - -
Se a solidão desconforta,
que tal, sentir a ilusão
de ver no trinco da porta,
as digitais de outra mão?...
- - - - - -
Se a vida é um grande torneio,
na arena, eu não me confino;
vou montar noutro rodeio
até moldar meu destino!
- - - - - -
Se há flores mais preciosas
entre os jardins dos rosais...
Não há disputa entre as rosas;
sentem-se todas iguais!
- - - - - -
Se o amanhecer nos conduz
aos encantos da alvorada,
o Sol é um beijo de luz
nos lábios da madrugada!
- - - - - -
Se o mar esconde o temor,
de um feitiço que o atraia,
Rende-se aos laços do amor
quando adormece na praia!
- - - - - -
Setenta e um!... E, eu preciso
deixar mais gestos de amor;
Em cada curva um sorriso
e em cada esquina uma flor!
- - - - - -
Só depois que a idade avança,
o homem, já curvo e cansado...
Enxerga a luz da esperança
no olhar de um crucificado!
- - - - - -
Toda tarde, a brisa mansa,
sopra os varais do poente,
e esconde o sol da esperança
da luz dos olhos da gente!
- - - - - -
Um sabiá, na janela,
toda tarde canta um hino,
regendo a canção mais bela
das tardes do meu destino!
- - - - - -
Voz cansada, olhar sem brilho,
passa o tempo, a idade avança,
e a velhinha espera o filho
sem perder nunca a esperança!
Fonte:
Professor Garcia. Trovas que sonhei cantar. vol.2. Caicó: Ed. do Autor, 2018. Livro enviado pelo autor.
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sexta-feira, 16 de outubro de 2020
Professor Garcia (Trovas que Sonhei Cantar) 11
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