APERTEI O BOTÃO E ACIONEI o elevador social. Pelo painel dos andares, percebi que ele estava no sétimo e em descenso. Esperei até que a porta se abrisse no hall principal e ingressei. Meu destino final, o vigésimo. Antes que a porta se fechasse totalmente, uma jovem dos cabelos compridos e um sorriso elegante num rosto encantador chegou correndo.
Segurei o mecanismo no botão de impedir o fechamento, para que ela conseguisse embarcar. Me agradeceu e apertou o décimo sétimo. Porta fechada, nos colocamos à caminho. Algo inusitado ocorreu neste momento. Apesar de termos comprimido de forma correta os botões de nossos andares correspondentes, por algum motivo inexplicável a geringonça passou direito indo finalizar seu itinerário no trigésimo, sem escala.
No topo da torre, resolvemos não abandonar a cabine. Reprogramamos novamente os nossos pisos, e a porta, ato contínuo, se fechou. De novo, na revinda, idêntico fato se repetiu. A cabine desceu direta, como um avião em queda livre, sem se deter no meu andar e no dela, pontofinalizando a nossa viagem, no térreo.
Apesar deste inusitado, não apeamos no saguão. Resolvemos tentar a sorte, clicando de novo o dezessete e o vinte. A porta se fechou e, desta vez, um novo incidente entrou em cena. Em todos os pavimentos, do térreo ao dezesseis, o elevador fez a gentileza de se abrir igual mala velha, sem que ninguém tivesse solicitado.
Fechada a porta no dezesseis, obviamente ele se catrafilaria* no próximo. Qual o quê! Ledo engano. Do dezesseis, ele seguiu direto para o trigésimo. Lá nas alturas, eu e a garota, os rostos além de cansados e descontentes, achamos por bem trocar de cabine. Passamos para o de serviço. Incrivelmente, a mesma história se sucedeu.
O elevador desembestou direto, sem obedecer aos entraves por nós pleiteados. Desta forma, fomos, de novo, rebaixados ao nível inferior e a darmos de nariz com o vestíbulo. Procuramos pelo funcionário, um tal de Gregório, que nos informou estarem ambos os aparelhos funcionando normalmente. Confiantes em sua palavra, reingressamos no social.
Desta feita, entretanto, com o porteiro fazendo a gentileza de apertar os andares nos quais pretendíamos desfrutar do aconchego de nossos lares. ‘Se não parar no dezessete, nem no vinte, me chamem pelo telefone. De qualquer forma, nem será preciso. Estarei monitorando vocês pela câmera interna’. Lá fomos nós de novo, prédio acima.
Se estivesse sozinho, qualquer um que ouvisse o meu relato, diria que eu estaria mentindo. Não estava. O bendito dispositivo que trafega sem fazer curvas (seja subindo ou descendo), só poderia estar de gozação com a minha cara e com a da minha companheira de infortúnio. O desgraçado subiu direto, literalmente. Passou pelo dezessete, em seguida pelo vinte, sem obedecer ao nosso comando de nos deixar onde desejávamos.
De novo no trigésimo, à solicitação do porteiro, pelo telefone, convocando que mudássemos para o de serviço. Obedecemos. Dentro dele, regredimos mais uma vez aos pés do átrio, sem lograrmos encerrar o cansaço do dia estafante, onde tínhamos nossos apartamentos. Gregório, desta feita, resolveu nos acompanhar.
Ele mesmo fez questão de calcar o dedo indicador no dezessete, da moradora, seguido do meu vigésimo. Apesar disto, nada mudou nesse ping-pong estranho. O bicho se invocou e subiu com força e direto. Atendendo agora, ao convite do porteiro, não desembarcamos e ele, gentilmente beirou o vigésimo e o décimo sétimo. Conclusão: aportamos como três babacas na portaria, pela terceira vez.
Sentenciamos, eu e a chateada e furiosa inquilina romper as nossas necessidades pelas escadas de emergência. Com este pensamento à baila, demos inicio na peregrinação penosa, que demoraria um tempo considerável: ‘A gente vai conversando — disse ela quando passávamos pelo terceiro — e o tempo se esvairá mais rápido’. Concordei, e sem mais delongas, iniciamos a enervante caminhada. Neste interregno, fiquei sabendo que a linda se chamava Rosana e morava no 1701 há seis meses.
De degrau em degrau, à medida em que ganhávamos suor e altura, trocávamos impressões, as mais variadas. Falamos de músicas, de filmes, de novelas, de comidas, de nossas vidas e até de política. Gravamos nossos telefones em nossos celulares para contatos futuros, via WhatsApp.
Rosana se formara advogada. Era divorciada e mãe de uma filhinha de seis anos que ficava com a empregada. Prestava serviços jurídicos à uma empresa famosa no mercado de produtos importados. Tinha trinta anos e adorava Fernando Pessoa. Quando me dispunha a falar de mim, quase a galgarmos o nono, um novo imprevisto pintou na nossa suada e prostrante jornada: as escadas estavam bloqueadas.
Segurei o mecanismo no botão de impedir o fechamento, para que ela conseguisse embarcar. Me agradeceu e apertou o décimo sétimo. Porta fechada, nos colocamos à caminho. Algo inusitado ocorreu neste momento. Apesar de termos comprimido de forma correta os botões de nossos andares correspondentes, por algum motivo inexplicável a geringonça passou direito indo finalizar seu itinerário no trigésimo, sem escala.
No topo da torre, resolvemos não abandonar a cabine. Reprogramamos novamente os nossos pisos, e a porta, ato contínuo, se fechou. De novo, na revinda, idêntico fato se repetiu. A cabine desceu direta, como um avião em queda livre, sem se deter no meu andar e no dela, pontofinalizando a nossa viagem, no térreo.
Apesar deste inusitado, não apeamos no saguão. Resolvemos tentar a sorte, clicando de novo o dezessete e o vinte. A porta se fechou e, desta vez, um novo incidente entrou em cena. Em todos os pavimentos, do térreo ao dezesseis, o elevador fez a gentileza de se abrir igual mala velha, sem que ninguém tivesse solicitado.
Fechada a porta no dezesseis, obviamente ele se catrafilaria* no próximo. Qual o quê! Ledo engano. Do dezesseis, ele seguiu direto para o trigésimo. Lá nas alturas, eu e a garota, os rostos além de cansados e descontentes, achamos por bem trocar de cabine. Passamos para o de serviço. Incrivelmente, a mesma história se sucedeu.
O elevador desembestou direto, sem obedecer aos entraves por nós pleiteados. Desta forma, fomos, de novo, rebaixados ao nível inferior e a darmos de nariz com o vestíbulo. Procuramos pelo funcionário, um tal de Gregório, que nos informou estarem ambos os aparelhos funcionando normalmente. Confiantes em sua palavra, reingressamos no social.
Desta feita, entretanto, com o porteiro fazendo a gentileza de apertar os andares nos quais pretendíamos desfrutar do aconchego de nossos lares. ‘Se não parar no dezessete, nem no vinte, me chamem pelo telefone. De qualquer forma, nem será preciso. Estarei monitorando vocês pela câmera interna’. Lá fomos nós de novo, prédio acima.
Se estivesse sozinho, qualquer um que ouvisse o meu relato, diria que eu estaria mentindo. Não estava. O bendito dispositivo que trafega sem fazer curvas (seja subindo ou descendo), só poderia estar de gozação com a minha cara e com a da minha companheira de infortúnio. O desgraçado subiu direto, literalmente. Passou pelo dezessete, em seguida pelo vinte, sem obedecer ao nosso comando de nos deixar onde desejávamos.
De novo no trigésimo, à solicitação do porteiro, pelo telefone, convocando que mudássemos para o de serviço. Obedecemos. Dentro dele, regredimos mais uma vez aos pés do átrio, sem lograrmos encerrar o cansaço do dia estafante, onde tínhamos nossos apartamentos. Gregório, desta feita, resolveu nos acompanhar.
Ele mesmo fez questão de calcar o dedo indicador no dezessete, da moradora, seguido do meu vigésimo. Apesar disto, nada mudou nesse ping-pong estranho. O bicho se invocou e subiu com força e direto. Atendendo agora, ao convite do porteiro, não desembarcamos e ele, gentilmente beirou o vigésimo e o décimo sétimo. Conclusão: aportamos como três babacas na portaria, pela terceira vez.
Sentenciamos, eu e a chateada e furiosa inquilina romper as nossas necessidades pelas escadas de emergência. Com este pensamento à baila, demos inicio na peregrinação penosa, que demoraria um tempo considerável: ‘A gente vai conversando — disse ela quando passávamos pelo terceiro — e o tempo se esvairá mais rápido’. Concordei, e sem mais delongas, iniciamos a enervante caminhada. Neste interregno, fiquei sabendo que a linda se chamava Rosana e morava no 1701 há seis meses.
De degrau em degrau, à medida em que ganhávamos suor e altura, trocávamos impressões, as mais variadas. Falamos de músicas, de filmes, de novelas, de comidas, de nossas vidas e até de política. Gravamos nossos telefones em nossos celulares para contatos futuros, via WhatsApp.
Rosana se formara advogada. Era divorciada e mãe de uma filhinha de seis anos que ficava com a empregada. Prestava serviços jurídicos à uma empresa famosa no mercado de produtos importados. Tinha trinta anos e adorava Fernando Pessoa. Quando me dispunha a falar de mim, quase a galgarmos o nono, um novo imprevisto pintou na nossa suada e prostrante jornada: as escadas estavam bloqueadas.
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* Catrafilaria - ficaria prisioneiro.
Fonte:
Aparecido Raimundo de Souza. Comédias da vida na privada. RJ: Editora MC Guedes, 2020.
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