sábado, 20 de agosto de 2011

Paulo Leminski (Distâncias Mínimas)


Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 309)


Uma Trova Nacional

No banheiro se deu mal
a coitada desatenta,
usando, justo, o jornal
onde enrolara a pimenta...
–WANDA HORILDA DE LIMA/MG–

Uma Trova Potiguar

Tudo sobe!... A carestia
na feira já me derruba.
Só não sobe todo dia
o que eu preciso que suba!
–CLARINDO BATISTA/RN–

Uma Trova Premiada

2007 - Bandeirantes/PR
Tema: PIRRAÇA - M/H.

A Rosa, só por pirraça,
ao seduzir o Zezinho,
pôs Viagra na cachaça
e o bebê nasceu “bebinho”.
–WANDIRA F. QUEIROZ/PR–

Uma Trova de Ademar

A minha sogra assanhada,
no barracão da Mangueira,
foi muito mais apalpada
do que laranja na feira!...
ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

"Abre, meu bem, a janela,
me esquenta que a neve cai..."
Quem abriu foi a mãe dela,
quem me esquentou foi o pai!
–APRYGIO NOGUEIRA/MG–

Simplesmente Poesia

MOTE:
Você já não me procura...
Também...Você não se esconde!

GLOSA:
Em noite bastante escura,
ouvi “Zefa” reclamando:
Eu já nem sei desde quando
você já não me procura.
A vista ficou escura
procurei chão, não sei onde,
mas o poeta responde
com seu jeito bonachão
dando outra explicação:
Também...Você não se esconde!
–FRANCISCO MACEDO/RN–

Estrofe do Dia

Na Inglaterra as coisas andam feias
todo mundo por lá endoidecendo;
todo dia é uma princesa sem marido
e um príncipe que sozinho está vivendo...
ou a carne da vaca fez efeito,
ou o chifre do boi está fazendo...
–EDMILSON FERREIRA/PI–

Soneto do Dia

Um Vice-Versa... Ao Contrário
–HELOISA ZANCONATO/MG–

Amigo Zé Maria que surpresa,
saber-te um Casanova aposentado,
pois, sempre, existe alguma brasa acesa
por baixo do carvão enfumaçado.

Se quem foi rei não perde a realeza,
um pau-de-lei não morre carunchado
e uma viril pistola portuguesa
não vive de gatilho enferrujado...

Esquece a ostoporose... a catarata
e sai, enfim, atrás de uma mulata
que tope um “ti-ti-ti” num canto escuro...

Pois, para um português de nome honrado,
melhor ficar com fama de tarado...
que ser considerado um dedo “duro”!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Marina Bruna (Livro de Trovas)


Ao tanger minha guitarra,
ser pobre não me importuna.
Tenho o perfil da cigarra
que é feliz sem ter fortuna.

Chega alguém...corro à janela...
mas tenha calma , emoção!
Não confunda os passos dela
com os passos da ilusão!

Depois da tua partida,
na desordem dos meus passos,
o que me prende na vida
é a memória dos teus braços…

Descem do morro, sambando,
o Conde, o Rei e a Princesa.
É o Carnaval mascarando
de sangue azul a pobreza…

Disse um "sábio" picareta
sobre um voo espacial:
- "Pra chegar noutro planeta
é só ter um mapa astral...”

Eu faço um apelo mudo
na velhice que me alcança:
– Destino, tire-me tudo
mas não me roube a esperança!

Fim do amor… mas nosso enredo
restou em minha lembrança,
como ficou em meu dedo
a marca de uma aliança…

Já fui musa no passado
e hoje só, bem que eu queria
os versos de pé quebrado
que eu desprezei certo dia…

Mágico no seu cantar,
o poeta tem na voz
a virtude de criar
mil mundos dentro de nós!

Morrem florestas, açudes
e o mundo, pobre de afeto,
perde os versos e as virtudes:
– vira selva de concreto!

Na história de tua vida
sou apenas, sem escolha,
uma sentença esquecida
no rodapé de uma folha.

Na insânia de uma paixão,
que me pega e não tem cura,
deixo de lado a razão
e dou razão à loucura!

Nas águas turvas dos rios,
os venenos poluidores
nos darão dias sombrios
de primaveras sem flores…

O destino rege as vidas
num balé, cujo andamento
lembra o das folhas caídas
dançando ao sabor do vento…

Quanto sonho se vislumbra
numa esteira, à luz de vela,
quando um amor e a penumbra
se encontram numa favela!

Quem faz poemas alcança
todo o brilho do Universo
pondo estrelas de esperança
nas rimas de cada verso!

Se um dia o céu censurar
o nosso amor, não aceito...
e a teu lado hei de encontrar
um outro céu...mais perfeito!

Sobre seda ou algodão,
na trama dos figurinos,
o Supremo Tecelão
faz desiguais os destinos.

Tem melodia tristonha
minha seresta, sei bem…
pois canto para quem sonha
nos braços de um outro alguém.

Tu chegavas e eu ouvia
o trem, em tons comoventes,
tocar canções de alegria
no teclado dos dormentes…

Vão ficando tão distantes
os carinhos do passado,
que eu nem sei se o que era antes
foi vivido...ou foi sonhado...

Velho bilhete... lembrança
de um amor que não foi meu...
Um pedido de esperança
que a vida não respondeu…

Zéfiro da tarde mansa!
por favor, sopra esta vela
e leva ao mar da esperança
minha triste caravela!

Fonte:
BRUNA, Marina. Cantares: trovas. São Paulo: Ar-Wak, 2010.

Marina Bruna


Marina Bruna nasceu em Franca, SP, filha de Diva Luz Paiva Bruna, diretora de escola e Jaime Bruna, professor universitário.

Marina Bruna, graduada em Matemática pela PUC/SP; em Pedagogia pela “Carlos Pasquale” e em Jornalismo pela “Cásper Líbero”, exerceu o Magistério como professora concursada em Escolas Estaduais e Municipais de São Paulo. Lecionou, também, em Escolas particulares. Hoje está aposentada dessas funções.

Uniu conceitos de áreas supostamente opostas, mas que resultaram em sua formação poética. Poetisa desde a adolescência, distingue-se como Trovadora, com mais de 500 trovas classificadas em concursos de âmbito nacional e internacional, entre as quais se incluem premiações em Portugal, Argentina e República Dominicana.

Somente em 1988 passou a frequentar a Casa do Poeta Lampião de Gás, de São Paulo.
Faz parte da União Brasileira de Trovadores, onde foi agraciada com os troféus “Revelação” (1989); “Destaque” (1994) e os de Trovador mais premiado do ano (1999; 2001; 2004; 2005; 2007 e 2009).

Recebeu em 2007 o troféu “Lilinha Fernandes”, que a União Brasileira de Trovadores de Porto Alegre atribui ao Trovador mais premiado nacionalmente nos concursos de Trovas do ano.

Publicou os livros: “Transparências” (poemas e trovas); “Cintilações” (trovas), Cantares (trovas) e trabalhos em Jornais Literários, Antologias e Coletâneas poéticas.

Proferiu várias palestras sobre Trovas em diversos espaços culturais de São Paulo, Santos, Niterói e outros, entre as quais “A Esperança nas Trovas” (1993), “Cantigas do Paranaso” (1998), “Pegando Carona na Trova” (1999), entre outras.

É colaboradora da revista “Litteratrova”, de Taubaté, na qual mantém uma coluna mensal intitulada “Redondilhas”.

Além da Academia de Letras, Ciências e Artes da Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo, onde ocupa a cadeira de n. 13, sujo patrono é Paulo Setubal, pertence às seguintes entidades culturais: Casa do Poeta “Lampião de Gás” de São Paulo; Movimento Poético Nacional; União Brasileira de Escritores; e “União Brasileira de Trovadores, seção São Paulo.

Fontes:
http://www.recantodasletras.com.br/biografias/3167512
BRUNA, Marina. Cantares: trovas. São Paulo: Ar-Wak, 2010.

Eduardo R. V. (O Fantasma do Hospital)


Já se passara quanto tempo?
Ele não sabia, não havia como saber.
Quem sabe aconteceu há um ano?
Talvez tenha sido apenas há uma semana.
Um dia?
Bom, há quanto tempo aconteceu ele não sabia.
Sabia, e apenas isto, que foi algo sem igual; para ele maravilhoso, até certo ponto.
Para a maioria das pessoas teria sido horrível, mas ele adorou, e repito, até certo ponto.

O menino, em um leito de um hospital, se acomodou de maneira mais confortável. A lembrança daquela sua amiga causava certo arrepio. Ele sentiu muito por ela. Por tudo o que ela fez; por tudo que a levou a atos desesperados de vingança. Coisas que fizeram a pobre menina cruzar a linha fraca e fina que separa o mundo dos mortos e os dos vivos. Ou poderia ser ao contrário; não poderia?

Seu corpo fraco e inutilizado. Como todos lamentavam seu corpo sem uma função, para muitos, essencial, que o menino não conheceu: locomoção. Não era só esse o problema do menino, existiam mais dois. Bom, um deles poderia não ser um problema, dependeria das pessoas, da cultura que comanda a vida destas. Nem todos consideram o poder de ver espíritos algo ruim. Porém muitos banalizam. E o menino pensava nessas pessoas. Muitas delas acreditavam que pessoas em um passado distante viram anjos ou ouviram vozes ou ainda receberam esclarecimentos superiores.

Lágrimas apareciam nos olhos do menino sempre que pensava nisso. Por que ele não podia ver? Por que ele não podia ouvir? As pessoas condenavam o menino. Ele se importava com isso. Gostaria que as pessoas aceitassem seu dom, assim como aceitavam o dom daqueles que viveram no passado.

O tempo para o menino estava acabando. Ele sabia, ninguém precisava dizer, ele simplesmente sabia. Sabia que a leucemia o devastava mais e mais, dia após dia. Uma depressão se abateu sobre o menino quando ele soube. Foi quando ele perdeu a noção do tempo. O médico afirmava firme, mesmo sem o menino perguntar, que ele iria viver; mas ele não se deixava enganar.

O menino esperava uma visita, o diretor do hospital. Foi por um pedido do menino que o diretor do hospital iria lhe visitar. Era preciso esclarecer um acontecimento. O menino precisava dizer, precisava dizer antes de ir. A sua amiga havia chorado; ele nunca tinha visto um chorar. Ela chorou…

A maçaneta dourada da porta branca girou, o diretor do hospital entrou.

— O que deseja meu pequeno? — disse o diretor do hospital calmo. — O que é tão importante que eu saiba?

O menino, fracamente, respondeu:

— Lembra que aconteceram coisas estranhas há algum tempo? É sobre elas que eu quero falar; preciso.

— Sim, lembro muito bem. Nunca antes — o diretor do hospital puxou um banco, sentia que a conversa seria longa — aconteceram coisas como aquelas por aqui.

Bom, aqui foi à primeira vez. Já tinha ouvido, em conversas, coisas parecidas.

— Então — disse o menino, que sempre escutava com atenção enquanto as pessoas falavam — eu sei quem, sei por que, conheço cada detalhe.

— Como pode saber? — perguntou curioso do diretor. — Lembro que você não saiu do quarto durante os acontecimentos. Era muito perigoso.

— Eu não saia, mas alguém entrava.

O direto do hospital olhou espantado para o menino. Não sabia como ele poderia conhecer detalhes. Lógico que ele conhecia os dons do menino; seu olhar ante o menino não mudou mesmo após a revelação.

— Por favor — pediu o diretor do hospital —, explique-me melhor.

— Houve uma paciente neste hospital — começou a dizer rapidamente o menino — que foi internada aqui com febre...

Uma imagem apareceu na mente do diretor do hospital, era a de uma paciente sendo levada de maca para um dos quartos do hospital. Ela se contorcia agressivamente, tinha febre alta e delirava.

— ... se contorcia, delirava. Ela. Foi ela quem me contou o que acontecia.

O diretor do hospital sabia quem era. Porém ainda não compreendia, [ou não queria], a ligação entre aquela jovem garota e o que aconteceu no hospital.

— E ela, como ela poderia saber?

Ele tinha uma curiosidade. Queria ver até que ponto o dom do menino iria.

— Percebeu que enquanto as coisas aconteciam — respondeu o menino —, não havia nenhuma pessoa que pudesse estar por trás de tudo. As coisas iam acontecendo, simplesmente. Por mais que procurassem, não teriam achado nenhum responsável. Não acharam, acharam?

— Está dizendo que não achamos o culpado por que foi um espírito?

— Isto.

Antes que a conversa continuasse, o diretor do hospital foi chamado para atender uma urgência.

— Descanse, depois continuamos a conversa — disse o diretor do hospital saindo.

O menino sabia que não poderia tomar o tempo do diretor do hospital. Ele era um homem muito importante no hospital, admirado por suas qualidades médicas e administrativas, portanto ter sua atenção por tempo suficiente seria muito difícil.

O menino dormiu tranqüilamente o começo daquela noite. Como sempre, não sonhou com nada, pelo menos ele não se lembrava de alguma vez ter sonhado; nenhuma imagem, nenhum som, nenhuma sensação.

Depois que o diretor do hospital deixou o quarto, o menino ficou pensando se sua amiga concordaria com a escolha dele em contar. Isso o perturbou. Antes ele tinha certeza de que deveria contar. Contar antes que seus dias acabassem, mas agora...

Esse medo que o menino tinha foi eliminado em uma conversa que teve. No meio da noite do mesmo dia da conversa com o diretor do hospital, o menino ouviu uma voz. Uma voz doce, agradável. Voz que transmitia muita paz. O menino foi acordado suavemente pela voz. Ao ver sua amiga ele se animou; gostou de revê-la. Ela nem precisou dizer nada, o menino sabia o porquê dela estar ali. Com certeza era sobre sua insegurança que ela desejava conversar. Só poderia ser esse o motivo da visita.

— Você decidiu que vai contar — disse ela. — Está em dúvida se eu concordo.

O menino não se surpreendeu quando a amiga falou tão perfeitamente sobre sua insegurança. O que o surpreendeu foram suas vestes: um longo vestido branco, muito brilhante; um véu prateado que guardava seus lindos cabelos negros; uma tiara, que ajustava o véu em sua cabeça, marcava ainda mais o brilho que sua amiga possuía. Os olhos dela... ele nunca havia visto os olhos castanhos dela tão brilhantes quanto naquele momento. Seu sorriso mudou, era amigável, ele se surpreendeu com a mudança, gostou muito.

— Você está linda — disse o menino em um elogio sincero.

— Você é o responsável por isto tudo — agradeceu a menina girando e fazendo seu vestido flutuar. — Se não fosse pela sua ajuda eu não estaria feliz agora.

A menina fez um carinho leve na testa do amigo. Depois o beijou na testa. Ele sentiu um calorzinho fraquinho e confortável onde ela o beijou.

— Que bom que eu pude ajudar, que bom...

— Vamos ao que interessa — disse a menina não oferecendo outra alternativa. “Você pode contar o que quiser sobre o que aconteceu comigo. Não precisa ocultar nada. Não tenha medo. Se for preciso eu ajudo de alguma forma.”

— Obrigado — disse o menino. — Sinto-me mais — ele pensou um pouco — “leve” — disse por fim. — Já que você não é contra, será mais fácil.

— Foi só sobre o que vim falar. Até alguma outra oportunidade — despediu-se.

— Até...

Depois da conversa seria tudo mais fácil. Já que sua amiga não era contra sua decisão. Era só esperar pelo próximo encontro com o diretor do hospital.

De manhã era a única hora em que o diretor do hospital poderia visitar o menino, no novo dia. Mas ele não apareceu; decidiu que precisava de mais tempo para pensar em tudo o que ouviu do menino debilitado.

No entanto o menino não ficaria sozinho durante a manhã, pelo menos não durante boa parte dela. Como o seu estado de saúde era muito delicado, seus pais conseguiram uma autorização especial para visitá-lo fora do horário, considerado, horário de visita. Os pais do menino foram visitá-lo; ele gostou.

— Oi filho — disse o pai abrindo a porta e entrando no quarto. — Como é que anda meu campeão.

Sua mãe se aproximou de seu leito pelo lado oposto ao que seu pai ficou. O beijou na testa, o menino, que adorava o beijo que sua mãe lhe dava, sorriu.

— Eu estou na mesma — respondeu o menino ao pai. — Por que vieram hoje? — quis saber o menino.

— Viemos por que sentimos saudades do nosso filho — afirmou a mãe. — Não podemos ficar muito tempo longe — apertando as bochechas do menino disse: — desta fofura.

— Mãe — reclamou o menino tentando se desvencilhar. — Sabe que não gosto que aperte minhas bochechas.

— Conversamos com o médico que toma conta de você — informou o pai. — Ele disse que há grandes chances de melhoras. Só depende de você — terminou tentando animar o menino.

O menino sabia que seu pai tinha a melhor das intenções quando lhe dizia que só dependeria dele. Mas ele sabia que não era assim; se fosse já estaria tudo acabado e ele estaria muito melhor. Até certo ponto, porém, isso o incomodava; ele tinha certeza de que morreria, apesar de não querer, as esperanças que tentavam passar para ele, eram desnecessárias.

Aquilo não perturbou o menino.

Ele queria contar para os seus pais sobre sua decisão de narrar para o diretor do hospital os acontecimentos que envolviam sua amiga. Seus pais já tinham relativo conhecimento sobre o assunto, e não gostavam nada dele. Seus pais eram o tipo de pessoa que não acreditava que outras podiam ver seres imateriais.

— Pai, mãe — começou tímido o menino. — Quero falar com vocês sobre uma coisa.

— O que é meu filho? — perguntou a mãe. — Que coisa é essa que quer falar. Sinta-se à-vontade.

O pai não falou nada, em parte por que sabia o que o filho queria falar. Ele sonhava com coisas que irão acontecer. Sua esposa e seu filho não sabiam e nunca souberam; ninguém nunca soube. O sonho que teve naquela noite foi com seu filho, e ele revelava acontecimento.

— É sobre a minha amiga — respondeu o menino. — Aquela que perturbou muita gente neste hospital — o menino respirou fundo ao acabar. — Sei que não gostam do assunto, mas, por favor, escutem.

O pai e a mãe se entreolharam. Em outras conversas, duas, em que o assunto foi mencionado, os pais do menino se estressaram; fizeram um grande esforço para não brigar com o menino, conseguiram.

A mãe pegou a mão do filho, com todo cuidado e carinho que uma mãe zelosa pode ter por um filho.

— Já conversamos sobre esse assunto — disse a mãe com a ternura agressiva que só uma mãe conseguiria ter. — Essa sua amiga é coisa da sua imaginação, efeitos dos remédios, talvez. Não temo mais o que falar.

— Mas eu preciso dizer uma coisa — implorou o menino. — Por favor, mãe é importante. Antes que seja tarde...

Silêncio na sala.

Ninguém percebeu, mas a persiana abriu, uma mudança mínima; praticamente não houve mudança na iluminação do ambiente.

— Conte-nos meu filho — permitiu a mãe.

Mais uma mudança leve na persiana, o ambiente ficou um pouco mais claro, com o nervosismo da conversa ninguém percebeu.

— Vou contar para o diretor do hospital tudo que sei — informou o menino. — Vou contar tudo sobre os dias em que minha amiga estava descontrolada; os acidentes infelizes, tudo.

— Você associa o que aconteceu aqui àquela sua amiga — disse o pai finalmente —, mas nunca falou o que, exatamente, ela fez.

— Vou dizer o que ela fez — informou o menino —, mas não quero dizer como ela fez — avisou. — Alguns pacientes no hospital precisam de cuidados especiais, de acompanhamento, ela interrompia esse acompanhamento. Conseguia fazer isso diretamente ou indiretamente.

O menino parou, tinha que tomar muito cuidado, não queria revelar nada sobre como sua amiga realizou os seus atos. Pelo menos disso ele queria protegê-la.

— Meu filho, se você vai falar sobre esse assunto, diga tudo — pediu a mãe.

— Não dá — replicou o menino. — Não quero contar tudo. Quero ocultar certas coisas para ter certeza de que o diretor do hospital não fique sabendo. Não por outra pessoa. Eu tenho que contar.

Os pais demonstraram sua impaciência; um pouco nervosos saíram do quarto, não queriam ter uma conversa como aquela.

No silêncio do quarto o menino sussurrou para si mesmo:

— A água, eu tenho que falar sobre a água.

A persiana abriu completamente e revelou a luz da manhã.

O dia transcorreu normalmente. Não houve nada que não pudesse ser considerado normal. O menino recebeu as visitas rotineiras para o acompanhamento de sua saúde; o almoço e jantar foram, como sempre, pontuais.

O diretor do hospital, que o menino tanto esperou, decidiu que no dia seguinte à visita dos pais do menino, iria conversar com ele. O que pretendia, na verdade, era conseguir dos pais do menino alguma informação que considerasse útil, mas nada conseguiu.

Não havia mais saída para o diretor do hospital, a conversa não poderia ser adiada. Só que no dia seguinte ao da visita de seus pais, o menino acordou diferente. Toda a avaliação que sempre faziam nele não apontou nada de anormal, mas o menino acordou, no dia seguinte, com febre alta, tendo convulsão e delirando; algo muito parecido com o que teve sua amiga quando entrou no hospital. Depois de muitas tentativas os médicos conseguiram fazer com que o menino melhorasse, mas seu quadro ainda era instável.

Quando o menino melhorou e conseguiu pensar direito, pediu para falar com o diretor do hospital. Quando seu pedido foi negado ele começou a gritar, se não podiam chamar o diretor do hospital, ele mesmo o faria. Pouco tempo depois o diretor do hospital foi atender ao chamado do menino.

— Nossa conversa — disse o diretor do hospital quando entrou —, temos que continuá-la. Diga, então, o que aconteceu que você sabe e eu não!

O menino se sentia cansado, muito. Sentia muitas dores. Mas tinha que falar, talvez fosse sua última chance.

— A... á... gua — disse o menino com um esforço considerável.

Suas forças o abandonaram. Ele tentou completar o que pretendia dizer, mas não conseguiu.

— O que tem a água? — perguntou o médico. — Não se esforce muito, não fará bem para você.

O menino respirou fundo, se concentrou.

— Minha amiga desligava os aparelhos que eram importantes... — começou a dizer o menino.

— O que tem haver os aparelhos com a água?

— ... para manter vivas as pessoas. Às vezes ela aprontava com alguns médicos que também eram importantes para manter vivas as pessoas.

O menino falava como se fosse a última coisa que diria em vida. Ele tinha uma vaga noção de que falava e do que falava.

— Não estou entendendo — disse o diretor do hospital demonstrando certo desespero.

— Você não está dizendo coisa com coisa. “O que fez esta sua amiga afinal?”

Uma figura apareceu no quarto; ao lado do menino; segurou-lhe a mão. Para o menino a imagem era bem nítida, para o diretor do hospital não era nada mais do que uma imagem borrada, como uma tevê mal sintonizada.

O menino começou a balançar a cabeça; rápido, forte e falava:

— Não... não... não era o suficiente? — lágrimas. — Você precisava de mais. Por quê?

A garota também começou a chorar. Apertou mais a mão do menino.

O diretor do hospital, que já não estava gostando do assunto, agora demonstrava um nervosismo altamente contido. Ele se encontrava em uma situação da qual não gostava: fazia parte do enredo de uma peça de teatro, nos últimos atos ele era um dos protagonistas, mas não detinha total controle da situação, o destino da encenação não cabia a ele escolher. E ainda havia aquela imagem borrada. Ele tinha uma noção vaga do rosto, era conhecido, mas não conseguia relacionar a imagem borrada a algum rosto conhecido.

— A água — começou o menino — está EN...

As últimas palavras do menino não saíram. Os seus olhos fecharam. O diretor do hospital não tentou fazer nada, sabia que nada poderia ajudar. A imagem borrada ficou com parte do corpo nítida, a mão que segurava a mão do menino. A mão ergueu até o diretor do hospital um bilhete, [escrito a mão]:

Um dos médicos deste hospital dopava-me, e aproveitava minha vulnerabilidade para abusar do meu corpo. Contra ele eu jurei que moveria o mundo. Quando finalmente morri, coloquei em ação minha vingança. Atrapalhei a vida daquele médico e quando acabei com ele, voltei-me contra o resto do hospital.
O garoto internado no quarto 8-A ajudou-me a ver que tudo o que fazia era errado. Mas já era tarde, a água do hospital já havia sido envenenada.
Juliana

O diretor do hospital olhou onde estava Juliana, não viu nada.

Rapidamente a água do hospital foi enviada para analise. Estava envenenada; o veneno era fraco. O antídoto foi comprado e administrado antes que uma tragédia se completasse.

Estou melhor…

Paulo Setúbal (Alma Cabocla) 1


CHIQUITA

"Bom dia! Sempre bonita?"
— É assim que eu vou, de manhã,
Saudar a linda Chiquita,
Que, toda em frios, tirita
No seu vestido de lã.

Maneiras brandas e amenas,
Olhos de negro fulgor,
Chiquita, a flor das morenas,
Com seus quinze anos apenas,
É um mimo de graça e amor.

De estranho tédio ferida
No seu colégio francês,
Quisera, langue e abatida,
Mudar um pouco de vida,
Passar nos campos um mês.

E em festa e risos, agora,
Nos ares bons do sertão,
Chiquita se revigora,
E alegra-se, e viça, e cora,
Como uma rosa em botão.

Mal surge, fresca e orvalhada,
No céu azul, a manhã,
Saímos nós pela estrada,
Com alma leve, e dourada
Pela alegria mais sã.

Que graça!... Ela tudo admira:
O campo, as roças, os bois.
Às vezes passa um caipira,
Que, com espanto, nos mira,
E fica a rir de nós dois!

Em casa, o dia inteiro, ela
Faz mil perguntas pueris.
Ah, como é ingênua e singela!
Conversa. Ri. Tagarela.
É um pássaro feliz!

Sol a pino, a todo transe,
Quer ir saltar no café;
E à volta, sem que descanse,
Começa a ler um romance,
Ou trabalhar num croché

De quando em quando, um espinho
Sangrar o peito me vem.
A tarde inteira, sozinho,
Sentado ao pé do caminho,
Fico a lembrar-me de alguém.

Eis que ela chega, de branco,
Cabelo negro, em bandós;
Festiva, num riso franco,
Ali, no pobre barranco,
Sentamos os dois a sós...

Na tarde azul, merencória,
Dum sossego espiritual,
Chiquita, como uma glória,
Repete-me toda a história
Da vida de colegial.

Então, nesse ermo pacato,
Ela, menina e mulher,
Relembra, fato por fato,
As diversões do internato,
Os ralhos da Notre-Mère...

Fala... E eu, ouvindo a macia
Brandura do seu falar,
Sinto, no olhar que me envia,
A doce melancolia
Do seu nostálgico olhar.

Não há feitiço que prenda
Como o dulçor dessa voz.
Assim, sem que ela o compreenda
Chiquita é o sol da fazenda,
É a festa de todos nós!

NHÔ JOÃO, O TROPEIRO

Por essas noites de frio,
Batidas de água e tufão,
Num rancho, à beira do rio,
Eu me quedo, horas a fio,
A conversar com nhô João.

É um velho... Rude e trigueiro,
Envolto num ponche azul,
Fumando, a olhar o braseiro,
Começa o antigo tropeiro
Contar-me histórias do Sul.

Ao longe, muito a distância,
Os tempos perdem-se já,
Em que ele, todo arrogância,
Ia de estância em estância,
Buscando tropas por lá.

Na sua besta tordilha
De manchas brancas no pé,
Nhô João, tocando a tropilha,
Cortava muita coxilha
Para chegar em Bagé!

E lá, de tais cercanias,
Ele, viril rapagão,
Puxava, dias e dias,
Pontas de mulas bravias.
Para vender no sertão.

Que linda! Assim que a alvorada
Tingia o céu de listrões,
Já a tropa, a chucra manada,
Trotava ao longo da estrada,
Por entre a grita dos peões:

Eh mula! Vorta! Caminha!
E os ecos vibravam no ar,
Enquanto, lerda e sozinha,
Ia na frente a madrinha
Com seu cincerro a tocar...

Que vida simples e honesta!
Como era bom, no verão,
Ter o descanso da sesta,
No meio duma floresta,
À beira dum ribeirão!

À tarde, quando caía
A sombra crepuscular,
Era de ver a alegria,
Com que a peonada escolhia
Um sítio para acampar.

Então, descendo as bruacas,
Queimados, fulvos de suor,
Sobre improvisas estacas,
Erguiam logo as barracas,
Soltando a tropa em redor...

Ah, nada mais delicioso,
Ah, nada mais doce então,
Do que, na calma do pouso,
Ter um churrasco cheiroso,
E a cuia de chimarrão!

E entre histórias de rodeio,
Contos, gauchadas febris,
Aos poucos, num devaneio,
Sobre os pelegos do arreio,
Dormir um sono feliz...

E o velho, a voz rude e grossa,
Relembra com efusão:
"Que viage... Êta festa — nossa!
— No dia em que Ponta Grossa
Despontava no espigão..."

A história sempre ele acaba,
Pintando, com muita cor,
As feiras de Sorocaba,
Onde encontrara uma "diaba"
Por quem morrera de amor...

Assim, lembrando o passado,
Nhô João, com frio desdém,
Termina desconsolado:
"Hoje tá tudo mudado!
Vem tudas coisa no trem…

E ali, no humilde pardieiro,
Envolto num ponche azul,
Saudoso, olhando o braseiro,
Conta-me o velho tropeiro
Longas histórias do Sul...

Fonte:
SETÚBAL, Paulo. Alma Cabocla. Belém,PA: NEAD – Universidade da Amazônia.

Nilto Maciel (A Velha Guarda da Literatura Cearense)


Desde muito jovem, meti na cabeça duas ideias ousadas: escrever bem e publicar livros. Não consegui realizar a primeira, por mais que tenha tentado. Mas não me aventurei como outros: não li todo o essencial, não estudei gramática e línguas, fui preguiçoso e relapso nesses erros. A segunda ideia se concretizou aos poucos, embora tardiamente. O primeiro livrinho eu o editei aos 29 anos de idade. O segundo o Estado o publicou sete anos depois. Aos 37 anos tive o privilégio de assinar contrato com a editora sulista Mercado Aberto para a edição da novela A guerra da donzela, com distribuição nacional. Só então meu nome chegou a alguns jornais e ao conhecimento de críticos e escritores do Ceará (onde nasci), de Brasília (onde morava) e outros rincões.

Desde muito jovem, meteram-se na minha cabeça alguns dos melhores escritores estrangeiros e brasileiros. Primeiramente na escola: Liceu do Ceará, Ginásio Salesiano de Baturité, Colégio Capistrano de Abreu (Fortaleza). Os livros escolares da disciplina Português traziam poemas, contos e capítulos de romances dos principais escritores brasileiros e portugueses. E eu, de tanto os ler, cheguei a decorar (sou de péssima memória) alguns trechos, como o soneto “Língua portuguesa”, de Bilac, e o conto “Suave milagre”, de Eça. Do Ceará apareciam, nesses compêndios, somente Juvenal Galeno, com “Cajueiro pequenino”, e Alencar, com fragmento do Iracema. Não lembro de outros.

Apesar dessa carência escolar, nos jornais eu lia todos os mais notáveis poetas e prosadores vivos nascidos no Ceará. Alguns vindos do século anterior: Cruz Filho (1884-1974), Júlio Maciel (1888-1967), Otacílio de Azevedo (1896-1978), Herman Lima (1897-1981) e Carlyle Martins (1899-1986). Estes não os vi nunca. O primeiro e o segundo porque só passei a frequentar o mundo real da literatura por volta de 1976, quando surgiu a revista O Saco. O pai de Sânzio de Azevedo me parecia inatingível, como se vivesse além do Olimpo. O autor de Tigipió vivia no Rio de Janeiro. A poesia de Carlyle não me causava vontade de o conhecer.

A um segundo elenco pertenciam os mais novos que estes cinco, alguns oriundos do Grupo Clã, como Moreira Campos, que em 1960 (provável data em que me iniciei na leitura de suplementos literários) completara 46 anos de vida. Mas também os nascidos um pouco depois, como Francisco Carvalho, que contava apenas 33 anos. Poucos deles, no entanto, cheguei a ver, ouvir e com eles conversar. Com o contista de Vidas marginais mantive alguma correspondência. Encontramo-nos poucas vezes. Na crônica “Mestre Moreira Campos” relato essa amizade. De Braga Montenegro (1907-1979) nunca me aproximei. Mas guardo a única comunicação minha com ele: uma carta. Travei conhecimento também com Antonio Girão Barroso (1914-1990), nos anos 1970, ele ainda ativo no jornalismo. Andava sempre de paletó, muito respeitado pelos mais jovens. Estive com Eduardo Campos (1923-2007) somente depois de meu regresso a Fortaleza, ocorrido em 2002. Mantivemos boas conversações na Ceará Rádio Clube e no Instituto Histórico, Geográfico e Antropológico do Ceará. Ofereceu-me alguns de seus livros. Com José Alcides Pinto (1923-2008) tive diversos encontros. Alguns deles exponho na crônica “As galhofas de José Alcides Pinto”.

Dos vivos (em 2010) daquele tempo restam poucos, como Caio Porfírio Carneiro (1928) e Francisco Carvalho (1927). Rememoro a amizade deles comigo nas crônicas “O copo azul do menino Caio” e “Francisco Carvalho: utopia e eutopia”. Artur Eduardo Benevides (1923) está neste rol. Dele ganhei livros e recebi cartas, quando eu morava em Brasília. Escreveu generoso artigo, publicado em jornais e
revistas, a respeito de minha pequena obra: “Dois contistas cearenses”, no qual se refere a mim e a José Hélder de Souza. Conversamos pouco. Moacir C. Lopes (1927) não vi ainda, nem com ele me correspondi. Carlos D’Alge (1930) avistei em raras ocasiões. Talvez tenhamos trocado duas palavrinhas durante lançamento de algum livro. São os vivos da minha adolescência. Os remanescentes daquela geração de homens dedicados à leitura dos clássicos e à realização de obras literárias, sejam elas de maior ou menor valor estético.

Os demais estão mortos e não tive a satisfação de sequer ver ou ouvir uma palavra que fosse: Jáder de Carvalho (1901-1985), Edigar de Alencar (1901-1993), Carlos Cavalcanti ou Caio Cid (1904-1972), Filgueiras Lima (1909-1969), João Jacques (1910), Heitor Marçal (1910), Rachel de Queiroz (1910-2003), Fran Martins (1913-1996), João Clímaco Bezerra (1913-2006), Gerardo Mello Mourão (1917-2007), Otacílio Colares (1918-1988), Aluizio Medeiros (1918-1971), Milton Dias (1919-1983), Durval Aires (1922-1992), Lucia Fernandes Martins (1926) e outros. Uns porque viviam longe de Fortaleza; outros porque me pareciam inacessíveis, até 1977, quando fui embora do Ceará. Seriam muito grandes para mim. Além do mais, nunca fui de ansiar conhecer pessoalmente escritores. Para mim me bastam suas obras.

Quase todos eles apresentavam, com frequência, poemas, contos, crônicas, artigos e pequenos ensaios de crítica literária em jornais de Fortaleza, nos anos 1960. Certamente, antes desse tempo, já o faziam. Mas disso eu não sabia. Eu os lia com sofreguidão de leitor adolescente, cioso de conhecimento e novidade. Depois, aos poucos, fui me aproximando de seus livros ou de parte de suas obras, quer em antologias, quer em livros individuais. Nunca deles como pessoas.

Depois deles vieram Geraldo Markan (1929-2001), que conheci ao tempo da revista O Saco e do Grupo Siriará, e com quem devo ter trocado algumas palavras, e Juarez Barroso (1934-1976), que não cheguei a conhecer. O único vivo dos nascidos por volta de 1930 é Mário Pontes (1932). Andei me correspondendo com ele no final dos anos 70. Encontramo-nos recentemente em Fortaleza. Lembrou-me o artigo que escrevi a respeito de seu livro Milagre na salina. Pareceu insatisfeito comigo. Talvez eu tenha sido maldizente. Penitencio-me por isso. José Hélder de Souza (1931-2004) conheci em Brasília. Frequentávamos bares nos quais se davam encontros semanais dos membros da Associação Nacional de Escritores. Embora mais velhos que eu, estes não pertencem à velha guarda, pois surgiram como escritores quando eu já publicava livros, embora não escrevesse bem como eles.

Fortaleza, março de 2010.

Fonte:
http://www.niltomaciel.net.br/node/61

Monteiro Lobato (O Saci) VII – A Sacizada; VIII – A Onça


VII – A sacizada

— É aqui, dentro destes gomos, que se geram e crescem meus irmãos de uma perna só — disse o saci. — Quando chegam em idade de correr mundo, furam os gomos e saltam fora. Repare quantos gomos furados. De cada um deles já saiu um saci.

Pedrinho viu que era exato o que ele dizia e mostrou desejos de abrir um gomo para espiar um sacizinho novo ainda preso lá dentro.

— Vou satisfazer a sua curiosidade, Pedrinho, mas não posso revelar o segredo de furar os gomos; portanto, vire-se de costas.

O menino virou-se de costas, assim ficando até que o saci dissesse — “Pronto!” Só então desvirou-se e com grande admiração viu aberta num gomo uma perfeita janelinha.

— Posso espiar? — perguntou.

— Espie, mas com um olho só — respondeu o saci. — Se espiar com os dois o sacizinho acorda e joga nos seus olhos a brasa do pitinho.

O menino assim fez. Espiou com um olho só e viu um sacizinho do tamanho de um camundongo, já de pitinho aceso na boca e carapucinha na cabeça. Estava todo encolhido no fundo do gomo.

— Que galanteza! — exclamou Pedrinho. — Que pena o povo lá de casa não estar aqui para ver essa maravilha!

— Esse sacizinho ainda fica aí durante quatro anos. A conta da nossa vida dentro dos gomos é de sete anos. Depois saímos para viver no mundo setenta e sete anos justos. Alcançando essa idade, viramos cogumelos venenosos, ou orelhas-de-pau.

Pedrinho regalou-se de contemplar o sacizete adormecido e ali ficaria horas se o saci o não puxasse pela manga.

— Chega — disse ele. — Vire-se de costas outra vez, que é tempo de fechar a janelinha.

Pedrinho obedeceu, e quando de novo olhou não conseguiu perceber no gomo do taquaruçu o menor sinal da janelinha.

Justamente nesse instante um formidável miado de gato feriu os seus ouvidos.

— É o jaguar! — exclamou o saci. — Trepemos depressa numa árvore, porque ele vem vindo nesta direção.

Pedrinho, tomado de pânico, fez gesto de subir na primeira árvore que viu à sua frente, um velho jacarandá coberto de barbas-de-pau.

— Nessa, não! — berrou o saci. — É muito grossa; o jaguar treparia atrás de nós. Temos que escolher uma de casca bem lisa e tronco esguio. Aquele guarantã ali está ótimo — concluiu, apontando para uma árvore bastante alta e magrinha de tronco, que se via à esquerda.

Subiram — e nunca em sua vida Pedrinho subiu tão depressa em uma árvore! Tinha a impressão de que o terrível tigre dos sertões estava atrás dele, já de boca aberta para o engolir vivo. Mas era ilusão apenas, filha do medo, pois a fera miou outra vez e o saci calculou pelo som que ainda deveria estar a cem metros dali. Pedrinho ajeitou-se como pôde numa forquilha da árvore, lá ficando quietinho ao lado do saci.

Preparou-se para ver uma fera sobre a qual vivia falando, mas sem ter a respeito idéia justa. Ia ver a famosa onça-pintada, esse gatão que muito lembra a pantera das matas da índia.

VIII – A onça

O miado soou de novo, desta vez bem perto, e logo depois surgiu por entre as folhas a cabeça de uma formidável onça-pintada. Era um animal de extrema beleza, quase tão grande como o tigre de Bengala. Parou; farejou o ar. Depois ergueu os olhos para a árvore. Dando com o menino e o saci lá em cima, soltou um rugido de satisfação, como quem diz: “Achei o meu jantar!” E tentou subir à árvore. Vendo que isso lhe era impossível, sacudiu o tronco tão violentamente que por um triz Pedrinho não veio abaixo, como se fosse jaca madura. Mas não caiu, e a onça, desanimada, resolveu esperar que ele descesse. Sentou-se nas patas traseiras e ali ficou quieta, só movendo a cauda e passando de quando em quando a língua pelos beiços.

— Ela é capaz de permanecer nessa posição três dias e três noites — disse o saci. — Temos que inventar um meio de afugentá-la.

Olhou em redor, examinando as árvores como quem está com uma idéia na cabeça. Depois saltou para a mais próxima e foi de copa em copa até uma que estava cheia de vagens. Escolheu meia dúzia das mais secas e voltou para junto do menino.

— Apare nas mãos o pó que vou deixar cair destas vagens. — disse ele, abrindo com os dentes uma delas.

Pedrinho estendeu as mãos em forma de cuia e o saci sacudiu dentro um pó amarelado. O mesmo foi feito com as outras vagens.

— Bem. Agora derrame este pó bem a prumo, de modo que vá cair sobre a cara da onça.

Pedrinho colocou-se em linha vertical com a fera e derramou de um jato o pó amarelo.

Foi uma beleza aquilo! Quando o pó caiu sobre os olhos da onça, ela deu tamanho pinote que foi parar a cinco metros de distância, sumindo-se em seguida pelo mato adentro, a urrar de dor e a esfregar os olhos como se quisesse arrancá-los.

Pedrinho deu uma risada gostosa.

— Que diabo de pó é este, amigo saci? — perguntou. — Vejo que vale mais que uma boa carabina...

— Isso se chama pó-de-mico. Arde nos olhos como pimenta e dá na pele uma tal coceira que a vítima até se cocará com um ralo de ralar coco, se o tiver ao alcance da mão.

Pedrinho escorregou da árvore abaixo, ainda a rir-se da pobre onça. Mas não se riu por muito tempo. Mal tinha dado alguns passos, recuou espavorido.
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continua... IX - A Sucuri; X – A floresta
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Viagem ao Céu & O Saci. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. II. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

Vocabulário de Substantivos Coletivos


Os substantivos coletivos são palavras que representam conjuntos de animais, pessoas, seres, etc. Abaixo você tem uma lista com os principais coletivos.

Abada: de quaisquer coisas que caibam num recipiente igual a uma pequena bacia. Ex: uma abada de nozes, de laranjas, etc.
Academia: De artistas, cientistas, escritores.
Acervo: De coisas em geral, bens patrimoniais, obras de arte, de argumentos, de tolices, de documentos, de agulhas, de jóias, etc.
Álbum: De fotografias, selos.
Alude: de coisas volumosas que caem (rochas, terra, neve,…)
Alcateia: De lobos, feras.
Antologia: De trechos de leitura, trechos literários em prosa ou em verso.
Arboreto: De árvores cultivadas.
Armada: De navio de guerra.
Armento: De gado grande, como, bois, búfalos.
Arquipélago: De ilhas.
Arsenal: De armas e munições.
Assembléia: De parlamentares, membros de associações.
Atilho: De espigas.
Atlas: De mapas reunidos em livros.
Alcateia: De lobos.
Baixela: De utensílios de mesa.
Banca: De examinadores.
Banda: De músicos.
Bandeira: De garimpeiros.
Bando: De aves, de ciganos, de malfeitores.
Bagagem: De objetos de viagem.
Batalhão: De soldados.
Biblioteca: De livros.
Boiada: de bois.
Braçada: De capim, flores.
Cabido: De cônegos.
Cacho: de bananas, de uvas cabelos.
Cadécada: De periodo de dez anos.
Cáfila: De camelos, de patifes.
Cainçalha: De cães.
Câmara: De deputados, vereadores.
Cambada: De vadios, malvados.
Cancioneiro: : De conjunto de canções, de poesias líricas.
Canzoada: De cães.
Caravana: De viajantes, peregrinos, viajantes excursionistas, estudantes.
Cardume: De peixes.
Cartuchame: De cartuchos.
Casaria ou Casario: De casas.
Catálogo: De nomes, geralmente em ordem alfabética.
Caterva: De animais, desordeiros, vadios, gente à-toa.
Choldra: De malfeitores, canalhas, pessoas ordinárias.
Chorrilho: De coisas ou pessoas semelhantes, de asneiras.
Chusma: De criados, populares.
Clintela: De clientes de médicos, advogados.
Código: De leis.
Colméia: De cortiço de abelhas
Comboio: De caminhões, navios, trens.
Conciliábulo: De conspiradores de assembléia secreta.
Concílio: De bispos em assembléia, prelados católicos.
Conclave: De cardeais, para eleição do Papa.
Confraria: De pessoas religiosas.
Congregação: De religiosos, de professores.
Congresso: De conjunto de deputados e senadores, ou reunião de especialistas em determinado ramo do saber.
Conselho: De ministros, professores.
Constelação: De estrelas.
Cordilheira: De serras.
Cordoalha ou Cordame: De cordas, de cabos de um navio.
Corja: De velhacos, vadios, canalhas, malfeitores, ladrões.
Coro: De anjos, de cantores.
Correição: De formigas trabalhando.
Década: De um período de dez anos.
Discoteca: De discos.
Elenco: De atores, artistas.
Enxame: De abelhas.
Enxoval: De roupas.
Esquadra: De navios de guerra.
Esquadrão: De soldados de cavalaria.
Esquadrilha: De aviões.
Exército: De soldados.
Falange: De soldados, de anjos.
Farândola: De ladrões, de desordeiros, de assassinos, de maltrapilhos, de vadios.
Fato: De cabras.
Feixe: De lenha, de capim.
Filmoteca: De filmes
Flora: De vegetais, plantas de uma região ou país.
Flotilha: De navios pequenos, aviões.
Folclore: De canções e contos populares.
Frota: De navios mercantes, de automóveis, ônibus.
Fornada: De pães, tijolos.
Galeria: De objetos de arte em exposição.
Girândola: De foguetes.
Grei: De gado miúdo, paroquianos, políticos.
Grêmio: De artistas, alunos, escritores.
Hinário: De hinos.
Hemeroteca: De jornais, revistas.
Horda: De povos selvagens, de desordeiros, de aventureiros, de bandidos, de invasores.
Hostes: De inimigos, soldados.
Irmandade: De membros de associações religiosas e beneficientes.
Junta: De bois, de médicos, de credores, de examinadores.
Júri: De jurados.
Legião: De soldados, de demônios.
Leva: De presos, recrutas.
Lustro: De um período de cinco anos.
Madeixa: De cabelos.
Magote: De pessoas, de coisas.
Malhada: De ovelhas.
Malta: De desordeiros, ladrões, bandidos, capoeiras.
Manada: De bois, de búfalos, de elefantes.
Maquinaria - de máquinas
Mapoteca: de mapas
Matilha: De cães de caça.
Matula: De vadios, de desordeiros.
Milênio: De um período de mil anos.
Minhoca: Molho.
Miríade: De grande quantidade de coisas, estrelas, insetos.
Mó: De gente.
Molho: De chaves, de verdura.
Multidão: De pessoas.
Ninhada: De pintos.
Nuvem: De insetos.
Orquestra: De músicos.
Patrulha: De guardas, soldados.
Panapaná: De borboletas.
Penca: De bananas, chaves.
Pente: De balas de armas automáticas.
Pinacoteca: De pinturas, quadros, telas.
Piquete: De grevistas, soldados.
Plantel: De atletas, animais de raça.
Plêiade: De poetas, de artistas, jornalistas.
Pomar:De árvores frutiferas.
Prole: De os filhos de um casal.
Quadrilha: De ladrões, de bandidos.
Romanceiro: Conjunto de poesias narrativas.
Ramalhete: De flores.
Raizame: De conjunto das raízes de uma árvore.
Rancho: De pessoas em passeio ou jornada, de romeiros.
Rebanho: De gado, ovelhas.
Récua: De bestas de carga, cavalgaduras.
Renque: De árvores, pessoas ou coisas enfileiradas.
Réstia: De cebolas, de alhos.
Repertório: De peças teatrais, anedotas, músicas.
Resma: De quinhentas folhas de papel.
Revoada: De pássaros voando.
Romanceiro: De poesias populares.
Roda: De pessoas.
Ronda: De grupo de soldados que percorre as ruas para garantir a ordem.
Ror: De grande quantidade de coisas.
Século: De um período de cem anos.
Sínodo: De párocos.
Súcia: De velhacos, de desonestos.
Taba: De casas de índios.
Talha: De lenha.
Tertúlia: De amigos, parentes, intelectuais reunidos.
Tríduo: De período de três dias.
Triênio: De um período de três anos.
Tripulação: De marinheiros.
Tropa: De muares.
Tropilha: De cavalos.
Turma: De pessoas reunidas com um objetivo comum, estudantes, trabalhadores, médicos, juízes.
Turba: De muitas pessoas reunidas, multidão em desordem, o povo, o vulgo.
Vara: De porcos.
Viveiro: De pássaros, plantas.
Vocabulário: De palavras.
Xilotecade: De amostras de espécies de madeiras para estudos florestais.

Fontes:
Milton Nunes Filho em http://www.recantodasletras.com.br/artigos/308349
Luiz Antonio Sacconi. Novíssima Gramática Ilustrada.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Paulo Leminski ("A vida varia")


Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 308)

Uma Trova Nacional

Uma Trova Potiguar

A vida é palco, onde há canto
de maldade, espanto e dor...
Não há cortina, entretanto,
que feche um palco de amor!
–MARA MELINNI/RN–

Uma Trova Premiada

1972 - Nova Friburgo/RJ
Tema: SILÊNCIO - 1º Lugar

Nessas angústias que oprimem,
que trazem o medo e o pranto,
há gritos que nada exprimem,
silêncios que dizem tanto !..
–LUIZ OTÁVIO/RJ–

Uma Trova de Ademar

As trovas mais verdadeiras
nascidas de nossas lavras,
formam poesias inteiras
não são apenas palavras...
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

O devaneio profundo
pelos caminhos da mente,
liberta a gente do mundo
que oprime o mundo da gente!
–ALOÍSIO ALVES DA COSTA/CE–

Simplesmente Poesia

Ilusões da Vida
–FRANCISCO OTAVIANO/RJ–

Quem passou pela vida em branca nuvem,
E em plácido repouso adormeceu;
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu:
Foi espectro de homem... Não foi homem,
Só passou pela vida... Não viveu.

Estrofe do Dia

Canta o galo o pinto pia
toda passarada canta,
a cabocla se levanta
vai lutar durante o dia,
enche o pote de água fria
tira a cinza do fogão,
passa a vassoura no chão
faz o fogo ajeita a brasa,
ferve o leite arruma a casa
faz café cata o feijão.
–OTACÍLIO BATISTA/PE–

Soneto do Dia

Súplica
–MARIA NASCIMENTO/RJ–

Jurei não lhe falar mais de ternura,
nem dar sinais de angústia nem de dor,
mas sinto as cicatrizes da censura
bem menos doloridas que as do amor...

Assim, movida pela desventura,
vivendo um sentimento embriagador,
tento afogar meu sonho na amargura,
e volto a lhe falar do meu amor.

Deixe que eu ame intensa e livremente,
sem censurar o meu comportamento,
sem ter pena das penas que padeço,

que eu sofro, por você, conscientemente,
e, por maior que seja o meu tormento,
estou sofrendo menos que mereço...

Fontes:
Textos e imagem enviados pelo autor
Montagem da Trova Nacional por José Feldman

Cantando ao Som das Setilhas (Debate pela Internet) Parte 10, final


211 - Zé Lucas
Na doçura do lirismo,
nossos poemas são hinos
que viram salmos de amor,
e os poetas são meninos
de imaginários castelos,
cantando versos tão belos
como notas de violinos.

212 – Gislaine Canales
Nossos sonhos pequeninos
vamos sempre realizar,
e enormes se tornarão,
em nosso filosofar,
pois poeta nunca é triste,
e nem percebe, se existe,
alguma nuvem no olhar!

213 - Prof. Garcia
Nunca pensei versejar
por caminhos tão distantes,
pisar na relva macia,
em campos tão verdejantes;
por onde a musa vagueia,
nosso repente passeia
enfeitiçando os amantes.

214 – Delcy Canalles
Que nós moramos distantes
não podemos duvidar!
Vindo lá do teu Nordeste,
ao Sul, pudeste chegar,
pra conhecer as flechilhas
e as ondulantes coxilhas,
que nos levam a sonhar!

215 - A. A. de Assis
E por falar em sonhar,
a vocês boa viagem.
Vocês vão para o Caribe,
eu estou noutra paisagem,
mas vamos todos ficar
de dia curtindo o mar
e à noite gostosa aragem.

216 - Arlindo T. Hagen
Bem merece uma homenagem
nos momentos atuais
nossa Gislaine Canales.
Seus esforços pessoais
fazem, de modo fecundo,
multiplicar pelo mundo
os nossos Jogos Florais!

217 – Thalma Tavares
Sem preâmbulos formais,
te digo, irmão trovador,
que nossa Gislaine é um prêmio
que nos deu nosso Senhor,
para que a Trova altaneira
florescesse além-fronteira
difundindo Paz e Amor.

218 - Zé Lucas
Quem age com tal fervor
tem o dom da liderança,
é luz que mostra caminhos,
pertinácia que não cansa,
alma, de bondade, cheia,
mão que, no mundo, semeia
as sementes da esperança.

219 – Gislaine Canales
Feliz como uma criança,
agradeço emocionada
a todos, esse carinho.
A trova, por nós amada,
realizou o meu sonho,
tornou meu dia, risonho,
e minha noite, alvorada!

220 - Prof. Garcia
O poeta, a cada alvorada,
ao despertar se extasia,
sonha, delira e se encanta,
com a graça de um novo dia;
como quem faz uma prece,
se entrega ao sono, e adormece
nos embalos da poesia.

221 – Delcy Canalles
Quando a manhã nos espia,
banhada pela alvorada,
eu sinto um prazer imenso
que enche de luzes a estrada,
e a beleza dessa hora
se mistura com a da aurora
e se faz acariciada!

222 – A. A. de Assis
Preparemo-nos, moçada,
que os sinos já estão nos ares.
Porém fico aqui pensando
se vocês, os potiguares,
acham todo dia igual,
visto que aí tem Natal
todo dia, em mil cantares...

223 - Arlindo T. Hagen
O Natal está nos ares...
No comércio há uma abundância
de símbolos natalinos...
Mas quem não olha, à distância,
os Natais da atualidade
sem sentir certa saudade
dos Natais da nossa infância?...

224 – Thalma Tavares
Eu não discuto a importância
do nababesco tropel
dos natais da atualidade,
mas reprovo o seu papel
porque vejo, entristecido,
Jesus sendo preterido
por um tal Papai Noel.

225 - Zé Lucas
Colocam Papai Noel
acima do Salvador,
como se um mito pudesse
salientar-se em valor,
para nossa humanidade,
diante da majestade
do Filho do Criador.

226 – Gislaine Canales
Noel é ilusão de amor,
no coração da criança,
mas façamos nossos filhos
terem a fé e a esperança,
nos preceitos dos seus dias,
que o Senhor das alegrias
é o nosso Deus de bonança!

227 - Prof. Garcia
Natal, de tanta bonança,
de tanta ilusão perdida!
Sobra comida nas mesas,
falta esperança na vida;
para o jantar, num segundo,
convida-se todo mundo,
só Jesus, ninguém convida!

228 – Delcy Canalles
Natal é Festa da Vida,
Festa do Amor e Perdão,
onde o homem mais que tudo
deveria ser cristão,
pra saciar, do pobre, a fome,
dar comida a quem não come,
repartir sua afeição!

229 - A. A. de Assis
De todo o meu coração,
neste momento aqui digo
que nada é mais importante
que uma amiga e um bom amigo,
aos quais possamos falar,
ao ver o ano findar:
- Como é bom contar contigo!

230 - Arlindo T. Hagen
Eu tenho sempre comigo
uma saudável vaidade
das amizades que eu tenho.
Eu vivo em felicidade
pois tenho a certeza plena
que a vida só vale a pena
se vivida na amizade!

231 – Thalma Tavares
Chegar à longevidade
sem amizade é castigo...
É como andar ao relento
sem o calor de um abrigo.
Se amizade é uma riqueza,
sou rico e ponho nobreza
em meus abraços de amigo.

232 - Zé Lucas
Eu sempre pensei comigo
que amizade é uma riqueza
fácil de se conseguir
e conservar com firmeza;
mas, quem não é seu herdeiro,
mesmo nadando em dinheiro,
é pobre por natureza.

233 – Gislaine Canales
A amizade é só riqueza,
e a cada dia que surge
sinto novas emoções,
pois nela sempre ressurge
a minha grande utopia,
que é viver só na alegria,
pois ser feliz, em mim, urge!

234 - Prof. Garcia
A cada Natal ressurge
no lar de cada pessoa,
um sentimento de paz,
na voz santa que ressoa;
vinda dos braços da cruz,
de um Cristo cheio de luz,
dando vida a quem perdoa.

235 – Delcy Canalles
As canções que a gente entoa
nestas Festas Natalinas,
nos fazem irmãos melhores,
têm brilho de purpurinas,
pois Natal é Festa Santa,
aos cristãos todos, encanta,
com melodias divinas!

236 - A. A. de Assis
Bons meninos e meninas,
nas vésperas do Natal,
nossa troca de setilhas
entra na reta final.
A vocês, emocionado,
deixo o meu muito obrigado
e um abraço fraternal.

237 - Arlindo T. Hagen
Num convívio fraternal,
repleto de novidades,
compomos nossas setilhas
e, alheio às nossas vontades,
temos de nos despedir
e já começo a sentir
inevitáveis saudades!

238 – Thalma Tavares
Vencendo dificuldades
minha lira despojada
pôs-se a refletir a luz
da poesia iluminada...
De Zé Lucas ao Arlindo T. Hagen
quem muito aprendeu fui eu
nesta batalha encantada.

239 - Zé Lucas
Os versos desta empreitada
não cairão no paul...
Sei que não brilham tão longe
como o Cruzeiro do Sul;
porém, com sua mensagem,
marcarão nossa passagem
por este planeta azul.

240 – Gislaine Canales
Aqui do meu belo Sul,
eu também quero abraçar
todos vocês, meus amigos,
e a todos, paz desejar,
inspiração na poesia,
vida cheia de alegria,
numa ventura sem par!

241 - Prof. Garcia
Dói muito ter que parar
um jogo tão grande assim...
Mas tudo na vida passa,
tem seu princípio, seu fim;
e este debate acabando,
vai deixar triste, chorando,
a musa dentro de mim!

242 – Delcy Canalles
Um jogo, jogado assim,
entre amigos, eu diria,
não devia terminar,
pois viverá na poesia.
aumentando esta amizade,
que se transforma em saudade
na faina do dia-a-dia!

243 - A. A. de Assis
Meus irmãos de poesia,
a um tempo triste e feliz,
aqui lhes deixo a setilha
mais comovida que eu fiz.
A vocês muito obrigado,
e um grande abraço apertado
do irmão menorzinho, o A. A. de Assis.

244 – Arlindo T. Hagen
Relendo os versos que fiz,
agradeço a compreensão
dos colegas "setilheiros"
e desejo a cada irmão
um santo e feliz Natal
e um 2010 legal
repleto de inspiração!

245 – Thalma Tavares
Pedi ao meu coração
que não seja emocional
ao fechar este debate
tão belo e tão fraternal...
E ao Cristo, de quem sou crente,
pedi que não deixe a gente
ser cristão só no Natal.

Fonte:
Colaboração de Zé Lucas. José Lucas e parceiros. Cantando ao som das setilhas. Natal/RN: 2011.

Marilda de Almeida (Livro de Poesias)


VIAJANTE DO TEMPO

Viajante sou, no tempo e no espaço,
Procuro nas incontidas idas e vindas,
O calor humano, o sabor da vida,
A maciez do abraço apertado,
O carinho dado, mas a mim negado.
Em meus devaneios procuro o amor,
A paixão que arrebata e acalma,
No desejo ardente, pela vida e pelo viver.
Nas cores de um arco-íris depois das chuvas,
Busco no brilho dos céus, que refletem nos meus olhos, a saudade dos teus.
O brilho da alegria, do olhar e do toque.
Não me permito a dor, em meu ser, em meu querer.
Os sonhos e as ilusões são a minha esperança.
Não quero silenciar minha alma viajante,
Só irei parar no tempo e no espaço,
Quando os ponteiros do relógio marcar minha hora,
De partida ou encontro com o meu Eu, com a minha felicidade.
Viajante sou, com desejos e tentações ,
Mas não quero deixar nenhuma página em branco,
Por tudo que a vida me deu, e que Deus me permitiu viver.
Encontros e desencontros; caminhos e descaminhos;
amores e desamores; alegrias, tristezas e solidão.
E no espelho de minha alma, continuo viajante solitário,
Sigo meu caminho, sem hora marcada para chegar ou partir.
Sigo apenas como um viajante nômade,
Perdido no tempo e no espaço.

SENTIR O AMOR!

É ter o mundo aos nossos pés.
Ter um olhar atrevido, lépido,
faceiro, traquino.
Na mão... uma flor e na boca
Um silêncio que fala.
Ingênuo, às vezes criança.
Mas, está vivo a cada instante,
O coração pulsa flamejante.
Tem na alegria o sentido da vida.
É ser um sonhador, ir até os céus ,
E falar com Deus.
Trazer no olhar, as estrelas,
Fazer da lua sua eterna paixão.
De um breve momento, um reflexo,
Cristalizar uma gota de lágrima,
Para eternizar o sentimento.
É ter asas e poder subir aos cumes,
Cantar o amor em prosa e verso.
É perdoar, caminhar lado a lado,
Ter abraços para se entregar, mesmo
contra a própria razão.
Pois a razão... o amor desconhece.
Sentir o amor, é ter o elixir da vida.
E não poder confessar, sentir o perfume
que brota, no coração quando
ao seu lado estou, ávida
dos carinhos de suas mãos.

DESCOMPASSO DE UMA VIDA.

Invadiu minha alma rompendo saudades,
Sonhos, desejos, acalentando verdades,
Meu coração bateu descompassado,
Pensei ter encontrado meu bem.

Aos sons de harpas desafinei meu compasso,
Acordei em mim o desejo de amar,
Meu corpo cambaleou no caminhar,
Quando ao teu encontro segui passo a passo.

Levitei até as estrelas,
Busquei encher de brilho nossas vidas
E o meu olhar, para te entregar,
E entre abraços me fazer amada.

Mas o tempo mostrou-me quão tola fui,
Meus pensamentos serviram-me de armadilha,
Para ludibriar meus devaneios,
Emudeci minhas lágrimas.

Deixei-te partir e o pranto
Não deixei rolar pela face,
Pois quero a calma da madrugada,
Para minha harpa poder afinar,
E na minha vida um suave canto entoar.

COMO FÊNIX...

Sou como fênix, que ressurjo das cinzas...
Em uníssono a voz de minh’alma clama pela vida.
A paixão escondida, renasce em meus sonhos,

Inquieta, querendo explodir no peito.
Sinto falta de um bem querer, de carinho, abraço,
do dormir agarradinho e de um perfume que inebria.
Mas que pena, onde está você, que não me vê...
Calada, deparo-me guardando o melhor de mim,
Meu sorriso, o brilho do olhar, minha alegria, somente
por te amar.
Uma dor singra no vazio, por onde anda você, que não me vê...
Levo-me à exaustão, pensamentos fervilhando,
Queimando a minha alma, incendiando meu ser.
E como fênix, acredito no milagre, na renovação.
Quem sabe, com o sol reluzindo sobre o verde dos campos,
E o vento soprando em meu rosto, trazendo a esperança
de que tudo pode renascer
Nossos olhares se encontrarão para que o amor flua numa chama ardente,
Milagre de uma vida.

SE QUISERES...

Se quiseres ver-me sofrer, perder o encanto rouba o brilho das
estrelas, apaga a luz do luar.
Tira de mim o sol que aquece meu corpo e minh’alma.
Arranca dos lábios da criança o sorriso e a alegria que
encanta com sua inocência.
Se quiseres ver-me sofrer, destrói a natureza, mata os
pássaros que cantam em minha janela.
Polui as águas dos rios que matam minha sede
e nas tardes de verão, banho meu corpo para renovar as energias.
Se quiseres ver-me sofrer, polua o ar que respiro,
enche meus pulmões com os gases e fuligens que
saem pelas chaminés de suas fábricas.
Se quiseres ver-me sofrer tira de mim a alegria do sorrir,
do abraço amigo que acalma minhas dores.
Se quiseres mesmo ver-me sofrer, parte na calada da noite,
em silêncio, deixando apenas o perfume suave
das madrugadas, para o meu amanhecer.
Mas se quiseres ver-me feliz, suplica a Deus que
transforme meus sonhos em realidade,
transforme o coração do homem que destrói o mundo,
pede a Ele que acabe com a violência, com as tragédias e as dores
que assolam o nosso planeta.

Fonte:
ORSIOLLI, Sonia Maria Grando; FERNANDES, Dorival C. SCARPA; Maria Antônia Canavezi; JULIO, Sandra M. (organizadores). 1a. Coletânea Teia dos Amigos 2008. Itu,SP: Ottoni, 2008.

Monteiro Lobato (O Saci) V – Pedrinho pega um saci ; VI – A modorra


Tão impressionado ficou Pedrinho com esta conversa que dali por diante só pensava em saci, e até começou a enxergar sacis por toda parte. Dona Benta caçoou, dizendo:

— Cuidado! Já vi contar a história de um menino que de tanto pensar em saci acabou virando saci...

Pedrinho não fez caso da história, e um dia, enchendo-se de coragem, resolveu pegar um. Foi de novo em procura do Tio Barnabé.

— Estou resolvido a pegar um saci — disse ele — e quero que o senhor me ensine o melhor meio.

Tio Barnabé riu-se daquela valentia.

— Gosto de ver um menino assim. Bem mostra que é neto do defunto sinhô velho, um homem que não tinha medo nem de mula-sem-cabeça. Há muitos jeitos de pegar saci, mas o melhor é o de peneira. Arranja-se uma peneira de cruzeta...

— Peneira de cruzeta? — interrompeu o menino. — Que é isso?

— Nunca reparou que certas peneiras têm duas taquaras mais largas que se cruzam bem no meio e servem para reforço? Olhe aqui — e Tio Barnabé mostrou ao menino uma das tais peneiras que estava ali num canto. — Pois bem, arranja-se uma peneira destas e fica-se esperando um dia de vento bem forte, em que haja rodamoinho de poeira e folhas secas. Chegada essa ocasião, vai-se com todo o cuidado para o rodamoinho e zás! — joga-se a peneira em cima. Em todos os rodamoinhos há saci dentro, porque fazer rodamoinhos é justamente a principal ocupação dos sacis neste mundo.

— E depois?

— Depois, se a peneira foi bem atirada e o saci ficou preso, é só dar jeito de botar ele dentro de uma garrafa e arrolhar muito bem. Não esquecer de riscar uma cruzinha na rolha, porque o que prende o saci na garrafa não é a rolha e sim a cruzinha riscada nela. É preciso ainda tomar a carapucinha dele e a esconder bem escondida. Saci sem carapuça é como cachimbo sem fumo. Eu já tive um saci na garrafa, que me prestava muitos bons serviços. Mas veio aqui um dia aquela mulatinha sapeca que mora na casa do compadre Bastião e tanto lidou com a garrafa que a quebrou. Bateu logo um cheirinho de enxofre.

O perneta pulou em cima da sua carapuça, que estava ali naquele prego, e “até logo, Tio Barnabé!”

Depois de tudo ouvir com a maior atenção, Pedrinho voltou para casa decidido a pegar um saci, custasse o que custasse. Contou o seu projeto a Narizinho e longamente discutiu com ela sobre o que faria no caso de escravizar um daqueles terríveis capetinhas. Depois de arranjar uma boa peneira de cruzeta, ficou à espera do dia de São Bartolomeu, que é o mais ventoso do ano.

Custou a chegar esse dia, tal era sua impaciência, mas afinal chegou, e desde muito cedo Pedrinho foi postar-se no terreiro, de peneira em punho, à espera de rodamoinhos. Não esperou muito tempo. Um forte rodamoinho formou-se no pasto e veio caminhando para o terreiro.

— É hora! — disse Narizinho. — Aquele que vem vindo está com muito jeito de ter saci dentro.

Pedrinho foi se aproximando pé ante pé e de repente, zás! — jogou a peneira em cima.

— Peguei! — gritou no auge da emoção, debruçando-se com todo o peso do corpo sobre a peneira emborcada. — Peguei o saci!...

A menina correu a ajudá-lo.

— Peguei o saci! — repetiu o menino vitoriosamente.

— Corra, Narizinho, e traga-me aquela garrafa escura que deixei na varanda. Depressa!

A menina foi num pé e voltou noutro.

— Enfie a garrafa dentro da peneira — ordenou Pedrinho — enquanto eu cerco os lados. Assim! Isso!...

A menina fez como ele mandava e com muito jeito a garrafa foi introduzida dentro da peneira.

— Agora tire do meu bolso a rolha que tem uma cruz riscada em cima — continuou Pedrinho. — Essa mesma. Dê cá.

Pela informação do Tio Barnabé, logo que a gente põe a garrafa dentro da peneira o saci por si mesmo entra dentro dela, porque, como todos os filhos das trevas, tem a tendência de procurar sempre o lugar mais escuro. De modo que Pedrinho o mais que tinha a fazer era arrolhar a garrafa e erguer a peneira. Assim fez, e foi com o ar de vitória de quem houvesse conquistado um império que levantou no ar a garrafa para examiná-la contra a luz.

Mas a garrafa estava tão vazia como antes. Nem sombra de saci dentro...

A menina deu-lhe uma vaia e Pedrinho, muito desapontado, foi contar o caso ao Tio Barnabé.

— É assim mesmo — explicou o negro velho. — Saci na garrafa é invisível. A gente só sabe que ele está lá dentro quando a gente cai na modorra. Num dia bem quente, quando os olhos da gente começam a piscar de sono, o saci pega a tomar forma, até que fica perfeitamente visível. É desse momento em diante que a gente faz dele o que quer. Guarde a garrafa bem fechada, que garanto que o saci está dentro dela.

Pedrinho voltou para casa orgulhosíssimo com a sua façanha.

— O saci está aqui dentro, sim — disse ele a Narizinho. — Mas está invisível, como me explicou Tio Barnabé. Para a gente ver o capetinha é preciso cair na modorra — e repetiu as palavras que o negro lhe dissera.

Quem não gostou da brincadeira foi a pobre Tia Nastácia. Como tinha um medo horrível de tudo quanto era mistério, nunca mais chegou nem na porta do quarto de Pedrinho.

— Deus me livre de entrar num quarto onde há garrafa com saci dentro! Credo! Nem sei como Dona Benta consente semelhante coisa em sua casa. Não parece ato de cristão...

VI – A modorra

Um dia Pedrinho enganou Dona Benta que ia visitar o Tio Barnabé, mas em vez disso tomou o rumo da mata virgem de seus sonhos. Nem o bodoque levou consigo. “Para que bodoque, se levo o saci na garrafa e ele é uma arma melhor do que quanto canhão ou metralhadora existe?”

Que beleza! Pedrinho nunca supôs que uma floresta virgem fosse tão imponente. Aquelas árvores enormes, velhíssimas, barbadas de musgos e orquídeas; aquelas raízes de fora dando idéia de monstruosas sucuris; aqueles cipós torcidos como se fossem redes; aquela galharada, aquela folharada e sobretudo aquele ambiente de umidade e sombra lhe causaram uma impressão que nunca mais se apagou.

Volta e meia ouvia um rumor estranho, de inambu ou jacu a esvoaçar por entre a folhagem, ou então de algum galho podre que tombava do alto e vinha num estardalhaço — brah, ah, ah... — esborrachar-se no chão.

E quantas borboletas, das azuis, como cauda de pavão; das cinzentas, como casca de pau; das amarelas, cor de gema de ovo!

E pássaros! Ora um enorme tucano de bico maior que o corpo e lindo papo amarelo. Ora um pica-pau, que interrompia o seu trabalho de bicar a madeira de um tronco para atentar no menino com interrogativa curiosidade.

Até um bando de macaquinhos ele viu, pulando de galho em galho com incrível agilidade e balançando-se, pendurados pela cauda, como pêndulos de relógios.

Pedrinho foi caminhando pela mata adentro até alcançar um ponto onde havia uma água muito límpida, que corria, cheia de barulhinhos mexeriqueiros, por entre velhas pedras verdoengas de limo. Em redor erguiam-se os esbeltos samambaiaçus, esses fetos enormes que parecem palmeiras. E quanta avenca de folhagem mimosa, e quanto musgo pelo chão!

Encantado com a beleza daquele sítio, o menino parou para descansar. Juntou um monte de folhas caídas; fez cama; deitou-se de barriga para o ar e mãos cruzadas na nuca. E ali ficou num enlevo que nunca sentira antes, pensando em mil coisas em que nunca pensara antes, seguindo o vôo silencioso das grandes borboletas azuis, embalando-se com o chiar das cigarras.

De repente notou que o saci dentro da garrafa fazia gestos de quem quer dizer alguma coisa.

Pedrinho não se admirou daquilo. Era tão natural que o capetinha afinal aparecesse...

— Que aconteceu que está assim inquieto, meu caro saci? — perguntou-lhe em tom brincalhão.

— Aconteceu que este lugar é o mais perigoso da floresta; e que se a noite pilhar você aqui era uma vez o neto de Dona Benta...

Pedrinho sentiu um arrepio correr-lhe pelo fio da espinha.

— Por quê? — perguntou, olhando ressabiadamente para todos os lados.

— Porque é justamente aqui o coração da mata, ponto de reunião de sacis, lobisomens, bruxas, caiporas e até da mula-sem-cabeça. Sem meu socorro você estará perdido, porque não há mais tempo de voltar para casa, nem você sabe o caminho. Mas o meu auxílio eu só darei sob uma condição...

-— Já sei, restituir a carapuça! — adiantou Pedrinho.

— Isso mesmo. Restituir-me a carapuça e com ela a liberdade. Aceita?

— Que remédio!

Pedrinho sentia muito ver-se obrigado a perder um saci que tanto lhe custara a apanhar, mas como não tinha outro remédio senão ceder, jurou que o libertaria se o saci o livrasse dos perigos da noite e pela manhã o reconduzisse, são e salvo, à casa de Dona Benta.

— Muito bem — disse o saci. — Mas nesse caso você tem de abrir a garrafa e me soltar. Terei assim mais facilidade de ação. Você jurou que me liberta; eu dou minha palavra de saci que mesmo solto o ajudarei em tudo. Depois o acompanharei até o sítio para receber minha carapuça e despedir-me de todos.

Pedrinho soltou o saci e durante o resto da aventura tratou-o mais como um velho camarada do que como um escravo. Assim que se viu fora da garrafa, o capeta pôs-se a dançar e a fazer cabriolas com tanto prazer que o menino ficou arrependido de por tantos dias ter conservado presa uma criaturinha tão irrequieta e amiga da liberdade.

— Vou revelar os segredos da mata virgem — disse-lhe o saci — e talvez seja você a primeira criatura humana a conhecer tais segredos. Para começar, temos de ir ao “sacizeiro” onde nasci, onde nasceram meus irmãos e onde todos os sacis se escondem durante o dia, enquanto o sol está de fora. O sol é o nosso maior inimigo. Seus raios espantam-nos para as tocas escuras. Somos os eternos namorados da lua. É por isso que os poetas nos chamam de filhos das trevas. Sabe o que é trevas?

— Sei. O escuro, a escuridão.

— Pois é isso. Somos filhos das trevas, como os beija-flores, os sabiás e as abelhas são filhos do sol.

Assim falando, o saci levou o menino para uma cerrada moita de taquaruçus existente num dos pontos mais espessos da floresta.

Pedrinho assombrou-se diante das dimensões daqueles gomos quase da sua altura e grossos que nem uma laranja de umbigo.
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continua... VII - A Sacizada; VIII – A Onça
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Viagem ao Céu & O Saci. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. II. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa