Desde muito jovem, meti na cabeça duas ideias ousadas: escrever bem e publicar livros. Não consegui realizar a primeira, por mais que tenha tentado. Mas não me aventurei como outros: não li todo o essencial, não estudei gramática e línguas, fui preguiçoso e relapso nesses erros. A segunda ideia se concretizou aos poucos, embora tardiamente. O primeiro livrinho eu o editei aos 29 anos de idade. O segundo o Estado o publicou sete anos depois. Aos 37 anos tive o privilégio de assinar contrato com a editora sulista Mercado Aberto para a edição da novela A guerra da donzela, com distribuição nacional. Só então meu nome chegou a alguns jornais e ao conhecimento de críticos e escritores do Ceará (onde nasci), de Brasília (onde morava) e outros rincões.
Desde muito jovem, meteram-se na minha cabeça alguns dos melhores escritores estrangeiros e brasileiros. Primeiramente na escola: Liceu do Ceará, Ginásio Salesiano de Baturité, Colégio Capistrano de Abreu (Fortaleza). Os livros escolares da disciplina Português traziam poemas, contos e capítulos de romances dos principais escritores brasileiros e portugueses. E eu, de tanto os ler, cheguei a decorar (sou de péssima memória) alguns trechos, como o soneto “Língua portuguesa”, de Bilac, e o conto “Suave milagre”, de Eça. Do Ceará apareciam, nesses compêndios, somente Juvenal Galeno, com “Cajueiro pequenino”, e Alencar, com fragmento do Iracema. Não lembro de outros.
Apesar dessa carência escolar, nos jornais eu lia todos os mais notáveis poetas e prosadores vivos nascidos no Ceará. Alguns vindos do século anterior: Cruz Filho (1884-1974), Júlio Maciel (1888-1967), Otacílio de Azevedo (1896-1978), Herman Lima (1897-1981) e Carlyle Martins (1899-1986). Estes não os vi nunca. O primeiro e o segundo porque só passei a frequentar o mundo real da literatura por volta de 1976, quando surgiu a revista O Saco. O pai de Sânzio de Azevedo me parecia inatingível, como se vivesse além do Olimpo. O autor de Tigipió vivia no Rio de Janeiro. A poesia de Carlyle não me causava vontade de o conhecer.
A um segundo elenco pertenciam os mais novos que estes cinco, alguns oriundos do Grupo Clã, como Moreira Campos, que em 1960 (provável data em que me iniciei na leitura de suplementos literários) completara 46 anos de vida. Mas também os nascidos um pouco depois, como Francisco Carvalho, que contava apenas 33 anos. Poucos deles, no entanto, cheguei a ver, ouvir e com eles conversar. Com o contista de Vidas marginais mantive alguma correspondência. Encontramo-nos poucas vezes. Na crônica “Mestre Moreira Campos” relato essa amizade. De Braga Montenegro (1907-1979) nunca me aproximei. Mas guardo a única comunicação minha com ele: uma carta. Travei conhecimento também com Antonio Girão Barroso (1914-1990), nos anos 1970, ele ainda ativo no jornalismo. Andava sempre de paletó, muito respeitado pelos mais jovens. Estive com Eduardo Campos (1923-2007) somente depois de meu regresso a Fortaleza, ocorrido em 2002. Mantivemos boas conversações na Ceará Rádio Clube e no Instituto Histórico, Geográfico e Antropológico do Ceará. Ofereceu-me alguns de seus livros. Com José Alcides Pinto (1923-2008) tive diversos encontros. Alguns deles exponho na crônica “As galhofas de José Alcides Pinto”.
Dos vivos (em 2010) daquele tempo restam poucos, como Caio Porfírio Carneiro (1928) e Francisco Carvalho (1927). Rememoro a amizade deles comigo nas crônicas “O copo azul do menino Caio” e “Francisco Carvalho: utopia e eutopia”. Artur Eduardo Benevides (1923) está neste rol. Dele ganhei livros e recebi cartas, quando eu morava em Brasília. Escreveu generoso artigo, publicado em jornais e
revistas, a respeito de minha pequena obra: “Dois contistas cearenses”, no qual se refere a mim e a José Hélder de Souza. Conversamos pouco. Moacir C. Lopes (1927) não vi ainda, nem com ele me correspondi. Carlos D’Alge (1930) avistei em raras ocasiões. Talvez tenhamos trocado duas palavrinhas durante lançamento de algum livro. São os vivos da minha adolescência. Os remanescentes daquela geração de homens dedicados à leitura dos clássicos e à realização de obras literárias, sejam elas de maior ou menor valor estético.
Os demais estão mortos e não tive a satisfação de sequer ver ou ouvir uma palavra que fosse: Jáder de Carvalho (1901-1985), Edigar de Alencar (1901-1993), Carlos Cavalcanti ou Caio Cid (1904-1972), Filgueiras Lima (1909-1969), João Jacques (1910), Heitor Marçal (1910), Rachel de Queiroz (1910-2003), Fran Martins (1913-1996), João Clímaco Bezerra (1913-2006), Gerardo Mello Mourão (1917-2007), Otacílio Colares (1918-1988), Aluizio Medeiros (1918-1971), Milton Dias (1919-1983), Durval Aires (1922-1992), Lucia Fernandes Martins (1926) e outros. Uns porque viviam longe de Fortaleza; outros porque me pareciam inacessíveis, até 1977, quando fui embora do Ceará. Seriam muito grandes para mim. Além do mais, nunca fui de ansiar conhecer pessoalmente escritores. Para mim me bastam suas obras.
Quase todos eles apresentavam, com frequência, poemas, contos, crônicas, artigos e pequenos ensaios de crítica literária em jornais de Fortaleza, nos anos 1960. Certamente, antes desse tempo, já o faziam. Mas disso eu não sabia. Eu os lia com sofreguidão de leitor adolescente, cioso de conhecimento e novidade. Depois, aos poucos, fui me aproximando de seus livros ou de parte de suas obras, quer em antologias, quer em livros individuais. Nunca deles como pessoas.
Depois deles vieram Geraldo Markan (1929-2001), que conheci ao tempo da revista O Saco e do Grupo Siriará, e com quem devo ter trocado algumas palavras, e Juarez Barroso (1934-1976), que não cheguei a conhecer. O único vivo dos nascidos por volta de 1930 é Mário Pontes (1932). Andei me correspondendo com ele no final dos anos 70. Encontramo-nos recentemente em Fortaleza. Lembrou-me o artigo que escrevi a respeito de seu livro Milagre na salina. Pareceu insatisfeito comigo. Talvez eu tenha sido maldizente. Penitencio-me por isso. José Hélder de Souza (1931-2004) conheci em Brasília. Frequentávamos bares nos quais se davam encontros semanais dos membros da Associação Nacional de Escritores. Embora mais velhos que eu, estes não pertencem à velha guarda, pois surgiram como escritores quando eu já publicava livros, embora não escrevesse bem como eles.
Fortaleza, março de 2010.
Fonte:
http://www.niltomaciel.net.br/node/61
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