Transtornado, o homem recusava abrir a porta do elevador. Se do lado de fora estivesse um tigre à sua espreita? Vários tigres? Um horror! E tremia todo. Não conseguia nem sequer se manter em pé. Melhor sentar-se. E esperar, esperar, esperar. Passaria toda a noite, e quantas noites fosse preciso passar, dentro do elevador. Não, morreria de inanição e tédio. E se o tigre, os tigres abrissem a porta? De manhã os vizinhos, sua mulher só encontrariam alguns ossos. Nunca saberiam como e por que sumira tão misteriosamente. A ossada poderia ser de outro. Talvez de um cachorro grande. Nunca de um homem, dele. Não havia canibais na cidade. Nenhuma notícia deles.
Sossegou, buscou uma brecha na porta, olhos e ouvidos de caçador. Nenhum sinal de tigre. O bicho não chegara àquelas alturas. Com certeza continuava na rua.
Abriu um pouquinho a porta. Puxou-a para si. Melhor não confiar em nada. Felino é bicho traiçoeiro. Empurrou de novo a porta. E, de um pulo, lançou-se contra a porta do apartamento. Socorro, Maria, socorro! Do outro lado gritaram espere, espere. Até abrirem a porta o tigre o devoraria. Bateu com força as mãos na porta. Deu outro pulo e caiu no meio da sala. Bêbado, sem-vergonha, desgraçado. Fechassem a porta logo. O tigre podia entrar.
Não, não havia bebido nada? E o que era aquilo então? Ficara maluco de vez? Maluco é a mãe. Mais um minuto, e nunca mais o teriam visto. Comido, co-mi-do por um tigre, Dona Maria. Ela se pôs a rir. Riso de deboche. Depois gargalhou. As crianças também riram. O pai delirava? Ergueu-se do chão, ainda aflito. Prestassem atenção, muita atenção. Havia um tigre na rua. Debaixo do prédio. A mulher riu de novo. Não risse. Se não acreditasse e quisesse virar comida de tigre, abrisse a porta e descesse. As crianças já não riam e correram para a mãe.
Na televisão o locutor falava de crises, abacaxis e pepinos. Alta do trigo. O homem correu a apertar o botão do aparelho. Nada de barulho. O tigre poderia se irritar. De onde surgiu esse tigre, homem? Sei lá. Deve ter vindo da África. Não, pai, ele fugiu do circo. Deu na televisão. Mentira, gritou o outro filho.
O tigre estava doente e teve alta. Então é mais perigoso ainda. Tigre ferido é uma fera.
Maria deu um gritinho, as crianças se puseram a chorar. O homem criou coragem — foi trancar a porta já trancada. Arrastou os sofás para a porta. Onde estava o revólver? Não tinham revólver nenhum. Só os de brinquedo. Então buscassem as facas, todas as facas. Se o tigre se atrevesse a entrar, ele o esfolaria. Vou ser herói, Maria.
E apagou as luzes.
Fonte:
Nilto Maciel. Pescoço de girafa na poeira. Brasília: Secretaria de Cultura do DF, 1999.
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