Estava eu a matutar no que iria escrever nestas horas monótonas de minha vida, quando me deparei com uma poesia da época romântica francesa que traduzimos na adolescência, ao cursarmos o Científico. Lembro-me que o professor de francês no Colégio Nossa Senhora da Conceição de Passo Fundo – RS, era o irmão marista Érico, cujo apelido carinhoso era “Foquinha”, e que ao ler as poesias em voz alta ele se empolgava transmitindo uma emoção ímpar e que todos ouvíamos em silêncio, no original desta língua tão melódica quanto sonora, no meu mero entendimento. O livro em que estudávamos era o Cours de Français, de Augusto R. Rainha e José A. Gonçalves, e nas páginas 35, 36 e 37, constava a minibiografia do autor e a poesia a que me refiro, como segue:
“Época Romântica – A Poesia – MUSSET (1810-1957) –
1 – Alfred de Musset nasceu em Paris, onde após excelentes estudos, partiu do Cenáculo e se engajou no romantismo. Entretanto, não tardou a retomar uma independência da qual era cioso (ciumento). Levou, durante algum tempo, uma vida licenciosa que lhe não deixa senão remorso e desencantamento. Tornou-se então um poeta apaixonado. É o período de sua grande poesia.
Este poeta tão grande e tão maravilhoso, é Enfant du siècle (Filho do século), como ele gostava de se chamar a si mesmo, e morreu na idade de quarenta e sete anos.
2 – Suas Obras Líricas estão reunidas em dois volumes: Primeiras Poesias (Contos da Espanha e da Itália); Novas Poesias (as Noites), a melhor parte da obra do poeta.
3 – Musset é antes de tudo o “poeta do amor”. É seu princípio que “toda a obra literária consiste em abrir seu coração e a penetrar no coração do leitor”. “Ah ! bate de encontro ao teu coração: é lá que está o gênio” – escreveu. É um poeta todo pessoal (original), não gostava de imitar: “Mon verre n’est pas grand, mais je bois dans mon verre.” (Meu copo não é grande, mas eu bebo no meu copo).”
Após este prólogo tão interessante quanto necessário, a meu ver, em tradução minha adaptada, vamos à poesia:
“O PELICANO
Qualquer preocupação que sofras em tua vida,
Oh! deixa dilatar-se, esta santa ferida
Que os negros serafins têm cavado em teu peito
Nada nos faz tão grandes como um sofrer perfeito.
Mas, por estar atento, não creias, ó poeta,
Que no Mundo a tua voz deva ficar quieta !
Os mais pungentes são os cânticos mais belos,
E eu conheço imortais que são tristes anelos.
Quando o pelicano, em longa viagem solta,
Nas brumas da tardinha aos seus caniços volta,
Famintos filhos seus caminham sobre a praia,
Vendo-o esbater-se ao longe em cima às plúmbeas águas
Já crendo em apanhar e repartir a presa
Eles correm ao pai com gritos de alegrias
Erguendo os bicos sobre as gargantas frias.
Ele, galgando a passos lentos uma rocha elevada,
Em sua asa pendente abrigando a ninhada,
Pescador melancólico, ele olha os céus.
O sangue corre em golfadas em seu peito aberto;
Em vão dos mares escavou a profundeza:
O Oceano estava vazio e a praia deserta;
Por todo alimento ele traz seu coração.
Sombrio e silencioso, estendido sobre a pedra,
Repartindo aos seus filhos suas entranhas de pai,
No seu amor sublime embala a sua dor,
E, olhando escorrer seu peito a sangrar,
Sobre seu festim de morte ele se prostra e cambaleia,
Ébrio de volúpia, de ternura e de horror.
Mas às vezes, no meio do divino sacrifício,
Fatigado de morrer em tão longo suplício,
Ele acredita que os filhos o deixem vivendo;
Então soergue-se, abre sua asa ao vento,
E, ferindo-se o coração com um grito selvagem,
Solta dentro da noite um tão fúnebre adeus,
Que os pássaros dos mares desertam a beira-mar,
E que o viajor demorado na praia,
Sentindo passar a morte, se recomenda a Deus.”
(La Nuit de Mai (1835).
Qualquer preocupação que sofras em tua vida,
Oh! deixa dilatar-se, esta santa ferida
Que os negros serafins têm cavado em teu peito
Nada nos faz tão grandes como um sofrer perfeito.
Mas, por estar atento, não creias, ó poeta,
Que no Mundo a tua voz deva ficar quieta !
Os mais pungentes são os cânticos mais belos,
E eu conheço imortais que são tristes anelos.
Quando o pelicano, em longa viagem solta,
Nas brumas da tardinha aos seus caniços volta,
Famintos filhos seus caminham sobre a praia,
Vendo-o esbater-se ao longe em cima às plúmbeas águas
Já crendo em apanhar e repartir a presa
Eles correm ao pai com gritos de alegrias
Erguendo os bicos sobre as gargantas frias.
Ele, galgando a passos lentos uma rocha elevada,
Em sua asa pendente abrigando a ninhada,
Pescador melancólico, ele olha os céus.
O sangue corre em golfadas em seu peito aberto;
Em vão dos mares escavou a profundeza:
O Oceano estava vazio e a praia deserta;
Por todo alimento ele traz seu coração.
Sombrio e silencioso, estendido sobre a pedra,
Repartindo aos seus filhos suas entranhas de pai,
No seu amor sublime embala a sua dor,
E, olhando escorrer seu peito a sangrar,
Sobre seu festim de morte ele se prostra e cambaleia,
Ébrio de volúpia, de ternura e de horror.
Mas às vezes, no meio do divino sacrifício,
Fatigado de morrer em tão longo suplício,
Ele acredita que os filhos o deixem vivendo;
Então soergue-se, abre sua asa ao vento,
E, ferindo-se o coração com um grito selvagem,
Solta dentro da noite um tão fúnebre adeus,
Que os pássaros dos mares desertam a beira-mar,
E que o viajor demorado na praia,
Sentindo passar a morte, se recomenda a Deus.”
(La Nuit de Mai (1835).
Ao findar o mês de maio em pleno outono, quis prestar uma homenagem in memoriam a este inigualável poeta romântico francês que com seu poema( inserido em Noites de Maio), demonstrou até onde vai o amor paterno e materno, sacrificando sua própria vida para que seus filhotes continuem a viver. É uma lição divina da natureza.
Fontes:
Texto enviado pelo autor
Imagem = http://www.iguinho.ig.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário