sábado, 20 de agosto de 2011

Eduardo R. V. (O Fantasma do Hospital)


Já se passara quanto tempo?
Ele não sabia, não havia como saber.
Quem sabe aconteceu há um ano?
Talvez tenha sido apenas há uma semana.
Um dia?
Bom, há quanto tempo aconteceu ele não sabia.
Sabia, e apenas isto, que foi algo sem igual; para ele maravilhoso, até certo ponto.
Para a maioria das pessoas teria sido horrível, mas ele adorou, e repito, até certo ponto.

O menino, em um leito de um hospital, se acomodou de maneira mais confortável. A lembrança daquela sua amiga causava certo arrepio. Ele sentiu muito por ela. Por tudo o que ela fez; por tudo que a levou a atos desesperados de vingança. Coisas que fizeram a pobre menina cruzar a linha fraca e fina que separa o mundo dos mortos e os dos vivos. Ou poderia ser ao contrário; não poderia?

Seu corpo fraco e inutilizado. Como todos lamentavam seu corpo sem uma função, para muitos, essencial, que o menino não conheceu: locomoção. Não era só esse o problema do menino, existiam mais dois. Bom, um deles poderia não ser um problema, dependeria das pessoas, da cultura que comanda a vida destas. Nem todos consideram o poder de ver espíritos algo ruim. Porém muitos banalizam. E o menino pensava nessas pessoas. Muitas delas acreditavam que pessoas em um passado distante viram anjos ou ouviram vozes ou ainda receberam esclarecimentos superiores.

Lágrimas apareciam nos olhos do menino sempre que pensava nisso. Por que ele não podia ver? Por que ele não podia ouvir? As pessoas condenavam o menino. Ele se importava com isso. Gostaria que as pessoas aceitassem seu dom, assim como aceitavam o dom daqueles que viveram no passado.

O tempo para o menino estava acabando. Ele sabia, ninguém precisava dizer, ele simplesmente sabia. Sabia que a leucemia o devastava mais e mais, dia após dia. Uma depressão se abateu sobre o menino quando ele soube. Foi quando ele perdeu a noção do tempo. O médico afirmava firme, mesmo sem o menino perguntar, que ele iria viver; mas ele não se deixava enganar.

O menino esperava uma visita, o diretor do hospital. Foi por um pedido do menino que o diretor do hospital iria lhe visitar. Era preciso esclarecer um acontecimento. O menino precisava dizer, precisava dizer antes de ir. A sua amiga havia chorado; ele nunca tinha visto um chorar. Ela chorou…

A maçaneta dourada da porta branca girou, o diretor do hospital entrou.

— O que deseja meu pequeno? — disse o diretor do hospital calmo. — O que é tão importante que eu saiba?

O menino, fracamente, respondeu:

— Lembra que aconteceram coisas estranhas há algum tempo? É sobre elas que eu quero falar; preciso.

— Sim, lembro muito bem. Nunca antes — o diretor do hospital puxou um banco, sentia que a conversa seria longa — aconteceram coisas como aquelas por aqui.

Bom, aqui foi à primeira vez. Já tinha ouvido, em conversas, coisas parecidas.

— Então — disse o menino, que sempre escutava com atenção enquanto as pessoas falavam — eu sei quem, sei por que, conheço cada detalhe.

— Como pode saber? — perguntou curioso do diretor. — Lembro que você não saiu do quarto durante os acontecimentos. Era muito perigoso.

— Eu não saia, mas alguém entrava.

O direto do hospital olhou espantado para o menino. Não sabia como ele poderia conhecer detalhes. Lógico que ele conhecia os dons do menino; seu olhar ante o menino não mudou mesmo após a revelação.

— Por favor — pediu o diretor do hospital —, explique-me melhor.

— Houve uma paciente neste hospital — começou a dizer rapidamente o menino — que foi internada aqui com febre...

Uma imagem apareceu na mente do diretor do hospital, era a de uma paciente sendo levada de maca para um dos quartos do hospital. Ela se contorcia agressivamente, tinha febre alta e delirava.

— ... se contorcia, delirava. Ela. Foi ela quem me contou o que acontecia.

O diretor do hospital sabia quem era. Porém ainda não compreendia, [ou não queria], a ligação entre aquela jovem garota e o que aconteceu no hospital.

— E ela, como ela poderia saber?

Ele tinha uma curiosidade. Queria ver até que ponto o dom do menino iria.

— Percebeu que enquanto as coisas aconteciam — respondeu o menino —, não havia nenhuma pessoa que pudesse estar por trás de tudo. As coisas iam acontecendo, simplesmente. Por mais que procurassem, não teriam achado nenhum responsável. Não acharam, acharam?

— Está dizendo que não achamos o culpado por que foi um espírito?

— Isto.

Antes que a conversa continuasse, o diretor do hospital foi chamado para atender uma urgência.

— Descanse, depois continuamos a conversa — disse o diretor do hospital saindo.

O menino sabia que não poderia tomar o tempo do diretor do hospital. Ele era um homem muito importante no hospital, admirado por suas qualidades médicas e administrativas, portanto ter sua atenção por tempo suficiente seria muito difícil.

O menino dormiu tranqüilamente o começo daquela noite. Como sempre, não sonhou com nada, pelo menos ele não se lembrava de alguma vez ter sonhado; nenhuma imagem, nenhum som, nenhuma sensação.

Depois que o diretor do hospital deixou o quarto, o menino ficou pensando se sua amiga concordaria com a escolha dele em contar. Isso o perturbou. Antes ele tinha certeza de que deveria contar. Contar antes que seus dias acabassem, mas agora...

Esse medo que o menino tinha foi eliminado em uma conversa que teve. No meio da noite do mesmo dia da conversa com o diretor do hospital, o menino ouviu uma voz. Uma voz doce, agradável. Voz que transmitia muita paz. O menino foi acordado suavemente pela voz. Ao ver sua amiga ele se animou; gostou de revê-la. Ela nem precisou dizer nada, o menino sabia o porquê dela estar ali. Com certeza era sobre sua insegurança que ela desejava conversar. Só poderia ser esse o motivo da visita.

— Você decidiu que vai contar — disse ela. — Está em dúvida se eu concordo.

O menino não se surpreendeu quando a amiga falou tão perfeitamente sobre sua insegurança. O que o surpreendeu foram suas vestes: um longo vestido branco, muito brilhante; um véu prateado que guardava seus lindos cabelos negros; uma tiara, que ajustava o véu em sua cabeça, marcava ainda mais o brilho que sua amiga possuía. Os olhos dela... ele nunca havia visto os olhos castanhos dela tão brilhantes quanto naquele momento. Seu sorriso mudou, era amigável, ele se surpreendeu com a mudança, gostou muito.

— Você está linda — disse o menino em um elogio sincero.

— Você é o responsável por isto tudo — agradeceu a menina girando e fazendo seu vestido flutuar. — Se não fosse pela sua ajuda eu não estaria feliz agora.

A menina fez um carinho leve na testa do amigo. Depois o beijou na testa. Ele sentiu um calorzinho fraquinho e confortável onde ela o beijou.

— Que bom que eu pude ajudar, que bom...

— Vamos ao que interessa — disse a menina não oferecendo outra alternativa. “Você pode contar o que quiser sobre o que aconteceu comigo. Não precisa ocultar nada. Não tenha medo. Se for preciso eu ajudo de alguma forma.”

— Obrigado — disse o menino. — Sinto-me mais — ele pensou um pouco — “leve” — disse por fim. — Já que você não é contra, será mais fácil.

— Foi só sobre o que vim falar. Até alguma outra oportunidade — despediu-se.

— Até...

Depois da conversa seria tudo mais fácil. Já que sua amiga não era contra sua decisão. Era só esperar pelo próximo encontro com o diretor do hospital.

De manhã era a única hora em que o diretor do hospital poderia visitar o menino, no novo dia. Mas ele não apareceu; decidiu que precisava de mais tempo para pensar em tudo o que ouviu do menino debilitado.

No entanto o menino não ficaria sozinho durante a manhã, pelo menos não durante boa parte dela. Como o seu estado de saúde era muito delicado, seus pais conseguiram uma autorização especial para visitá-lo fora do horário, considerado, horário de visita. Os pais do menino foram visitá-lo; ele gostou.

— Oi filho — disse o pai abrindo a porta e entrando no quarto. — Como é que anda meu campeão.

Sua mãe se aproximou de seu leito pelo lado oposto ao que seu pai ficou. O beijou na testa, o menino, que adorava o beijo que sua mãe lhe dava, sorriu.

— Eu estou na mesma — respondeu o menino ao pai. — Por que vieram hoje? — quis saber o menino.

— Viemos por que sentimos saudades do nosso filho — afirmou a mãe. — Não podemos ficar muito tempo longe — apertando as bochechas do menino disse: — desta fofura.

— Mãe — reclamou o menino tentando se desvencilhar. — Sabe que não gosto que aperte minhas bochechas.

— Conversamos com o médico que toma conta de você — informou o pai. — Ele disse que há grandes chances de melhoras. Só depende de você — terminou tentando animar o menino.

O menino sabia que seu pai tinha a melhor das intenções quando lhe dizia que só dependeria dele. Mas ele sabia que não era assim; se fosse já estaria tudo acabado e ele estaria muito melhor. Até certo ponto, porém, isso o incomodava; ele tinha certeza de que morreria, apesar de não querer, as esperanças que tentavam passar para ele, eram desnecessárias.

Aquilo não perturbou o menino.

Ele queria contar para os seus pais sobre sua decisão de narrar para o diretor do hospital os acontecimentos que envolviam sua amiga. Seus pais já tinham relativo conhecimento sobre o assunto, e não gostavam nada dele. Seus pais eram o tipo de pessoa que não acreditava que outras podiam ver seres imateriais.

— Pai, mãe — começou tímido o menino. — Quero falar com vocês sobre uma coisa.

— O que é meu filho? — perguntou a mãe. — Que coisa é essa que quer falar. Sinta-se à-vontade.

O pai não falou nada, em parte por que sabia o que o filho queria falar. Ele sonhava com coisas que irão acontecer. Sua esposa e seu filho não sabiam e nunca souberam; ninguém nunca soube. O sonho que teve naquela noite foi com seu filho, e ele revelava acontecimento.

— É sobre a minha amiga — respondeu o menino. — Aquela que perturbou muita gente neste hospital — o menino respirou fundo ao acabar. — Sei que não gostam do assunto, mas, por favor, escutem.

O pai e a mãe se entreolharam. Em outras conversas, duas, em que o assunto foi mencionado, os pais do menino se estressaram; fizeram um grande esforço para não brigar com o menino, conseguiram.

A mãe pegou a mão do filho, com todo cuidado e carinho que uma mãe zelosa pode ter por um filho.

— Já conversamos sobre esse assunto — disse a mãe com a ternura agressiva que só uma mãe conseguiria ter. — Essa sua amiga é coisa da sua imaginação, efeitos dos remédios, talvez. Não temo mais o que falar.

— Mas eu preciso dizer uma coisa — implorou o menino. — Por favor, mãe é importante. Antes que seja tarde...

Silêncio na sala.

Ninguém percebeu, mas a persiana abriu, uma mudança mínima; praticamente não houve mudança na iluminação do ambiente.

— Conte-nos meu filho — permitiu a mãe.

Mais uma mudança leve na persiana, o ambiente ficou um pouco mais claro, com o nervosismo da conversa ninguém percebeu.

— Vou contar para o diretor do hospital tudo que sei — informou o menino. — Vou contar tudo sobre os dias em que minha amiga estava descontrolada; os acidentes infelizes, tudo.

— Você associa o que aconteceu aqui àquela sua amiga — disse o pai finalmente —, mas nunca falou o que, exatamente, ela fez.

— Vou dizer o que ela fez — informou o menino —, mas não quero dizer como ela fez — avisou. — Alguns pacientes no hospital precisam de cuidados especiais, de acompanhamento, ela interrompia esse acompanhamento. Conseguia fazer isso diretamente ou indiretamente.

O menino parou, tinha que tomar muito cuidado, não queria revelar nada sobre como sua amiga realizou os seus atos. Pelo menos disso ele queria protegê-la.

— Meu filho, se você vai falar sobre esse assunto, diga tudo — pediu a mãe.

— Não dá — replicou o menino. — Não quero contar tudo. Quero ocultar certas coisas para ter certeza de que o diretor do hospital não fique sabendo. Não por outra pessoa. Eu tenho que contar.

Os pais demonstraram sua impaciência; um pouco nervosos saíram do quarto, não queriam ter uma conversa como aquela.

No silêncio do quarto o menino sussurrou para si mesmo:

— A água, eu tenho que falar sobre a água.

A persiana abriu completamente e revelou a luz da manhã.

O dia transcorreu normalmente. Não houve nada que não pudesse ser considerado normal. O menino recebeu as visitas rotineiras para o acompanhamento de sua saúde; o almoço e jantar foram, como sempre, pontuais.

O diretor do hospital, que o menino tanto esperou, decidiu que no dia seguinte à visita dos pais do menino, iria conversar com ele. O que pretendia, na verdade, era conseguir dos pais do menino alguma informação que considerasse útil, mas nada conseguiu.

Não havia mais saída para o diretor do hospital, a conversa não poderia ser adiada. Só que no dia seguinte ao da visita de seus pais, o menino acordou diferente. Toda a avaliação que sempre faziam nele não apontou nada de anormal, mas o menino acordou, no dia seguinte, com febre alta, tendo convulsão e delirando; algo muito parecido com o que teve sua amiga quando entrou no hospital. Depois de muitas tentativas os médicos conseguiram fazer com que o menino melhorasse, mas seu quadro ainda era instável.

Quando o menino melhorou e conseguiu pensar direito, pediu para falar com o diretor do hospital. Quando seu pedido foi negado ele começou a gritar, se não podiam chamar o diretor do hospital, ele mesmo o faria. Pouco tempo depois o diretor do hospital foi atender ao chamado do menino.

— Nossa conversa — disse o diretor do hospital quando entrou —, temos que continuá-la. Diga, então, o que aconteceu que você sabe e eu não!

O menino se sentia cansado, muito. Sentia muitas dores. Mas tinha que falar, talvez fosse sua última chance.

— A... á... gua — disse o menino com um esforço considerável.

Suas forças o abandonaram. Ele tentou completar o que pretendia dizer, mas não conseguiu.

— O que tem a água? — perguntou o médico. — Não se esforce muito, não fará bem para você.

O menino respirou fundo, se concentrou.

— Minha amiga desligava os aparelhos que eram importantes... — começou a dizer o menino.

— O que tem haver os aparelhos com a água?

— ... para manter vivas as pessoas. Às vezes ela aprontava com alguns médicos que também eram importantes para manter vivas as pessoas.

O menino falava como se fosse a última coisa que diria em vida. Ele tinha uma vaga noção de que falava e do que falava.

— Não estou entendendo — disse o diretor do hospital demonstrando certo desespero.

— Você não está dizendo coisa com coisa. “O que fez esta sua amiga afinal?”

Uma figura apareceu no quarto; ao lado do menino; segurou-lhe a mão. Para o menino a imagem era bem nítida, para o diretor do hospital não era nada mais do que uma imagem borrada, como uma tevê mal sintonizada.

O menino começou a balançar a cabeça; rápido, forte e falava:

— Não... não... não era o suficiente? — lágrimas. — Você precisava de mais. Por quê?

A garota também começou a chorar. Apertou mais a mão do menino.

O diretor do hospital, que já não estava gostando do assunto, agora demonstrava um nervosismo altamente contido. Ele se encontrava em uma situação da qual não gostava: fazia parte do enredo de uma peça de teatro, nos últimos atos ele era um dos protagonistas, mas não detinha total controle da situação, o destino da encenação não cabia a ele escolher. E ainda havia aquela imagem borrada. Ele tinha uma noção vaga do rosto, era conhecido, mas não conseguia relacionar a imagem borrada a algum rosto conhecido.

— A água — começou o menino — está EN...

As últimas palavras do menino não saíram. Os seus olhos fecharam. O diretor do hospital não tentou fazer nada, sabia que nada poderia ajudar. A imagem borrada ficou com parte do corpo nítida, a mão que segurava a mão do menino. A mão ergueu até o diretor do hospital um bilhete, [escrito a mão]:

Um dos médicos deste hospital dopava-me, e aproveitava minha vulnerabilidade para abusar do meu corpo. Contra ele eu jurei que moveria o mundo. Quando finalmente morri, coloquei em ação minha vingança. Atrapalhei a vida daquele médico e quando acabei com ele, voltei-me contra o resto do hospital.
O garoto internado no quarto 8-A ajudou-me a ver que tudo o que fazia era errado. Mas já era tarde, a água do hospital já havia sido envenenada.
Juliana

O diretor do hospital olhou onde estava Juliana, não viu nada.

Rapidamente a água do hospital foi enviada para analise. Estava envenenada; o veneno era fraco. O antídoto foi comprado e administrado antes que uma tragédia se completasse.

Estou melhor…

Um comentário:

MariaChiquinha disse...

Não sei se passei aqui. Mas sempre acompanho este site maravilhoso dada nossa literatura brasileira, só que provavelmente as vezes não entre em suas estatísticas pois leio direto no reader. Obrigado site maravilhoso.