Dia dos pais. Todo pai deseja receber um presente e ser homenageado nesta data. A regra geral funciona assim: a esposa compra o presente e os filhos entregam. Uma rotina cumprida de maneira fria e maquinal por gerações. Dona Matilde tentou inovar, fugir a essa regra para surpreender o maridão Carlos. Pegou o filho Daniel, um menino sapeca de dez anos, e foi ao Shopping. Para agilizar a escolha do filho, deu-lhe três opções: gravata, cinto ou lenço. Não seria nada especial ou caro, apenas uma lembrança cujo carinho do filho na escolha julgava ser o mais importante. E, lógico, emocionaria o marido, pois se o dia era dos pais justo que a decisão da escolha fosse de Daniel, que deixaria isso claro a Carlos.
Mãe e filho andaram muito no Shopping e entraram em várias lojas. Mas nada contentava Daniel. Pararam após muita andança, tomaram sorvete, um intervalo para descanso por exigência da mãe, que quase já se arrependia da inovação pelo demorado esforço sobre os saltos altos e a indefinição do garoto. Mas como Daniel ainda não havia visto nas vitrines de nenhuma loja o que realmente lhe interessava, não se decidia. Já impaciente, a mãe tentou apressar a escolha entrando numa loja de roupas para jovens. Talvez fosse isso. Talvez aí estivesse a solução. Carlos praticava esportes, era sarado como se diz de quem malha muito na academia para manter a forma, e o filho — que se orgulhava do paizão jovem — podia estar a procura de algo que combinasse com essa imagem. Apresentou-lhe calções e tênis modernos, camisas pólos que realçariam os músculos avantajados do marido. Nada! A tudo Daniel balançava negativamente a cabeça.
Não pode ser, esse menino está de gozação, pensou Matilde quase a ponto de perder a paciência. E mais se agastava quando via que nadava contra a maré: a maioria das esposas entrava displicentemente na primeira loja e saía com o presente em uma sacola. Não é possível, o que deseja esse menino? Impacientou-se.
Daniel abriu um sorriso e arrastou-a a uma livraria quando se viu diante de uma delas. A mãe, surpresa, acompanhou-o. De imediato imaginou que tudo aquilo era um engano se não fosse um despropósito. Era no que dava deixar ao arbítrio de uma criança de dez anos a escolha do presente do pai. Carlos podia ser tudo, menos um intelectual. Um livro, seria essa a escolha? Inacreditável! Sorriu. Carlos era um pai atencioso e amoroso, um marido esforçado e apaixonado, um empresário competente, mas andava longe de ser um intelectual. Livros que ele já lera? Bem, dissera-lhe que leu O Pequeno Príncipe na infância, e só! Depois de casado? Ah! Havia lido O Maior Vendedor do Mundo.
Mas não era um livro que Daniel queria para o pai. Depois de várias voltas no interior da livraria parou diante de uma estante com lindas canetas. Apontou para a mais bonita e olhou para a mãe. É essa! disse convicto. Menos mal, pensou a mãe. Ao menos, ao contrário do livro, teria utilidade no escritório.
No domingo, festa em casa. Pai, mãe e filho. Daniel, quando comemoravam a data ao almoço, tirou do bolso a sofisticada caneta num estojo de veludo e deu-a ao pai com um sorriso. Recebeu um abraço efusivo de Carlos e beijos em abundância.
Com olhos marejados, diante da esposa comovida, agradeceu ao filho o presente. Mas quis saber por que uma caneta depois que Matilde relatou a dificuldade da escolha e o fato de o filho ter recusado suas sugestões de gravata, cinto, lenço e até tênis e camisas.
— Por que uma caneta, filho? — disse, abrindo um sorriso com o qual reconhecia a precocidade de Daniel.
O menino também sorriu, olhou para longe como se vislumbrasse o futuro e declarou:
—É que com ela o senhor pode assinar o cheque para o meu presente de aniversário daqui a dez dias, tá lembrado?
Fonte:
http://www.overmundo.com.br/banco/o-presente-do-pai-cronica#-banco-10098
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