sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Fernanda Coutinho (Infância querida De Dickens a Molnár, de Graciliano a Ariès, dez autores tratam da vida das crianças)

A infância é um tema antigo, existe desde a literatura grega, com uma ressalva, porém: até antes do século XIX, de modo geral, os narradores apressavam o passo nos relatos infantis da vida das personagens. Que autores fizeram obras em que a criança se situa no centro dos acontecimentos, e em que a descoberta do mundo aparece como a grande aventura a ser narrada?

Charles Dickens, que ajudou a firmar o tema da infância como um forte componente dos relatos romanescos no século XIX, é um deles. Em Grandes esperanças (1861), expõe, através de Pip, a fértil imaginação da mente infantil, ao mesmo tempo que revela o dilema da criança diante da linguagem cifrada do mundo adulto.

A “infância dolorosa” tornou-se de fato um mito literário por esse tempo. Há ainda romances autobiográficos que reprisam a questão, como o de Jules Renard, Foguinho (1894), que mostra o protagonista como bode expiatório da mãe, que o submete a duras provas de aprendizagem da solidão e do medo. O imaginário sobre a infância também é alimentado pela figuração de crianças em grupo, como em Os meninos da rua Paulo (1907), novela, de inspiração autobiográfica, do húngaro Ferenc Molnár, na qual é relatada a briga de dois grupos por um troféu muito particular: um terreno baldio, em uma ainda acanhada Budapeste. Entendido como um espaço de liberdade, o lugar simboliza a ânsia de evasão própria da criança, e, assim, o livro tornou-se um clássico para inúmeras gerações – um modelo de memória de travessuras.

Em uma seleção de textos sobre a infância, nem por artes de abracadabra poderia faltar Reinações de Narizinho (1931) que, além de Lúcia e Pedrinho, conta com a disposição da sapeca Emília, para virar o mundo pelo avesso, à semelhança do que preconiza o espírito curioso da criança. Súmula do trabalho de Monteiro Lobato, no intento de reinventar a criança brasileira, dotando-a de um acervo de títulos literários capaz de tomá-la como parâmetro de si mesma e não apenas como projeto de um futuro adulto.

Há também registros alegóricos como O pequeno príncipe (1943), de Antoine de Saint-Exupéry. Um dos maiores méritos do frágil principezinho, famoso personagem da literatura de todos os tempos, até mesmo pelas célebres ilustrações do livro, é atenuar a imagem da criança como eterno aprendiz, mostrando-a, isso sim, como alguém dotado de uma sabedoria particular, cuja complexidade nem sempre é atingida pelos adultos.

Uma outra forma de apresentação da temática tem sido o texto de memórias, tal como em Infância (1945), de Graciliano Ramos. No livro, o escritor recorda, sem saudades, mas de modo comovido, o áspero cotidiano das crianças em um Brasil arcaico, movido a gritos e açoites – rudezas que denotam o desconhecimento da criança como indivíduo, salvo algumas raras brechas de ternura. Ainda no terreno das memórias, é importante a referência às de José Lins do Rego, Meus verdes anos (1953), que expõem a forte ambigüidade da narração na aparente sugestão idílica do título. No prefácio, Zé Lins, reportando-se às borboletas azuis de “Meus oito anos”, espécie de hino da infância à brasileira, conclui: “Em meu caso as borboletas estiveram misturadas a tormentos de saúde, a ausência de mãe, a destemperos de sexo”. Em 2003, Manoel de Barros publica suas Memórias inventadas: a infância, em que faz um inventário dos seres de seu tempo de menino. Desperta a atenção para o valor de relicário que empresta às coisas tidas como sem valor (rãs, lagartixas, lesmas, latas e pedrinhas).

Engana-se, porém, quem pensar que só de literatura vive a infância. Entendida como uma construção social, vem ela suscitando o interesse das ciências humanas no século XX. Philippe Ariès, ao escrever sua História social da criança e da família, colocou uma questão de base: desde quando a criança deixou de meramente espelhar o comportamento adulto?

História das crianças no Brasil é outra leitura imprescindível. Organizado pela historiadora Mary Del Priore, o livro transporta o leitor ao século XVI, quando flagra os “miúdos” chegando à Terra Brasilis provenientes de além-mar. Trata de práticas do cotidiano dos pequenos na Colônia, Império e República, até chegar às experiências bem recentes em que o trabalho nos canaviais é transferido a seus frágeis ombros.

Os dez livros
•Grandes esperanças, de Charles Dickens, Itatiaia
•Foguinho, de Jules Renard, Loyola
•Os meninos da rua Paulo, de Ferenc Molnár, Cosac Naify
•Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato, várias editoras
•O pequeno príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, Agir
•Infância, de Graciliano Ramos, várias editoras
•Meus verdes anos, de José Lins do Rego, José Olympio
•Memórias inventadas: a infância, de Manoel de Barros, Planeta
•História social da criança e da família, de Philippe Ariès, LTC
•História das crianças no Brasil, org. de Mary Del Priore, Contexto

Fonte:
Revista Entrelivros. edição 30 - Outubro 2007. Duetto Editorial..
http://www2.uol.com.br/entrelivros/
Imagem: Cartaz de Os meninos da rua Paulo, baseado em livro de Molnár, com direção de Zóltan Fábri, 1969

Fabrício Carpinejar (Ofício de escritor)

O escritor não é um ser de exceção, fora de série. Não representa um semideus. Empurra o carrinho de supermercado como qualquer um. Por ser tão prosaico é capaz de observar a normalidade de um jeito especial, de se importar com a banalidade e se identificar com o que é descartado.

Escrever é um trabalho solitário, mas a solidão não pode ser blindada pela arrogância. Deve ser uma solidão generosa, que abre sua varanda para as dúvidas, inquietações, diferenças e perplexidades de seus contemporâneos.

Infelizmente a mistificação e a autosuficiência consolidaram o equívoco de que o escritor não depende de mais ninguém, a não ser do talento e da inspiração. E não bastam as críticas para avisar de caminhos possíveis. As resenhas desfavoráveis são classificadas de mal-intencionadas. As positivas reforçam o narcisismo. A impressão é que o escritor nasce pronto e fechado. Na verdade, não ambiciona nem o elogio, e sim a bajulação.

Percebo uma passionalidade no meio autoral. Ou estão comigo ou contra mim. Não se encontra rua intermediária entre adesão e aversão. Faltam equilíbrio, humor e autocrítica, sobram pose e sectarismo. O escritor não consegue imaginar o leitor refugando seu livro. Até imagina, mas não suporta a idéia de não ser um futuro clássico. Não agüenta a hipótese de não ser lido simplesmente por não dar prazer, o que é uma justificava e tanto. Botou na cabeça que a unanimidade o espera. Adota uma postura extremista e autoritária. Confunde leitura obrigatória com leitura obrigada. Quem não gosta do que ele escreve é naturalmente um inimigo. Quem gosta é um aliado. Ao constatar resistência ao seu nome, o escritor insinua boicote e perseguição. Culpa a distribuição e a editora, não se envergonha de remanejar seu livro para a gôndola mais visível. Quando não recebe um prêmio, logo pensa que é um injustiçado, que o júri foi comprado, que é um jogo de cartas marcadas, que só funciona o lobby.

Uma tática para se proteger do confronto e do julgamento é avisar que somente o tempo definirá o valor do que se escreve. Ora, não dá para ficar calado até lá, durante no mínimo meio século.

Se o escritor entra na lista dos mais vendidos, é acusado pelos seus colegas de facilitar o trabalho, de piorar seu conteúdo e sua forma de expressão. Recebe a tarja de auto-ajuda, independente do gênero de sua publicação. Pena que a inveja não mata, seria muito mais fácil e um eficiente controle de natalidade na literatura.

A imagem de artista incompreendido e marginal ainda persiste e provoca sucesso nos coquetéis. Os escritores aceitos pela opinião pública parecem que não prestam ou não desfrutam de competência literária. Desde quando o público não é também crítico? Por que se condena o sucesso alheio como se fosse causar infelicidade? O sucesso do outro não nos diminui, não apaga a nossa trajetória, não fecha nossas chances. Verifica-se uma limitação de mentalidade que inspira a enxergar o escritor com êxito como a exclusão do próprio êxito.

Associa-se a cultura ao hermetismo e à privação de comunicação. Grande parte dos literatos quer ser Joyce, sem ao menos ler Balzac. Pensa-se que o experimentalismo não está sustentado pela tradição. Há a crença equivocada que o gênio não será entendido pela sua época. Muito menos sobreviver de seu ofício. Sempre surgirá alguém que acha a orelha de Van Gogh no seu jardim, a lembrar que o pintor não vendeu um quadro em vida. É regra afirmar que pouco importa a opinião dos outros. O que aparenta independência disfarça o egoísmo. É possível ser autodidata com as virtudes, não com os defeitos. O escritor não pode demonstrar fobia ao diálogo e receio de ser contestado. São premissas da convivência escutar o que não se quer, aprender o que não se desejava, duvidar do que se julgava pronto. Conviver é cultivar o dessemelhante, o contrário, o contraponto.

Acredito que o autor verdadeiramente vivo se importará com a recepção dos leitores, em ser legível e carnal. Mudará inclusive sua voz ao ouvi-los. Essa atitude não significa submissão ao mercado ou ânsia de agradar, mas humildade e despojamento. Ele não estará escrevendo para as gavetas da escrivaninha e do cemitério, escreverá para prolongar o impacto da vida e organizar sua verdade pessoal.

Defendo que o escritor seja influenciado pelos leitores. Cada vez mais. O livro não muda os leitores, os leitores é que mudam o livro. Os leitores devolvem o escritor a si mesmo.

Fonte:
Revista Entrelivros -edição 11 - Março 2006. Duetto Editorial..
http://www2.uol.com.br/entrelivros/

Thereza Myrthes Mazza Maziero (Poesias: Queixa de Mulher - Náufragos em Sol Maior - Idade Média - Canção para uma Rosa - Trovas Diversas)

Queixa de Mulher

De tudo o que mais preciso,
se queres mesmo a verdade,
é de um cálice de risos
e um prato fundo de amizade...
De dois dedinhos de prosa,
de um pires de companhia,
de uma palavra carinhosa
e uma braçada de alegria.
De uma pontinha de afeto,
de paciência um tantão!
Do meu doce predileto
e de uns afagos na mão.

De umas gotas de carinho
e um pouco de afinação.
De um copo cheio de vinho
e de um punhado de atenção...
De um brinde em copos cruzados
e um gesto de gentileza.
De alguns raminhos de agrado
para enfeitar minha mesa.
Quero uns pingos de cuidados
e que não sejas tão ausente!
o resto... deixa de lado,
que eu vou tocando o batente!


Náufragos em Sol Maior

Num barco bêbado, em irado mar,
Naufragamos sem dó nossos destinos.
Espreitamos a noite então chegar,
Sobrevivendo a tantos desatinos

Não sabemos do onde, nem do quando,
Tragando a vastidão que nos invade.
Somos dois náufragos que vão boiando,
Indo de tempestade em tempestade.

E enfrentando a tormenta que nos ronda,
Sedentos a esbanjar o próprio pranto,
Que seca por si mesmo e nos abrasa,

Vamos sorvendo a solidão das ondas
Por trilhas pálidas de espuma e espanto,
Seca de sal a boca e olhos em brasa

Idade Média

Estou chegando à idade
bem em plena idade média,
no meio da tempestade,
tempo de tragicomédia.

Estou chegando à idade,
naquela idade careta,
de ver sempre a "coisa preta"
e nem tentar reagir.

Naquela idade inquietante,
se alguém me olha galante,
penso logo que é assaltante,
vou tratando de fugir.

Estou em plena idade média,
idade tão corrosiva,
de ter carência afetiva,
com um pé adiante, outro atrás.

Naquela idade "danada"
que não se fica, nem vai.
Idade do "tudo ou nada".
Idade em tudo que cai.

Estou em plena idade média,
idade de pisar fundo,
de se soltar toda a rédea
e pôr a boca no mundo.

Idade em que nada espanta,
de preferir noite ao dia,
de disfarçar as pelancas
e de esconder as estrias.

Idade em que "Inês é morta".
De não precisar fingir.
De não se fechar a porta
à hora de se dormir.

Idade de pouco assédio,
nenhuma chuva na horta.
De coquetéis de remédios
e de cuidar mais da aorta.

De "inativo" ser tachado.
Idade em que o peito chia.
De ser deixado de lado,
qual "coisa" sem serventia.

Idade em que não há regras
nem se pôr mais fé no taco.
De abandonar a refrega,
meter a viola no saco.

Idade de efeito e causa,
das ondas de calorão.
Da "menô" ou "andropausa"
e da "terceira dentição".

Idade em que tudo desce
e de muita confusão,
em que o ardor arrefece,
em que só sobe a pressão.

Idade em que tudo é mole.
Idade em que o fogo esfria.
Se correr o "bicho" encolhe.
Se ficar... o "bicho" arria!

Canção para uma Rosa
(Dedicado a Célia Aparecida Rosa)

Mulher sólida,
insólita, insolvível.
Una, duna,
trina coluna.
Lucidez que queima
e que ilumina.
Perseverança.
Mãos pródigas,
invisíveis,
derramando bem-aventurança.
Coração singelo,
ternura mansa.
Não importa o que aconteça.
Na cintilância de seus gestos
permaneça... permaneça...

Trovas

Tema : Trabalho

Muita gente desvalida,
Que labuta como mouro,
Vive a escutar na vida
Que o trabalho vale ouro

Tema: Sabedoria

O sábio é um degustador
Degusta a sabedoria
"Carpe diem" com fervor
Bebe a luz que ele irradia

Tema : Felicidade

Depois de uma tempestade
E a paz volta a florescer,
Sinto a felicidade
De um cego que volta a ver

Tema: Nau

1° lugar (UBT – Taubaté/Roseira)

Minha paixão malograda
Sufocada entre segredos
É como nau destroçada
Batendo contra os rochedos

Tema: Fraternidade

Quem semeia entendimento
Jamais colhe tempestade
Esparrama aos quatro ventos
Flores de fraternidade

Tema: Mico

1- Um dia paguei um "mico"
Escorreguei no salão
Não sei se encolho ou se fico
Estatelada no chão

2- Eu sempre fiz m"macaquice"
Mas "mico" não pago não
Existe coisa mais triste
Que dar "topada" no chão?

Tema : Saudade

1- Saudade é como cebola
Que se descasca a chorar.
Mas toda mulher que é tola,
Vive a cebola a cortar

2- Saudade é como ferida
Que se vive a cutucar,
Se se curte pela vida,
Sem quer vê-la fechar.
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Sobre a Autora:
Thereza Myrthes Mazza Maziero, pedagoga, declamadora e poeta, nasceu em Lorena (SP), mas mora em São José dos Campos (SP). Tem poemas publicados em jornais e revistas, sendo detentora da medalha "Cassiano Ricardo" concedida pela Câmara Municipal daquela cidade. Leciona na UNIVAP (Universidade do Vale do Paraíba). "Idade média" consta do livro "Mulheres de São José - Antologia Poética", pág. 89, edição dos autores organizada por Celso de Alencar.

Fontes:
Diário LAC - Literatura, Artes e Cultura.
http://www.diariolac.com.br/
http://www.releituras.com/
http://www.culinariapoetica.com.br/
http://www.mauxhomepage.com/

Myrthes Mazza Mazziero (Mingau Cara-de-Pau)

Era uma vez, só uma vezinha
um gatinho chamado “Mingau”
Tetê, a sua doninha,
achava que ele era “o tal”.

Mingau era lindo e fofinho.
não tinha a cara de mau.
mas bela era só a carinha,
era bem bravo o Mingau!

Caçava os passarinhos
que ciscavam no quintal.
um dia sumiu o Mingau;
fugiu de casa sozinho.

Passaram-se os dias, semanas,
e nada do Mingauzinho.
e por falta do bichano
Tetê ficou dodoizinha.

Tetê, chorava, buscava,
chamando pelo Mingau.
mas do gatinho malvado,
não havia nem sinal.

Quando menos esperava,
à noite, enquanto dormia,
ouviu um miado que miava
que lá do sótão, saia.

Tetê, voou pela escada
e lá estava seu Mingau.
sozinho? ora que nada!
que grande cara-de-pau!

Não quis viver mais sozinho,
trouxe junto a namorada!
era uma vez dois gatinhos
agora, há uma “ninhada”!

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Cidade de Sorocaba - 354 anos

Em Homenagem aos 354 anos de Sorocaba (SP), contamos a sua história.


Fundação 15 de agosto de 1654

Sorocaba é um município brasileiro do estado de São Paulo. Localiza-se a 23º30'06" de latitude sul e 47º27'29" de longitude oeste, a uma altitude de 601 metros. Possui uma área de 456,0 km², sendo 249,2 km² de área urbana e 206,8 km² de área rural. Sua população estimada em 2007 é de 559.157 habitantes.

É o terceiro município mais populoso do interior paulista e o quarto mercado consumidor do estado fora da região metropolitana da capital, com um potencial de consumo per capita anual estimado em 2,4 mil dólares para a população urbana e 917 dólares para a rural (7,2 mil pessoas), e a vigésima nona cidade brasileira com maior potencial de consumo.

História

Sorocaba pré-histórica

As bases físicas sobre as quais se encontra o município começaram a ganhar forma há milhões de anos, com a definição geológica da bacia do rio Sorocaba, na chamada depressão periférica. Nela desponta como destaque o morro do Araçoiaba, pólo magnético regional, cercado pelas milenares trilhas indígenas do Peabiru, o caminho transul-americano, que ligava os oceanos Atlântico e Pacífico. Ao longo dele, os primeiros habitantes da região, os indígenas ainda na fase do nomadismo, construíram suas aldeias.

Às margens do rio Sorocaba habitavam os tupiniquins, do grupo tupi. Documentos residuais são encontrados acidentalmente, de tempos em tempos, sob a forma de urnas funerárias e objetos de pedra lascada e polida. Os incas e os índios brasileiros praticavam o comércio entre si, realizando-se as trocas entre grupos das mais diferentes regiões.

Durante escavações efetuadas para a instalação do sistema de esgoto em fevereiro de 2006 encontraram-se pedaços de cerâmica rústica a cerca de dez quilômetros do centro da cidade, no bairro Brigadeiro Tobias.

A Árvore Grande

Na época do desbravamento do Brasil, existia na região apenas uma encruzilhada destacada por uma frondosa paineira, que ainda hoje encontra-se no bairro batizado como Árvore Grande. Encontravam-se ali: índios, sertanistas, tropeiros e bandeirantes em viagem para descanso e comercialização.

O pelourinho

Os Bandeirantes passavam por esta região quando iam para Minas Gerais e Mato Grosso a procura de ouro, prata e ferro. Em 1589 o português Afonso Sardinha esteve no morro de Araçoiaba, à procura do ouro mas não encontrou, encontrando minério de ferro. No local, neste ano, Afonso Sardinha construiu a primeira casa da região, que deu origem à fundação da Vila de Nossa Senhora da Ponte de Monte Serrate, mudando-se para a Vila de São Filipe no Itavuvu em 1611.

Por ordem do então governador-geral do Brasil (período entre 1591 e 1602), Dom Francisco de Sousa, foi inaugurado o pelourinho (símbolo do poder real) na Vila de Nossa Senhora da Ponte de Monte Serrate no morro de Araçoiaba em 1599.

Terra rasgada

Após o retorno de D Francisco à corte, o capitão Baltasar Fernandes instalou-se na região em 1654 com a família e escravaria vindos de Santana de Parnaíba nas terras que recebeu do rei de Portugal. Fundou então, a 15 de agosto de 1654, um povoado com o nome de Sorocaba.

Sorocaba vem do tupi “soroc” (rasgar) e “aba”, morfema nominalizador. Assim, Sorocaba significa “rasgão” ou “terra rasgada”. A palavra tupi entra também em Vossoroca, bairro de Votorantim.

Para incentivar o povoamento, Baltasar Fernandes doou terras aos beneditinos de Parnaíba para que estes construíssem um convento e uma escola, para funcionarem como um centro gerador de cultura.

O povoado foi elevado a município no dia 3 de março de 1661, passando a chamar-se Vila de Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba e na ocasião, foi instalada a primeira Câmara Municipal.

Até então, a principal fonte de renda era o comércio de índios como escravos. A partir do século XVII, foi gradativamente substituída pelo comércio de mulas.

O ciclo do tropeirismo e a feira de muares

O coronel Cristóvão Pereira de Abreu, um dos fundadores do estado do Rio Grande do Sul, conduziu pelas ruas do povoado a primeira tropa de muares no ano de 1733, inaugurando o ciclo do tropeirismo.

Sorocaba tornou-se um marco obrigatório para os tropeiros devido a sua posição estratégica, eixo econômico entre as regiões Norte, Nordeste e Sul. Com o fluxo de tropeiros, o povoado ganhou uma feira onde os brasileiros de todos os Estados reuniam-se para comercializar animais, a Feira de Muares.

Este fluxo intenso de pessoas e riquezas promoveu o desenvolvimento do comércio e das indústrias caseiras, baseadas na confecção de facas, facões, redes de pesca, doces e objetos de couro para a montaria.

Sorocaba pertenceu à comarca de Itu desde 1811 até a criação da comarca de Sorocaba em 30 de março de 1871.

A diocese foi criada em 1924 e suas atividades começaram em 1925.

A Estrada de Ferro Sorocabana

Com a inauguração da Estrada de Ferro Sorocabana (EFS) em 1875, indústrias têxteis de origem inglesa instalaram-se na cidade, tornando-a conhecida como a Manchester Paulista. Posteriormente, com a decadência a atividade têxtil na cidade, foi necessária a instalação de outros tipos de indústrias. A partir da década de 1970 o parque industrial foi diversificado.

A industrialização

O declínio da indústria têxtil fez com que a cidade buscasse novos caminhos e, a partir da década de 1970, diversificou o seu parque industrial, hoje com mais de 1.450 empresas, entre elas algumas principais do país. O parque industrial de Sorocaba possui excelente infraestrutura de estradas, transportes públicos, rede de energia elétrica, telecomunicações, disposição de lixo, água potável, com mais de 25 milhões de metros quadrados para cerca de 1500 indústrias. As principais atividades econômicas são: indústrias de máquinas, siderurgia e metalurgia pesada, autopeças, indústrias têxteis, equipamentos agrícolas, químicas, petroquímicas farmacêuticas, papel e celulose, produção de cimento, energia eólica, eletrônica, ferramentas, telecomunicações entre outras e se tornou uma cidade maravilhosa, ostentando uma situação econômica muito boa.
Dentre as maiores cidades do Brasil (em população), Sorocaba está em 29º lugar.
Já dentre as maiores cidades de São Paulo (em população), Sorocaba está em oitavo lugar, perdendo apenas para São Paulo (10.886.518), Guarulhos (1.236.192), Campinas (1.039.297), São Bernardo do Campo (781.390), Osasco (701.012), Santo André (667.891), São José dos Campos (615.948).

Bandeira de Sorocaba

Bandeira de Sorocaba, em forma retangular, é dividida por uma diagonal no seu canto superior esquerdo ao canto inferior direito, sendo o campo superior em amarelo-ouro, significa riqueza, a força e a fé inquebrantável dos sorocabanos de todos os tempos, bem como a pureza e a constância que temos no trabalho construtivo, em todos os setores da atividade humana.

O campo inferior, em vermelho, simboliza o valor e a intrepidez das muitas bandeiras sorocabanas que daqui se foram, com ânimo valoroso e espírito decidido, em procura de glórias, alargando os horizontes da Pátria, plantando cidades, semeando o progresso. As duas faces da Bandeira devem ser exatamente iguais, sendo vedado fazer uma face como avesso da outra.

O Brasão da Cidade, ao centro, simboliza todos os aspectos e feitos históricos de Sorocaba nele invocados, como a coroa mural, onde uma flor de lírio sobre a porta principal relembra que Sorocaba foi fundada sob a invocação de Nossa Senhora da Ponte; a panóplia bandeirante, constituída por gibão de armas, um arcabuz e um machado, relembra o papel notável dos grandes bandeirantes sorocabanos, como Paschoal Moreira Cabral, Fernão Dias Falcão, os irmãos Paes de Barros, Miguel Sutil e outros; os cavalos heráldicos relembram as feiras de muares que foram notáveis; a montanha recorda o Araçoiaba, de papel importante na história da mineração brasileira; o listão, onde está a divisa "PRO UNA LIBERA PATRIA PUGNAVI" (Pugnei pela Pátria Una e Livre), é alusão ao preponderante papel de Sorocaba com as feiras de muares, na manutenção da unidade nacional e a revolução liberal de 1842; a roda dentada localizada sobre o listão, recorda a importância da grande indústria sorocabana.
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Brasão de Sorocaba
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Na parte superior do escudo bi-partido, a panóplia composta do gibão de armas, do arcabuz e do machado pintados ao natural sobre fundo de vermelho (ou goles), relembram os grandes bandeirantes sorocabanos Paschoal Moreira Cabral, Fernão Dias Falcão, os irmãos Paes de Barros e tantos mais.

A parte inferior relembra a primitiva mineração do ferro, a primeira que se realizou no Brasil, nos arredores de Sorocaba, no morro do Araçoiaba - uma montanha negra (ou sable) sobre fundo de ouro. Os suportes do escudo, os dois unicórnios que são os cavalos heráldicos, recordam as feiras de muares (1733 - 1897) que tão notável papel representaram para a conservação da unidade nacional no sul do Brasil.

O pequeno escudo com a flor de lírio sobre a porta principal da coroa mural, lembra que a cidade tem por orago Nossa Senhora da Ponte. A divisa "Pro Una Libera Patria Pugnavi" ou "Pugnei pela Pátria Una e Livre" recorda o papel de Sorocaba pelas feiras de muares e ainda a parte que tomou nos acontecimentos da independência, como a criação do Batalhão de Sorocabanos, e outros fatos relativos ao pendor de Sorocaba pela implantação da liberdade no Brasil. A roda dentada estampada no listão, lembra a notável preeminência obtida em nossos dias pela indústria sorocabana.

HINO DE SOROCABA

O canto como forma de exteriorização de sentimentos, sempre levou os poetas a exalar, em seus versos, os valores e a grandeza de sua terra. Confirmando a importância de um Hino Oficial de Sorocaba, o saudoso Prefeito Dr. Armando Pannunzio, autor do Decreto que o instituiu, assim expressou: "Dotar o Município de um Hino Oficial é tão importante como conferir-lhe um brasão de armas ou de uma bandeira".

Até então, 03 de agosto de 1975, Sorocaba não possuía um Hino Oficial, apesar de algumas tentativas nesse sentido.

A partir daí, até hoje, transcorreu toda a História do Hino.

Exatamente naquele dia, 03/08/1975, após convite formulado pelo então Prefeito Dr. Armando Pannunzio, o ilustre Prof. Benedito Cleto apresentou uma "sugestão de letra", a qual foi recebida com gratidão e aplausos. O Prof. Benedito Cleto, por sua vez, solicitou à Profa. Ruth Camargo Fernandes que compusesse a música para sua poesia, o que foi feito. Com apenas doze dias de letra e música compostos, o Hino foi cantado pela primeira vez no dia 15 de agosto de 1975, defronte ao busto de Baltasar Fernandes, pelas crianças do Insitituto Matheus Maylasky, onde lecionava a autora da música, que o regeu. O mesmo ocorreu pela segunda vez, em 15 de agosto de 1976, naquele local.

Ao contrário do que se possa pensar, o "Hino de Sorocaba", antes de oficializado foi cantado inúmeras vezes, sob regência da Profa. Ruth Camargo Fernandes, no "I.E.M.M.", com seu Coral Infantil, Normalistas da Escola Municipal de 1º e 2º graus "Dr. Getúlio Vargas", Escola Industrial "Dr. Fernando Prestes" e várias escolas estaduais, não só sob sua reg6encia como também de muitas outras, destacando-se a Maestrina Martha Faustini Egg e Professoras Rosemary de Melo M. Pereira e Benedita Figueiredo, as duas últimas de saudosa memória, prestando inesquecível colaboração como forma de divulgação do mesmo.

Enquanto as apresentações do Hino eram feitas até 1976, aguardava-se pela sua oficialização, que foi objeto do Decreto nº. 2.823, de 31 de dezembro de 1976, pelo então Prefeito Dr. Armando Pannunzio.

A partir de 1978, passou a ser cantado também pelo Coral "Prof. Norberto Amaral Bastos", organizado naquele ano pela Profa. Ruth Camargo Fernandes, Este Coral sempre levou o Hino à comemorações especiais e festivas da cidade; Corporações Musicais do 7º B.C. e Carlos Gomes, executaram o Hino. O maestro Américo Mincarelli, da Polícia Militar do Estado de São Paulo é o autor do arranjo para Banda e Maestro José Carlos Siqueira autor do arranjo para Orquestra.

Em 1990 era fundado o Coral Telesp de Sorocaba e sua Regente fundadora, Ruth Camargo Fernades, também cantou até outubro de 1997, o Hino Oficial de Sorocaba. A partir dessa data e até o presente momento, esse mesmo Coral, com os mesmos elementos, acrescidos de outros e com a mesma Regente, agora sob a denominação de Coral "Art Vocal", continua entoando em várias ocasiões e momentos importantes o Hino Oficial de Sorocaba.

Sempre com o apoio de todos os Prefeitos, da Câmara Municipal, de Entidades Culturais, o Hino continua a ser cantado e tocado, principalmente pela Banda do 7º Batalhão da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

Letra do Hino de Sorocaba
Letra: Benedito Cleto
Música: Ruth Camargo Fernandes


I
Saudamos-te, querida Sorocaba,
Com muito júbilo e acendrado amor;
desde a selva selvagem, o índio e a taba,
teus feitos cantaremos teu valor.
Às fraldas norte da Paranapiacaba,
tu te elevas Rainha d'esplendor,
e ao pé do morro d'Ouro, o Araçoiaba,
és pioneira paulista do interior.

Ó' Sorocaba, cantamos triunfantes,
bravos, heróis, cantamos teus pioneiros;
Cidade, és filha e mãe de bandeirantes,
com muito orgulho, a "Terra dos Tropeiros".
Tu és, ó Sorocaba, uma das molas
deste grande São Paulo glorioso,
cidade do Trabalho e das Escolas,
dos Liberais de brio belicoso.
Com teus arranha-céus, ao alto evolas
todo o ideal de um povo laborioso,
e o potencial fabril que hoje controlas
é o signo de um Brasil mais poderoso.
II

Tu, Sorocaba, marchas, "pari-passu"
com tuas irmãs, ao lado das primeiras,
Marchas tu com São Paulo no compasso,
Já desde os áureos tempos das bandeiras.
Foste terra de peões, campeões do laço;
Com suas tropas, com suas famosas feiras;
hoje és comércio, indústria, torres de aço,
Tudo é teu sangue, nas veias brasileiras.

Ó' Sorocaba, cantamos triunfantes,
bravos heróis, cantamos teus pioneiros;
Cidade, és filha e mãe de bendeirantes,
com muito orgulho, a "Terra dos Tropeiros".
Pela alvorada, a orquestra dos apitos,
O operário marcha ao seu mister fabril
e os homens da palavra e dos escritos,
da ciências, em teu progresso atuantes mil;
às escolas a colher frutos benditos,
a juventude marcha varonil,
O Saber e Labor marcham contritos,
em prece a Deus, pela Pátria - Brasil.

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/
http://br.geocities.com/josemariomattos/sorocaba04.htm
http://www.vivacidade.com.br/ (imagens)
http://www.panoramio.com/ (imagem)

Fotomontagem dos 354 anos de Sorocaba: José Feldman

Maratona Literária em Sorocaba

Mais uma vez o Grupo Sorocult brilhou ao lado de seus escritores ao apresentar à comunidade sorocabana outra de suas Maratonas Literárias. Desta vez o evento durou 3 dias acontecendo no interior do Esplanada Shopping. O público que passou pelo espaço criado pelo Sorocult pode conhecer de perto todo o trabalho que o grupo tem a oferecer.

As crianças puderam se divertir muito enquanto recebiam pintura de rosto como brinde do Sorocult e tinham contato com a literatura, a poesia e as histórias contadas e encenadas pelas contadoras de histórias do grupo: Márcia e Aline.

Os jovens e adultos puderam relaxar e ler à vontade os livros dos escritores do Sorocult e coletâneas dele que ali estiveram expostos durante toda a Maratona. Desta forma os escritores sorocultianos tornaram-se mais conhecidos de um público realmente grande e muito interessado em literatura.

Aconteceram alguns bate papos com os autores que estiveram ali durante os 3 dias para atender aos interessados em conhecer de perto o que Sorocaba tem de bom quanto à literatura.

Todos puderam ainda conhecer mais sobre o Sorocult, o CLIC Art & Letras e os escritores do grupo, visitando a bela exposição ali montada com fotos, desenhos, objetos artísticos e biografias resumidas dos escritores participantes da "3ª Coletânea do Espaço Literário do Sorocult" e da "2ª Coletânea da Sorocultinha".

Fonte:
E-mail enviado pelo grupo Sorocult

20a. Bienal do Livro de São Paulo 2008

20ª edição da Bienal Internacional do Livro de São Paulo comemora os 200 da indústria do livro no País, introduzida com a chegada de D. João VI e a família real portuguesa ao Brasil.

Com patrocínio da Volkswagem e Petróleo Ipiranga, co-patrocínio de HSBC e Submarino e apoio de Visa, Anhembi, Prefeitura de São Paulo e Ministério da Cultura, a Bienal Internacional do Livro de São Paulo é o maior evento do mercado editorial do Brasil e o segundo maior no mundo.

Três países serão homenageados: Portugal, pelos 200 anos da chegada da família real portuguesa; Japão, em comemoração ao centenário da imigração para o Brasil e Espanha, pela realização do Congresso Ibero-Americano de Editores em São Paulo às vésperas da Bienal.

A 20ª edição da Bienal Internacional do Livro de São Paulo acontecerá de 14 a 24 de agosto de 2008, das 10h às 22h, no Pavilhão de Exposições do Anhembi, com 350 expositores nacionais e estrangeiros, representando mais de 900 selos editoriais em 60 mil m² e uma expectativa de público de mais de 800 mil pessoas.

Atrações Culturais

O Salão de Idéias, uma das atrações mais concorridas da Bienal, promove um “bate-papo” entre público e escritores consagrados e iniciantes, personalidades do jornalismo, das artes e da crítica literária.

São nomes confirmados: Vincenzo Cerami, co-autor do roteiro do filme “A Vida é Bela” (Itália), Yuri Felshtinsky, russo, crítico do comunismo (Estados Unidos), Mário Sérgio Cortella, Marçal Aquino, Marcelino Freire, Márcia Tiburi, Ângela Lago e Eva Furnari.

O Espaço Literário promove um debate cultural entre leitores e historiadores, cientistas sociais, antropólogos e personalidades das artes e da literatura. Alguns dos confirmados até o momento são: Laurentino Gomes, Mary Del Priore, Lília Schwarcz, Isabel Lustosa, Rogério Dezem e Cláudio Murilo Leal.

O Fala, Professor! é uma atividade voltada à Educação, com ciclo de palestras de formação e atualização profissional ministradas por professores altamente qualificados, para educadores vindos de vários Estados Brasileiros.

O Espaço Universitário promove debates sobre o mercado de trabalho nas mais diversas áreas do conhecimento, entre estudantes e profissionais renomados. Alguns dos nomes confirmados são: Paulo Itacarambi (Ethos), Caio Túlio Costa (iG), Wolfgang Bader (Instituto Goethe) e Paul Singer (economista).

Crianças

As crianças terão uma área exclusiva na Bienal do Livro de São Paulo, o Bienal Criança, um espaço dedicado aos novos leitores com atrações lúdicas para despertar o gosto pela leitura através de visitas monitoradas.

Serviços

Assim como na edição de 2006, a 20ª edição da Bienal do Livro de São Paulo oferecerá traslados gratuitos com ônibus do Metrô Tietê até o Anhembi nos 11 dias da feira.

Livro de Todos

Depois de um mês no ar, o site do Livro de Todos (www.livrodetodos.com.br) recebeu a visita de mais de 14 mil pessoas, teve 173 autores-participantes, 362 colaborações e 18 capítulos de uma história iniciada pelo premiado autor Moacyr Scliar.

O projeto faz parte da campanha de divulgação da Bienal do Livro de São Paulo, criada pela agêcia DM9DDB, de Sérgio Valente e contou com a coordenação editorial e impressão da Imprensa Oficial de São Paulo.

O lançamento do Livro de Todos acontecerá durante a Bienal do Livro com a presença dos autores e sessões de autógrafos.

BIENAL DO LIVRO DE SÃO PAULO 2008
14 a 24 de Agosto

Horário: das 10:00 às 22:00

Ingressos:
Público geral R$ 10,00
Estudante R$ 5,00 (mediante comprovação)
Idosos 60 a 64 anos R$ 5,00 (mediante comprovação)

Parque de Exposições Anhembi
Av. Olavo Fontoura, 1209
Santana - CEP: 02012-021
São Paulo - SP – Brasil

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BIENAL - O que é? Como Surgiu?

A Bienal Internacional do Livro de São Paulo é um evento cultural organizado pela Câmara Brasileira do Livro, que reúne várias editoras brasileiras e estrangeiras para apresentar lançamentos e seus títulos. A 19ª edição, ocorrida em 2006, contou com 800.000 visitantes.

Histórico

A 1ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo aconteceu entre 15 e 30 de agosto de 1970, no Pavilhão da Bienal, no Ibirapuera, decorrência de um projeto que se iniciou na década de 50. Nessa época, mais precisamente em 1951, com o intuito de introduzir no país a tradição européia das feiras de livros encontradas na França, na Alemanha e na Itália, a CBL promoveu a 1ª Feira Popular do Livro, na praça da República.
A experiência foi retomada em 1956 e deslocada para o Viaduto do Chá, ponto ainda mais central da capital paulista e de grande fluxo de pedestres. O projeto foi ganhando corpo e novos adeptos. Em 1961, em parceria com o Museu de Arte de São Paulo, foi promovida a 1ª Bienal Internacional do Livro e das Artes Gráficas, evento que se repetiu em 1963 e 1965. Eles serviram de ensaio para a 1ª Bienal Internacional do Livro bancada exclusivamente pela CBL, em 1970.
Em 1996, ela passou a ser realizada no Expo Center Norte, para abrigar um maior número de expositores e proporcionar um maior conforto ao público. Em razão do crescimento contínuo de público e expositores, em 2002, ela deixou o Center Norte e foi para o Centro de Exposições Imigrantes (com 45 mil metros quadrados de área), onde foi realizada até 2004.

A partir de 2006 a Bienal do Livro de São Paulo passa a ser organizada no Parque do Anhembi, junto à Marginal Tietê na Casa Verde.

A Bienal em números
Segundo os organizadores, nos 11 dias de exposição da 18ª Bienal do Livro de São Paulo (2004) cerca de 550 mil pessoas passaram pelo Centro de Exposições Imigrantes. A 19ª edição, ocorrida em 2006, teria contado com cerca de 800 mil visitantes.
Durante a Bienal, mais de 2.000 novos livros foram lançados e cerca de 1,3 milhão de livros foram expostos pelos 320 expositores presentes. Pesquisas apontam também que 75% dos visitantes compraram livros e que, em média, o número de exemplares por pessoa era de 5 livros.

Fontes:
http://www.bienaldolivrosp.com.br/
http://pt.wikipedia.org/
http://www.websmart.com.br/ (imagem)

Folclore Gaúcho (Negrinho do Pastoreio)

Esta é a mais popular e a única lenda genuinamente gaúcha, mas por ser tão bela e comovente, acabou sendo "exportada, legalmente, ou ilegalmente", como afirma o folclorista e professor Antonio Augusto Fagundes.

A LENDA

Era o tempo da escravidão e um menino negrinho, pretinho que nem carvão, humilde e raquítico era escravo de um fazendeiro muito rico, mas por demais avarento. Se alguém necessitasse de um favor, não se podia contar com este homem. Não dava um níquel a ninguém e seu coração era a morada de uma pedra, não nutria qualquer sentimento por ninguém, a não ser por seu filho, um menino tão malvado quanto seu pai, pois afinal, a fruta nunca cai muito longe da árvore. Este dois eram extremamente perversos e maltratavam o menino-escravo desde do raiar do dia, sem lhe dar trégua. Este jovenzinho não tinha nome, porque ninguém se deu sequer o trabalho de pensar algum para ele, assim respondia pelo apelido de "negrinho".

Seus afazeres não eram condizentes com seu porte físico, não parava o dia inteiro. O Sol nascia e lá já estava ele ocupado com seus afazeres e mesmo ao se por, ainda se encontrava o negrinho trabalhando. Sua principal ocupação era pastorear. Depois de encerrar seu laborioso dia, juntava os trapos que lhe serviam de cama e recebia um mísero prato de comida, que não eram suficientes para repor as energias perdidas pelo sacrificado trabalho.

Mesmo sendo tão útil, considerado mestre do laço e o melhor peão-cavaleiro de toda a região, o menino era inúmeras vezes castigado sem piedade.

Certa vez, o estanceiro atou uma carreira com um vizinho que gabava-se de possuir um cavalo mais veloz que seu baio. Foi marcada a data da corrida e o negrinho ficou encarregado de treinar e montar o famoso baio, pois sabia seu patrão, não haver ninguém mais capaz que ele para tal tarefa.

Chegando o grande dia, todos os habitantes da cidade, vestindo suas roupas domingueiras, se alojaram na cancha da carreira. Palpites discutidos, apostas feitas, inicia-se a corrida.

Os dois cavalos saem emparelhados. Negrinho começa a suar frio. pois sabe o que lhe espera se não ganhar. Mas, aos poucos toma a dianteira e quase não há dúvida de que seria vencedor. Mas, eis que o inesperado acontece, algo assusta o cavalo, que para, empina e quase derruba Negrinho. Foi tempo suficiente para que seu adversário o ultrapasse e ganhe a corrida.

E agora? O outro cavalo venceu. Negrinho tremia feito "vara verde" ao ver a expressão de ódio nos olhos de seu patrão. Mas o fazendeiro, sem saída, deve cobrir as apostas e põe a mão no lugar que lhe mais caro: o bolso.

Ao retornarem à fazenda, o Negrinho tem pressa para chegar a estrebaria.

- Aonde pensa que vai? pergunta-lhe o patrão.

- Guardar o cavalo sinhô! Balbuciou bem baixinho.

- Nada feito! Você deverá passar trinta dias e trinta noites com ele no pasto e cuidará também de mais 30 cavalos. Será seu castigo pelo meu prejuízo. Mas, ainda tem mais, passe aqui que vou lhe aplicar o devido corretivo.

O homem apanhou seu chicote e foi em direção ao menino:

- Trinta quadras tinha a cancha da corrida, trinta chibatadas vais levar no lombo e depois trata de pastorear a minha tropilha.

Lá vai o pequeno escravo, doído até a alma levando o baio e os outros cavalos à caminho do pastoreio. Passou dia, passou noite, choveu, ventou e o sol torrou-lhe as feridas do corpo e do coração. Nem tinha mais lágrima para chorar e então resolveu rezar para a Nossa Senhora, pois como não lhe foi dado nome, dizia-se afilhado da Virgem. E, foi a "santa solução", pois Negrinho aquietou-se e então cansado de carregar sua cruz tão pesada, adormeceu.

As estrelas subiram aos céus e a lua já tinha andado metade de seu caminho, quando algumas corujas curiosas resolveram chegar mais perto, pairando no ar para observar o menino. O farfalhar de suas asas assustou o baio, que soltou-se e fugiu, sendo acompanhado pelos outros cavalos. Negrinho acordou assustado, mas não podia fazer mais nada, pois ainda era noite e a cerração como um lençol branco cobria tudo. E, assim, o negrinho-escravo sentou-se e chorou...

O filho do fazendeiro, que andava pelas bandas, presenciou tudo e apressou-se em contar a novidade ao seu pai. O homem mandou dois escravos buscá-lo.

O menino até tentou explicar o acontecido para o seu senhor, mas de nada adiantou. Foi amarrado no tronco e novamente é açoitado pelo patrão, que depois ordenou que ele fosse buscar os cavalos. Ai dele que não os encontrasse!

Assim, Negrinho teve que retornar ao local do pastoreio e para ficar mais fácil sua procura, acendeu um toco de vela. A cada pingo dela, deitado sobre o chão, uma luz brilhante nascia em seu lugar, até que todo lugar ficou tão claro quanto o dia e lhe foi permitido, desta forma, achar a tropilha. Amarrou o baio e gemendo de dor, jogou-se ao solo desfalecido.

Danado como ele só e, não satisfeito com já fizera ao escravo, o filho do fazendeiro, aproveitou a oportunidade de praticar mais uma maldade dispersa os cavalos. Feito isso, correu novamente até seu pai e contou-lhe que Negrinho havia encontrado os cavalos e os deixara fugir de propósito. A história se repete e dois escravos vão buscá-lo, só que desta vez seu patrão está decidido em dar cabo dele. Amarrou-o pelos pulsos e surrou-o como nunca. O chicote subia e descia, dilacerando a carne e picoteando-a como guisado. Negrinho não agüentou tanta dor e desmaiou. Achando que o havia matado, seu senhor não sabia que destino dar ao corpo. Enterrá-lo lhe daria muito trabalho e avistando um enorme formigueiro jogou-o lá. As formigas acabariam com ele em pouco tempo, pensou.

No dia seguinte, o cruel fazendeiro, curioso para ver de que jeito estaria o corpo do menino, dirigiu-se até o formigueiro. Qual sua surpresa, quando o viu em pé, sorrindo e rodeado pelos cavalos e o baio perdido. O Negrinho montou-o e partiu a galope, acompanhado pelos trinta cavalos.

O milagre tomou o rumo dos ventos e alcançou o povoado que alegrou-se com a notícia. Desde aquele dia, muitos foram os relatos de quem viu o Negrinho passeando pelos pampas, montado em seu baio e sumindo em seguida por entre nuvens douradas. Ele anda sempre a procura das coisas perdidas e quem necessitar de seu ajutório, é só acender uma vela entre as ramas de uma árvore e dizer:

Foi aqui que eu perdi
Mas Negrinho vai me ajudar
Se ele não achar
Ninguém mais conseguirá!

Esta é a mais linda e popular lenda fraternal gaúcha. Ela representa um grito de repúdio aos maus-tratos com o ser humano. Reflete a consciência de um povo (gaúchos) que deliberadamente condenou a agressão e a brutalidade da escravidão. É uma lenda sem dono, sem cara, sem raça é a lenda de todos nós, que lutamos dia-a-dia nesta terra de excluídos.

O Negrinho do Pastoreio é a formatação de um arquétipo do inconsciente coletivo e podemos vê-lo como uma manifestação de uma consciência coletiva repleta de ideologias que são transmitidas pela cultura e linguagem que nós utilizamos quando estamos sujeitos a algo.

A escravidão ainda persiste, embora incógnita e camuflada, mostra sua terrível face nas sub-habitações circunvizinhas às metrópoles. Esta questão social, tem a cada dia afastado a classe média de uma consciência do real problema e que por medo ou omissão, mantêm-se afastada e enclausurada em suas fortalezas gradeadas.

A lenda do Negrinho do Pastoreio possui versões no Uruguai e na Argentina, lugares onde praticamente a escravidão inexistiu, portanto, aqui configura-se uma verdadeira "exportação" da lenda gaúcha. A sua versão mais antiga é a de propriedade de Apolinário Porto Alegre, "O Crioulo do Pastoreio" de 1875, quando ainda existia a escravidão no país. João Simões Lopes Neto, publicou em 1913 as "Lendas do Sul", onde concretizou algumas alterações, introduzindo o baio, as corujas e a Nossa Senhora.

No Rio Grande do Sul, o Negrinho é símbolo da Caixa Econômica Estadual. É encontrada outra homenagem à ele na sede do Governo do Estado, no Salão Nobre que leva o seu nome. Lá encontramos afrescos do famoso pintor Aldo Locatelli que reconta sua história na versão de Lopes Neto.

Inúmeros poetas e trovadores, já cantaram e escreveram sobre esta lenda, sendo que o mais famoso dos poemas pertence à Barbosa Lessa (abaixo)

Negrinho do Pastoreio
Barbosa Lessa

"Negrinho do Pastoreio
Acendo essa vela pra ti
E peço que me devolvas
A querência que eu perdi

Negrinho do Pastoreio
Traz a mim o meu rincão
Eu te acendo essa velinha
Nela está o meu coração

Quero rever o meu pago
Coloreado de pitanga
Quero ver a gauchinha
A brincar na água da sanga

E a trotear pelas coxilhas
Respirando a liberdade
Que eu perdi naquele dia
Que me embretei na cidade".

Fonte:
http://www.rosanevolpatto.trd.br

Folclore Gaúcho (Cambaí)

Foi Walter Spalding que fez o registro desta lenda:

Entre as coxilhas do Pau Fincado e Caibaté, próximo aos banhados, depois denominados de São Gabriel, na margem esquerda do rio Vacacaí, encontravam-se acampados os dois exércitos que deviam demarcar os limites pactuados entre Espanha e Portugal, na Capitania de São Pedro do Rio Grande do Sul.

Em 7 de fevereiro de 1756, três dias após a morte de Sepé Tiarajú, voltaram as tropas à luta. Os indígenas foram mais uma vez derrotados, desaparecendo um outro chefe: Nicolau Languiru. Caíram também em poder do inimigos muitos prisioneiros.

Um destes indígenas prisioneiros, que fora amigo íntimo de Sepé, cujo nome era Ibaringuã, conquistou a amizade do preto Manuel, jovem ainda e, apesar de todos os sofrimentos por que já passara, era esperto e curioso.

Em virtude de sua baixa estatura e sua cor, Manuel foi apelidado de Cambaí (negrinho) pelos indígenas.

Ibaringuã e Cambaí tornaram-se bons amigos e, sempre que as ocasiões lhes permitia, conversavam. O negrinho contava os horrores das senzalas e o indígena as delícias de suas tabas missioneiras.

Mútua confiança estabeleceu-se entre ambos e de tal sorte que não vacilaram em unir-se instintivamente, como faziam os gauleses ao se jurarem eterna amizade. Só não repetiam o gesto desses povos, porque não se ligaram por meio de correntes para que nem a morte os separasse.

Com a união, tramaram a fuga não apenas deles, mas de quantos mais pudessem levar consigo.

Tudo foi preparado então, para em uma noite de luar fraco, formarem um levante e, desorientando os guardas e as próprias forças, se entranharem, em grupos de três e quatro, pelas matas das margens do Vacacaí, do Salso, e pelas serrarias do Batovi e onde mais pudessem.

Entretanto, um acontecimento que os "inconfidentes" julgaram providencial, precipitou o que haviam combinado: o general dera ordem para que um piquete fosse caçar gado para alimentar a tropa e mandou que levassem, como auxiliares, a pé, uma dezena de índios e alguns escravos.

Ao receberem esta ordem, todos os semblantes dos conluiados se abriram em sorrisos. E foram, como que o juramento final e a senha para a execução do plano.

O piquete deveria contra-marchar rumo ao sul, onde havia gado em abundância, pertencente aos índios de Santa Tecla. Atravessaram o Vacacaí e, aí a dispersão se fez. Aproveitando as matas marginais, pretos e indígenas por elas se embrenharam com gritos ferozes, que eram verdadeiros hinos à liberdade!

Houve tiros e correrias. Os soldados saltaram de seus cavalos e iniciaram violenta perseguição aos fugitivos, enquanto o comandante da expedição rumou em desabalada corrida a fim de pedir reforço e avisar do acontecido.

Horas e horas durou a caça aos fugitivos. Alguns foram mortos a tiro. Dos pretos, dois foram presos, entre os quais Manuel. Também alguns indígenas. Ibaringuã, porém, não fora agarrado. Mas, vendo que seu aliado e amigo ficara nas mãos dos portugueses, resolveu atacá-los, ele e mais dois, a pedradas e longas varas à guisa das lanças. Certeiros tiros deitaram por terra dois, fugindo o terceiro. Ibiringuã ali ficara, dormindo o sono da eternidade....

Mas no ardor da luta contra os três índios, Manuel conseguiu fugir novamente. Entretanto, preso logo depois, foi apontado pelos companheiros de cativeiro como chefe da rebelião. E quando o reforço chegou, a sorte o preto Manuel estava assentada: seria imediatamente executado e seus restos atirados, para exemplo, nas águas límpidas do Imbrajatuava, em cujas margens estavam, no momento.

O negro, amarrado ao tronco de uma árvore com fortes cipós, sentiu, pela última vez, os horrores do látego: apanhou até ficar com o corpo todo cortado em tiras. As raízes da árvore, um mimoso pé de jequitibá, tingiram-se com o vermelho do sangue de Manuel. E dizem, que é por isso que o jequitibá se tornou robusto e frondoso e é, ainda hoje, um gigante das florestas gaúchas... Depois arrastaram o corpo do pobre infeliz e o atiraram às águas do Imbrajatuava.

Desde este dia, o rio que era bastante caudaloso, tornou-se brando e delicado. E os indígenas, em memória ao fato, passaram a denominá-lo de: CAMBAÍ-I, o rio do Negrinho.

E o Cambaí, hoje murmuro arroio que divide os municípios de São Gabriel e São Sepé, só em documentos do século XVIII traz ainda o nome pitoresco de Imbrajatuava, rio que tem a seus pés muitas árvores frutíferas que também, contam, desapareceram de suas margens depois que as águas serviram de sepultura ao corpo estraçalhado do infeliz Cambaí...

Fonte:
http://www.rosanevolpatto.trd.br

Folclore Gaúcho (O Primeiro Gaúcho)

Os índios que habitavam esta região conheciam, não se sabe desde quando, o uso das boleadeiras. Usavam-nas, juntamente com as flechas e lanças, contra os inimigos e também para caçar.

Dizem que, uma vez, no século XVIII, os índios estavam realizando uma grande festa. Diversas fogueiras tinham sido acesas para assar as caças. Dançavam e cantavam alegremente.

Alguns bandeirantes estavam passando por perto e viram a fumaça. Como eles andavam atrás de ouro e pedras preciosas, necessitavam de escravos para ajudá-los no trabalho! Um deles disse:

- Vejam! Fumaça! Devem ser índios!

- Com certeza! - respondeu outro. Vamos aprisioná-los!

Aprontaram as cordas, verificaram as armas e seguiram em direção à fumaça.

Os índios, que não eram bobos, mantinham sentinelas por todos aqueles lugares. Informado da presença dos bandeirantes, o cacique da tribo ficou furioso:

- São os brancos que querem escravizar-nos! - gritou ele. Que venham! Que venham!

O chefe, então, arquitetou um plano: mandou que vários guerreiros montassem em seus cavalos e seguissem para a campina. Os índios cavaleiros deveriam ficar deitados e escondidos num dos lados do cavalo, deixando o outro lado voltado para os brancos. Eles pensariam tratar-se de cavalos selvagens e se aproximariam, tornando-se presas fáceis!

Quando os bandeirantes viram os cavalos, ficaram contentíssimos:

- Que belos cavalos! - exclamou o chefe. Vamos cercá-los e laça-los! E foram-se aproximando, sem perceber que se tratava de uma armadilha.

Quando os índios acharam que os brancos estavam suficientemente perto, endireitaram-se nos cavalos e partiram, rápidos como o pensamento, contra eles, uns atirando boleadeiras ou flechas, outros com as terríveis lanças apontadas.

Os bandeirantes ficaram boquiabertos. Chegaram a dar alguns tiros, mas o ataque havia sido inesperado, não lhes dando tempo para reagir.

Muitos foram mortos e, quem pôde, tratou de fugir dali!

Vitoriosos, os índios examinaram o lugar onde se travara o combate, quando ouviram um gemido. Havia alguém vivo!

O ferido era o mais moço do grupo de bandeirantes e chamava-se Rodrigo. Fizeram-no prisioneiro e o levaram para a aldeia.

Foi realizada uma grande festa pela vitória, na qual o Conselho da Tribo condenou Rodrigo à morte.
Como os índios não matavam pessoas doentes ou feridas, decidiram esperar até que o rapaz ficasse curado para, então, sacrificá-lo. Enquanto isto, podia andar em liberdade pela aldeia.

A filha do chefe, uma linda mocinha chamada Imembuí, ficou com muita pena do prisioneiro e passou a lhe dar as melhores comidas e bebidas. Como o ferimento já estava cicatrizando, Rodrigo sabia estar próxima a sua hora. Perguntou a Imembuí se ela sabia a data da cerimônia.

A índia olhou-o com os olhos cheios de lágrimas:

- Não tenha receio, respondeu, estou do seu lado e nada lhe acontecerá.

Rodrigo ficou muito contente e até se animou. Como é bom ter esperança! Ficou tão alegre que sentiu vontade de cantar, de tocar. Resolveu fazer um instrumento, uma viola. Com sua faca, cortou um pedaço de madeira e pouco a pouco, penosamente, conseguiu dar-lhe a forma desejada. Depois, arranjou fibras de uma trepadeira, transformando-as em cordas. Estava pronta a viola e Rodrigo começou a tocar e a cantar belas canções, tristes e suaves, que agradaram imensamente a Imembuí.

Dias depois, um índio trouxe a mensagem do cacique: estava próxima a hora do sacrifício! Ele precisava pagar por todos os brancos que pensaram em escravizar os índios! Era só aguardar mais um pouco.
A esperança de Rodrigo ficou abalada e, embora a moça prometesse que haveria de conseguir salvá-lo, ele tinha as suas dúvidas.

De qualquer modo, continuou a tocar e a cantar para a mocinha índia, que não se cansava de ouvi-lo. E, pouco a pouco, apaixonaram-se um pelo outro e começaram a namorar.

Sempre que Rodrigo lhe falava sobre a terrível hora que se aproximava, ela lhe respondia:

- Conseguirei salvá-lo. Pedirei perdão ao chefe. Ele é meu pai e não deixará de me atender.

E, assim, correram mais alguns dias.

Certa manhã, alguns índios levaram o prisioneiro e o amarraram fortemente a um tronco. O dia do sacrifício chegara. Imembuí não conseguira salvá-lo, embora tivesse pedido diversas vezes ao pai e ele se sentisse inclinado a concordar.

Quando a moça foi avisada, atirou-se aos pés de seu pai e lhe implorou que conservasse a vida de seu namorado. O chefe respondeu-lhe:

- Por mim, ele seria poupado, mas há outros chefes e não quero desgostá-los. Fazem questão de sacrificar o branco conquistador.

Ela saiu dali e foi conversar com os outros chefes. Implorou a todos, um por um. Disse-lhes que o moço era dotado de bom coração e que fizera aquilo por influência dos companheiros. Os chefes não estavam dispostos a ceder. Como, porém, gostavam muito da indiazinha, resolveram formar um Conselho para decidir, de uma vez, a sorte de Rodrigo. Mandaram soltá-lo até a solução final e sua namorada correu para ele, a fim de lhe contar o que sucedera.

Rodrigo ouviu tudo, preocupado. Não se sentiu muito esperançoso, não.

No Conselho, os chefes discutiam. Não viam motivo para poupá-lo, mas também não queriam desgostar a jovem índia, nem a seu pai, que era o chefe de todos.

Foi, então, que Rodrigo teve uma idéia. Ele era muito esperto e se lembrou que os índios são muito sensíveis à música. Talvez conseguisse seduzi-los com suas canções. Foi buscar a viola, sentou-se o mais perto possível do lugar do Conselho e começou a tocar e a cantar as mais belas canções que conhecia.

Dentro da cabana, os chefes ficaram maravilhados. Um a um, foram saindo para ver quem tocava e cantava tão docemente. Quando viram que era o prisioneiro, ficaram surpresos. Ele não era um homem! Era um deus!

E aquele que havia sido motivo de ódio, passou a ser admirado por todos.

Diz a lenda que, enquanto ouviam as tristes e belas canções, exclamavam:

- “Gaú-che! Gaú-che” - que significa “gente que canta triste”.

Desta expressão indígena, teria vindo a palavra gaúcho.

Rodrigo e Imembuí ficaram noivos e, pouco tempo depois, realizou-se o casamento. E que casamento! Jamais aqueles índios tinham visto uma festa igual. Depois do banquete, todos dançaram à luz das fogueiras.

Foi com estes índios que Rodrigo aprendeu a usar as boleadeiras.

Com o tempo, os chefes índios começaram a notar que Rodrigo, além de excelente músico, possuía outras qualidades. Era calmo, inteligente e equilibrado. Resolveram elegê-lo conselheiro da tribo. E ele agiu com tanta sabedoria e competência, que logo se tornou um dos chefes. Com seu modo de pensar de homem civilizado, influiu nos hábitos daquela gente.

- Temos necessidade de formar lavouras e melhorar nosso meio de vida, disse ele, um dia. Vamos às missões dos jesuítas e lá conseguiremos ferramentas e sementes. Em troca, daremos aos padres erva-mate, cavalos, peles e o que mais pudermos conseguir. Desta maneira, também obteremos tecidos para vestir melhor a nossa gente.

Junto aos jesuítas, Rodrigo foi bem sucedido e conseguiu o que desejava.

Logo, a terra dos índios passou por uma grande transformação. Verdes lavouras, gordos animais, índios alegres.

Rodrigo foi, portanto, o primeiro gaúcho, e seus descendentes herdaram o amor à música, à terra e ao progresso.

Fonte:
http://www.terrabrasileira.net

Guimarães Rosa (A Terceira Margem do Rio)

Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo; e sido assim desde mocinho e menino, pelo que testemunharam as diversas sensatas pessoas, quando indaguei a informação. Do que eu mesmo me alembro, ele não figurava mais estúrdio nem mais triste do que os outros, conhecidos nossos. Só quieto. Nossa mãe era quem regia, e que ralhava no diário com a gente — minha irmã, meu irmão e eu. Mas se deu que, certo dia, nosso pai mandou fazer para si uma canoa.

Era a sério. Encomendou a canoa especial, de pau de vinhático, pequena, mal com a tabuinha da popa, como para caber justo o remador. Mas teve de ser toda fabricada, escolhida forte e arqueada em rijo, própria para dever durar na água por uns vinte ou trinta anos. Nossa mãe jurou muito contra a idéia. Seria que, ele, que nessas artes não vadiava, se ia propor agora para pescarias e caçadas? Nosso pai nada não dizia. Nossa casa, no tempo, ainda era mais próxima do rio, obra de nem quarto de légua: o rio por aí se estendendo grande, fundo, calado que sempre. Largo, de não se poder ver a forma da outra beira. E esquecer não posso, do dia em que a canoa ficou pronta.

Sem alegria nem cuidado, nosso pai encalcou o chapéu e decidiu um adeus para a gente. Nem falou outras palavras, não pegou matula e trouxa, não fez a alguma recomendação. Nossa mãe, a gente achou que ela ia esbravejar, mas persistiu somente alva de pálida, mascou o beiço e bramou: — "Cê vai, ocê fique, você nunca volte!" Nosso pai suspendeu a resposta. Espiou manso para mim, me acenando de vir também, por uns passos. Temi a ira de nossa mãe, mas obedeci, de vez de jeito. O rumo daquilo me animava, chega que um propósito perguntei: — "Pai, o senhor me leva junto, nessa sua canoa?" Ele só retornou o olhar em mim, e me botou a bênção, com gesto me mandando para trás. Fiz que vim, mas ainda virei, na grota do mato, para saber. Nosso pai entrou na canoa e desamarrou, pelo remar. E a canoa saiu se indo — a sombra dela por igual, feito um jacaré, comprida longa.

Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais. A estranheza dessa verdade deu para estarrecer de todo a gente. Aquilo que não havia, acontecia. Os parentes, vizinhos e conhecidos nossos, se reuniram, tomaram juntamente conselho.

Nossa mãe, vergonhosa, se portou com muita cordura; por isso, todos pensaram de nosso pai a razão em que não queriam falar: doideira. Só uns achavam o entanto de poder também ser pagamento de promessa; ou que, nosso pai, quem sabe, por escrúpulo de estar com alguma feia doença, que seja a lepra, se desertava para outra sina de existir, perto e longe de sua família dele. As vozes das notícias se dando pelas certas pessoas — passadores, moradores das beiras, até do afastado da outra banda — descrevendo que nosso pai nunca se surgia a tomar terra, em ponto nem canto, de dia nem de noite, da forma como cursava no rio, solto solitariamente. Então, pois, nossa mãe e os aparentados nossos, assentaram: que o mantimento que tivesse ocultado na canoa, se gastava; e, ele, ou desembarcava e viajava s'embora, para jamais, o que ao menos se condizia mais correto, ou se arrependia, por uma vez, para casa.

No que num engano. Eu mesmo cumpria de trazer para ele, cada dia, um tanto de comida furtada: a idéia que senti, logo na primeira noite, quando o pessoal nosso experimentou de acender fogueiras em beirada do rio, enquanto que, no alumiado delas, se rezava e se chamava. Depois, no seguinte, apareci, com rapadura, broa de pão, cacho de bananas. Enxerguei nosso pai, no enfim de uma hora, tão custosa para sobrevir: só assim, ele no ao-longe, sentado no fundo da canoa, suspendida no liso do rio. Me viu, não remou para cá, não fez sinal. Mostrei o de comer, depositei num oco de pedra do barranco, a salvo de bicho mexer e a seco de chuva e orvalho. Isso, que fiz, e refiz, sempre, tempos a fora. Surpresa que mais tarde tive: que nossa mãe sabia desse meu encargo, só se encobrindo de não saber; ela mesma deixava, facilitado, sobra de coisas, para o meu conseguir. Nossa mãe muito não se demonstrava.

Mandou vir o tio nosso, irmão dela, para auxiliar na fazenda e nos negócios. Mandou vir o mestre, para nós, os meninos. Incumbiu ao padre que um dia se revestisse, em praia de margem, para esconjurar e clamar a nosso pai o 'dever de desistir da tristonha teima. De outra, por arranjo dela, para medo, vieram os dois soldados. Tudo o que não valeu de nada. Nosso pai passava ao largo, avistado ou diluso, cruzando na canoa, sem deixar ninguém se chegar à pega ou à fala. Mesmo quando foi, não faz muito, dos homens do jornal, que trouxeram a lancha e tencionavam tirar retrato dele, não venceram: nosso pai se desaparecia para a outra banda, aproava a canoa no brejão, de léguas, que há, por entre juncos e mato, e só ele conhecesse, a palmos, a escuridão, daquele.

A gente teve de se acostumar com aquilo. Às penas, que, com aquilo, a gente mesmo nunca se acostumou, em si, na verdade. Tiro por mim, que, no que queria, e no que não queria, só com nosso pai me achava: assunto que jogava para trás meus pensamentos. O severo que era, de não se entender, de maneira nenhuma, como ele agüentava. De dia e de noite, com sol ou aguaceiros, calor, sereno, e nas friagens terríveis de meio-do-ano, sem arrumo, só com o chapéu velho na cabeça, por todas as semanas, e meses, e os anos — sem fazer conta do se-ir do viver. Não pojava em nenhuma das duas beiras, nem nas ilhas e croas do rio, não pisou mais em chão nem capim. Por certo, ao menos, que, para dormir seu tanto, ele fizesse amarração da canoa, em alguma ponta-de-ilha, no esconso. Mas não armava um foguinho em praia, nem dispunha de sua luz feita, nunca mais riscou um fósforo. O que consumia de comer, era só um quase; mesmo do que a gente depositava, no entre as raízes da gameleira, ou na lapinha de pedra do barranco, ele recolhia pouco, nem o bastável. Não adoecia? E a constante força dos braços, para ter tento na canoa, resistido, mesmo na demasia das enchentes, no subimento, aí quando no lanço da correnteza enorme do rio tudo rola o perigoso, aqueles corpos de bichos mortos e paus-de-árvore descendo — de espanto de esbarro. E nunca falou mais palavra, com pessoa alguma. Nós, também, não falávamos mais nele. Só se pensava. Não, de nosso pai não se podia ter esquecimento; e, se, por um pouco, a gente fazia que esquecia, era só para se despertar de novo, de repente, com a memória, no passo de outros sobressaltos.

Minha irmã se casou; nossa mãe não quis festa. A gente imaginava nele, quando se comia uma comida mais gostosa; assim como, no gasalhado da noite, no desamparo dessas noites de muita chuva, fria, forte, nosso pai só com a mão e uma cabaça para ir esvaziando a canoa da água do temporal. Às vezes, algum conhecido nosso achava que eu ia ficando mais parecido com nosso pai. Mas eu sabia que ele agora virara cabeludo, barbudo, de unhas grandes, mal e magro, ficado preto de sol e dos pêlos, com o aspecto de bicho, conforme quase nu, mesmo dispondo das peças de roupas que a gente de tempos em tempos fornecia.

Nem queria saber de nós; não tinha afeto? Mas, por afeto mesmo, de respeito, sempre que às vezes me louvavam, por causa de algum meu bom procedimento, eu falava: — "Foi pai que um dia me ensinou a fazer assim..."; o que não era o certo, exato; mas, que era mentira por verdade. Sendo que, se ele não se lembrava mais, nem queria saber da gente, por que, então, não subia ou descia o rio, para outras paragens, longe, no não-encontrável? Só ele soubesse. Mas minha irmã teve menino, ela mesma entestou que queria mostrar para ele o neto. Viemos, todos, no barranco, foi num dia bonito, minha irmã de vestido branco, que tinha sido o do casamento, ela erguia nos braços a criancinha, o marido dela segurou, para defender os dois, o guarda-sol. A gente chamou, esperou. Nosso pai não apareceu. Minha irmã chorou, nós todos aí choramos, abraçados.

Minha irmã se mudou, com o marido, para longe daqui. Meu irmão resolveu e se foi, para uma cidade. Os tempos mudavam, no devagar depressa dos tempos. Nossa mãe terminou indo também, de uma vez, residir com minha irmã, ela estava envelhecida. Eu fiquei aqui, de resto. Eu nunca podia querer me casar. Eu permaneci, com as bagagens da vida. Nosso pai carecia de mim, eu sei — na vagação, no rio no ermo — sem dar razão de seu feito. Seja que, quando eu quis mesmo saber, e firme indaguei, me diz-que-disseram: que constava que nosso pai, alguma vez, tivesse revelado a explicação, ao homem que para ele aprontara a canoa. Mas, agora, esse homem já tinha morrido, ninguém soubesse, fizesse recordação, de nada mais. Só as falsas conversas, sem senso, como por ocasião, no começo, na vinda das primeiras cheias do rio, com chuvas que não estiavam, todos temeram o fim-do-mundo, diziam: que nosso pai fosse o avisado que nem Noé, que, por tanto, a canoa ele tinha antecipado; pois agora me entrelembro. Meu pai, eu não podia malsinar. E apontavam já em mim uns primeiros cabelos brancos.

Sou homem de tristes palavras. De que era que eu tinha tanta, tanta culpa? Se o meu pai, sempre fazendo ausência: e o rio-rio-rio, o rio — pondo perpétuo. Eu sofria já o começo de velhice — esta vida era só o demoramento. Eu mesmo tinha achaques, ânsias, cá de baixo, cansaços, perrenguice de reumatismo. E ele? Por quê? Devia de padecer demais. De tão idoso, não ia, mais dia menos dia, fraquejar do vigor, deixar que a canoa emborcasse, ou que bubuiasse sem pulso, na levada do rio, para se despenhar horas abaixo, em tororoma e no tombo da cachoeira, brava, com o fervimento e morte. Apertava o coração. Ele estava lá, sem a minha tranqüilidade. Sou o culpado do que nem sei, de dor em aberto, no meu foro. Soubesse — se as coisas fossem outras. E fui tomando idéia.

Sem fazer véspera. Sou doido? Não. Na nossa casa, a palavra doido não se falava, nunca mais se falou, os anos todos, não se condenava ninguém de doido. Ninguém é doido. Ou, então, todos. Só fiz, que fui lá. Com um lenço, para o aceno ser mais. Eu estava muito no meu sentido. Esperei. Ao por fim, ele apareceu, aí e lá, o vulto. Estava ali, sentado à popa. Estava ali, de grito. Chamei, umas quantas vezes. E falei, o que me urgia, jurado e declarado, tive que reforçar a voz: — "Pai, o senhor está velho, já fez o seu tanto... Agora, o senhor vem, não carece mais... O senhor vem, e eu, agora mesmo, quando que seja, a ambas vontades, eu tomo o seu lugar, do senhor, na canoa!..." E, assim dizendo, meu coração bateu no compasso do mais certo.

Ele me escutou. Ficou em pé. Manejou remo n'água, proava para cá, concordado. E eu tremi, profundo, de repente: porque, antes, ele tinha levantado o braço e feito um saudar de gesto — o primeiro, depois de tamanhos anos decorridos! E eu não podia... Por pavor, arrepiados os cabelos, corri, fugi, me tirei de lá, num procedimento desatinado. Porquanto que ele me pareceu vir: da parte de além. E estou pedindo, pedindo, pedindo um perdão.

Sofri o grave frio dos medos, adoeci. Sei que ninguém soube mais dele. Sou homem, depois desse falimento? Sou o que não foi, o que vai ficar calado. Sei que agora é tarde, e temo abreviar com a vida, nos rasos do mundo. Mas, então, ao menos, que, no artigo da morte, peguem em mim, e me depositem também numa canoinha de nada, nessa água que não pára, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro — o rio.

Fonte:
ROSA, João Guimarães. Primeiras Estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1988.
Fotomontagem: José Feldman

Guimarães Rosa (O Cavalo que Bebia Cerveja)

Essa chácara do homem ficava meio ocultada, escurecida pelas árvores, que nunca se viu plantar tantas em roda de uma casa. Era homem estrangeiro. De minha mãe ouvi como, no ano da espanhola, ele chegou acautelado e espantado, para adquirir aquele lugar de todo defendimento; e a morada, donde de qualquer janela alcançasse de vigiar a distância, mãos na espingarda; nesse tempo, não sendo ainda tão gordo, de fazer nojo. Falavam que comia a quanta imundície: caramujo, até rã, com as braçadas de alfaces, embebidas num balde de água. Ver, que almoçava e jantava, da parte de fora, sentado na soleira da porta, o balde entre suas grossas pernas, no chão, mais as alfaces; tirante que, a carne, essa, legítima de vaca, cozinhada. Demais gastasse era com cerveja, que não bebia à vista da gente. Eu passava por lá, ele me pedia: — "Irivalíni, bisonha outra garrafa, é para o cavalo..." Não gosto de perguntar, não achava graça. Às vezes eu não trazia, às vezes trazia, e ele me indenizava o dinheiro, me gratificando. Tudo nele me dava raiva. Não aprendia a referir meu nome direito. Desfeita ou ofensa, não sou de perdoar — a nenhum de nenhuma.

Minha mãe e eu sendo das poucas pessoas que atravessávamos por diante da porteira, para pegar a pinguela do riacho. — "Dei'stá, coitado, penou na guerra..." — minha mãe explicando. Ele se rodeava de diversos cachorros, graúdos, para vigiarem a chácara. De um, mesmo não gostasse, a gente via, o bicho em sustos, antipático — o menos bem tratado; e que fazia, ainda assim, por não se arredar de ao pé dele, estava, a toda a hora, de desprezo, chamando o endiabrado do cão: por nome "Mussulino". Eu remoia o rancor: de que, um homem desses, cogotudo, panturro, rouco de catarros, estrangeiro às náuseas — se era justo que possuísse o dinheiro e estado, vindo comprar terra cristã, sem honrar a pobreza dos outros, e encomendando dúzias de cerveja, para pronunciar a feia fala. Cerveja? Pelo fato, tivesse seus cavalos, os quatro ou três, sempre descansados, neles não amontava, nem agüentasse montar. Nem caminhar, quase, não conseguia. Cabrão! Parava pitando, uns charutos pequenos, catinguentos, muito mascados e babados. Merecia um bom corrigimento. Sujeito sistemático, com sua casa fechada, pensasse que todo o mundo era ladrão.

Isto é, minha mãe ele estimava, tratava com as benevolências. Comigo, não adiantava — não dispunha de minha ira. Nem quando minha mãe grave adoeceu, e ele ofertou dinheiro, para os remédios. Aceitei; quem é que vive de não? Mas não agradeci. Decerto ele tinha remorso, de ser estrangeiro e rico. E, mesmo, não adiantou, a santa de minha mãe se foi para as escuridões, o danado do homem se dando de pagar o enterro. Depois, indagou se eu queria vir trabalhar para ele. Sofismei, o quê. Sabia que sou sem temor, em meus altos, e que enfrento uns e outros, no lugar a gente pouco me encarava. Só se fosse para ter a minha proteção, dia e noite, contra os issos e vindiços. Tanto, que não me deu nem meio serviço por cumprir, senão que eu era para burliquear por lá, contanto que com as armas. Mas, as compras para ele, eu fazia. — "Cerveja, Irivalíni. É para o cavalo..." — o que dizia, a sério, naquela língua de bater ovos. Tomara ele me xingasse! Aquele homem ainda havia de me ver.

Do que mais estranhei, foram esses encobrimentos. Na casa, grande, antiga, trancada de noite e de dia, não se entrava; nem para comer, nem para cozinhar. Tudo se passava da banda de cá das portas. Ele mesmo, figura que raras vezes por lá se introduzia, a não ser para dormir, ou para guardar a cerveja — ah, ah, ah — a que era para o cavalo. E eu, comigo: — "Tu espera, porco, para se, mais dia menos dia, eu não estou bem aí, no haja o que há!" Seja que, por essa altura, eu devia ter procurado as corretas pessoas, narrar os absurdos, pedindo providências, soprar minhas dúvidas. O que fácil não fiz. Sou de nem palavras. Mas, por aí, também, apareceram aqueles — os de fora.

Sonsos os dois homens, vindos da capital. Quem para eles me chamou, foi o seo Priscílio, subdelegado. Me disse: — "Reivalino Belarmino, estes aqui são de autoridade, por ponto de confiança." E os de fora, me pegando à parte, puxaram por mim, às muitas perguntas. Tudo para tirar tradição do homem, queriam saber em pautas ninharias. Tolerei que sim; mas nada não fornecendo. Quem sou eu, quati, para cachorro me latir? Só cismei escrúpulos, pelas más caras desses, sujeitos embuçados, salafrados também. Mas, me pagaram, o bom quanto. O principal deles dois, o de mão no queixo, me encarregou: que, meu patrão, sendo homem muito perigoso, se ele vivia mesmo sozinho? E que eu reparasse, na primeira ocasião, se ele não tinha numa perna, embaixo, sinal velho de coleira, argolão de ferro, de criminoso fugido de prisão. Pois sim, piei prometi.

Perigoso, para mim? — ah, ah. Pelo que, vá, em sua mocidade, podendo ter sido homem. Mas, agora, em pança, regalão, remanchão, somente quisesse a cerveja — para o cavalo. Desgraçado, dele. Não que eu me queixasse, por mim, que nunca apreciei cerveja; gostasse, comprava, bebia, ou pedia, ele mesmo me dava. Ele falava que também não gostava, não. De verdade. Consumia só a quantidade de alfaces, com carne, boquicheio, enjooso, mediante muito azeite, lambia que espumava. Por derradeiro, estava meio estramontado, soubesse da vinda dos de fora? Marca de escravo em perna dele, não observei, nem fiz por isso. Sou lá serviçal de meirinho-mor, desses, excogitados, de tantos visares? Mas eu queria jeito de entender, nem que por uma fresta, aquela casa, debaixo de chaves, espreitada. Os cachorros já estando mansos amigáveis. Mas, parece que seo Giovânio desconfiou. Pois, por minha hora de surpresa, me chamou, abriu a porta. Lá dentro, até fedia a coisa sempre em tampa, não dava bom ar. A sala, grande, vazia de qualquer amobiliado, só para espaços. Ele, nem que de propósito, me deixou olhar à minha conta, andou comigo, por diversos cômodos, me satisfiz. Ah, mas, depois, cá comigo, ganhei conselho, ao fim da idéia: e os quartos? Havia muitos desses, eu não tinha entrado em todos, resguardados. Por detrás de alguma daquelas portas, pressenti bafo de presença — só mais tarde? Ah, o carcamano queria se birbar de esperto; e eu não era mais?

Demais que uns dias depois se soube de ouvidos, tarde da noite, diferentes vezes, galopes no ermo da várzea, de cavaleiro saído da porteira da chácara. Pudesse ser? Então, o homem tanto me enganava, de formar uma fantasmagoria, de lobisomem. Só aquela divagação, que eu não acabava de entender, para dar razão de alguma coisa: se ele tivesse, mesmo, um estranho cavalo, sempre escondido ali dentro, no escuro da casa?

Seo Priscílio me chamou, justo, outra vez, naquela semana. Os de fora estavam lá, de colondria, só entrei a meio na conversa; um deles dois, escutei que trabalhava para o "Consulado". Mas contei tudo, ou tanto, por vingança, com muito caso. Os de fora, então, instaram com seo Priscílio. Eles queriam permanecer no oculto, seo Priscílio devia de ir sozinho. Mais me pagaram.

Eu estava por ali, fingindo não ser nem saber, de mão-posta. Seo Priscílio apareceu, falou com seo Giovânio: se que estórias seriam aquelas, de um cavalo beber cerveja? Apurava com ele, apertava. Seo Giovânio permanecia muito cansado, sacudia devagar a cabeça, fungando o escorrido do nariz, até o toco do charuto; mas não fez mau rosto ao outro. Passou muito a mão na testa: — "Lei, guer ver?" Saiu, para surgir com um cesto com as garrafas cheias, e uma gamela, nela despejou tudo, às espumas. Me mandou buscar o cavalo: o alazão canela-clara, bela-face. O qual — era de se dar a fé? — já avançou, avispado, de atreitas orelhas, arredondando as ventas, se lambendo: e grosso bebeu o rumor daquilo, gostado, até o fundo; a gente vendo que ele já era manhudo, cevado naquilo! Quando era que tinha sido ensinado, possível? Pois, o cavalo ainda queria mais e mais cerveja. Seo Priscílio se vexava, no que agradeceu e se foi. Meu patrão assoviou de esguicho, olhou para mim: "Irivalíni, que estes tempos vão cambiando mal. Não laxa as armas!" Aprovei. Sorri de que ele tivesse as todas manhas e patranhas. Mesmo assim, meio me desgostava.

Sobre o tanto, quando os de fora tornaram a vir, eu falei, o que eu especulava: que alguma outra razão devia de haver, nos quartos da casa. Seo Priscílio, dessa vez, veio com um soldado. Só pronunciou: que queria revistar os cômodos, pela justiça! Seo Giovânio, em pé de paz, acendeu outro charuto, ele estava sempre cordo. Abriu a casa, para seo Priscílio entrar, o soldado; eu, também. Os quartos? Foi direto a um, que estava duro de trancado. O do pasmoso: que, ali dentro, enorme, só tinha o singular — isto é, a coisa a não existir! — um cavalão branco, empalhado. Tão perfeito, a cara quadrada, que nem um de brinquedo, de menino; reclaro, branquinho, limpo, crinado e ancudo, alto feito um de igreja — cavalo de São Jorge. Como podiam ter trazido aquilo, ou mandado vir, e entrado ali acondicionado? Seo Priscílio se desenxaviu, sobre toda a admiração. Apalpou ainda o cavalo, muito, não achando nele oco nem contento. Seo Giovânio, no que ficou sozinho comigo, mascou o charuto: — "Irivalíni, pecado que nós dois não gostemos de cerveja, hem?" Eu aprovei. Tive a vontade de contar a ele o que por detrás estava se passando.

Seo Priscílio, e os de fora, estivessem agora purgados de curiosidades. Mas eu não tirava o sentido disto: e os outros quartos, da casa, o atrás de portas? Deviam ter dado a busca por inteiro, nela, de uma vez. Seja que eu não ia lembrar esse rumo a eles, não sou mestre de quinaus. Seo Giovânio conversava mais comigo, banzativo: — "Irivalíni, eco, a vida é bruta, os homens são cativos..." Eu não queria perguntar a respeito do cavalo branco, frioleiras, devia de ter sido o dele, na guerra, de suma estimação. — "Mas, Irivalíni, nós gostamos demais da vida..." Queria que eu comesse com ele, mas o nariz dele pingava, o ranho daquele monco, fungando, em mal assôo, e ele fedia a charuto, por todo lado. Coisa terrível, assistir aquele homem, no não dizer suas lástimas. Saí, então, fui no seo Priscílio, falei: que eu não queria saber de nada, daqueles, os de fora, de coscuvilho, nem jogar com o pau de dois bicos! Se tornassem a vir, eu corria com eles, despauterava, escaramuçava — alto aí! — isto aqui é Brasil, eles também eram estrangeiros. Sou para sacar faca e arma. Seo Priscílio sabia. Só não soubesse das surpresas.

Sendo que foi de repente. Seo Giovânio abriu de em par a casa. Me chamou: na sala, no meio do chão, jazia um corpo de homem, debaixo de lençol. — "Josepe, meu irmão"... - ele me disse, embargado. Quis o padre, quis o sino da igreja para badalar as vezes dos três dobres, para o tristemente. Ninguém tinha sabido nunca o qual irmão, o que se fechava escondido, em fuga da comunicação das pessoas. Aquele enterro foi muito conceituado. Seo Giovânio pudesse se gabar, ante todos. Só que, antes, seo Priscílio chegou, figuro que os de fora a ele tinham prometido dinheiro; exigiu que se levantasse o lençol, para examinar. Mas, aí, se viu só o horror, de nós todos, com caridade de olhos: o morto não tinha cara, a bem dizer — só um buracão, enorme, cicatrizado antigo, medonho, sem nariz, sem faces — a gente devassava alvos ossos, o começo da goela, gargomilhos, golas. — "Que esta é a guerra..." — seu Giovânio explicou — boca de bobo, que se esqueceu de fechar, toda doçuras.

Agora, eu queria tomar rumo, ir puxando, ali não me servia mais, na chácara estúrdia e desditosa, com o escuro das árvores, tão em volta. Seo Giovânio estava da banda de fora, conforme seu costume de tantos anos. Mais achacoso, envelhecido, subitamente, no trespassamento da manifesta dor. Mas comia, sua carne, as cabeças de alfaces, no balde, fungava. — "Irivalíni... que esta vida... bisonha. Caspité?" — perguntava, em todo tom de canto. Ele avermelhadamente me olhava. — "Cá eu pisco..." — respondi. Não por nojo, não dei um abraço nele, por vergonha, para não ter também as vistas lagrimadas. E, então, ele fez a mais extravagada coisa: abriu cerveja, a que quanta se espumejasse. — "Andamos, Irivalíni, contadino, bambino?" — propôs. Eu quis. Aos copos, aos vintes e trintas, eu ia por aquela cerveja, toda. Sereno, ele me pediu para levar comigo, no ir-m'embora, o cavalo — alazão bebedor — e aquele tristoso cachorro magro, Mussulino.

Não avistei mais o meu Patrão. Soube que ele morreu, quando em testamento deixou a chácara para mim. Mandei erguer sepulturas, dizer as missas, por ele, pelo irmão, por minha mãe. Mandei vender o lugar, mas, primeiro, cortarem abaixo as árvores, e enterrar no campo o trem, que se achava, naquele referido quarto. Lá nunca voltei. Não, que não me esqueço daquele dado dia — o que foi uma compaixão. Nós dois, e as muitas, muitas garrafas, na hora cismei que um outro ainda vinha sobrevir, por detrás da gente, também, por sua parte: o alazão façalvo; ou o branco enorme, de São Jorge; ou o irmão, infeliz medonhamente. Ilusão, que foi, nenhum ali não estava. Eu, Reivalino Belarmino, capisquei. Vim bebendo as garrafas todas, que restavam, faço que fui eu que tomei consumida a cerveja toda daquela casa, para fecho de engano.

Fonte:
ROSA, João Guimarães. Primeiras Estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1988.