terça-feira, 29 de julho de 2008

Pedro Kilkerry (1885-1917)

Sendo o mais jovem desta grandiosa geração de poetas, nasceu Pedro Kilkerry em Salvador (BA), no distrito da Penha a 10 de março de 1885, batizado em 5 de janeiro do ano seguinte, tendo como madrinha D. Maria Inês Teixeira, era descendente de inglês da parte do pai, o engenheiro John Kilkerry, superintendente da Bahia Gás Company Limited e da mestiça alforriada baiana, Salustiana do Sacramento Lima, com quem teve três filhos: João, o mais velho, Pedro, o poeta e Maria da Purificação. Em Salvador, mora com a mãe, avó e irmã na Rua do Cabeça nº 13, onde vivem, por muitos anos, num pequeno quarto, entregue às leituras de Homero, Dante, Shakespeare, Poe, Verlaine, Baudelaire, Rimbaud e outros.

Matriculado no Colégio Sete de Setembro, passou pelo Ginásio da Bahia para estudos preparatórios, época em que trava os primeiros contatos com o grupo da Nova Cruzada, onde estréia em 1906 e colabora por muito tempo. Sobre o poeta, diz Jackson de Figueiredo: “Alto. Magro, feio, feíssimo mesmo, mas de uma feiúra distinta, singular, quase bonita, às vezes, em que como que se distinguia uma luta entre o tipo norte europeu, de que descendia, e o mestiço brasileiro, que ele era”. Já Carlos Chiacchio, ao se referir sobre o homem, o vê como: “Cabeça enorme. Cabelos ruivaços. Implantados em represálias do penteado acima. Branco na pele. Mestiço no pelo. Testa larga, ampla, em arremesos de chapa batida em riste para trás. Orelhas, que se humilham, pequenas e ávidas, como conchas marinhas. Olhos minúsculos, inquietos, rolando entre pálpebras, levemente empapuçadas. Nariz à feitura de seta invertida, direito, firme, descendo a pique, num conflito de raças, entre o aquilino anglo-celta da Irlanda e o emplastrado índio-luso-negróide da áfrica. Boca escancarada de demônio faunesco, rindo um riso largo de marfim sinistro, com serrilha roaz, entre os agudos recuos fortes das comissuras satânicas. Pescoço longo, num deglutido de contínuo engasgo do pômulo de Adão, ainda refeito da última dentada paradisíaca do Éden”.

Tendo ingressado na Faculdade de Direito da Bahia em 1909, recebeu ele o grau de bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais em 9 de dezembro de 1913. O convívio de novas amizades o leva à boêmia e em suas andanças pela província destacava-se pelo seu improviso, pela textura de declamar seus próprios versos. Conforme depoimentos da época, Kilkerry passava noites em claro lendo e escrevendo, possuía uma capacidade inigualável e um interesse diversificado pelos assuntos e uma ânsia de saber cada vez mais, incontrolável. Traduzia do grego, latim, inglês, francês, italiano, espanhol, alemão e começava a aprender o árabe.
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Após a formatura, Kilkerry vai advogar na cidade de Santo Antonio de Jesus, localizada no Recôncavo baiano, onde mora por algum tempo e divide escritório de advocacia com seu irmão mais velho, João Francisco Kilkerry. Lá, o poeta passa a colaborar em jornais locais.

A presença de Kilkerry no quadro histórico-cultural brasileiro é nítida, e nenhum crítico literário poderá omitir esta sensualidade íntima, não encontrada em nenhum outro poeta desta fase, algo inteiramente novo. Este jovem poeta baiano é o mais simples do grupo, mas excede as previsões, é a criação mais lúcida, a mais celebrada ressonância da época, porque seus contemporâneos estavam imersos em seu clima estético e moral.

O poeta foi o único capaz de abandonar a constelação terrestre, no sombrio elenco poético da época, para viajar e elevar seus movimentos à celebração. Sua lírica é essencialmente metafísica e hermeticamente contundente, representada pela hipérbole do cogito, em busca das ilusões perdidas, seguridade na perfeição e na forma, nascida sob o signo da desconfiança própria, devido aos grandes modelos da literatura francesa vigente. Pedro Kilkerry é um poeta moderno, atual e atuante na nova concepção da poesia, possui uma poética brilhante, rica de inovações e ritmos, estranhamente musical, tão sóbria na sua própria opulência vocabular, onde o poeta é seu próprio limite.

Seus significados se fazem múltiplos, ambicioso na máxima claridade dos novos horizontes, numa espécie de jogo transcendental, vividos dentro de um universo fantasmagórico, transmitindo algo de mistério e de magia verbal. Mas sua ascensão era vista por muitos como horror: boêmio, irresponsável, degenerado, louco,vicioso e decadente; era uma literatura excitadamente enfebrecida, um divórcio entre a arte e o restrito público.

Portador de tuberculose pulmonar, fora o poeta internado no Hospital Santa Isabel, onde se submeteu a uma cirurgia de traqueotomia, realizada pelo cirurgião Heraclio Menezes, acompanhado pelo interno doutorando Francisco Prata, não resistindo, veio a falecer em 25 de março de 1917, às 12 h 30 min, em decorrência de asfixia pulmonar. Seu enterro foi feito por Gustavo Ramos de Cerqueira Lima, amigo da família, saindo o féretro às 10 horas do dia seguinte de sua residência à Rua do Sodré, nº 21 –(2 de Julho), para o cemitério do Campo Santo, tendo seu corpo descansado na carneira nº1020, quadra nº09.

O Hospital Santa Isabel, pertencente à Santa Casa de Misericórdia vivia de doações, estava destinado a atender à população de renda mais baixa e seus funcionários, era de “indigência”. Este quadro mostra-nos em que situação financeira se encontrava o poeta, apesar de trabalhar como 1º escriturário no Tribunal de Contas do estado e possuir escritório de advocacia. O poeta Pedro Kilkerry, morreu aos 32 anos de idade, solteiro, solitário e esquecido.

Há poetas que concitam em vida admiração e os fervores do público, outros, porém, só depois de mortos atraem a atenção para a sua obra. E a este grupo pertence Pedro Kilkerry, que não deixou nenhuma obra editada, mas publicou poemas, prosas, traduções e artigos em jornais (Jornal da Manhã, Jornal de Notícias, A Tarde, Gazeta do Povo, Diário da Manhã (SE) e Jornal Moderno), onde publicou a maior parte de sua prosa, além das revistas da época editadas em Salvador, órgãos simbolistas da segunda fase do movimento existentes na Bahia: (A Voz do Povo, Nova Cruzada – 1901/1911 e Os Annaes – 1911/1914, tendo como precursor o poeta Pethion de Villar (1870-1924), seguidos de Durval de Morais (1882-1948), Francisco Mangabeira (1879-1904), Antonio Viana (1884-1952), Artur de Salles (1879-1952), Pereira Caldas (1884-1922), José Leoni (1882-1959) e Carlos Chiacchio (1884-1947), os quais mais se destacaram nas letras e nas artes da Bahia.

O pouco que se conhece sobre a obra e o poeta “maldito”, já algum tempo revelado, foi escrito pelos dois primeiros biógrafos do poeta. Jackson de Figueiredo, amigo e colega de faculdade, que publicou Humilhados e Luminosos, e Carlos Chiacchio, crítico e poeta modernista que viveu na Bahia, e publicou, primeiramente na seção Homens e Obras do jornal A Tarde, quatro artigos intitulados Pedro Kilkerry, em 1931 e na Revista da Academia de Letras da Bahia nºs 2/3 (1931), 4/5 (1932) e 6/7 (1933). Tais trabalhos ficariam na obscuridade se não fosse a descoberta do crítico Andrade Muricy, que publicou parte dos textos e poemas de Kilkerry in Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro em 1952. E mais tarde (1970), sua redescoberta pela vanguarda concretista na pessoa de um dos seus melhores críticos, pelo espantoso levantamento crítico feito por Augusto de Campos, in ReVisão de Kilkerry.

Ao que se sabe, Pedro Kilkerry deixou pouco mais de trinta poesias e pouco mais de vinte textos em prosa, não muito extensos. Nenhum livro. Foram necessários 100 anos para que o poeta Pedro Kilkerry merecesse o reconhecimento de sua importância literária e tivesse sua obra finalmente resgatada do esquecimento em que se encontrava.

Fonte:
http://www.se.senac.br/ECAFE/materias/fev05/pedrokilkerry.htm

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