Aos 70 anos, depois de ter publicado obras-primas como "O Aleph" e "Ficções", Jorge Luis Borges (1899-1986) começou uma aula sobre a arte de escrever dizendo: "Dediquei a maior parte de minha vida à literatura e só posso lhes oferecer dúvidas".
Se, para um dos maiores criadores do século 20, a literatura continuou sendo um enigma, o mistério pode parecer insolúvel para quem pretende se tornar um escritor. Não existe uma chave certa, apenas lanternas que ajudam a orientar o autor nos primeiros passos do espinhoso caminho.
Duas são de fácil acesso: a leitura dos manuais e a participação nas oficinas literárias. Além delas, há grupos de discussão na internet, revistas especializadas em novos autores (afinal, não existem escritores sem leitores) e concursos para iniciantes -úteis para quem quer testar o "valor" de seu trabalho.
Mas a maioria dos escritores concorda que um ponto é essencial: para escrever bem, é preciso ler muito. O escritor mineiro Autran Dourado, 77, autor de mais de 19 livros e ganhador do Prêmio Camões em 2000, também recomenda: "Leia os que sabem escrever bem. Não leia coisas ruins". Dourado diz que costuma reler Machado de Assis todos os anos, para "limpar a língua". O conselho está no livro mais recente do escritor, "Breve Manual de Estilo e Romance" (Editora UFMG, 75 págs.), que trata justamente do fazer literário, misturando suas memórias e sua experiência com dicas para os aprendizes da escrita.
"Se você quer ser mesmo um escritor, um escritor de verdade, um escritor criativo, lembre-se sempre de que escrever é um ato mimético de apropriação e astúcia. Daí a necessidade de ler constantemente os bons autores, conscientemente imitá-los (antes de você ser realmente um escritor), parodiá-los nos seus exercícios", recomenda Dourado. Outro mandamento é buscar o exemplo dos autores consagrados, mas ele faz uma ressalva: "Evite os gênios, porque você, por ignorância, poderá escolher um gênio louco e irá sofrer muito".
Ideais para quem só quer cumprir a tríade "plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro" -e não necessariamente "viver da poesia"-, dois manuais dão receitas rápidas para escrever um romance: "O Escritor de Fim de Semana - Como Escrever um Romance com Criatividade em 52 Fins de Semana" (Ática, 292 págs.) do norte-americano Robert J. Ray, e "Você Já Pensou em Escrever um Livro? Informações Fundamentais para Tornar-se um Escritor de Sucesso" (Samm Editora, 126 págs.) de Sonia Belloto.
"O Escritor de Fim de Semana" apresenta um passo-a-passo para a produção de um livro no prazo de um ano. O autor, que recomenda até os tipos de caneta e caderno que o autor recém-chegado ao ofício deveria usar, exemplifica seu método usando trechos de um best-seller, "O Turista Acidental", de Anne Tyler. Ray traça um plano de ação bastante pragmático para a construção de um romance, com tópicos que explicam o desenvolvimento dos personagens e a criação da cena de abertura, por exemplo.
Lançado há poucos meses, "Você Já Pensou em Escrever um Livro?" é a segunda obra de Sonia Belloto, 47, que há três anos trocou a musicoterapia pelos livros, "sua paixão".
Escrito em duas semanas, o guia apresenta as técnicas da oficina organizada pela autora para a formação de escritores, inspirada em cursos norte-americanos de expressão. O método reproduz a jornada do herói publicada no livro "O Herói de Mil Faces", de Joseph Campbell. Sonia explica ainda o funcionamento das editoras, analisa o mercado editorial e dá dicas de marketing. "A capa é o que faz vender dentro da livraria; o miolo, fora", ensina.
"Não existem histórias desinteressantes, existem formas desinteressantes de contá-las", crê Sonia. Para ela, qualquer pessoa pode escrever.
Já a escritora Ana Miranda, 52, acredita que o processo é lento e individual: "Não há uma formação clássica. Na literatura, você tem de se formar sozinho. A matéria não pode ser transmitida de modo científico. É um processo pessoal", opina a autora de "Boca do Inferno" e "Desmundo". Durante 2003, Ana, que já publicou nove livros, percorreu as unidades do IMS (Instituto Moreira Salles), lecionando concorridas oficinas literárias com duração de quatro dias. "Quando começo o curso, digo que não escrevemos o que queremos, escrevemos o que somos", conta.
"Se no início eu tivesse tido essa oportunidade [fazer uma oficina], teria sofrido menos. Tive de bater muito a cabeça, aprendendo e errando sozinha", diz a escritora, que também destaca a importância da leitura na aprendizagem: "A única maneira é ler os outros". E acrescenta: "São três palavras mágicas: trabalho, trabalho e trabalho".
"A oficina me ajudou a descobrir que é preciso dedicação", diz o arquiteto Paulo Pereira, 35, que participou da última oficina com Ana Miranda. Entusiasta dos romances - costuma ler dois por mês -, ele considera as oficinas uma forma de perceber melhor o desafio. "O problema é ter tempo. Para escrever, a pessoa tem de deixar muita coisa de lado, se isolar. É um trabalho de introspecção", avalia.
Como outros institutos ou organizações, o IMS mantém um programa regular de oficinas de prosa e poesia com vários escritores. Mas quem não pode participar de uma oficina ao vivo tem como fazê-lo pela internet. O site do Sesc-SP, por exemplo, oferece um curso semestral, coordenado pelo escritor e jornalista João Silvério Trevisan.
"O clima é muito íntimo. É duro para as pessoas mexer nos textos, há questões muito pessoais. Já tivemos casos de gente com problemas emocionais durante a oficina", comenta Trevisan. Realizada há cinco anos, a oficina promove 25 encontros de três horas numa sala de bate-papo. A Balaio de Textos é outra oficina coordenada por Trevisan, mas menor e na qual são discutidos textos enviados pelos internautas.
Além de ponto de encontro, a internet é também um meio de encontrar concursos para escritores iniciantes e oportunidades de publicação, o balão-de-ensaio que precede o livro. "É menos glamourizado publicar na internet", diz a "recém-escritora" Ana Peluso, 37. Ela acaba de publicar poemas na antologia "Dezamores", que reúne autores que passaram por oficinas de Trevisan.
"Publicar em fanzines, revistas e blogs é um modo de começar a publicar e de submeter seu trabalho à apreciação. Essa prática é essencial para avaliar o poder de fogo do texto, antes de engessá-lo num suporte com vida mais longa, como o livro", diz Joca Reiners Terron, 35, que está lançando seu quinto livro, "Curva de Rio Sujo". Seu livro anterior, "Hotel Hell", é uma compilação do blog homônimo.
Fonte:
http://www.nlnp.net/
http://www.olimbo.globolog.com.br (imagem)
Se, para um dos maiores criadores do século 20, a literatura continuou sendo um enigma, o mistério pode parecer insolúvel para quem pretende se tornar um escritor. Não existe uma chave certa, apenas lanternas que ajudam a orientar o autor nos primeiros passos do espinhoso caminho.
Duas são de fácil acesso: a leitura dos manuais e a participação nas oficinas literárias. Além delas, há grupos de discussão na internet, revistas especializadas em novos autores (afinal, não existem escritores sem leitores) e concursos para iniciantes -úteis para quem quer testar o "valor" de seu trabalho.
Mas a maioria dos escritores concorda que um ponto é essencial: para escrever bem, é preciso ler muito. O escritor mineiro Autran Dourado, 77, autor de mais de 19 livros e ganhador do Prêmio Camões em 2000, também recomenda: "Leia os que sabem escrever bem. Não leia coisas ruins". Dourado diz que costuma reler Machado de Assis todos os anos, para "limpar a língua". O conselho está no livro mais recente do escritor, "Breve Manual de Estilo e Romance" (Editora UFMG, 75 págs.), que trata justamente do fazer literário, misturando suas memórias e sua experiência com dicas para os aprendizes da escrita.
"Se você quer ser mesmo um escritor, um escritor de verdade, um escritor criativo, lembre-se sempre de que escrever é um ato mimético de apropriação e astúcia. Daí a necessidade de ler constantemente os bons autores, conscientemente imitá-los (antes de você ser realmente um escritor), parodiá-los nos seus exercícios", recomenda Dourado. Outro mandamento é buscar o exemplo dos autores consagrados, mas ele faz uma ressalva: "Evite os gênios, porque você, por ignorância, poderá escolher um gênio louco e irá sofrer muito".
Ideais para quem só quer cumprir a tríade "plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro" -e não necessariamente "viver da poesia"-, dois manuais dão receitas rápidas para escrever um romance: "O Escritor de Fim de Semana - Como Escrever um Romance com Criatividade em 52 Fins de Semana" (Ática, 292 págs.) do norte-americano Robert J. Ray, e "Você Já Pensou em Escrever um Livro? Informações Fundamentais para Tornar-se um Escritor de Sucesso" (Samm Editora, 126 págs.) de Sonia Belloto.
"O Escritor de Fim de Semana" apresenta um passo-a-passo para a produção de um livro no prazo de um ano. O autor, que recomenda até os tipos de caneta e caderno que o autor recém-chegado ao ofício deveria usar, exemplifica seu método usando trechos de um best-seller, "O Turista Acidental", de Anne Tyler. Ray traça um plano de ação bastante pragmático para a construção de um romance, com tópicos que explicam o desenvolvimento dos personagens e a criação da cena de abertura, por exemplo.
Lançado há poucos meses, "Você Já Pensou em Escrever um Livro?" é a segunda obra de Sonia Belloto, 47, que há três anos trocou a musicoterapia pelos livros, "sua paixão".
Escrito em duas semanas, o guia apresenta as técnicas da oficina organizada pela autora para a formação de escritores, inspirada em cursos norte-americanos de expressão. O método reproduz a jornada do herói publicada no livro "O Herói de Mil Faces", de Joseph Campbell. Sonia explica ainda o funcionamento das editoras, analisa o mercado editorial e dá dicas de marketing. "A capa é o que faz vender dentro da livraria; o miolo, fora", ensina.
"Não existem histórias desinteressantes, existem formas desinteressantes de contá-las", crê Sonia. Para ela, qualquer pessoa pode escrever.
Já a escritora Ana Miranda, 52, acredita que o processo é lento e individual: "Não há uma formação clássica. Na literatura, você tem de se formar sozinho. A matéria não pode ser transmitida de modo científico. É um processo pessoal", opina a autora de "Boca do Inferno" e "Desmundo". Durante 2003, Ana, que já publicou nove livros, percorreu as unidades do IMS (Instituto Moreira Salles), lecionando concorridas oficinas literárias com duração de quatro dias. "Quando começo o curso, digo que não escrevemos o que queremos, escrevemos o que somos", conta.
"Se no início eu tivesse tido essa oportunidade [fazer uma oficina], teria sofrido menos. Tive de bater muito a cabeça, aprendendo e errando sozinha", diz a escritora, que também destaca a importância da leitura na aprendizagem: "A única maneira é ler os outros". E acrescenta: "São três palavras mágicas: trabalho, trabalho e trabalho".
"A oficina me ajudou a descobrir que é preciso dedicação", diz o arquiteto Paulo Pereira, 35, que participou da última oficina com Ana Miranda. Entusiasta dos romances - costuma ler dois por mês -, ele considera as oficinas uma forma de perceber melhor o desafio. "O problema é ter tempo. Para escrever, a pessoa tem de deixar muita coisa de lado, se isolar. É um trabalho de introspecção", avalia.
Como outros institutos ou organizações, o IMS mantém um programa regular de oficinas de prosa e poesia com vários escritores. Mas quem não pode participar de uma oficina ao vivo tem como fazê-lo pela internet. O site do Sesc-SP, por exemplo, oferece um curso semestral, coordenado pelo escritor e jornalista João Silvério Trevisan.
"O clima é muito íntimo. É duro para as pessoas mexer nos textos, há questões muito pessoais. Já tivemos casos de gente com problemas emocionais durante a oficina", comenta Trevisan. Realizada há cinco anos, a oficina promove 25 encontros de três horas numa sala de bate-papo. A Balaio de Textos é outra oficina coordenada por Trevisan, mas menor e na qual são discutidos textos enviados pelos internautas.
Além de ponto de encontro, a internet é também um meio de encontrar concursos para escritores iniciantes e oportunidades de publicação, o balão-de-ensaio que precede o livro. "É menos glamourizado publicar na internet", diz a "recém-escritora" Ana Peluso, 37. Ela acaba de publicar poemas na antologia "Dezamores", que reúne autores que passaram por oficinas de Trevisan.
"Publicar em fanzines, revistas e blogs é um modo de começar a publicar e de submeter seu trabalho à apreciação. Essa prática é essencial para avaliar o poder de fogo do texto, antes de engessá-lo num suporte com vida mais longa, como o livro", diz Joca Reiners Terron, 35, que está lançando seu quinto livro, "Curva de Rio Sujo". Seu livro anterior, "Hotel Hell", é uma compilação do blog homônimo.
Fonte:
http://www.nlnp.net/
http://www.olimbo.globolog.com.br (imagem)
Nenhum comentário:
Postar um comentário