quinta-feira, 31 de julho de 2008

Folclore Gaúcho (Cambaí)

Foi Walter Spalding que fez o registro desta lenda:

Entre as coxilhas do Pau Fincado e Caibaté, próximo aos banhados, depois denominados de São Gabriel, na margem esquerda do rio Vacacaí, encontravam-se acampados os dois exércitos que deviam demarcar os limites pactuados entre Espanha e Portugal, na Capitania de São Pedro do Rio Grande do Sul.

Em 7 de fevereiro de 1756, três dias após a morte de Sepé Tiarajú, voltaram as tropas à luta. Os indígenas foram mais uma vez derrotados, desaparecendo um outro chefe: Nicolau Languiru. Caíram também em poder do inimigos muitos prisioneiros.

Um destes indígenas prisioneiros, que fora amigo íntimo de Sepé, cujo nome era Ibaringuã, conquistou a amizade do preto Manuel, jovem ainda e, apesar de todos os sofrimentos por que já passara, era esperto e curioso.

Em virtude de sua baixa estatura e sua cor, Manuel foi apelidado de Cambaí (negrinho) pelos indígenas.

Ibaringuã e Cambaí tornaram-se bons amigos e, sempre que as ocasiões lhes permitia, conversavam. O negrinho contava os horrores das senzalas e o indígena as delícias de suas tabas missioneiras.

Mútua confiança estabeleceu-se entre ambos e de tal sorte que não vacilaram em unir-se instintivamente, como faziam os gauleses ao se jurarem eterna amizade. Só não repetiam o gesto desses povos, porque não se ligaram por meio de correntes para que nem a morte os separasse.

Com a união, tramaram a fuga não apenas deles, mas de quantos mais pudessem levar consigo.

Tudo foi preparado então, para em uma noite de luar fraco, formarem um levante e, desorientando os guardas e as próprias forças, se entranharem, em grupos de três e quatro, pelas matas das margens do Vacacaí, do Salso, e pelas serrarias do Batovi e onde mais pudessem.

Entretanto, um acontecimento que os "inconfidentes" julgaram providencial, precipitou o que haviam combinado: o general dera ordem para que um piquete fosse caçar gado para alimentar a tropa e mandou que levassem, como auxiliares, a pé, uma dezena de índios e alguns escravos.

Ao receberem esta ordem, todos os semblantes dos conluiados se abriram em sorrisos. E foram, como que o juramento final e a senha para a execução do plano.

O piquete deveria contra-marchar rumo ao sul, onde havia gado em abundância, pertencente aos índios de Santa Tecla. Atravessaram o Vacacaí e, aí a dispersão se fez. Aproveitando as matas marginais, pretos e indígenas por elas se embrenharam com gritos ferozes, que eram verdadeiros hinos à liberdade!

Houve tiros e correrias. Os soldados saltaram de seus cavalos e iniciaram violenta perseguição aos fugitivos, enquanto o comandante da expedição rumou em desabalada corrida a fim de pedir reforço e avisar do acontecido.

Horas e horas durou a caça aos fugitivos. Alguns foram mortos a tiro. Dos pretos, dois foram presos, entre os quais Manuel. Também alguns indígenas. Ibaringuã, porém, não fora agarrado. Mas, vendo que seu aliado e amigo ficara nas mãos dos portugueses, resolveu atacá-los, ele e mais dois, a pedradas e longas varas à guisa das lanças. Certeiros tiros deitaram por terra dois, fugindo o terceiro. Ibiringuã ali ficara, dormindo o sono da eternidade....

Mas no ardor da luta contra os três índios, Manuel conseguiu fugir novamente. Entretanto, preso logo depois, foi apontado pelos companheiros de cativeiro como chefe da rebelião. E quando o reforço chegou, a sorte o preto Manuel estava assentada: seria imediatamente executado e seus restos atirados, para exemplo, nas águas límpidas do Imbrajatuava, em cujas margens estavam, no momento.

O negro, amarrado ao tronco de uma árvore com fortes cipós, sentiu, pela última vez, os horrores do látego: apanhou até ficar com o corpo todo cortado em tiras. As raízes da árvore, um mimoso pé de jequitibá, tingiram-se com o vermelho do sangue de Manuel. E dizem, que é por isso que o jequitibá se tornou robusto e frondoso e é, ainda hoje, um gigante das florestas gaúchas... Depois arrastaram o corpo do pobre infeliz e o atiraram às águas do Imbrajatuava.

Desde este dia, o rio que era bastante caudaloso, tornou-se brando e delicado. E os indígenas, em memória ao fato, passaram a denominá-lo de: CAMBAÍ-I, o rio do Negrinho.

E o Cambaí, hoje murmuro arroio que divide os municípios de São Gabriel e São Sepé, só em documentos do século XVIII traz ainda o nome pitoresco de Imbrajatuava, rio que tem a seus pés muitas árvores frutíferas que também, contam, desapareceram de suas margens depois que as águas serviram de sepultura ao corpo estraçalhado do infeliz Cambaí...

Fonte:
http://www.rosanevolpatto.trd.br

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