terça-feira, 15 de julho de 2008

Konstantinos Kaváfis (À Espera dos Bárbaros - O Espelho da Entrada)






À Espera dos Bárbaros

O que esperamos na ágora reunidos?

É que os bárbaros chegam hoje.

Por que tanta apatia no senado?
Os senadores não legislam mais?

É que os bárbaros chegam hoje.
Que leis hão de fazer os senadores?
Os bárbaros que chegam as farão.

Por que o imperador se ergueu tão cedo
e de coroa solene se assentou
em seu trono, à porta magna da cidade?

É que os bárbaros chegam hoje.
O nosso imperador conta saudar
o chefe deles. Tem pronto para dar-lhe
um pergaminho no qual estão escritos
muitos nomes e títulos.

Por que hoje os dois cônsules e os pretores
usam togas de púrpura, bordadas,
e pulseiras com grandes ametistas
e anéis com tais brilhantes e esmeraldas?
Por que hoje empunham bastões tão preciosos
de ouro e prata finamente cravejados?

É que os bárbaros chegam hoje,
tais coisas os deslumbram.

Por que não vêm os dignos oradores
derramar o seu verbo como sempre?

É que os bárbaros chegam hoje
e aborrecem arengas, eloqüências.

Por que subitamente esta inquietude?
(Que seriedade nas fisionomias!)
Por que tão rápido as ruas se esvaziam
e todos voltam para casa preocupados?

Porque é já noite, os bárbaros não vêm
e gente recém-chegada das fronteiras
diz que não há mais bárbaros.

Sem bárbaros o que será de nós?
Ah! eles eram uma solução.

[Antes de 1911]
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O Espelho da Entrada

À entrada da mansão
havia um grande espelho muito antigo,
comprado pelo menos há mais de oitenta anos.

Um rapaz belíssimo, empregado de alfaiate
(e nos domingos atleta diletante)
estava ali com um pacote.

Deu-o a alguém da casa, que o levou para dentro
com o recibo. O empregado do alfaiate
ficou sozinho, à espera.

Acercou-se do espelho e mirou-se
para ajeitar a gravata. Após cinco minutos,
trouxeram-lhe o recibo e ele se foi.

Mas o antigo espelho, que vira e revira
nos seus longos anos de existência
coisas e rostos aos milhares;
mas o antigo espelho agora se alegrava
e exultava de haver mostrado sobre si
por um instante a beleza culminante.
[1930]
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Notas sobre o autor
Numa pesquisa feita pela Folha de S. Paulo, publicada em 02/01/2000, críticos literários incluem o poema "À Espera dos Bárbaros", do grego Konstantinos Kaváfis (1863-1933), entre os 100 melhores poemas do século XX. Nessa pesquisa, ele ocupa a oitava posição.

Concursos e eleições, desse e de outros tipos, são um campo aberto para erros e distorções. No entanto, não deixa de ser marcante quando um conjunto de especialistas coincide em afirmar a alta qualidade de um mesmo texto.

Nascido em Alexandria, no Egito, Kaváfis é considerado o mais importante poeta grego do século passado. Em "À Espera dos Bárbaros" combinam-se ações políticas coletivas e atitudes individuais. Todos se deixam conduzir e enfeitiçar pelo mito da invasão dos bárbaros, que nunca acontece.

A reunião de pessoas na praça de uma presumível cidade grega antiga mostra um traço da poesia de Kaváfis. Ele sempre revisita figuras da história ou da mitologia e também inventa personagens de ficção ambientados no passado grego.

Outra face importante da poesia de Kaváfis aparece no poema "O Espelho da Entrada". Aí o que se destaca é o sensualismo homossexual do autor. Em vários poemas ele expressa sua fascinação pelo corpo de jovens (aqui ele fala em "rapaz belíssimo"). Refere-se também, em outros poemas, a encontros furtivos com efebos em lugares suspeitos.

Mas, forçado à ambigüidade, Kaváfis é muito discreto. José Paulo Paes, seu tradutor para o português, diz que o poeta alexandrino trabalha a linguagem com cuidado para manter essa discrição. Escreve Paes: "... o sexo deste [o agente, na frase] poderia ser denunciado pelo gênero dos adjetivos, mas o poeta ou cuida de evitá-los ou os usa do tipo dito uniforme, isto é, com a mesma forma para o masculino e o feminino" (in Konstantinos Kaváfis, Poemas, trad. de José Paulo Paes, Nova Fronteira, 2a. ed., Rio de Janeiro, 1982).

É curioso notar que a poesia de Kaváfis só foi publicada em livro postumamente. Poucos a conheciam durante sua vida. Ele imprimia folhas soltas com poemas e as distribuía entre amigos. A obra também não é extensa: são apenas 154 poemas — o suficiente para colocar o autor na condição de poeta mais significativo do modernismo grego.

Fonte:
Konstantinos Kaváfis. In Poesia Moderna da Grécia. Seleção, tradução direta do grego, prefácio, textos críticos e notas de José Paulo Paes. Editora Guanabara, Rio de Janeiro, 1986 Disponível em Carlos Machado, Poesia.net. In http://www.algumapoesia.com.br/ , 2004

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