Dê-me uma meada de lã e eu teço um agasalho.
Dê-me uma palavra e eu formulo uma frase.
Dê-me uma frase e eu escrevo um texto.
Dê-me um texto e eu componho um livro”.
Definições, conceitos, significações, frases, textos, livros, são atributos de que nos valemos, quando nos predispomos a fazer uma pesquisa mais acurada de algo que queremos conhecer melhor.
Definimos, conceituamos, buscamos significados, formulamos frases, elaboramos textos, compomos livros, tudo para perpetuar nossa idéia e percebemos que:
"Os livros que em nossa vida entraram, são como a radiação de um corpo negro, apontando pra expansão do Universo, porque a frase, o conceito, o enredo, o verso (e, sem dúvida, sobretudo o verso) é o que pode lançar mundos no mundo".
O livro que entra em nossa vida, portanto, já não é mais o mesmo: já deixou de ser estático num canto da estante; agora, ele, descortinou novos horizontes para nós; já nos enriqueceu um pouco mais; já nos tirou da ignorância verbal e oral; já nos transformou; já nos cativou; já se tornou responsável por aquele que cativou.
Ah! Bendito os que semeiam livros ... livros a mão cheia ... e faz o povo pensar ... em verso cantava Castro Alves e, se bendito são os que semeiam livros, abençoados são os que lêem, os que pensam, os que informam, os que se informam, os que transformam, os que se transformam.
Percebemos, contudo, que antes mesmo de lermos a palavra, já lemos a imagem; Paulo Freire diz que “a leitura do mundo precede a leitura da palavra”, porque na realidade estamos lendo o que nos permeia, tudo o que está a nossa volta é uma leitura que se faz, de acordo com quem olha.
“Mas uma vez que nos tornamos leitores da palavra, invariavelmente estaremos lendo o mundo sob a influência dela, quer tenhamos consciência disso ou não. Nesse momento, a leitura, até então oral e ágrafa, amplia-se, oferece-nos outras perspectivas para ler o mundo. Dá-nos condição de encontro com novas maneiras de interpretar a sociedade, seus conflitos e a própria natureza humana. A partir de então, mundo e palavra permearão constantemente nossa leitura e inevitáveis serão as correlações, de modo intertextual, simbiótico, entre realidade e ficção”.
Mas afinal, por que lemos?
Lemos porque a necessidade de desvendar caracteres, letreiros, números, faz com que paremos a olhar, a questionar, a buscar decifrar o desconhecido. Antes mesmo de ler a palavra, já lemos o universo que nos permeia: um cartaz, uma imagem, um som, um olhar, um gesto:
"Lemos, intensamente por várias razões, a maioria das quais conhecidas: porque na vida real, não temos condições de "conhecer" tantas pessoas, com tanta intimidade; porque precisamos nos conhecer melhor; porque necessitamos de conhecimento, não apenas de terceiros e de nós mesmos, mas das coisas da vida", argumenta Harold Bloom. Embora considere "a busca de um prazer sofrido" como o principal motivo quando se lê. São muitas as razões para a leitura. Cada leitor tem a sua maneira de perceber e de atribuir significado ao que lê”.
Para que lemos?
Lemos para nos comunicar; para resolver uma questão proposta por nós ou por alguém; para nos aperfeiçoar; para nos informar; para adquirir mais conhecimento; para saciar nossa sede do saber; para recreação, quem sabe: cada um sabe para que lê. Leonardo Boff nos diz que cada um lê com os olhos que tem. E “a melhor maneira de se ensinar uma criança a ler é lendo” nos fala a escrita Ana Maria Machado.
O que lemos?
Uns lêem cartas geográficas, outros cartas de informação – como a carta do descobrimento do Brasil. “Caminha não podia imaginar que sua carta se tornaria, principalmente no século XX, uma das fontes de inspiração para romancistas e poetas brasileiros”; outros tantos cartas de amigos.
“As cartas fascinam tanto porque são parte da expressão humana. Porque nelas estão as fraquezas, os bons augúrios e, quase sempre, espelhos da alma de quem as escreve. Quando as lemos, é como se fôssemos ouvindo o remetente em nosso ouvido a conversar conosco. É como se Mário falasse conosco. Ler as cartas que Mário escrevia a seus amigos é encontrar um pouco com a alma do nosso povo, de nós mesmos. Sua prosódia oscila entre o popular e o erudito, embala o leitor em sua linguagem, deixa-o confortavelmente deleitar-se com sua escrita”. Numa delas, esta a Carlos Drummond de Andrade, dizia “só nos domingos que posso escrever. Tenho atualmente a vida mais deliciosamente burguesa que a gente pode imaginar. Sou homem de domingos. Só no domingo que me divirto, visito os amigos, escrevo pros de longe visto roupa nova e descanso ... São onze horas do dia. Tenho meia-horinha pra você ...” .
Se lemos gibis, poesias, jornais, textos científicos, textos literários, textos... livros... enfim, não importa o que lemos, se lemos por algum motivo ou razão. “Primeiro devemos deixar ler, para depois orientar, porque ler é um direito do cidadão e da criança”, exorta nossa imortal da literatura infantil Ana Maria Machado.
Porque lemos realmente dará sentido a todos os outros questionamentos, pelo fato de que: “Ler é olhar o mundo para enxergar mais além do que o nosso interior. É entender o processo coletivo. É observar a tribo para analisar a globalização. É ler imagens para ultrapassar a aventura. É aventurar-se pelos escaninhos mais recônditos do subconsciente para entender a lucidez dos discursos que untados em votos (eletrônicos para serem modernos) prometem zerar qualquer coisa”.
Nessa frase, parei por uns minutos mais prolongados em “ler imagens” e, um fato curioso, me fez retornar ao passado, quando então se pensou que esta – a imagem – substituiria a palavra, a partir de um slogan, veiculado através da televisão, onde se dizia que uma imagem valia mais do que mil palavras.
Ledo engano aquele; a palavra continuaria cada vez mais forte, sendo produzida em larga escala incessantemente porque, segundo nos premia Millôr Fernandes “a imagem só pode se transformar em instrumento de comunicação quando podemos dela falar - usando palavras”.
E as palavras continuaram permeando o universo, conquistando espaços, ganhando mais e mais adeptos – seus leitores. Quem não se sente solto e livre a vagar pelo ar, a viajar sem sair do próprio lugar ao se deleitar com uma fantástica leitura – palavras, frases, textos ... – quem não se enriquece interiormente; quem não cresce em conhecimento e cultura; quem não se inquieta, não questiona, não se torna investigativo a querer galgar novas plagas, quebrar barreiras, ultrapassar fronteiras; quem não voa com asas de águia percorrendo parágrafos, grifando palavras, bailando, girando como folhas ao vento; quem não se torna livre ao ter um livro nas mãos. Quem não quer se aventurar por “mares nunca d’antes navegados”
“São muitas as razões para a leitura. Cada leitor tem a sua maneira de perceber e de atribuir significado ao que lê. Essa particularização da leitura é que estimula, por meio de um processo artístico, emoções e vivências diferentes no leitor permitindo-lhe o conhecimento de si mesmo; o reconhecimento do outro, a descoberta do mundo”.
Sim ... em meio a tanto questionamento “livros nos tornam livres” , na medida em que:
“Ler é alimentar-se espiritualmente, é adquirir aquela inquietação interior — bem como uma série de convicções — a indescritível riqueza íntima de quem está atento à vida, de quem carrega consigo a vontade de conhecer e amar infinitamente".
E quem não se torna criança ao adentrar no mundo encantado do faz de conta, do era uma vez no País das Maravilhas da Alice; quem não se sente o próprio David ao derrotar o gigante Golias, personagens estes que ultrapassam o tempo, tornam-se presentes, jamais esquecidos, sempre lembrados, sempre lidos, sempre recontados – o tempo não os consumiu.
Ler é multiplicar a própria idade, é ganhar tempo, é expandir-se para todos os tempos, e, quem muito lê vai reunindo em si mais lembranças e conhecimentos do que se tivesse mil anos de idade. Vai se universalizando no tempo, e também no espaço.
Numa fração de segundos, podemos retornar a infância, acordar de um profundo sono, como Bela Adormecida, ao beijo suave do príncipe encantado e se tornam felizes para sempre; aí se faz presente a arte, que toca o âmago do ser sensível – a arte da palavra, então:
“se olho demoradamente para uma palavra descubro, dentro dela, outras tantas palavras. Assim, cada palavra contém muitas leituras e sentidos. O meu texto surge, algumas vezes a partir de uma palavra que, ao me encantar, também me dirige. E vou descobrindo, desdobrando, criando relações entre as novas palavras que dela vão surgindo. Por isso digo sempre: é a palavra que me escreve”.
Se cada leitor percebe em cada palavra tantas outras, em cada leitura pode sentir a magia do encantamento que a arte proporciona, depreendemos que:
“Ler é uma arte, e, como toda a arte, requer do seu artista uma sábia flexibilidade, a capacidade de utilizar os meios de acordo com a finalidade primordial a ser alcançada”.
Essa arte que quebra barreira, extrapola horizontes infindáveis, essa arte que nos tira do anonimato, que nos dá poder de investigação, de interagir na sociedade, de conquistar o inimaginável, sim
Ler é uma arte que pode ser de muitos, que pode nos devolver a nós mesmos. Ler é poder, é conhecer-nos e aos outros.
Suzana, cita palavras de Richard Bargenguer, extraídas do seu livro “Como incentivar o hábito da leitura” quando nos diz que:
“Ler é a tarefa do futuro, quando as pessoas necessitarão de uma espécie de auto-educação permanente ou seja: deverão promover a pesquisa, a reflexão, o crescimento intelectual por conta própria. Deverão desenvolver de modo autônomo sua competência, enfim”.
Eu, contudo, não consigo ver um cidadão completo, que não saiba ler e interpretar as situações que o rodeiam, porque "quem mal lê, mal ouve, mal fala, mal vê", já nos alertava Monteiro Lobato.
Sob meu ponto de vista, uma vez que “cada ponto de vista é a vista de um ponto” , leitura não significa simplesmente o que os textos nos apresentam, mas qualquer percepção depreendida em nosso cotidiano: das conversas entre amigos, da fala do professor a nossa frente, da interpretação de um filme – o que os personagens nos transmitem através da tela – dos homens de Deus nos púlpitos ao ministrar a Palavra aos fiéis; leitura também é decifrar imagens.
Alberto Mangel, escritor argentino, entende a leitura como forma de decifrar sinais, interpretar códigos e se expressa:
“Eu vejo a leitura não apenas como um modo de entender textos, mas também de decifrar sinais. O ser humano é um decifrador de sinais. Nós interpretamos até mesmo códigos que não são feitos para serem lidos, como o relevo, o céu, o rosto das pessoas".
A riqueza que nos proporciona o ato de ler e interpretar palavras, encontro nas Cartas que o apóstolo Paulo enviava às igrejas e cidadãos da sua época – esta aos Coríntios – uma passagem que, em especial, chamou-me atenção. Escrita há dois mil anos atrás, exortava o povo a se expressar de forma clara, dizendo que:
“... se com a língua não falardes palavras bem distintas, como se entenderá o que se diz? Estareis como que falando para o ar” e acrescenta dizendo que “há infinidade de sons e contudo nenhum sem sentido, e que se não soubermos interpretar esses sons, seremos como bárbaros para o que fala assim como bárbaro para o que ouve”.
E chegando a atualidade, Gabriel Perissé, citando Bernardo Gusbanov, diz:
“Ler e compreender o que se lê é uma capacidade que deve ser desenvolvida. Quem não lê e não compreende o que lê está excluído socialmente. Torna-se uma pessoa com pobreza no uso do vocabulário e dificuldades de expressão, que se refletem tanto na vida social quanto profissional".
Portanto, após tantas falas, depreende-se que
“Há mais valor na sabedoria do que na tolice, quanto mais valor na luz do que nas trevas...
A era da informação, exige que avancemos incessantemente; o mundo globalizado pede pessoas cada vez mais preparadas para o mercado competitivo, e onde buscar essa preparação, a não ser através de leituras diversas. Não se concebe mais o cidadão com escolaridade básica, há que ter mais, tanto a que se conquista nos bancos acadêmicos, quanto e, principalmente, aquela que se busca através da “auto-educação”, como nos alerta Bargenguer.
“Na era da informação, não é simples ficar sintonizado e atualizado: o mundo dobra o conhecimento a cada dezoito meses e é preciso, portanto, correr atrás de atualização o tempo todo: comportamental, emocional, de mercado, de vida...”
Não se permite mais esperar. “Esperar não é saber”, porque “quem sabe faz a hora e não espera acontecer”, já nos dizia o músico e compositor Geraldo Vandré na década de 60 – Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores – quando, em plena ditadura militar, falando de flores, alertava o povo sobre a opressão que os soldados armados impunham, mas que caminhando e cantando, seguindo a canção interior poderíamos sim ensinar uma nova lição; mudar o curso da vida; contar a própria história: poderíamos ser, enfim, a própria história, porque:
“vem uma geração, e vai outra geração, mas a terra permanece eternamente... e os olhos nunca vêem o bastante, nem os ouvidos se enchem de ouvir”.
Porém, quando pensamos que geração vem e passa e que não temos tempo para ver, ouvir tudo o que gostaríamos, buscamos nas leituras várias, abstrair uma realidade distante e, ao lermos um livro, pensamos e criamos nossa própria realidade, porque cada leitor se torna um co-autor, uma vez que:
“cada um lê e relê com os olhos que tem. Porque compreende e interpreta a partir do mundo que habita... Cada um lerá e relerá conforme forem seus olhos. Compreenderá e interpretará conforme for o chão que seus pés pisam... E para entender como alguém lê, é necessário saber como são seus olhos e qual é sua visão de mundo. Isso faz da leitura sempre uma releitura”.
Contudo, para muitos, a leitura é um passatempo, para outros tantos um aprendizado incessante; para alguns, apenas um fardo para cumprir uma tarefa, muitas vezes imposta, muito embora transformar a leitura num dever, numa obrigação curricular, pode ser um equívoco, porém, se pararmos para pensar que "a leitura é muito mais do que uma simples relação dos olhos com os livros... iremos perceber que, a leitura é um espaço, um lugar predileto, uma luz escolhida, um ritual em que importa até a época do ano."
Há, também, quem diga que “leitura é essencial. Não mata a fome, sequer a de espírito como se insinua pois espírito não tem fome, mas mata a falta de lucidez, cria consciência” e outro que "a leitura torna o homem completo; a conversação torna-o ágil e o escrever dá-lhe precisão" .
O que podemos entender então! Entendemos sim, que somente através da leitura podemos desvendar o desvendável – o conhecimento; conhecimento esse que nos dá mais segurança para dialogar e até para expressar idéias, opiniões, interagir na sociedade, e com tudo isso, maior mobilidade para nos expressar através da escrita.
Torna-se imprescindível que se forme o hábito, da leitura, porque este, hoje, tornou-se artigo de primeira necessidade.
Através da palavra tudo se forma – “Haja luz ... e houve luz ..."
Nas palavras há, portanto, força e, alerta-nos o pensador Confúcio “sem conhecer a força das palavras é impossível conhecer os homens”, porque "quem não vê bem uma palavra não pode ver bem uma alma", como complementa o poeta português Fernando Pessoa.
“No princípio Deus criou o céu e a terra ... e a terra estava sem forma e vazia... e Deus disse: haja luz; e houve luz”
Para que haja uma criação é necessária uma vontade: a vontade de criar algo, assim
“A palavra não cria as coisas do nada. Mas retira, sim, as coisas da sombra, do esquecimento, do exílio, ou do passado, ou do futuro. As palavras são embaixatrizes da realidade. Elas trazem para o nosso meio todo o universo. Trazem reinos, aves exóticas, estrelas do céu, flores de aromas impensáveis, anjos, demônios. Falamos a palavra, e o universo responde ao chamado, e os mortos ressuscitam, e nós mesmos nos iluminamos”.
O que é então o ato de ler senão tomar posse do texto, do livro. Livro que nos fala por meio das palavras. Palavras que vão tomando forma e cor, aos olhos atentos do leitor. Palavras que podem descobrir as vozes dos enredos, as cenas que desfilam através das entrelinhas do texto.
Jean Paul Sartre, extasiado com a interpretação que sua mãe fazia, ao contar-lhe histórias para embalar-lhe o sono, premia-nos com o texto As palavras, onde nos transporta, também, para aquele rosto que transformava-se a cada fala; para aquela voz que ele desconhecia e por fim, para aquela resposta aos porquês daquela performance:
“daquele rosto de estátua saiu uma voz de gesso. Perdi a cabeça: quem estava contando? O quê? E a quem? Minha mãe ausentara-se: nenhum sorriso, nenhum sinal de conivência, eu estava no exílio. Além disso, eu não reconhecia sua linguagem. Onde é que arranjava aquela segurança? Ao cabo de um instante, compreendi: era o livro que falava".
Uma “leitura bem feita é uma inteligente e apaixonada conversa com o autor” e, quando “consciente, empenhada, reflexiva, desperta a vida do livro, aciona toda aquela fecundidade que o autor nos legou ao concluir o seu trabalho e que permanece ali, nas páginas impressas... “
Sim, o livro nos fala, quando percebemos que a “leitura é um diálogo profundo e uma intensa experiência de vida, na medida em que põe o leitor no interior de “realidades”, de “ambientes”, de “idéias” e de “pessoas” — criados ou recriados pelo cronista ou pelo memorialista, enfim, pelo autor que esteja sendo lido”.
E, quando do término de uma leitura, jamais devemos questionar o que o autor nos quis dizer, e sim o que sentimos, uma vez que “em educação, a emoção precede a cognição, e a cognição ajuda a despertar mais emoção”.
Em assim pensando, após tantos momentos, tantas reflexões, não nos permitimos mais “viver sem razão” ;
“precisamos nos tornar uma nação leitora, porque o cidadão comum de uma nação moderna, é alguém que chega à vida adulta, capacitado para ler e entender manuais, embalagens de produtos, instruções de uso e advertências, relatórios, poesias, formulários, atlas, contos, gráficos, tabelas, artigos de jornal e revista e todas as demais formas da escrita cotidiana impressa ou eletrônica” e, “Ler com atenção, a rigor, significa compreender. E compreender significa também interpretar, discernir, captar em profundidade, discordar, ampliar...”
Porque
“Entender um texto é compreender claramente as idéias expressas pelo autor para, então, interpretar e extrapolar essas idéias. Nesse momento o leitor deve ajustar as informações contidas no contexto em análise às que ele possui em seu arquivo de conhecimento”.
Quando se pensa então em “arquivo de conhecimento”, pressupõe-se que muitas informações foram buscadas; muitas leituras foram feitas, muitos foram os conhecimentos adquiridos e armazenados nos escaninhos do cérebro.
A medida que adentramos o universo da leitura, descortinando autores, e temas os mais variados, percebemos que vamos nos familiarizando cada vez mais com a palavra, que, com intimidade passeia, rodopia, baila suavemente em nossa mente ávida pelo conhecimento, porque “o prazer da leitura de um texto não pode ser avaliado. É coisa subjetiva; quem ama ler tem nas mãos as chaves do mundo”.
“... para ser ‘leitor útil’ há que existir a vontade, o desejo de ler, em primeiro lugar, mas também são necessários livros para serem lidos, uma quantidade e variedade suficientes para que cada um eleja o seu gênero predileto, os seus temas, os seus enredos, os seus “clássicos”, aqueles livros que nunca acabam de dizer o que têm para dizer, como definiu Ítalo Calvino. Livros que “viciem” o leitor, pois a leitura inquieta, desloca, preenche, responde, diverte, cria novas perguntas, possibilita usos pessoais da criação de um escritor”.
De todos os prazeres – a música, a dança, o cinema, passeios diversos – o mais inebriante para mim é a leitura; percebi, desde muito cedo, que esta realmente pode influenciar grandes mudanças, grandes transformações – a leitura dá poder, que vai além do simples prazer de ler por ler: “leitura pressupõe busca de informação”
Pensar nesse universo – da leitura – é jamais cair no marasmo, na mesmice; é jamais se entediar, uma vez que para cada leitura, podemos fazer novas releituras, aprendendo, ensinando, enriquecendo-nos, porque “os livros têm seu próprio destino... o destino dos livros está ligado ao destino dos leitores”, assim eu os convido a fazerem-se co-criadores “do mundo criado e por criar”, conforme nos convida Leonardo Boff.
Podemos perceber, então, que o ato de ler, está atrelado a maneira com que cada leitor o faz, uma vez que a cada leitor o seu livro, a cada livro seu leitor, como nos orientava o grande bibliotecário Ranganathan, nas suas Leis da Biblioteconomia, que o bibliotecário tão bem conhece.
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Inajá Martins de Almeida
bibliotecária e coordenadora de projetos na Fundação Educandário Coronel Quito Junqueira e presidenta da ONG Educare Est Vita
Fonte:
http://www.amigosdolivro.com.br/
Dê-me uma palavra e eu formulo uma frase.
Dê-me uma frase e eu escrevo um texto.
Dê-me um texto e eu componho um livro”.
Definições, conceitos, significações, frases, textos, livros, são atributos de que nos valemos, quando nos predispomos a fazer uma pesquisa mais acurada de algo que queremos conhecer melhor.
Definimos, conceituamos, buscamos significados, formulamos frases, elaboramos textos, compomos livros, tudo para perpetuar nossa idéia e percebemos que:
"Os livros que em nossa vida entraram, são como a radiação de um corpo negro, apontando pra expansão do Universo, porque a frase, o conceito, o enredo, o verso (e, sem dúvida, sobretudo o verso) é o que pode lançar mundos no mundo".
O livro que entra em nossa vida, portanto, já não é mais o mesmo: já deixou de ser estático num canto da estante; agora, ele, descortinou novos horizontes para nós; já nos enriqueceu um pouco mais; já nos tirou da ignorância verbal e oral; já nos transformou; já nos cativou; já se tornou responsável por aquele que cativou.
Ah! Bendito os que semeiam livros ... livros a mão cheia ... e faz o povo pensar ... em verso cantava Castro Alves e, se bendito são os que semeiam livros, abençoados são os que lêem, os que pensam, os que informam, os que se informam, os que transformam, os que se transformam.
Percebemos, contudo, que antes mesmo de lermos a palavra, já lemos a imagem; Paulo Freire diz que “a leitura do mundo precede a leitura da palavra”, porque na realidade estamos lendo o que nos permeia, tudo o que está a nossa volta é uma leitura que se faz, de acordo com quem olha.
“Mas uma vez que nos tornamos leitores da palavra, invariavelmente estaremos lendo o mundo sob a influência dela, quer tenhamos consciência disso ou não. Nesse momento, a leitura, até então oral e ágrafa, amplia-se, oferece-nos outras perspectivas para ler o mundo. Dá-nos condição de encontro com novas maneiras de interpretar a sociedade, seus conflitos e a própria natureza humana. A partir de então, mundo e palavra permearão constantemente nossa leitura e inevitáveis serão as correlações, de modo intertextual, simbiótico, entre realidade e ficção”.
Mas afinal, por que lemos?
Lemos porque a necessidade de desvendar caracteres, letreiros, números, faz com que paremos a olhar, a questionar, a buscar decifrar o desconhecido. Antes mesmo de ler a palavra, já lemos o universo que nos permeia: um cartaz, uma imagem, um som, um olhar, um gesto:
"Lemos, intensamente por várias razões, a maioria das quais conhecidas: porque na vida real, não temos condições de "conhecer" tantas pessoas, com tanta intimidade; porque precisamos nos conhecer melhor; porque necessitamos de conhecimento, não apenas de terceiros e de nós mesmos, mas das coisas da vida", argumenta Harold Bloom. Embora considere "a busca de um prazer sofrido" como o principal motivo quando se lê. São muitas as razões para a leitura. Cada leitor tem a sua maneira de perceber e de atribuir significado ao que lê”.
Para que lemos?
Lemos para nos comunicar; para resolver uma questão proposta por nós ou por alguém; para nos aperfeiçoar; para nos informar; para adquirir mais conhecimento; para saciar nossa sede do saber; para recreação, quem sabe: cada um sabe para que lê. Leonardo Boff nos diz que cada um lê com os olhos que tem. E “a melhor maneira de se ensinar uma criança a ler é lendo” nos fala a escrita Ana Maria Machado.
O que lemos?
Uns lêem cartas geográficas, outros cartas de informação – como a carta do descobrimento do Brasil. “Caminha não podia imaginar que sua carta se tornaria, principalmente no século XX, uma das fontes de inspiração para romancistas e poetas brasileiros”; outros tantos cartas de amigos.
“As cartas fascinam tanto porque são parte da expressão humana. Porque nelas estão as fraquezas, os bons augúrios e, quase sempre, espelhos da alma de quem as escreve. Quando as lemos, é como se fôssemos ouvindo o remetente em nosso ouvido a conversar conosco. É como se Mário falasse conosco. Ler as cartas que Mário escrevia a seus amigos é encontrar um pouco com a alma do nosso povo, de nós mesmos. Sua prosódia oscila entre o popular e o erudito, embala o leitor em sua linguagem, deixa-o confortavelmente deleitar-se com sua escrita”. Numa delas, esta a Carlos Drummond de Andrade, dizia “só nos domingos que posso escrever. Tenho atualmente a vida mais deliciosamente burguesa que a gente pode imaginar. Sou homem de domingos. Só no domingo que me divirto, visito os amigos, escrevo pros de longe visto roupa nova e descanso ... São onze horas do dia. Tenho meia-horinha pra você ...” .
Se lemos gibis, poesias, jornais, textos científicos, textos literários, textos... livros... enfim, não importa o que lemos, se lemos por algum motivo ou razão. “Primeiro devemos deixar ler, para depois orientar, porque ler é um direito do cidadão e da criança”, exorta nossa imortal da literatura infantil Ana Maria Machado.
Porque lemos realmente dará sentido a todos os outros questionamentos, pelo fato de que: “Ler é olhar o mundo para enxergar mais além do que o nosso interior. É entender o processo coletivo. É observar a tribo para analisar a globalização. É ler imagens para ultrapassar a aventura. É aventurar-se pelos escaninhos mais recônditos do subconsciente para entender a lucidez dos discursos que untados em votos (eletrônicos para serem modernos) prometem zerar qualquer coisa”.
Nessa frase, parei por uns minutos mais prolongados em “ler imagens” e, um fato curioso, me fez retornar ao passado, quando então se pensou que esta – a imagem – substituiria a palavra, a partir de um slogan, veiculado através da televisão, onde se dizia que uma imagem valia mais do que mil palavras.
Ledo engano aquele; a palavra continuaria cada vez mais forte, sendo produzida em larga escala incessantemente porque, segundo nos premia Millôr Fernandes “a imagem só pode se transformar em instrumento de comunicação quando podemos dela falar - usando palavras”.
E as palavras continuaram permeando o universo, conquistando espaços, ganhando mais e mais adeptos – seus leitores. Quem não se sente solto e livre a vagar pelo ar, a viajar sem sair do próprio lugar ao se deleitar com uma fantástica leitura – palavras, frases, textos ... – quem não se enriquece interiormente; quem não cresce em conhecimento e cultura; quem não se inquieta, não questiona, não se torna investigativo a querer galgar novas plagas, quebrar barreiras, ultrapassar fronteiras; quem não voa com asas de águia percorrendo parágrafos, grifando palavras, bailando, girando como folhas ao vento; quem não se torna livre ao ter um livro nas mãos. Quem não quer se aventurar por “mares nunca d’antes navegados”
“São muitas as razões para a leitura. Cada leitor tem a sua maneira de perceber e de atribuir significado ao que lê. Essa particularização da leitura é que estimula, por meio de um processo artístico, emoções e vivências diferentes no leitor permitindo-lhe o conhecimento de si mesmo; o reconhecimento do outro, a descoberta do mundo”.
Sim ... em meio a tanto questionamento “livros nos tornam livres” , na medida em que:
“Ler é alimentar-se espiritualmente, é adquirir aquela inquietação interior — bem como uma série de convicções — a indescritível riqueza íntima de quem está atento à vida, de quem carrega consigo a vontade de conhecer e amar infinitamente".
E quem não se torna criança ao adentrar no mundo encantado do faz de conta, do era uma vez no País das Maravilhas da Alice; quem não se sente o próprio David ao derrotar o gigante Golias, personagens estes que ultrapassam o tempo, tornam-se presentes, jamais esquecidos, sempre lembrados, sempre lidos, sempre recontados – o tempo não os consumiu.
Ler é multiplicar a própria idade, é ganhar tempo, é expandir-se para todos os tempos, e, quem muito lê vai reunindo em si mais lembranças e conhecimentos do que se tivesse mil anos de idade. Vai se universalizando no tempo, e também no espaço.
Numa fração de segundos, podemos retornar a infância, acordar de um profundo sono, como Bela Adormecida, ao beijo suave do príncipe encantado e se tornam felizes para sempre; aí se faz presente a arte, que toca o âmago do ser sensível – a arte da palavra, então:
“se olho demoradamente para uma palavra descubro, dentro dela, outras tantas palavras. Assim, cada palavra contém muitas leituras e sentidos. O meu texto surge, algumas vezes a partir de uma palavra que, ao me encantar, também me dirige. E vou descobrindo, desdobrando, criando relações entre as novas palavras que dela vão surgindo. Por isso digo sempre: é a palavra que me escreve”.
Se cada leitor percebe em cada palavra tantas outras, em cada leitura pode sentir a magia do encantamento que a arte proporciona, depreendemos que:
“Ler é uma arte, e, como toda a arte, requer do seu artista uma sábia flexibilidade, a capacidade de utilizar os meios de acordo com a finalidade primordial a ser alcançada”.
Essa arte que quebra barreira, extrapola horizontes infindáveis, essa arte que nos tira do anonimato, que nos dá poder de investigação, de interagir na sociedade, de conquistar o inimaginável, sim
Ler é uma arte que pode ser de muitos, que pode nos devolver a nós mesmos. Ler é poder, é conhecer-nos e aos outros.
Suzana, cita palavras de Richard Bargenguer, extraídas do seu livro “Como incentivar o hábito da leitura” quando nos diz que:
“Ler é a tarefa do futuro, quando as pessoas necessitarão de uma espécie de auto-educação permanente ou seja: deverão promover a pesquisa, a reflexão, o crescimento intelectual por conta própria. Deverão desenvolver de modo autônomo sua competência, enfim”.
Eu, contudo, não consigo ver um cidadão completo, que não saiba ler e interpretar as situações que o rodeiam, porque "quem mal lê, mal ouve, mal fala, mal vê", já nos alertava Monteiro Lobato.
Sob meu ponto de vista, uma vez que “cada ponto de vista é a vista de um ponto” , leitura não significa simplesmente o que os textos nos apresentam, mas qualquer percepção depreendida em nosso cotidiano: das conversas entre amigos, da fala do professor a nossa frente, da interpretação de um filme – o que os personagens nos transmitem através da tela – dos homens de Deus nos púlpitos ao ministrar a Palavra aos fiéis; leitura também é decifrar imagens.
Alberto Mangel, escritor argentino, entende a leitura como forma de decifrar sinais, interpretar códigos e se expressa:
“Eu vejo a leitura não apenas como um modo de entender textos, mas também de decifrar sinais. O ser humano é um decifrador de sinais. Nós interpretamos até mesmo códigos que não são feitos para serem lidos, como o relevo, o céu, o rosto das pessoas".
A riqueza que nos proporciona o ato de ler e interpretar palavras, encontro nas Cartas que o apóstolo Paulo enviava às igrejas e cidadãos da sua época – esta aos Coríntios – uma passagem que, em especial, chamou-me atenção. Escrita há dois mil anos atrás, exortava o povo a se expressar de forma clara, dizendo que:
“... se com a língua não falardes palavras bem distintas, como se entenderá o que se diz? Estareis como que falando para o ar” e acrescenta dizendo que “há infinidade de sons e contudo nenhum sem sentido, e que se não soubermos interpretar esses sons, seremos como bárbaros para o que fala assim como bárbaro para o que ouve”.
E chegando a atualidade, Gabriel Perissé, citando Bernardo Gusbanov, diz:
“Ler e compreender o que se lê é uma capacidade que deve ser desenvolvida. Quem não lê e não compreende o que lê está excluído socialmente. Torna-se uma pessoa com pobreza no uso do vocabulário e dificuldades de expressão, que se refletem tanto na vida social quanto profissional".
Portanto, após tantas falas, depreende-se que
“Há mais valor na sabedoria do que na tolice, quanto mais valor na luz do que nas trevas...
A era da informação, exige que avancemos incessantemente; o mundo globalizado pede pessoas cada vez mais preparadas para o mercado competitivo, e onde buscar essa preparação, a não ser através de leituras diversas. Não se concebe mais o cidadão com escolaridade básica, há que ter mais, tanto a que se conquista nos bancos acadêmicos, quanto e, principalmente, aquela que se busca através da “auto-educação”, como nos alerta Bargenguer.
“Na era da informação, não é simples ficar sintonizado e atualizado: o mundo dobra o conhecimento a cada dezoito meses e é preciso, portanto, correr atrás de atualização o tempo todo: comportamental, emocional, de mercado, de vida...”
Não se permite mais esperar. “Esperar não é saber”, porque “quem sabe faz a hora e não espera acontecer”, já nos dizia o músico e compositor Geraldo Vandré na década de 60 – Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores – quando, em plena ditadura militar, falando de flores, alertava o povo sobre a opressão que os soldados armados impunham, mas que caminhando e cantando, seguindo a canção interior poderíamos sim ensinar uma nova lição; mudar o curso da vida; contar a própria história: poderíamos ser, enfim, a própria história, porque:
“vem uma geração, e vai outra geração, mas a terra permanece eternamente... e os olhos nunca vêem o bastante, nem os ouvidos se enchem de ouvir”.
Porém, quando pensamos que geração vem e passa e que não temos tempo para ver, ouvir tudo o que gostaríamos, buscamos nas leituras várias, abstrair uma realidade distante e, ao lermos um livro, pensamos e criamos nossa própria realidade, porque cada leitor se torna um co-autor, uma vez que:
“cada um lê e relê com os olhos que tem. Porque compreende e interpreta a partir do mundo que habita... Cada um lerá e relerá conforme forem seus olhos. Compreenderá e interpretará conforme for o chão que seus pés pisam... E para entender como alguém lê, é necessário saber como são seus olhos e qual é sua visão de mundo. Isso faz da leitura sempre uma releitura”.
Contudo, para muitos, a leitura é um passatempo, para outros tantos um aprendizado incessante; para alguns, apenas um fardo para cumprir uma tarefa, muitas vezes imposta, muito embora transformar a leitura num dever, numa obrigação curricular, pode ser um equívoco, porém, se pararmos para pensar que "a leitura é muito mais do que uma simples relação dos olhos com os livros... iremos perceber que, a leitura é um espaço, um lugar predileto, uma luz escolhida, um ritual em que importa até a época do ano."
Há, também, quem diga que “leitura é essencial. Não mata a fome, sequer a de espírito como se insinua pois espírito não tem fome, mas mata a falta de lucidez, cria consciência” e outro que "a leitura torna o homem completo; a conversação torna-o ágil e o escrever dá-lhe precisão" .
O que podemos entender então! Entendemos sim, que somente através da leitura podemos desvendar o desvendável – o conhecimento; conhecimento esse que nos dá mais segurança para dialogar e até para expressar idéias, opiniões, interagir na sociedade, e com tudo isso, maior mobilidade para nos expressar através da escrita.
Torna-se imprescindível que se forme o hábito, da leitura, porque este, hoje, tornou-se artigo de primeira necessidade.
Através da palavra tudo se forma – “Haja luz ... e houve luz ..."
Nas palavras há, portanto, força e, alerta-nos o pensador Confúcio “sem conhecer a força das palavras é impossível conhecer os homens”, porque "quem não vê bem uma palavra não pode ver bem uma alma", como complementa o poeta português Fernando Pessoa.
“No princípio Deus criou o céu e a terra ... e a terra estava sem forma e vazia... e Deus disse: haja luz; e houve luz”
Para que haja uma criação é necessária uma vontade: a vontade de criar algo, assim
“A palavra não cria as coisas do nada. Mas retira, sim, as coisas da sombra, do esquecimento, do exílio, ou do passado, ou do futuro. As palavras são embaixatrizes da realidade. Elas trazem para o nosso meio todo o universo. Trazem reinos, aves exóticas, estrelas do céu, flores de aromas impensáveis, anjos, demônios. Falamos a palavra, e o universo responde ao chamado, e os mortos ressuscitam, e nós mesmos nos iluminamos”.
O que é então o ato de ler senão tomar posse do texto, do livro. Livro que nos fala por meio das palavras. Palavras que vão tomando forma e cor, aos olhos atentos do leitor. Palavras que podem descobrir as vozes dos enredos, as cenas que desfilam através das entrelinhas do texto.
Jean Paul Sartre, extasiado com a interpretação que sua mãe fazia, ao contar-lhe histórias para embalar-lhe o sono, premia-nos com o texto As palavras, onde nos transporta, também, para aquele rosto que transformava-se a cada fala; para aquela voz que ele desconhecia e por fim, para aquela resposta aos porquês daquela performance:
“daquele rosto de estátua saiu uma voz de gesso. Perdi a cabeça: quem estava contando? O quê? E a quem? Minha mãe ausentara-se: nenhum sorriso, nenhum sinal de conivência, eu estava no exílio. Além disso, eu não reconhecia sua linguagem. Onde é que arranjava aquela segurança? Ao cabo de um instante, compreendi: era o livro que falava".
Uma “leitura bem feita é uma inteligente e apaixonada conversa com o autor” e, quando “consciente, empenhada, reflexiva, desperta a vida do livro, aciona toda aquela fecundidade que o autor nos legou ao concluir o seu trabalho e que permanece ali, nas páginas impressas... “
Sim, o livro nos fala, quando percebemos que a “leitura é um diálogo profundo e uma intensa experiência de vida, na medida em que põe o leitor no interior de “realidades”, de “ambientes”, de “idéias” e de “pessoas” — criados ou recriados pelo cronista ou pelo memorialista, enfim, pelo autor que esteja sendo lido”.
E, quando do término de uma leitura, jamais devemos questionar o que o autor nos quis dizer, e sim o que sentimos, uma vez que “em educação, a emoção precede a cognição, e a cognição ajuda a despertar mais emoção”.
Em assim pensando, após tantos momentos, tantas reflexões, não nos permitimos mais “viver sem razão” ;
“precisamos nos tornar uma nação leitora, porque o cidadão comum de uma nação moderna, é alguém que chega à vida adulta, capacitado para ler e entender manuais, embalagens de produtos, instruções de uso e advertências, relatórios, poesias, formulários, atlas, contos, gráficos, tabelas, artigos de jornal e revista e todas as demais formas da escrita cotidiana impressa ou eletrônica” e, “Ler com atenção, a rigor, significa compreender. E compreender significa também interpretar, discernir, captar em profundidade, discordar, ampliar...”
Porque
“Entender um texto é compreender claramente as idéias expressas pelo autor para, então, interpretar e extrapolar essas idéias. Nesse momento o leitor deve ajustar as informações contidas no contexto em análise às que ele possui em seu arquivo de conhecimento”.
Quando se pensa então em “arquivo de conhecimento”, pressupõe-se que muitas informações foram buscadas; muitas leituras foram feitas, muitos foram os conhecimentos adquiridos e armazenados nos escaninhos do cérebro.
A medida que adentramos o universo da leitura, descortinando autores, e temas os mais variados, percebemos que vamos nos familiarizando cada vez mais com a palavra, que, com intimidade passeia, rodopia, baila suavemente em nossa mente ávida pelo conhecimento, porque “o prazer da leitura de um texto não pode ser avaliado. É coisa subjetiva; quem ama ler tem nas mãos as chaves do mundo”.
“... para ser ‘leitor útil’ há que existir a vontade, o desejo de ler, em primeiro lugar, mas também são necessários livros para serem lidos, uma quantidade e variedade suficientes para que cada um eleja o seu gênero predileto, os seus temas, os seus enredos, os seus “clássicos”, aqueles livros que nunca acabam de dizer o que têm para dizer, como definiu Ítalo Calvino. Livros que “viciem” o leitor, pois a leitura inquieta, desloca, preenche, responde, diverte, cria novas perguntas, possibilita usos pessoais da criação de um escritor”.
De todos os prazeres – a música, a dança, o cinema, passeios diversos – o mais inebriante para mim é a leitura; percebi, desde muito cedo, que esta realmente pode influenciar grandes mudanças, grandes transformações – a leitura dá poder, que vai além do simples prazer de ler por ler: “leitura pressupõe busca de informação”
Pensar nesse universo – da leitura – é jamais cair no marasmo, na mesmice; é jamais se entediar, uma vez que para cada leitura, podemos fazer novas releituras, aprendendo, ensinando, enriquecendo-nos, porque “os livros têm seu próprio destino... o destino dos livros está ligado ao destino dos leitores”, assim eu os convido a fazerem-se co-criadores “do mundo criado e por criar”, conforme nos convida Leonardo Boff.
Podemos perceber, então, que o ato de ler, está atrelado a maneira com que cada leitor o faz, uma vez que a cada leitor o seu livro, a cada livro seu leitor, como nos orientava o grande bibliotecário Ranganathan, nas suas Leis da Biblioteconomia, que o bibliotecário tão bem conhece.
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Inajá Martins de Almeida
bibliotecária e coordenadora de projetos na Fundação Educandário Coronel Quito Junqueira e presidenta da ONG Educare Est Vita
Fonte:
http://www.amigosdolivro.com.br/
Um comentário:
Caros amigos
Fiquei feliz e grata por ver meu texto postado em seu site. Este é o universo fantástico da palavra. Aproxima-nos quando então podemos nos valer da tecnologia. Realmente podemos até nos eternizar. Mais textos meus podem ser encontrados em diversos sites http://blog-inaja.blogspot.com/, http://retalhosdeleituras.blogspot.com/ e outros. Inclusive estou para editar um livro, o que pretendo fazê-lo nos próximos meses. Por ser bibliotecária, digo que já não mais consigo separar o livro de mim, quando passo a dizer que o livro sou eu. Inajá Martins de Almeida
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