sábado, 27 de janeiro de 2024

Mensagem na Garrafa = 90 =

Maria José de Queiroz
Belo Horizonte/MG, 1934 – 2023, Lagoa Santa/MG

Gratidão

Diariamente eu chego a simples conclusão de que a vida é tão maravilhosa porque também é feita de colos, de feridas que cicatrizam, de amigos que celebram ou choram junto, de café coado com coador de pano, de gente que pega ônibus ou faz caminhada pela manhã, de quem planta o que se pode comer, de vizinhos que alimentam seus gatos com comida de gente. 

Que a vida é feita de algumas pessoas que direcionam todo o seu potencial criativo para melhorar a qualidade de vida de gente que eles nem conhecem. 

Que é feita de e-mails que chegam recheados de saudade e de cartas extraviadas solitárias numa gaveta de um correio qualquer. 

De muros e pontes e cais. 

De aviões que suprimem distâncias e de barcos que chegam. 

De bicicletas que atravessam cidades. 

De redes que balançam gente. 

De rostos que recebem beijos. 

De bocas que beijam. 

De mãos que se dão. 

Que existem pessoas altamente gostáveis, altamente rabugentas, altamente generosas, pessoas distraídas que perdem as coisas, mal-educadas que buzinam sem necessidade, pessoas conectadas que se preocupam com o lixo, pessoas sedutoras e seduzíveis, possíveis e impossíveis, pessoas que se entregam, pessoas que se privam, pessoas que machucam, pessoas que chegam pra curar desencadeadores de poemas, de sorrisos, de lições de vida que ficarão guardadas para sempre… 

A vida é tão maravilhosa porque ela nos compensa com ela mesma.

A. A. de Assis (As marcas de Maringá)

Toda cidade tem sua marca. Paris tem a torre Eiffel, Nova Iorque tem a estátua da Liberdade, Curitiba tem o Jardim Botânico, o Rio de Janeiro tem o Pão-de-Açúcar, São Paulo tem a Avenida Paulista… Em Maringá, na sua opinião, que marca mais se destaca?

A catedral, obviamente, é o símbolo maior da cidade. Podemos mencionar também a fartura do verde, os parques, as universidades, o belo traçado das ruas, praças e avenidas, a moderna e avançada arquitetura das edificações, o dinamismo do povo.

Mas, pensando bem, pelo menos em termos mercadológicos, a grande marca de Maringá, desde a fundação, foi sempre, e muito fortemente, seu próprio nome – Maringá. A cidade já nasceu famosa, graças à imortal canção de Joubert de Carvalho.

Para os antigos corretores da Companhia Melhoramentos foi moleza vender lotes rurais e urbanos num lugar com um nome tão bonito e que estava no ouvido de todo mundo, no Brasil e lá fora.  Não era um nominho qualquer. Era um poema concentrado em três sílabas: Ma-rin-gá.

 Nos anos 1930 e 1940 o Brasil inteiro ouvia no rádio e cantarolava: “Foi numa leva que a cabocla Maringá…”. Consta que a esposa do presidente da empresa colonizadora ouviu a pioneirada entoar a canção, e de tal modo se encantou que sugeriu ao marido propor aos demais diretores dar esse nome à cidade.

De certo Dona Elisabeth, na ocasião, não estava pensando em marketing. Moveu-a um impulso poético. Mas os diretores da empresa perceberam de imediato a força da marca “Maringá” como facilitadora das vendas dos seus sítios e datas. E assim se batizou a cidade, que em poucos anos viria a ser um maná para o mercado imobiliário. 

Não vamos citar exemplos aqui, mas há muitos lugares que têm nomes tão estranhos que seus moradores ficam até encabulados de dizer que são de lá. Já o maringaense sente vaidade e orgulho em dizer onde mora. As pessoas reagem com uma pitada de inveja: “Puxa, que lugar bacana!…” e não raro emendam: “Maringá, Maringá…”

O nome é a primeira marca de cada um. Feliz Maringá, que já nasceu marcada para ser famosa. Valeu, Joubert. Que nome lindo você inventou para a sua canção, da qual nos tornamos xarás.

(Crônica publicada no Jornal do Povo, em 14 set 2023)

Hans Christian Anderssen (O príncipe malvado)

Era uma vez um príncipe muito perverso, que só pensava em conquistar todos os países do mundo e inspirar medo às criaturas humanas. Por onde passava, ia assolando a terra a ferro e fogo. Seus soldados pisoteavam as sementeiras, incendiavam as casas dos camponeses, deixando as chamas vermelhas lamberem a folhagem do pomar, de tal maneira que as frutas ficavam assadas nas árvores enegrecidas e estorricadas. 

Quantas mães não procuraram refúgio, com os filhinhos nos braços, atrás das paredes ainda fumegantes da casa incendiada! Mas lá mesmo iam os soldados descobri-las, e, dando, com as infelizes, ainda achavam maior estímulo para seus diabólicos instintos! O próprio gênio do mal não poderia proceder com maior maldade do que aquela soldadesca. Mas o príncipe entendia que assim devia ser, que aquilo era regular e lícito.

Aumentava dia a dia o seu poder. Seu nome era de todos temido, e sempre se saía bem de todas as façanhas. Possuía grandes tesouros, que levara das cidades conquistadas para o seu país, e na capital acumulavam-se riquezas que não tinham rival em parte alguma. Mandou construir castelos suntuosos, igrejas, salões de recepção; e quem via aquelas magníficas construções e os tesouros que continham, não podia deixar de exclamar, tomando de respeito:

- Que grande príncipe!

Mas é porque não se lembrava então da miséria que ele andara espalhando pelas outras terras; é porque não ouvia os suspiros e os gemidos que erguiam das cidades reduzidas a cinzas.

Contemplando todo o seu ouro e seus esplêndidos edifícios, o príncipe também pensava como a multidão: " Que grande príncipe sou eu!" Mas vinha-lhe logo outro pensamento: - É preciso que tenha mais ainda, muito mais! Nenhum poder deve igualar ao meu e menos ainda ultrapassá-lo!

E, assim pensando, moveu guerra aos vizinhos, vencendo-os a todos. Jungiu ao seu carro, com cadeias de ouro, os reis vencidos, e assim se exibiu pelas ruas da capital. Quando se regalava à mesa, os reis vencidos tinham de se ajoelhar aos pés e dos cortesãos, e só podiam comer os restos que lhes atiravam.

Acabou por fazer erigir a própria estátua nas praças públicas e nos castelos reais; e se não a instalou também nas igrejas, diante do altar do Senhor, foi porque os sacerdotes se lhe opuseram, dizendo:

- Vossa Alteza é grande, mas Deus é maior. E nós não obedeceremos a semelhante ordem.

- Pois então - bradou o príncipe- vencerei também a Deus!

E na sua arrogância e estúpida impiedade, mandou construir um suntuoso navio, para nele sulcar os ares,

Era um navio de magnífico aspecto e todo pintado de cores variegadas. Parecia salpicado de milhares de olhos, mas na verdade, cada olho era um cano de fuzil. Sentado no centro da nave, bastava-lhe calcar uma alavanca para que mil balas disparassem de todos o lados, enquanto as bocas de fogo eram imediatamente carregadas de novo. Centenas de águias foram atreladas ao navio e, rápidas como flechas, subiram em direção ao sol.

Como a terra se estendia lá embaixo! Com suas montanhas e florestas, parecia apenas uma lavoura cheia dos sulcos do arado. Mas dali a pouco já se assemelhava a um mapa raso, de traços não muito distintos; e por fim aparecia toda envolta em névoas e nuvens.

E as águias voavam cada vez mais alto, mais alto nos ares...

Mas eis que Deus mandou um dos seus inúmeros anjos - um único. O príncipe malvado lançou contra ele milhares de balas; elas porém, ricocheteavam, sem ferir as asas brilhantes do anjo, e caíam como simples grãos de granizo. Contudo, uma gota de sangue, uma só gota, brotou de uma das alvas penas e foi cair no navio do príncipe. E essa gota única corroeu o navio, pesou sobre ele como milhares de quintais de chumbo e arrastou-o para baixo, em uma queda precipitada. Partiram-se as robustas asas das águias. 

O vento uivava ao redor da cabeça do príncipe e as nuvens formadas pela fumaça das labaredas das cidades incendiadas transformavam-se em vultos ameaçadores - caranguejos marinhos, de milhas de comprimento, que estendiam para ele garras e pinças; e amontoavam-se formando imensos penedos. E desses penedos rolavam blocos, que se convertiam logo em dragões a cuspir fogo...

E o príncipe jazia semimorto no bojo do navio, que ficou afinal suspenso, depois de um baque tremendo, sobre uma floresta.

- Quero vencer a Deus! - bradava o príncipe. - Jurei-o e hei de fazer o que quero!

E sete anos se passarem na construção de artísticos navios que haviam de singrar os ares, como veleiros. O príncipe mandou cortar raios do aço mais resistentes para despedaçar as fortificações do céu. Concentrou guerreiros de todos os países que conquistara: formavam filas de milhas de extensão. Embarcaram esses exércitos nos navios engenhosamente construídos; o príncipe aproximou-se do que lhe era destinado...

Mas eis que Deus enviou um enxame de mosquitos - um único enxame, não muito grande, de mosquitos que dançavam em redor do príncipe, picando-lhe o rosto e as mãos. 

Enraivecido, desembainhou a espada e deu golpes no ar. Mas era só no ar que acertava mesmo: não apanhava um só mosquito. Mandou então buscar tapetes preciosos e enrolou-se neles, para se livrar dos insetos. Os criados executaram todas as suas ordens. Mas um mosquito - um único mosquito - ficou no interior do tapete e introduziu-se no ouvido do príncipe. Picou-o e a picada ardia como fogo que queima. O veneno do mosquito infiltrou-se-lhe no cérebro e o príncipe, como um louco, lançou longe os tapetes em que se envolvia. Despedaçando as roupas, pôs-se a dançar, completamente despido, diante dos seus ferozes guerreiros. 

Estes agora zombavam do príncipe doido, que quisera guerrear Deus e fora vencido por um só mosquito, por um minúsculo mosquito.

Fonte> Fonte> Hans Christian Andersen. Contos. Publicado originalmente em 31 de outubro de 1840. Disponível em Domínio Público

Hinos de Cidades Brasileiras (Ribeirão Preto/SP)


Letra: José Saulo Pereira Ramos; Música: Diva Tarlá de Carvalho

A minha terra é um coração
Aberto ao sol pelas enxadas
Sangrando amor e tradição
No despertar das madrugadas.

História exemplo, amor e fé
Assim traçamos teu perfil
Ribeirão Preto, terra do café
Orgulho de São Paulo e do Brasil.

Nasceste do destino nacional
Das caminhadas rumo ao Oeste
E ainda guardas o belo ideal
Dessa epopéia em que nasceste.
Ribeirão Preto esse destino
Que consagrou a tua gente
É do trabalho o grande hino
Que há de viver eternamente.
 
A minha terra é um coração
Aberto ao sol pelas enxadas
Sangrando amor e tradição
No despertar das madrugadas.

És linda jóia no veludo
Dos nossos verdes infinitos cafezais
E se em ti amada terra temos tudo
Ainda procuramos dar-te mais.

A minha terra é um coração
Aberto ao sol pelas enxadas
Sangrando amor e tradição
No despertar das madrugadas.

Nilto Maciel (Rotação)

Eles liam pausadamente, compassadamente, demoradamente. Liam em voz alta, para que todos ouvissem suas palavras. Às vezes cantochão, deslizar suave de água mansa. Alguns chegavam a cochilar. Adiante, a voz se fazia áspera, gritante. Arregalavam os olhos, empertigavam-se. Nenhuma atenção fugia do leitor. Todos encantados. Para mim, no entanto, o salão se enchia de palavras ininteligíveis. Ou então nunca mais voltei a ouvi-las, apesar de ter sempre os ouvidos atentos. Eu todo me voltava, em todos os sentidos, para o que diziam e faziam. Os livros passavam de mão a mão, assim como meu corpo infante, num ritual monótono. As mãos, aquelas mãos tão diferentes entre si, às vezes brutais, voltadas unicamente para os livros e as palavras. Aquelas mãos que de mim faziam mero objeto, obrigado a estar e ouvir. E a girar.

Eu percorria o salão, de hora em hora, sempre voltado para o seu centro, onde se amontoavam livros, cadernos, canetas, garrafas, cigarros, sapatos e outros objetos. Tal rotação, no entanto, não me deixava tonto, como me deixa hoje o girar em torno de meu próprio eixo.

Eles eram muitos, formavam um círculo perfeito, e o giro se fazia lentamente. Eles me demoravam cerca de dez minutos no colo de cada um. Ocorria-me tontura, porém, quando se aproximava o momento de ser passado às mãos seguintes, depois de ter dado trinta, quarenta ou cinquenta voltas. Eu pressentia o exato momento de ser erguido, como se faz com todas as crianças, e entregue ao vizinho. Eu me sentia um gato, uma galinha, um boneco, um objeto. Chegava a miar, cacarejar, fazer estranhos ruídos, como um brinquedo sofisticado. Eles permaneciam tão atentos à leitura que apenas se entreolhavam, sutilmente assustados, como se quisessem perguntar uns aos outros se tinham ouvido alguma voz não-humana. Nesses momentos me ocorriam vertigens, como se descesse ao fundo dos sons ou alcançasse o interior das palavras. Não sei como explicar. Eu me envolvia nas vozes, nos ecos, como se viessem de muito longe, de um espaço e um tempo absurdamente desconhecidos. Eu me sentia envolvido e sufocado por gases ou líquidos, voando ou boiando nos seus núcleos. E parecia ouvir e repetir ou apenas dizer: “um rio pode ensinar-nos muito coisa”. Não, não lembro nenhuma outra palavra. A não ser uma ou outra. Como “Tuam Asi”, ou pedaços de frases, como “teus olhos estão abertos para sempre”, “sei de que parte virá a aurora”.

Nunca perguntei nada daquilo a ninguém. Nem mesmo a minha mãe. Talvez hoje eu o fizesse. Tanto por curiosidade como para me livrar deste pesadelo. Não conheço mais nenhuma daquelas pessoas. Talvez tenham morrido. Ou estejam apenas desaparecidas, escondidas, foragidas. Estranho, porém, a atitude de minha mãe: por que não ficava comigo durante toda a leitura? Por que não se recusava a ler? Por que não insistia para ficar comigo? Chegada a sua vez de ler, passava-me adiante, ao seu vizinho, como passava o livro, naturalmente. Ocorria, às vezes, ser meu pai o seu vizinho. Então, eu me sentia menos tonto e chegava a rir de tanta felicidade.

Constantemente interrompiam a leitura. Não sei por quais motivos. Um deles mandava que fizessem silêncio. Mostravam-se assustados, nervosos, a olhar para os cantos das paredes, as portas, o teto, como se alguém ou alguma coisa muito terrível os ameaçasse. Por duas ou três vezes pularam todos para o porão. A tampa ficava no centro do salão, justamente onde amontoavam seus pertences. Era um buraco escuro, sufocante e estreito. Eu chorava, amedrontado. E dezenas de mãos me amordaçavam. Numa dessas confusões quase morri. Quando deram o alarme, todos pularam. A moça que me segurava perdeu o equilíbrio e fomos ao chão. Esbocei um grito. Mãos poderosas caíram sobre minha boca.

Também fui pivô de outros incidentes, embora de menor importância. A vítima quase sempre era minha mãe. Eu tudo fazia para não sujar os outros. Apenas uma vez ocorreu ter urinado num deles. Ora, eu me achava distante dela cerca de meio círculo. Não podia esperar mais.

Minha mãe não anunciou a ocorrência. Correu ao banheiro e me lavou. De volta, devia ler. Passou-me ao vizinho, que fez cara de herege. Nervosa e encabulada, ela se pôs a ler o cantochão. Parecia o deslizar suave de água mansa.

Fonte> Nilto Maciel. Babel. Brasília/DF: Editora Códice, 1997. Enviado pelo autor.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Ademar Macedo (Ramalhete de Trovas) 17

 

Mensagem na Garrafa = 89 =

Sílvia Letícia Carrijo

O SENTIDO DA VIDA

"A vida é a arte do encontro, embora haja tantos desencontros pela vida." (Vinicius de Moraes)

O que ouvimos é que a vida é fácil de ser vivida nós é que complicamos, mas será que é mesmo? Claro que em alguns momentos nós a complicamos pra valer, mas nem sempre. Eu costumo dizer que a vida deveria ter uma vírgula, um ponto de espera para depois o fim. Mas não é assim. Ela nunca para para podermos reavaliar. Temos que ir caminhando e tomando decisões sendo elas importantes ou não. Luís Fernando Veríssimo fala que a vida é estranha, não importando que tipo de olhar você lance sobre ela. E ele tem razão. Há momentos em que não sabemos o porquê dela e nem para que lado irá nos levar. Apenas sabemos que vale a pena viver e que mesmo sendo difícil em alguns momentos e complicados em outro ela é simplesmente linda e tem sua forma particular de nos conduzir.

Quando vejo o pó da terra fico olhando para ele com uma enorme interrogação. Somos feito dele e para ele voltaremos [...] até que volte à terra, visto que dela foi tirado; porque você é pó, e ao pó voltará". (Gênesis 3:19b). Com isso podemos chegar a conclusão que somos o melhor desta terra, é a mesma terra que nos alimenta e que a destruímos com lixos, venenos e pouco importamos com sua qualidade.

Fico olhando para nós como que do lado de fora. Vejo alguém tentando dominar o seu mundo, um vaso com peixe, muros tão altos quem nem ele mesmo sabe para quê. Barreiras daqui dali e vem o vento destrói tudo, vem o ladrão e leva o ouro como se não existisse nada para interromper sua imaginação. Os mesmos que criam barreiras são os mesmos que nos destroem. - O homem e suas ideias mirabolantes.

Anunciamos para todos que o sentido de nossa vida está em encontrar um amor. Alguém que nos complete nos faça felizes e realizados e sabemos muito bem que jamais seremos felizes com outra pessoa se não formos felizes e realizados primeiro conosco. Com a vida que escolhemos e com o sentido que damos a ela. Depois que achamos ter encontrado este ser tão poderoso não demora muito já mudamos o discurso, e é sempre o outro o ruim, nunca nossa própria vida e como a levamos e continuamos assim tentando e achando que no outro encontraremos algo. Nos conformamos quase sempre com essa história e não tentamos mudar, apenas seguimos o ritmo do conformismo.

Quando encontro casais que se separaram pergunto o porquê e a resposta é sempre a mesma: - a diferença. Mas por que se são as diferenças que nos fazem tão encantadores no inicio da relação. Ficamos tão grilados com elas que gladiamos, fazemos tormentas em copos de água. Enquanto poderíamos aprender com as diferenças e celebrarmos a vida. Mas não é fácil assim. Só parece fácil. Do pó somos feitos frágeis, levados pelo vento...

Amo os apaixonados, eles são o reflexo do nosso desentendimento total da vida. Queremos estar o tempo todo juntos, mas somente brigamos quando nos encontramos. Alguns conseguem fazer com que a paixão vire amor e aí dura, outros descobrem que mesmo apaixonados não dá para ficarem juntos e outros destroem o objeto da paixão por não saber o que fazer com ele.

Como a vida nem sempre é o que parece nos perdemos pelo caminho. Amamos dizer que vivemos em grupo, mas é a sós que nos sentimos nós mesmos é no isolamento que construo meu mundo. Só nos importamos em estar bem, não para mim, mas para mostrar ao outro que sou importante. Afinal é a aparência que manda não quem sou de verdade. Por isso gastamos mais tempo com ela que com meu pó (eu) interior.

Bom, a vida mesmo com suas complicações e beleza não deve ser considerada apenas um rito de passagem. É mais que isso é a oportunidade que temos de encontrar, curtir dar e receber de outros. É o presente mais precioso que temos. Muitas das vezes as barreiras não nos deixam ver. O velho sábio Salomão disse que vale mais a sabedoria. É verdade mais vale também viver de forma calma, tranquila mesmo na tempestade. Como? Sabendo olhar com olhos de aprendizado a tudo. Pois em cada desastre temos culpa, temos parcela de culpa e temos algo a aprender.

Então o que vale da vida é viver, vale amar. Amar de forma correta sem querer ser o que não somos, sem teorias cabulosas ou formas de explicar tudo pela ciência ou religião. Apenas ser mais doce, amar a vida e o que ela nos dá. Amar as pessoas com suas diferenças de pensamento e personalidade. Jogando no lixo o rancor, ódio que nos guia cegamente.

O amor é a forma mais linda de expressar carinho, vontade de viver e abandono de críticas. Mas não sabemos amar, conhecemos o amor posse, o amor domínio. Este não vale a pena. Precisamos amar momentos, situações, pessoas, animais e amar a vida como ela é. Assim vale a pena viver.

Hoje você acordou amanhã só Deus sabe. Mas não pensamos assim, achamos que somos infinitos então fazemos tudo errado parecendo que vamos ter uma nova chance. Mas não tem, então vamos viver a vida de forma mais calma sabendo que o amanhã não nos pertence.

Monsenhor Orivaldo Robles (As dores de cada um)

Dom Jaime gostava de citar o versículo 10 do salmo 90: “Os anos de nossa vida são setenta; para os mais robustos, oitenta: assim mesmo cheios, em sua maior parte, de fadiga e aborrecimento”. Acho que para mostrar que era um caso raro. Não completou um século, como pretendia, mas chegou perto. Morreu aos 97 anos. Poucos atingem essa marca.

Em nossos dias as pessoas vivem mais que no passado. Todos os países apresentam crescimento na expectativa de vida do seu povo. Quando era jovem, eu fazia as contas: no ano 2000, na virada do século, estarei com 59 anos. Parecia uma coisa longínqua, que nunca ia chegar. Hoje, meus 59 anos continuam distantes. Só que lá atrás. Nunca mais voltarão.

Com pesar percebo que minha disposição física não é a mesma. Mudou muito. Para pior, infelizmente. Já comentei a opinião de um amigo meu, homem simples, mas de grande sabedoria. Certa ocasião, ele me disse: “Olhe, padre, nós estamos naquela idade em que as pessoas não perguntam ‘Como vai’, mas ‘Onde dói’”. Verdade. No passado, com frequência, eu aceitava convite de amigos para pescar. Não sou grande pescador; mas é o hobby que mais me atrai. Uma distração que me reanimava para o trabalho. Fazia anos que eu não pescava mais. Outro dia, um amigo querido teve a bondade de me levar ao velho Paranazão. Levei um susto. Não pensei que eu tivesse envelhecido tanto. Subir num bote ou apear dele viraram tarefas quase impossíveis. Não fosse o amigo me ajudar, eu ainda estaria lá me esforçando para conseguir. Um vexame. Em vez de companhia me tornei saco de sal. Assim chamávamos, nos bons tempos, ao colega que, em lugar de ajudar, dava trabalho. Como eu, agora.

Não só é menor a disposição, mas o corpo está mais pesado, mais lento, mais enfraquecido. Envelhecer é, sim, uma arte. Mas a carga parece maior a cada dia. Com frequência recebo indicativo de que a saúde exige cuidados que, antes, não pareciam importantes. À pergunta sobre tal ou qual sintoma, era comum eu responder: “Não sei o que é isso”. Não por presunção, mas com sinceridade. Apesar de minhas antigas cólicas renais ou neuralgias do trigêmeo. Mas dor é assim mesmo. Na hora a gente reclama, geme, urra, rola no chão. Passou, não lembra mais.

Talvez para eu não esquecer que sou um frágil mortal, sujeito, como todos, às fraquezas que nos acometem, fui contemplado com uma “inflamação aguda, produzida por Herpesvirus varicellae, dos gânglios sensitivos da espinha dorsal, com erupção de vesículas na pele e dores nevrálgicas”. Não que eu entenda esse palavrório empolado. Copiei-o do dicionário em que fui buscar o sentido de herpes-zóster, nome da enfermidade que, por causa da imunidade baixa, me atacou. Noite dessas, dormi a conta-gotas. Dor enjoada e persistente incomodava-me o lado esquerdo do tronco. Surgiu depois a erupção que, na infância, lá na roça, o povo chamava “cobreiro”. Mas o meu tinha altura de um centímetro. E doía sem parar. Deus teve pena deste pobre pecador. Colocou no meu caminho pessoas especiais. Trataram-me com competência e carinho. Cá estou eu, com dores ainda, mas bem melhor do que nestes dias passados.

Não conheço herpes labial ou genital. Mas o herpes-zóster sei que dói um bocado. O consolo é que, conforme li, quem já teve herpes-zóster dificilmente terá uma segunda vez.

Será por falta de tempo? Vai saber.

Auta de Souza (Poemas Escolhidos) – 13 -


NOITES AMADAS

Ó noites claras de lua cheia!
Em vosso seio, noites chorosas,
Minh’ alma canta como a sereia,
Vive cantando num mar de rosas;

Noites queridas que Deus prateia
Com a luz dos sonhos das nebulosas,
Ó noites claras de lua cheia,
Como eu vos amo, noites formosas!

Vós sois um rio de luz sagrada
Onde, sonhando, passa embalada
Minha Esperança de mágoas nua...

Ó noites claras de lua plena
Que encheis a terra de paz serena,
Como eu vos amo, noites de lua!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

OBRIGADA!

...E tu rezas por mim! Como agradeço
Essa esmola gentil de teu carinho...
Como as torturas de minh’alma esqueço
Nessa tua oração, floco de arminho!

Eu te bendigo, ó santa que estremeço,
Alma tão pura como a flor do linho.
É tua prece à mágoa que padeço
Asa de pomba defendendo um ninho!

Reza, criança! Junta as mãos nevadas
E cerra as níveas pálpebras amadas
Sobre os teus olhos como um lindo véu...

Depois, nas asas de uma prece ardente,
Deixa cantar minh’ alma docemente,
Deixa subir meu coração ao céu!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

O BEIJA-FLOR

Acostumei-me a vê-lo todo o dia
De manhãzinha, alegre e prazenteiro,
Beijando as brancas flores de um canteiro
No meu jardim — a pátria da ambrosia.

Pequeno e lindo, só me parecia
Que era da noite o sonho derradeiro...
Vinha trazer às rosas o primeiro
Beijo do Sol, nessa manhã tão fria!

Um dia, foi-se e não voltou... Mas, quando
A suspirar, me ponho contemplando,
Sombria e triste, o meu jardim risonho...

Digo, a pensar no tempo já passado;
Talvez, ó coração amargurado,
Aquele beija-flor fosse o teu sonho!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

O CORAÇÃO E O BEIJO

Meu coração chorava e eu lhe dizia:
Por que choras assim, pobre criança?
E o triste, a soluçar, me respondia:
Ninguém pode viver sem Esperança.

Tu tens a Fé. — A Fé? Mas, o que é dela
Sem da Esperança as ilusões serenas?
Um céu à noite sem nenhuma estrela,
Um’ alma em flor sem um sorriso apenas...

— Mas tens a Caridade. — A Caridade?
Ah, sim! o vinho que embriaga a dor.
Mas eu não amo... Pois, não é verdade
Que a Caridade é o que se chama — amor?

Nisto passava uma criança linda,
Botão de lírio, imaculado e santo.
Meu coração que soluçava ainda
Sorriu ao ver o melindroso encanto.

E foi beijar-lhe os pequeninos lábios,
Folhas de rosa abrindo de manhã,
Onde adejavam místicos ressabios
Dos beijos de uma mãe e de uma irmã...

Compreendeu, então, o desolado
A linguagem sublime desse harpejo:
Neste mundo de lágrimas povoado,
A Caridade pode estar num beijo!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = c

PÁGINA AZUL

No país de minh’ alma há um rio sem mágoas,
Um rio cheio de ouro e de tanta harmonia,
Que se cuida escutar no marulhar das águas
Do sussurro de um beijo a doce melodia.

Este rio é o meu sonho, um sonho azul e puro,
Como um canto do céu, como um braço do mar;
Loura réstia de sol a rebrilhar no escuro,
Casta luz que cintila em torno de um altar.

De um altar que palpita e que sofre e que sonha,
Soletrando a cantar a linguagem do amor...
Do altar do Coração, a paisagem risonha
Onde brotam sorrindo as ilusões em flor.

Vem beber, meu amor, neste rio que é fonte,
É fonte de esperanças e lago de quimera...
Vem morar num país que não tem horizonte,
Onde não chora o Inverno e só há Primavera.

Fonte: Auta de Souza. Poemas. Publicado postumamente em 1932. Disponível em Domínio Público.

Eduardo Martínez (Papo de boteco)

Lá pelas tantas, depois de infinitas batatinhas fritas, calabresas e até uma porção de frango a passarinho, lá estão aqueles três amigos quase inseparáveis. Quase porque, de vez em quando, nem eles próprios se suportavam. Mas eis que, após discutirem política, música essa ou aquela, até mesmo uma arriscada em economia, apesar de ninguém ser realmente um especialista, surge um tema muito recorrente entre os apaixonados por futebol: afinal, quem é melhor: Garrincha ou Pelé? Obviamente que os protagonistas desse duelo de titãs, caso a discussão fosse mais ao sul, não seriam os mesmos e, certamente, o vencedor seria um terceiro gênio.

O primeiro, que estava degustando mais um gole, afirmou categoricamente que era o Pelé. “Não há dúvida, pois ele é o maior artilheiro do futebol, ganhou três Copas, dois Mundiais pelo Santos...” Pois é, o rei parecia mesmo estar em vantagem, pois não há outro jogador com tantas marcas surpreendentes. Gostem ou não do eterno camisa 10 do Santos, não há como negar a sua carreira fenomenal. Sem qualquer sombra de dúvida, um dos maiores da história! Ainda mais depois da clássica conclusão do defensor da tese: “Os números não mentem!”

O embate poderia muito bem ter cessado por aí, caso esses argumentos, apesar de surpreendentes, não fossem colocados em dúvida pelo segundo amigo. “Pois é, os números não mentem, mas não dá para olhar apenas para os números, já que o futebol é um esporte coletivo e, por isso mesmo, há inúmeras variantes a serem avaliadas. Se fôssemos olhar apenas os números, teríamos que dizer que alguns pernas de pau que levantaram a taça de alguma Copa seriam melhores que o Zico, o Zizinho, o Platini, o Sócrates... Ou seja, os números não mentem, mas iludem muitas pessoas. Além disso, o Garrincha, pelo menos aos olhos dos que entendem profundamente o esporte bretão, é o maior jogador das Copas”.

Lá estava o terceiro com os olhos fixos no copo, agora com mais espuma que qualquer coisa. Ele escutava as teses dos companheiros de copo. Olhou a última batatinha na travessa de metal frio e, com um gesto ligeiro, a levou até a boca. Mastigou-a e a engoliu quase sem gosto. O indicador esquerdo voltou à travessa, onde apertou uma pequena quantidade de sal, suficiente para despertá-lo do transe momentâneo. “Nem Garrincha nem Pelé!” Os dois companheiros olharam abismados para o dono daquela boca que profanou qualquer bom senso em relação a essa eterna dúvida brasileira. “Nem Garrincha nem Pelé!”, repetiu. Em seguida, levantou-se e foi em direção ao banheiro, não tão limpo, do boteco.

Os dois que ficaram na mesa, ainda se recuperando das palavras estapafúrdias do amigo, entreolharam-se e, quase em uníssono, balançaram a cabeça negativamente. Com certeza, o terceiro amigo teria bebido demais. 

– Ele deve ter ido vomitar, não é possível que ele esteja bem. 

– Acho que foi a calabresa, muita gordura. 

– Vamos pedir a conta?

– É, já deu por hoje.

Dois minutos ou mais, lá vem o terceiro, trôpego. O olhar meio embaçado, mas nada que um dorso de mão não resolva. “Mais uma rodada, Juva!”, ele se dirige ao garçom de longa data. Os companheiros, estáticos, nem questionam. Eles simplesmente observam o amigo por alguns instantes, até que o Juva derrama mais uma garrafa nos copos sedentos.

Os dois amigos encaram o companheiro, esperançosos de uma resposta. Será que ele disse aquilo para contestar? Talvez nem se lembre mais do que disse. Os questionamentos iam e viam, quase ao ritmo das ondas do mar de Copacabana, logo ali.

– A Marta!, quase cuspiu. Ninguém discute a Marta, ninguém questiona se fulana ou sicrana é melhor que a Marta. Cracaça!!!, quase berra. Ela dribla como Garrincha, marca gol como Pelé, faz lançamentos como o Gerson e é tão inteligente como o Didi. Ninguém pode com ela, finalizou. 

Os outros dois ficaram apenas observando e, ao mesmo tempo, tentando encontrar argumentos para refutarem os argumentos postos, literalmente, na mesa. Não acharam nem um sequer, talvez por terem aberto a mente para a genialidade da Camisa 10, que há anos dribla as adversárias dentro das quatro linhas e, principalmente, muitos outros fora delas.

Hinos de Cidades Brasileiras (Salvador/BA)


Letra e música: Oswaldo José Leal

Salvador teu céu famoso
De brilhantes cor de anil
Relembra no Dois de Julho
A libertação do Brasil...

Erigida bem no alto,
És da Pátria o seu altar
Em tuas formosas praias,
Beija a areia o verde mar

Cidade de tanta glória
Povo nas lutas, viril,
Salvador, tua história,
É a mesma do Brasil...

Em tudo tens muito encanto,
És um presépio, um jardim,
Tens igrejas, tens ladeiras,
Terra do Senhor do Bonfim...

Retratas bem o passado
Em Pirajá e Pedrões
O progresso não impede
O teu culto às tradições

Cidade de tanta glória
Povo nas lutas, viril,
Salvador, tua história,
É a mesma do Brasil...

O teu nome é um símbolo
De prestígio e de amor,
O teu povo é culto e nobre
Ó cidade do Salvador...

Tens poesia e nobreza,
Tua vida é um esplendor...
Em toda parte beleza,
Ninguém te iguala em valor...

Cidade de tanta glória
Povo nas lutas, viril,
Salvador, tua história,
É a mesma do Brasil…

Estante de Livros (“Yerma”, de Federico Garcia Lorca)

Yerma é uma peça em três atos, escrita em 1934 pelo poeta e dramaturgo espanhol Federico García Lorca (1898-1936). Apresentada pela primeira vez em 1934, Yerma faz parte da chamada “trilogia rural”, ou “trilogia dos dramas folclóricos” do autor, que inclui também as obras “Bodas de Sangue” e “A Casa de Bernarda Alba”.

A peça é ambientada na Andaluzia e conta a história de Yerma, uma mulher que vive num mundo rural e fecundo, mas que ainda não conseguiu gerar uma vida em seu ventre. Ela é casada com Juan e sofre com o fato de o casal ainda não ter filhos. Yerma é uma das poucas mulheres casadas da vila que ainda não conheceu a maternidade. No entanto, Juan, apesar de ser um homem honesto e trabalhador, é indiferente à angústia de sua esposa, mantendo-a confinada num casamento sem amor, apenas como uma satisfação moral para a sociedade.

Enquanto isso, Yerma passa o tempo na janela, costurando o enxoval para o bebê de sua amiga Maria, ao mesmo tempo em que convive com Vítor, um amor do passado. Apesar da vigilância do marido e das duas cunhadas, que passam a morar na mesma casa que o casal, Yerma tenta, ao longo da narrativa, tudo o que pode para gerar uma vida, trilhando um caminho que a levará à tragédia.

A busca de Yerma pela maternidade é atravessada por coros de lavadeiras, de homens e de mulheres do povo, além de rituais de fertilidade. Desta forma, Lorca brilhantemente faz Yerma dialogar com as tragédias gregas, em especial aquelas escritas por Ésquilo e Sófocles. A diferença é que nas tragédias gregas dos dramaturgos citados o trágico vem de uma intervenção divina, como um castigo, enquanto que nas tragédias modernas, o trágico é algo intrínseco à alma humana.

Yerma é um belíssimo drama lírico, no qual Lorca aborda a questão da esterilidade de um casal, sob o ponto de vista feminino, desmascarando assim a opressão milenar que a sociedade patriarcal faz sobre as mulheres, em especial às estéreis, para cumprirem o “dever sagrado” da maternidade, quando sabemos que ser mãe é, ou pelo menos deveria ser, uma realização pessoal de cada mulher. E mais do que isso! Em Yerma, Lorca fala, de maneira poética e simbólica, da tragédia e da frustração de todos aqueles que não conseguem realizar seus sonhos, seja por medo do desconhecido, seja por ignorância ou, ainda, por causa das pressões sociais. Esta é uma das razões pelas quais Yerma tem-se eternizado nos palcos. Por colocar em cena uma angústia tão conhecida de todos nós, que é a dor de não termos conseguido realizar nossos sonhos e a frustração de termos que conviver com isto.

Em suma, Yerma é uma bela e tocante obra prima do teatro mundial, que vale muitíssimo a pena ser lida, assistida e encenada, para que não caiamos na esparrela de deixar nossos sonhos esquecidos numa gaveta qualquer da vida.

O livro está disponível em domínio público, em espanhol, no link:

Fonte: Leivison Silva, em Assisto porque gosto

quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

José Feldman (Analecto de Trivões) 21

 

Mensagem na Garrafa = 88 =


 Ricardo Gondim

(Fortaleza/CE)

O TEMPO E AS JABUTICABAS

Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora.

Tenho mais passado do que futuro… 
Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de jabuticabas…

As primeiras, ele chupou displicente… mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço…

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades…

Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.

Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.

Já não tenho tempo para conversas intermináveis…

Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas que, apesar da idade cronológica, são imaturas…

Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral…

As pessoas não debatem conteúdos… apenas os rótulos…

Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos… 
quero a essência… 
minha alma tem pressa…

Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; 
que sabe rir de seus tropeços… 
não se encanta com triunfos…
não se considera eleita antes da hora…
não foge de sua mortalidade..

Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade…

O essencial faz a vida valer a pena…
e para mim basta o essencial…

Leon (Liev) Tolstói (Fábula: O ouriço e a lebre)

A lebre encontrou o ouriço e disse:

− Você seria todo bonito, ouriço, se suas pernas não fossem tortas e cambaleassem.

O ouriço se zangou e disse:

− Do que você está zombando? Minhas pernas tortas correm mais depressa do que suas pernas retas. Deixe-me só ir em casa e depois vamos disputar uma corrida!

O ouriço foi para casa e disse para a esposa:

− Tive uma discussão com a lebre: queremos disputar uma corrida!

A esposa do ouriço respondeu:

− Você deve ter ficado maluco! Como é que vai correr com a lebre? As pernas dela são velozes e as suas são tortas e lerdas. 

O ouriço disse:

− Ela tem pernas velozes, mas minha inteligência é rápida. É só você fazer o que vou mandar. Vamos para o campo.

Foram a um campo, ao encontro da lebre; o ouriço disse para a esposa:

− Fique escondida dentro dessa ponta da vala do arado e eu e a lebre vamos correr da outra ponta para cá; assim que ela se adiantar, eu vou voltar para trás; e quando ela chegar aqui na sua ponta, você aparece e diz: "Faz tempo que estou esperando você." Ela não vai distinguir você de mim, vai pensar que sou eu.

A esposa do ouriço escondeu-se dentro da vala do arado e o ouriço e a lebre começaram a correr da outra ponta.

Assim que a lebre se adiantou, o ouriço voltou para trás e escondeu-se dentro da vala. A lebre chegou em disparada à outra ponta da vala, olhou: a esposa do ouriço já estava lá! Ela deixou a lebre surpresa e disse:

− Faz tempo que estou esperando você!

A lebre não distinguiu a esposa do ouriço do próprio ouriço e pensou: “Que coisa incrível! Como ele conseguiu me vencer?”.

− Bem, − disse a lebre − vamos correr mais uma vez!

− Vamos!

A lebre partiu em disparada no caminho de volta, chegou à outra ponta, olhou: o ouriço já estava lá e disse:

− Puxa, minha cara, só chegou agora? Faz tempo que estou aqui.

“Que coisa incrível!”, pensou a lebre. “Por mais depressa que eu corra, ele sempre chega na minha frente. Bem, então vamos correr mais uma vez, agora você não vai me vencer.”

− Vamos correr!

A lebre correu o máximo que podia, olhou: o ouriço estava sentado na frente e esperava.

E assim a lebre ficou correndo de uma ponta da vala para outra, até não ter mais forças.

A lebre desistiu e disse que dali em diante nunca mais ia discutir.

Fonte: Liev Tolstói. Livros de leitura para crianças. Publicado originalmente em 1864. Disponível em Domínio Público 

Professor Garcia (Sonetos Avulsos) – 5


CONSELHOS

Não odeies um pobre que mendiga,
que ao mendigo, na mesa falta o pão;
é que Deus abençoa a mão amiga
que entre os trapos, se humilha e estende a mão!

A humildade suprema não castiga,
e oferece conselho a cada irmão;
prova sempre do pão, que alguém mastiga,
quando é feito da massa do perdão!

Abre as mãos, ergue os braços, cerra os punhos,
que entre os ecos da vida há mil rascunhos
de conselhos de amor pedindo paz...

Que os que guardam rancor dos infelizes,
ficam neles, profundas cicatrizes,
entre as marcas, que o tempo não desfaz!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

GRATIDÃO

Não maldigo da vida os atropelos
e nem posso do tempo ter desgosto;
devagar vai pintando os meus cabelos,
pondo riscos de rugas no meu rosto.

Passa a vida e no espelho posso vê-los,
e aceitá-los assim, estou disposto,
quanto é bom contemplar meus brancos pelos,
mas confesso, um pouquinho a contragosto.

São sinais estes meus cabelos brancos,
certamente, de muitos solavancos
que o capricho da vida me deixou...

E eu feliz igualmente a um beduíno,
corro atrás do fantasma do destino
que o feitiço do tempo me levou!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

INQUIETUDES

Vim pedir-te Senhor, de olhos abertos,
ante as luzes de velhos castiçais,
que os meus sonhos de amor, sejam libertos,
das algemas dos sonhos irreais!

Meu temor é o de ter sonhos incertos,
e entre sombras e anseios tão fatais,
os meus sonhos se tornem tão desertos,
que eu não sonhe contigo nunca mais!

Cada sonho na vida é um breve instante;
muitas vezes, de paz, de amor constante,
e, outras vezes, também cego e sem luz...

No altar-mor, coroo é bom que Cristo veja,
nós dois juntos, no altar da mesma igreja,
ajoelhados aos pés da mesma cruz!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

MÃOS

Esses traços, que tens em tuas palmas,
nessas mãos tão sensíveis, sem temores,
podem ser traços vindos, de outras almas,
entre as almas febris de outros valores!

Por favor, joga fora esses teus traumas,
vem comigo depressa e esquece as dores,
vamos juntos curtir, nas horas calmas
os prazeres da vida entre os amores!

O que eu quero é prender-me nos teus laços,
ser escravo da cruz dos teus abraços
entre as cruzes das mãos que sempre quis...

Se os teus dedos das mãos são tão audazes,
sem meus dedos, jamais serão capazes,
de escrever esses versos que te fiz!
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SAUDAÇÃO À CAPISTRANO DE ABREU

Capistrano de Abreu, grande arquiteto,
que, no mundo das letras, floresceu.
Maranguape, seu berço predileto,
foi a terra da luz, onde nasceu!

Nessa terra sagrada ele cresceu
foi um autodidata tão completo,
que no mundo da história, o que escreveu,
usou todas as tintas do alfabeto!

Ninguém pode esquecer que Capistrano
exaltou Maranguape, ano após ano,
berço eterno do altar de tanta glória.

Capistrano de Abreu virou poema
e entre os beijos eternos de Iracema
beija e abraça os portais de nossa história!

(2° lugar em Maranguape-CE - 02.11.2019)

Fonte> Professor Garcia. Poemas do meu cantar. Natal/RN: Trairy, 2020. Enviado pelo poeta.