quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Eduardo Martínez (Papo de boteco)

Lá pelas tantas, depois de infinitas batatinhas fritas, calabresas e até uma porção de frango a passarinho, lá estão aqueles três amigos quase inseparáveis. Quase porque, de vez em quando, nem eles próprios se suportavam. Mas eis que, após discutirem política, música essa ou aquela, até mesmo uma arriscada em economia, apesar de ninguém ser realmente um especialista, surge um tema muito recorrente entre os apaixonados por futebol: afinal, quem é melhor: Garrincha ou Pelé? Obviamente que os protagonistas desse duelo de titãs, caso a discussão fosse mais ao sul, não seriam os mesmos e, certamente, o vencedor seria um terceiro gênio.

O primeiro, que estava degustando mais um gole, afirmou categoricamente que era o Pelé. “Não há dúvida, pois ele é o maior artilheiro do futebol, ganhou três Copas, dois Mundiais pelo Santos...” Pois é, o rei parecia mesmo estar em vantagem, pois não há outro jogador com tantas marcas surpreendentes. Gostem ou não do eterno camisa 10 do Santos, não há como negar a sua carreira fenomenal. Sem qualquer sombra de dúvida, um dos maiores da história! Ainda mais depois da clássica conclusão do defensor da tese: “Os números não mentem!”

O embate poderia muito bem ter cessado por aí, caso esses argumentos, apesar de surpreendentes, não fossem colocados em dúvida pelo segundo amigo. “Pois é, os números não mentem, mas não dá para olhar apenas para os números, já que o futebol é um esporte coletivo e, por isso mesmo, há inúmeras variantes a serem avaliadas. Se fôssemos olhar apenas os números, teríamos que dizer que alguns pernas de pau que levantaram a taça de alguma Copa seriam melhores que o Zico, o Zizinho, o Platini, o Sócrates... Ou seja, os números não mentem, mas iludem muitas pessoas. Além disso, o Garrincha, pelo menos aos olhos dos que entendem profundamente o esporte bretão, é o maior jogador das Copas”.

Lá estava o terceiro com os olhos fixos no copo, agora com mais espuma que qualquer coisa. Ele escutava as teses dos companheiros de copo. Olhou a última batatinha na travessa de metal frio e, com um gesto ligeiro, a levou até a boca. Mastigou-a e a engoliu quase sem gosto. O indicador esquerdo voltou à travessa, onde apertou uma pequena quantidade de sal, suficiente para despertá-lo do transe momentâneo. “Nem Garrincha nem Pelé!” Os dois companheiros olharam abismados para o dono daquela boca que profanou qualquer bom senso em relação a essa eterna dúvida brasileira. “Nem Garrincha nem Pelé!”, repetiu. Em seguida, levantou-se e foi em direção ao banheiro, não tão limpo, do boteco.

Os dois que ficaram na mesa, ainda se recuperando das palavras estapafúrdias do amigo, entreolharam-se e, quase em uníssono, balançaram a cabeça negativamente. Com certeza, o terceiro amigo teria bebido demais. 

– Ele deve ter ido vomitar, não é possível que ele esteja bem. 

– Acho que foi a calabresa, muita gordura. 

– Vamos pedir a conta?

– É, já deu por hoje.

Dois minutos ou mais, lá vem o terceiro, trôpego. O olhar meio embaçado, mas nada que um dorso de mão não resolva. “Mais uma rodada, Juva!”, ele se dirige ao garçom de longa data. Os companheiros, estáticos, nem questionam. Eles simplesmente observam o amigo por alguns instantes, até que o Juva derrama mais uma garrafa nos copos sedentos.

Os dois amigos encaram o companheiro, esperançosos de uma resposta. Será que ele disse aquilo para contestar? Talvez nem se lembre mais do que disse. Os questionamentos iam e viam, quase ao ritmo das ondas do mar de Copacabana, logo ali.

– A Marta!, quase cuspiu. Ninguém discute a Marta, ninguém questiona se fulana ou sicrana é melhor que a Marta. Cracaça!!!, quase berra. Ela dribla como Garrincha, marca gol como Pelé, faz lançamentos como o Gerson e é tão inteligente como o Didi. Ninguém pode com ela, finalizou. 

Os outros dois ficaram apenas observando e, ao mesmo tempo, tentando encontrar argumentos para refutarem os argumentos postos, literalmente, na mesa. Não acharam nem um sequer, talvez por terem aberto a mente para a genialidade da Camisa 10, que há anos dribla as adversárias dentro das quatro linhas e, principalmente, muitos outros fora delas.

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