sábado, 13 de janeiro de 2024

Arthur Thomaz (O enigmático sorriso de Mona Lisa)


Por volta dos anos 70, em uma visita ao Museu do Louvre, um casal de jovens hippies, conversava e trocava carícias em frente ao quadro de Mona Lisa. Eram brasileiros e comentavam as maravilhas da praia de Arembepe, na Bahia, onde o amor era livre e não havia a imposição de roupas.

Ao ouvir isso, Gioconda, que há algum tempo vinha pensando em tentar algo diferente desse isolamento total a que era submetida, não podendo ser tocada, receber um abraço ou um beijo, aguardou a chegada da noite e esgueirou-se vagarosamente para fora da tela.

Fotografou-se em tamanho natural com sua Rolleiflex, colou a imagem em seu lugar, dentro da moldura, driblou a segurança e partiu em busca de seus seculares sonhos reprimidos.

Ao chegar, deparou-se com um homem moreno, com olhos cor do mar e um sorriso alvo como as areias da praia, que ofereceu-lhe uma geladíssima água de coco e um lugar em sua rede.

À noite, levou-a até seu bangalô e mostrou-lhe a arte do amor, nela represada há centenas de anos. Todas as madrugadas, antes de partir em sua jangada, ele a acordava, e fazendo amor, sempre lhe dizia brincando que era melhor agora, pois nunca se sabe o que pode vir a ocorrer depois.

Em pouco tempo, ficou conhecida como Gioconda das Flores, pelas margaridas que usava nos cabelos. Viviam da venda do pescado e dos artesanatos que ela aprendera a fazer com as outras mulheres da aldeia.

Ele chegava sempre com sabor de maresia nos lábios, que ela sorvia com sofreguidão em longos beijos. Um dia, a jangada não voltou. Derrubada por uma grande, tempestuosa e intempestiva onda. 

Consultado a respeito do acontecido, Netuno limitou-se a enviar uma protocolar carta, em que afirmava não ter conotação de inveja do amor dos dois mortais e que não passara de um fortuito fenômeno marítimo.

Atarantada, reuniu seus pertences, deu um último olhar para a felicidade que estava sendo obrigada a deixar no bangalô e dirigiu-se até a cidade para vender o restante dos artesanatos e voltar ao passado.

Após a feira, no caminho para a rodoviária, foi abordada por dois rapazes em um carro, que perguntaram se ela tinha alguém e quanto custaria para sair com eles.

Ela respondeu que era de Leonardo da Vinci, e eles, zombando, disseram que dariam 30 reais. Nesse momento, chegou um casal de policiais em ronda, que afugentou os mal-intencionados.

Levaram-na até a delegacia para colher informações e orientá-la. Foi aí que instalou-se a confusão, porque ela, sem documentos oficiais, afirmou morar anteriormente em Paris e citou como referência o nome de Leonardo da Vinci, um italiano.

Com essas declarações, trajando roupas típicas dos hippies, afirmando que residira em Arembepe, causou estranheza nos agentes, eles acionaram os cônsules dos dois países.

Obviamente, os dois chegaram visivelmente mal-humorados ao serem acordados no meio da madrugada. Ligaram para o Louvre, que respondeu nada haver de anormal no quadro da Mona Lisa. O cônsul italiano alegou não saber o paradeiro do tal Leonardo e consultou a Interpol a respeito.

Gioconda disse que precisava conversar com o curador do museu e pediu que chamassem um especialista em pinturas renascentistas para avaliar pormenorizadamente o quadro em questão.

Caos internacional, com a imprensa noticiando o roubo de um dos quadros mais valiosos do mundo, substituído por uma fotografia. Cerca de 50 agentes do serviço secreto foram mobilizados para reconduzi-la ao país de origem. 

Trocaram suas roupas, cabeleireiros famosos refizeram seu penteado original e maquiaram-na para esconder o bronzeado que ela adquirira nas praias. Enfim, envidaram todos os esforços possíveis para torná-la o mais parecido com a imagem anterior.

Só não conseguiram esconder o enigmático sorriso de felicidade que ela adquirira com o intenso amor vivido naquela aventura em Arembepe.
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Arthur Thomaz da Silva Neto é natural de Campinas/SP. Segundo Tenente da Reserva do Exército Brasileiro e médico anestesista.

Fonte> Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: imponderáveis. Volume 3. Santos/SP: Bueno Editora, 2022. Enviado pelo autor.

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