Escuta-me bem, Dolores,
Não queiras meu nome aqui:
Ele não é colibri
Para viver entre flores.
Tu’alma, irmã de Jesus,
Como consente ficar
Sobre a mesa de um altar
Um pobre círio sem luz?
Meu triste nome choroso
Quer uma outra habitação;
Guarda-o no teu coração,
Lírio celeste e formoso!
Rasga esta folha, Dolores,
Não deixes meu nome ai:
Ele não é colibri
Para viver entre flores.
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NOITE CRUEL
Morrer... morrer... morrer... Fechar na terra os olhos
A tudo o que se ama, a tudo o que se adora;
E nunca mais ouvir a música sonora
Da ilusão a cantar da vida nos refolhos...
Sentir o coração ferir-se nos escolhos
De tormentoso mar, — pobre vaga que chora!
E no arranco final da derradeira hora,
Soluçando morrer num oceano de abrolhos.
Nem ao menos beijar — ó supremo desgosto!
A mão doce e fiel que nos enxuga o rosto
Mostrando-nos o céu suspenso de uma Cruz...
E perguntar a Deus na agonia e nas trevas:
Onde fica, Senhor, a terra a que nos levas,
Com as mãos postas no seio e os dois olhos sem luz?!
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NUM LEQUE
Na gaze loura deste leque adeja
Não sei que aroma místico e encantado...
Doce morena! Abençoado seja
O doce aroma de teu leque amado!
Quando o entreabres, a sorrir, na Igreja,
O templo inteiro fica embalsamado...
Até minh’alma carinhosa o beija,
Como a toalha de um altar sagrado.
E enquanto o aroma inebriante voa,
Unido aos hinos que, no coro, entoa
A voz de um órgão soluçando dores,
Só me parece que o choroso canto
Sobe da gaze de teu leque santo,
Cheio de luz e de perfume e flores!
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NUNCA MAIS
Que é feito de meu sonho, um sonho puro
Feito de rosa e feito de alabastro,
Quimera que brilhava, como um astro,
Pela noite sem fim do meu futuro?
Que é feito deste sonho, o cofre aberto
Que recebia as gotas de meu pranto,
Bagas de orvalho, folhas de amaranto,
Perdidas na solidão de meu deserto?
Ele passou como uma nuvem passa,
Roçando o azul em flor do firmamento...
Ele partiu, e apenas o tormento,
Sobre minh’alma triste, inda esvoaça.
Meu casto sonho! Lá se foi cantando,
Talvez em busca de uma pátria nova.
Deixou-me o coração como uma cova,
E dentro dele, o meu amor chorando.
Nunca mais voltará... Pois, que lhe importa
Esta morada lúgubre e sombria?
Não pode agasalhar uma alegria
Minh’alma, pobre morta!
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NOEMI
Eu quisera saber em que ela pensa,
Esta mimosa e santa criatura
Quando indeciso o seu olhar procura
Alguma estrela pelo azul suspensa;
E que tristeza, indefinida, imensa,
Do seu olhar na flama, ardente e pura,
Intérmina e suave se condensa
Como as brumas no céu em noite escura.
Pobre criança! Que infinita mágoa
Punge-te o seio e te anuvia os olhos
— Benditos olhos sempre rasos d’água!
Choras... E o mundo te oferece flores...
Deixa os espinhos, lágrimas e abrolhos,
Só para mim, que só conheço dores!
Fonte: Auta de Souza. Poemas. Publicado postumamente em 1932. Disponível em Domínio Público.
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