domingo, 14 de janeiro de 2024

Laé de Souza (Desconversa)

Chegou em casa taciturno, tirou o paletó e avisou a mulher que, após a janta, haveria uma reunião familiar. 

A vontade do filho era que fosse logo, para evitar expectativas e apreensões, mesmo porque a vontade de jantar já se fora. Mas quem ousava tocar no assunto quando Ambrosiano estava naqueles dias?

Intimamente, todos passaram em revista suas últimas vaciladas e se perguntaram se não seriam o motivo daquela conversa, que parecia ser séria.

Após o silencioso jantar, Ambrosiano abriu a reunião com um discurso sobre a crise do país e a necessidade de corte nos supérfluos, fixando-se numa blusa nova da mulher, que avermelhou-se e encolheu as pernas para esconder um sapato do anúncio da TV. Falou que, a partir daquele momento, estava instituído o controle das despesas e que ele faria anotações de tudo o que fosse gasto na casa, tostão por tostão. A mesada dos filhos seria reduzida, dentro de uma realidade econômica e das necessidades de jovens da idade deles.

A mulher sentiu-se indignada com o tal controle, que mais parecia desconfiança do que economia. Mais do que ela fazia, era impossível, tirar mais o quê? 

Joãozinho, duvidou que ele soubesse quais as necessidades do jovem de hoje: "Teu tempo era outro e as marcas são da nossa geração."

Ambrosiano contra-argumentou que o preço que se pagava pela marca era ilusório e que se vestia bem com preços menores. De qualquer forma, não estavam discutindo o que se iria comprar, mesmo porque, as compras estavam suspensas. Joãozinho deu uma risadinha, não conseguindo ver-se com as tais roupas e bateu pé firme contra a redução da mesada.

Ambrosiano dispunha-se a não baixar o valor da mesada, mas seria criado um desconto para ajuda na manutenção do lar, A crise existe e nós temos que nos adaptar aos novos tempos.

A mulher questionou-o sobre em que estava ele sendo afetado pela crise, vez que seu salário continuava igual e ao que se sabia, os preços estavam estabilizados. 

Agora, disse ela, se tu parar com essa coisa de dar uma mãozinha para os teus parentes, será necessário este tal arrocho?

Joãozinho aproveitou a deixa da mãe para perguntar ao Ambrosiano se também estava nos planos dele cortar a cerveja e começar a ir trabalhar de ônibus.

Ambrosiano não respondeu nem a um, nem a outro, percebendo que a coisa ia continuar do mesmo jeito. De cara feia, dirigiu-se ao quarto, torcendo para que no dia seguinte estivesse na lista de corte na empresa e, aí sim, eles iriam perceber que estamos mesmo em crise e, em pouco tempo, aprenderiam com quantos paus se faz uma canoa.

Fonte> Laé de Souza. Acredite se quiser. SP: Ecoarte, 2000. Enviado pelo autor

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