quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Epigramas


Na Grécia, a epigrama era uma curta inscrição destinada a fixar a lembrança de um grande homem ou de um fato memorável sobre um monumento público ou privado, mas, em seguida, passou a recobrir também a elegia, a sátira, o cinismo e outras tantas formas de expressão do sentimento humano. (Carlos Alberto Zeron, Jornal da USP, 31/08/2018)


ALBERTO RAMOS
Pelotas/RS, 1871 – 1941, Rio de Janeiro/RJ

De tônico e tintura este vate usa e abusa.
Não há filtro capaz de redourar-lhe a musa.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Os velhacos e os maus, juiz inclemente
zurzes com a pena rábica e ferina...
Só não falas de ti – pois francamente
perdes o tema de melhor verrina!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

ANÔNIMO

Com certa mulher travessa
O demo, um dia, brigou.
São Pedro, que os separou,
Cortou aos dois a cabeça.

Diz-lhe Deus: - Exageraste...
Trata já de colocar,
de novo, no seu lugar,
as cabeças que cortaste.

São Pedro – e com esta acabo –
Tal fez. Mas pôs, sem querer,
Ao diabo, a da mulher
E à mulher, a do diabo!”
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

“Quando existiam bárbaras nações,
nas cruzes penduravam-se os ladrões.
Agora, neste século das luzes,
ao peito de ladrões penduram cruzes!”
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

“Um professor conhecido,
Com ênfase, a um escolar:
- Diga lá. Que tempo é amar?
- Amar... é tempo perdido!”
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

ANTONIO DINIS DA CRUZ E SILVA
Lisboa/Portugal, 1731 – 1799

Quando, Laurindo, sais tão penteado,
Tão nédio, tão gentil e tão rosado,
Da matreira raposa num momento
Logo me vem o dito ao pensamento:
Oh que bela cabeça por Apolo!
Mas que prol*! Se não tem dentro miolo.

(evocando a fábula da raposa e da máscara)
* prol = vantagem
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

ANTÔNIO SALES
Fortaleza/CE, 1868 – 1940

– A fealdade é um direito;
Por isso ninguém a acusa.
Mas ser feia desse jeito…
Perdão: a senhora abusa!

A opinião severíssima
te condena sem razão:
tu serias fidelíssima
se fosses… mulher de Adão.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

BOCAGE
(Manuel Maria de Barbosa l'Hedois du Bocage)
Setúbal/Portugal, 1765 – 1805, Lisboa

Não veio a morte buscar-te
Com o seu chamante robusto,
Porque receia ao encarar-te
Morrer a Morte de susto.

(A uma velha muito feia)
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

CECÍLIA MEIRELES
(Cecília Benevides de Carvalho Meireles)
Rio Comprido/RJ, 1901 – 1964, Rio de Janeiro/RJ

És precária e veloz, Felicidade.
Custas a vir, e, quando vens, não te demoras.
Foste tu que ensinastes aos homens que havia tempo,
e, para te medir, se inventaram as horas.

Felicidade, és coisa estranha e dolorosa.
Fizeste para sempre a vida ficar triste:
porque um dia se vê que as horas todas passam,
e um tempo, despovoado e profundo, persiste.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

CLÓVIS AMORIM
(Clovis Gonçalves Amorim)
Amélia Rodrigues/BA, 1912 – 1970, Salvador/BA

Veio ao mundo esse Raimundo 
Devido a um erro, talvez, 
E só Deus que fez o mundo 
Sabe ao certo quem o fez.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

DIONÍSIO CATÃO
(Século III, poeta latino)

Se me lembro, Élia, tiveste
De belos dentes a posse:
Numa tosse dois te foram,
Foram-te dois noutra tosse.

Segura, noites e dias,
Podes tossir a fartar;
Podes, que tosse terceira
Já não tem que te levar.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

JOÃO AMADO PINHEIRO VIEGAS
Salvador/BA, 1865 – 1937

Entre as folhas amarelas,
A melhor é o Imparcial.
Mas, como paga em parcelas, 
Só pode ser parcial.

(contra o jornal baiano O Imparcial que pagou a Pinheiro Viegas parceladamente um artigo de sua autoria)
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

JOÃO SALOMÉ QUEIROGA
Serro/MG, 1810 – 1878

Oh, deste patrono a musa,
Diz o povo, não se entende,
Pois quando defende, acusa,
E quando acusa, defende…

(a um advogado no júri)
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

LAFAYETE SPÍNOLA CASTRO
Sebastião Laranjeiras/BA, 1930 – 2009, Guanambi/BA

É um caso de embasbacar,
mas, que faz a gente rir:
O De Nancy – a velar…
E seu talento – a dormir!

(Sobre o literato baiano De Nancy Avelar)
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Uma coisa aconteceu
Que a todo o mundo intrigou:
O Tesouro emagreceu
E o tesoureiro engordou!

(sobre um tesoureiro que guardava o dinheiro público em seu próprio bolso)
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

LOPE DE VEGA
(Félix Lope de Vega y Carpio)
Madri/Espanha, 1562 – 1635

“Quis perguntar certo amante,
a um sábio extraordinário,
que seria necessário
para a Mulher ser constante.

Diz-lhe este, sem vacilar:
- Cá no meu fraco entender,
não ter olhos para ver
nem ouvidos para escutar.”
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

MILLOR FERNANDES
(Milton Viola Fernandes)
Rio de Janeiro, 1923- 2012

Aqui jaz minha mulher
que partiu para o Além.
Agora descansa em paz
e eu também.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

PADRE CELSO DE CARVALHO
Curvelo/MG, 1913 – 2000, Diamantina/MG

Se toda ilusão frustrada
se tornasse assombração,
que casa mal assombrada
não seria o coração!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

ROBERTO CORREIA
Salvador/BA, 1876 – 1937

Carroceiro, desalmado,
– diz o burro – vê que tu és
meu irmão! mas, aleijado,
que nasceste com dois pés!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

De muitos “doutores” sei
Que fundamente acatamos,
Aos quais, se dizem: – cheguei”,
Retruca a Morte: – “chegamos”.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

No Brasil, é pragmática,
Das discussões na fervura,
Entrar – no meio – a gramática,
No fim a descompostura.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

VICTOR CARUSO
Campinas/SP, 1888 – 1967 

Jaz aqui um matemático.
Se dele queres saber
Pede à historia que to diga:
Sendo do cálculo amador fanático
Teve para morrer um meio prático
E resolveu morrer
De cálculos na bexiga...

(A um matemático)

Fonte> R. Magalhães Junior. Antologia de humorismo e sátira. RJ: Bloch, 1998.

Nenhum comentário: