quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Auta de Souza (Poemas Escolhidos) – 13 -


NOITES AMADAS

Ó noites claras de lua cheia!
Em vosso seio, noites chorosas,
Minh’ alma canta como a sereia,
Vive cantando num mar de rosas;

Noites queridas que Deus prateia
Com a luz dos sonhos das nebulosas,
Ó noites claras de lua cheia,
Como eu vos amo, noites formosas!

Vós sois um rio de luz sagrada
Onde, sonhando, passa embalada
Minha Esperança de mágoas nua...

Ó noites claras de lua plena
Que encheis a terra de paz serena,
Como eu vos amo, noites de lua!
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OBRIGADA!

...E tu rezas por mim! Como agradeço
Essa esmola gentil de teu carinho...
Como as torturas de minh’alma esqueço
Nessa tua oração, floco de arminho!

Eu te bendigo, ó santa que estremeço,
Alma tão pura como a flor do linho.
É tua prece à mágoa que padeço
Asa de pomba defendendo um ninho!

Reza, criança! Junta as mãos nevadas
E cerra as níveas pálpebras amadas
Sobre os teus olhos como um lindo véu...

Depois, nas asas de uma prece ardente,
Deixa cantar minh’ alma docemente,
Deixa subir meu coração ao céu!
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O BEIJA-FLOR

Acostumei-me a vê-lo todo o dia
De manhãzinha, alegre e prazenteiro,
Beijando as brancas flores de um canteiro
No meu jardim — a pátria da ambrosia.

Pequeno e lindo, só me parecia
Que era da noite o sonho derradeiro...
Vinha trazer às rosas o primeiro
Beijo do Sol, nessa manhã tão fria!

Um dia, foi-se e não voltou... Mas, quando
A suspirar, me ponho contemplando,
Sombria e triste, o meu jardim risonho...

Digo, a pensar no tempo já passado;
Talvez, ó coração amargurado,
Aquele beija-flor fosse o teu sonho!
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O CORAÇÃO E O BEIJO

Meu coração chorava e eu lhe dizia:
Por que choras assim, pobre criança?
E o triste, a soluçar, me respondia:
Ninguém pode viver sem Esperança.

Tu tens a Fé. — A Fé? Mas, o que é dela
Sem da Esperança as ilusões serenas?
Um céu à noite sem nenhuma estrela,
Um’ alma em flor sem um sorriso apenas...

— Mas tens a Caridade. — A Caridade?
Ah, sim! o vinho que embriaga a dor.
Mas eu não amo... Pois, não é verdade
Que a Caridade é o que se chama — amor?

Nisto passava uma criança linda,
Botão de lírio, imaculado e santo.
Meu coração que soluçava ainda
Sorriu ao ver o melindroso encanto.

E foi beijar-lhe os pequeninos lábios,
Folhas de rosa abrindo de manhã,
Onde adejavam místicos ressabios
Dos beijos de uma mãe e de uma irmã...

Compreendeu, então, o desolado
A linguagem sublime desse harpejo:
Neste mundo de lágrimas povoado,
A Caridade pode estar num beijo!
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PÁGINA AZUL

No país de minh’ alma há um rio sem mágoas,
Um rio cheio de ouro e de tanta harmonia,
Que se cuida escutar no marulhar das águas
Do sussurro de um beijo a doce melodia.

Este rio é o meu sonho, um sonho azul e puro,
Como um canto do céu, como um braço do mar;
Loura réstia de sol a rebrilhar no escuro,
Casta luz que cintila em torno de um altar.

De um altar que palpita e que sofre e que sonha,
Soletrando a cantar a linguagem do amor...
Do altar do Coração, a paisagem risonha
Onde brotam sorrindo as ilusões em flor.

Vem beber, meu amor, neste rio que é fonte,
É fonte de esperanças e lago de quimera...
Vem morar num país que não tem horizonte,
Onde não chora o Inverno e só há Primavera.

Fonte: Auta de Souza. Poemas. Publicado postumamente em 1932. Disponível em Domínio Público.

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