sábado, 25 de agosto de 2012

Ademar Macedo (Décima: O Sertão é um Poema)


Olivaldo Junior (Destino atroz)

Ao meu amor

Eu tentei, ó Destino, não amar
quem não ama, nem é do coração
que só sabe em poemas malograr,
consagrando por mim a solidão.

Eu falhei, ó Destino, no gostar
de quem chamo e reclamo sem razão,
pois só sabe em mil penas me lograr,
conquistando de mim desilusão.

A quem amo, dou “pétalas” de mim,
dou a minha palavra, mesmo triste,
para o meu girassol, do meu jardim.

O jardim, sem quem amo, não resiste,
mas resisto, e persiste, até meu fim,
meu amor, ó Destino, a quem desiste.

Fonte:
O autor

Malba Tahan (O Mensageiro da Morte)

Na última curva da estrada Te-ha-tá parou e olhou para o céu. As montanhas sombrias, cobertas de neve, pareciam gigantes encanecidos que vigiavam silenciosos as fronteiras do Tibete. O sol, já perto do horizonte, retardava a sua marcha como se quisesse receber as últimas preces com que os monges imploravam a misericórdia do Senhor da Compaixão.

A sombra de um vulto surgiu, sobre uma pedra, na margem da estrada. Te-ha-tá tremeu de pavor. Em seu caminho achava-se o impiedoso Han-Ru, o Anjo da Morte, o mensageiro da dor e da desolação.

O coração tem, por vezes, o dom de pressentir a desgraça. Te-ha-tá, ao avistar o Anjo da Morte, lembrou-se de sua noiva, a formosa Li-Tsen-li. Te-ha-tá dirigiu-se, pois, sem hesitar, ao mensageiro cruel do Destino.

- Han-Ru, ó gênio desapiedado! - exclamou. - Que procuras aqui, quase à sombra da casa da encantadora Li-Tsen-lí? Bem sei que a tua presença vale por uma sentença de morte.

Respondeu Han-Ru, com a paciência de um enviado do Eterno:

- A tua inquietação é legítima, meu amigo. Vim a este recanto buscar a tua noiva Li-Tsen-li. Chegou, pela determinação do Destino, o termo de sua existência neste mundo. Lí-Tsen-li vai morrer!

- Piedade, Han-Ru! Piedade! - implorou Te-ha-tá. - Ela é tão jovem, e tão prendada! Deixa viver Li-Tsen-li!

O Anjo da Morte meditou em silêncio durante alguns instantes e depois, sem erguer o rosto, disse: - Sei que tens direito a uma vida longa e tranqüila; restam-te, ainda, quarenta e seis anos de vida. Poderás ceder à tua noiva a metade do tempo que te cabe, no futuro, para viver. Li-Tsen-li ficará, portanto, com direito à metade de tua vida e viverá em tua companhia, vinte e três anos. Findo esse prazo, morrerão ambos no mesmo instante? Aceitas essa proposta?

As palavras de Han-Ru fizeram hesitar o jovem Te-ha-tá. Quem, decerto, não ficaria indeciso antes de sacrificar, cedendo a outrem, a metade da própria vida?

- A tua sugestão, Han-Ru, implica uma decisão de infinita gravidade para a minha vida. Não poderei tomar uma decisão nesse sentido, sem, previamente, consultar os meus três grandes amigos. Poderás esperar que eu ouça a opinião daqueles que sempre me auxiliaram e me orientaram na vida?

- Farei como pedes, meu amigo - respondeu o Anjo da Morte. - Até o findar da noite que vai começar, aguardarei a tua palavra final. Deverás voltar, com a tua decisão, à minha presença, antes do amanhecer.

Partiu Te-ha-tá em busca dos amigos, cujos sábios conselhos pretendia ouvir. Deveria ele como noivo sacrificar a metade da sua vida para salvar das garras da Morte a criatura amada?

O primeiro amigo de Te-ha-tá era um artista tibetano de assinalados méritos. Su-Liang sabia esculpir com admirável perfeição, na pedra ou na madeira, e os seus trabalhos eram muito apreciados.

Eis como Su-Liang, o escultor, falou a Te-ha-tá:

- A vida, meu amigo, só tem sentido quando a sua finalidade é traduzida por um grande e incomparável amor. E o amor que dispensa sacrifícios e renúncias não é amor; é a expressão grotesca de um capricho vulgar. Feliz aquele que pode demonstrar a grandeza de seu coração medindo-a pela extensão de um ingente sacrifício. Pela mulher amada deve o homem sacrificar, não apenas a metade de sua vida, mas a vida inteira! Que importa, Te-ha-tá, uma existência longa, torturada pela dor de uma incurável saudade? Preferível, mil vezes, que vivas a metade de tua vida à sombra feliz do amor delicioso de tua eleita. No teu caso eu não teria hesitado, um só instante, em aceitar a proposta do terrível Han-Ru.

O segundo amigo de Te-ha-tá chamava-se Niansi. Era hábil caçador e auferia consideráveis lucros mercadejando peles.

Ao ouvir a consulta do jovem, Nian-si não se conteve.

- É uma loucura, Te-ha-tá! Onde se viu um moço, rico e cheio de saúde, sacrificar a metade da vida por causa de uma mulher? Encontrarás, pelo mundo, milhões e milhões de mulheres lindas. Aqui mesmo (no Tibete) poderás topar, em qualquer aldeia, com centenas de meninas, algumas das quais nada ficariam a dever, julgadas pelos seus predicados de graça e beleza, à tua noiva Li-Tsen-li! Desgraçada a idéia de quereres adiar o termo da existência de uma mulher com o sacrifício de vinte e tantos anos de tua vida! E quem poderá prever o futuro? Amanhã, essa mulher, arrebatada por uma nova paixão e deslembrada do sacrifício que por ela fizeste, abandonar-te-á e irá viver, nos braços de outro, a vida que é a tua própria vida! Que farás, então, vendo-a ceder a um odiento rival os dias roubados ao rosário de tua existência? Penso que não deverias ter hesitado ante a proposta descabida de Han-Ru, repelindo-a no mesmo instante.

A divergência entre os dois amigos mais fez crescer a indecisão e a incerteza no coração de Te-ha-ta.

- Vou ouvir - pensou o jovem - a opinião do prudente Kín-Sa. Só ele poderá indicar-me o caminho a seguir.

Kín-Sa, citado no Tibete como um estudioso das leis e dos ritos, assim falou ao apaixonado noivo:

- Se amas realmente Li-Tsen-li, acho que deves ceder, a essa jovem, a metade do tempo que te resta para viver. Convém, entretanto, impor uma condição. A parcela de vida, depois de cedida a Li-Tsen-li, poderá ser retomada por ti, em qualquer momento. Terás, assim, a tua tranqüilidade garantida no caso de uma infidelidade de tua futura esposa. Se ela, por qualquer motivo, não se mostrar digna de teu sacrifício, perderá o direito ao resto da vida que lhe cabia viver! Fora dessa condicional, qualquer outra solução para o caso não passaria de irremediável loucura!

E concluiu o seu conselho com estas palavras:

- Fizeste bem em hesitar. A hesitação é irmã da Prudência. Só os loucos e temerários é que nunca hesitam.

Achou Te-ha-tá bastante prudente e razoável a proposta sugerida pelo douto Kin-Sa, e levou-a, sem perda de tempo, ao conhecimento de Han-Ru, o Enviado da Morte.

Han-Ru aceitou a condição imposta pelo noivo:

- Está bem, Te-ha-tá. Aceito a tua proposta. A bondosa Li-Tsen-li vai viver os vinte e três anos. Esta parcela de vida não foi, porém, dada, mas sim "emprestada".

Passaram-se muitos meses. Li-Tsen-li casou-se com o jovem Te-ha-tá, e os dois eram citados como os esposos mais felizes do Tibete. Li-Tsen-li, depois do casamento, passou a chamar-se Ti-long-li, vocábulo que significa "minha vida querida".

Um dia, afinal, Te-ha-tá foi obrigado a fazer uma longa viagem para além das fronteiras de sua terra. Deixou Ti-long-li e seu filhinho, que já contava algumas semanas, em companhia de seus pais.

Quando regressou, tempos depois, teve a surpresa de encontrar os seus três amigos que o aguardavam na entrada da pequena povoação.

- Onde está Ti-long-li? - perguntou, ansioso, aos amigos. - Por que não veio? Estará doente? Que aconteceu à Ti-long-li?

Disse um dos amigos:

- Enche de ânimo e de coragem o teu coração, ó Te-ha-tá ! Uma grande desgraça, há três dias, caiu sobre a tua vida!

- Desgraça? - repetiu, aflito, Te-ha-tá. - Horrível esta angústia! Vamos! Quero saber a verdade! Onde está Ti-long-li?

- Morreu!

- Morreu! - gritou Te-ha-tá, desesperado. - Não é possível! Não podia morrer! Eu sacrifiquei por ela, metade de minha vida!

E Te-ha-tá, dominado pela dor e revoltado pelo infortúnio de haver perdido a sua esposa querida, entrou a blasfemar como um possesso, contra o Senhor da Compaixão. Erguia os braços para o céu; rolava, por vezes, sobre a terra. Insultava o nome do Criador. Os amigos afastaram-se, cautelosos. Era preciso deixar o infeliz Te-ha-tá dar plena expansão à indizível angústia que lhe esmagava o coração.

Em dado momento Te-ha-tá viu surgir diante de si a figura de Han-Ru, o Anjo da Morte.

- Han-Ru! - bradou, num tom de incontido rancor. - Faltaste com a tua palavra. Que fizeste de Ti-long-li?

- Escuta, Te-ha-tá - respondeu Han-Ru. - Preciso dizer-te a verdade, para que não continues a blasfemar desse modo. A tua esposa deveria viver vinte e três anos. Um dia, porém, o seu filhinho adoeceu gravemente. O pequenino ia morrer. Que fez a tua esposa? Pediu, em preces, que a sua vida fosse dada ao filhinho enfermo para que ele pudesse viver! Salvou-se o teu filho, mas tua esposa morreu!

E, ante a estupefação de Te-ha-tá, o Anjo da Morte concluiu:

- E enquanto tu, como noivo, hesitaste em ceder a metade de tua vida, ela, mãe extremosa, não hesitou um segundo em dar, pelo filhinho, a vida inteira!

 Fonte:
Malba Tahan. Minha Vida Querida.

Betha M. Costa (Livro de Poemas)

FILHA DA AMAZÔNIA

Nasci d’água marajoara,
Moreno-jambo na cor,
Filha do luar paroara,
Com a vitória-régia em flor.

Saias estampadas coloridas,
Danço o sensual carimbó,
Nas cadências já conhecidas,
Que aprendi com minha avó.

Como maniçoba e tapioca,
Comidas típicas gostosas:
Viva a sagrada mandioca,
Das raízes às folhas venenosas!

Samaumeira do meu bem,
De tucupi e açaí sou regada,
Nos rios que cortam Belém,
Vôo junto às passaradas.

Nasci d’água marajoara,
Moreno-jambo na cor,
Filha do luar paroara,
Com vitória-régia a flor!

SOB VÉU RENDADO

Sob rendado véu do silêncio escuto,
Colho palavras ditas pelos ventos,
Apontamentos que na mão perscruto,
Para unir momentos e sentimentos.

Luto por fazer um verso impoluto,
Livre, solto, de melhores caimentos:
Aos olhares, poemas sacros e bentos,
Aos tristes corações - luz e tributo.

Entrelinhas, eu preencho com alentos,
De letras, sons e outros elementos,
Para de o escrito germinar bom fruto...

As letras dos versos são condimentos,
D’alma e corpo puros contentamentos:
Alimentos que sob renda desfruto!

PARA QUEM AMOU SEM SER AMADO

Um grande tapete florido e belo,
Tingido pela vermelha paixão,
Para essa louca rainha sem castelo,
Expuseste o teu nobre coração.

Com ouro puro, do mais amarelo,
Respeito, carinho e muita atenção,
Beijos, doces olhares em anelo,
Ungiste-a de mágica poção...

Deste-lhe a tua vida, amor em elo,
Tanto apego, zelo e dedicação,
Aos teus bons olhos: só desilusão.

Bela na aparência, jeito singelo,
O peito era só fel e perdição,
Amar sem ser amado: maldição!

POEMA DE MAR E AMAR

Ondas espumam em desenhos no ar,
Harmonia, leveza, pura magia,
Eu rubro barco na costa a remar,
Coração acelerado, em euforia...

Lanço minhas mãos ao clarão do luar,
Com os braços abertos e alegria,
Rogo ao Deus e Senhor do meu Altar,
Orientação através de um Anjo-Guia.

Sou uma pobre e pecadora Maria,
A suplicar aqui deste triste lugar,
Que na tua vida possas me aceitar...

Teu calor aquecer-me a noite fria,
Navegar ao bel prazer do teu mar:
Ah, doce felicidade de amar!…

BORBOLETA DE PAPEL

Admiro-te! Voas leve e linda folha,
Trazes ao corpo letras desenhadas,
Para que minha imaginação as colha,
E as pinte nas cores d’alma encantadas.

Bates asas para lá e para cá,
Espalhas mágicos polens de versos,
Semeias poemas flores de manacá,
Dos tons brancos aos lilases diversos...

Que pena tua vida seja tão breve,
E com o repentino cair das chuvas,
A correnteza na sarjeta a leve!...

Ó, borboleta de papel que turvas,
Por águas ora barrentas da verve,
Acode meu amor e suas doces curvas!

O COLECIONADOR DE PAIXÔES

Gajo gentil e de mui boa conversa,
Intelectual que vive em Portugal,
Manhoso e esperto feito gato persa,
Conquista a ala feminina geral.

Seu sorriso aberto é uma arma letal.
Pobre da moça que ele se interessa,
E com desapego e emoção fatal,
O rútilo coração lhe arremessa!...

Descolado, sem nem uma promessa,
Com jeito cordial de fazer corar,
Envolve as raparigas bem depressa.

Réu confesso e isento de compaixões,
Nem foi julgado por colecionar,
E matar a queima-roupa as paixões!

MATA-BORRÃO

Vem calado, achega-te e me beija!
Apazigua a chama que me incendeia,
Para que com olhos de amor te veja,
E caia como tola presa em tua teia...

Carente e licenciosa prisioneira,
Além do limite dos teus abraços,
Seja eu maga ou malvada feiticeira,
Para deixar no teu corpo os meus traços.

Livre da teia, mágicos poemas em penhor,
Que eu escrevi na tua mui amada presença,
Queimaram-se e perderam o valor...

Estrelas decadentes e sem cor,
Caíram ao solo da tua indiferença,
Como mata-borrão do nosso amor.

MINHAS LÁGRIMAS

Desses meus olhos de muitas tristezas,
Colhi lágrimas das dores distantes,
Guardei-as no cântaro das belezas,
E delas tu provaste por instantes...

Ah, que não adoeças da minha loucura,
Nem agregues as minhas incertezas!
Que elas te banhem d’águas de ternura,
E libertem tua alma das impurezas!

Ao teu peito cansado dêem leveza,
Os luzeiros dos mais puros diamantes,
E tirem do teu coração a fraqueza...

Voes além da vilania e pequeneza,
Das nuvens cinza tais véus errantes...
E abre-te para a vida em grandeza!

SEMENTES DE ILUSÕES

Eu plantei fumaças de mil odores,
Palavras licores com chocolates,
Doces olhares das mais belas cores,
Do branco bem calmo ao tenso escarlate.

Arei terras frágeis em plantações,
Adubei-as de afetos sorrateiros,
Até fecundei em negros corações,
Grãos d’amores-perfeitos altaneiros.

Reguei com as melhores intenções,
Usei de puras águas aos canteiros,
E aguardei muito ansiosa as florações...

Nesse tempo de falsas impressões,
Nasceram pés mal-me-queres inteiros:
As sementes eram grãos de ilusões!

MIGALHAS DALMA

Na estrada já fui para ti “a bendita”,
Deixei passos marcados nesse chão,
Tal pedaços d’alma que vaga aflita,
Sou escombros de um amor que foi vão.

Só migalhas eu guardo nessa vida,
De pequenos vôos da imaginação,
Grande parte minha está perdida,
Escondida sob gestos da tua mão...

Mesmo com tuas migalhas iludida,
Eu vivia feliz entre o sim e o não:
A tua boca que me dava a guarida.

Ora alimenta-me a sobra devida...
O teu doce afeto que foi meu pão,
Alivia-me a fome recém-nascida.

COLCHA DE RETALHOS

Cada parte de uma grande amizade,
Coloquei nas mãos do melhor alfaiate:
Amor, paciência e solidariedade,
E faça-me uma colcha em arremate!

Tecida em ponto que nunca desate,
Que seja abrigo contra insanidade,
Amorteça a dor de qualquer embate,
E aqueça-me do frio da soledade.

Cuidadoso fez o artesão sua arte,
Dos fios mais delicados de bondade,
Teceu com a dedicação de um vate.

Por anos eu congelei sem piedade,
Minha tristeza não teve resgate:
A coberta ficou pronta mui tarde…

Fontes:
http://www.sonetos.com.br/sonetos.php?n=12056
1a. Antologia Poética Momento Lítero-Cultural

Betha M. Costa (Entrevistada por Selmo Vasconcellos)

Nascida em 26 de dezembro, na cidade Belém no Pará. Filha do médico José Maria de Mendonça com Rdª Yolanda Souza de Mendonça. Batizada Maria Elizabeth Souza de Mendonça, na infância ganhou o apelido de Betha, nome pelo qual se reconhece. Amante das letras escreve desde os 14 anos. Por força do casamento assina documentos oficiais como Maria Elizabeth de Mendonça Costa. Pediatra, mãe de dois rapazes. Adotou o pseudônimo Betha M. Costa e segue escrevendo poemas e prosas como hobby.

SELMO VASCONCELLOS - Quais as suas outras atividades, além de escrever?

Betha M. Costa – Sou médica pediatra. Também mãe, dona de casa, contadora, conselheira sentimental, psicóloga, pedagoga... Enfim: mulher! (risos)

SELMO VASCONCELLOS - Como surgiu seu interesse literário?

Betha M. Costa – A leitura sempre me atraiu. Em criança as fábulas de Esopo, La Fontainne, contos dos irmãos Grimm, Monteiro Lobato, os gibis... Comecei a tomar gosto por escrever, além de ler os romances de José de Alencar, os poemas de Gonçalves Dias e outros autores brasileiros e estrangeiros.

SELMO VASCONCELLOS - Quantos e quais os seus livros publicados dentro e fora do País?

Betha M. Costa – Participo com três textos em prosa da “Antologia Luso-Poemas 2008” (Edium Editores), em Portugal. É uma compilação de diversos textos de vários autores que publicam no site Luso Poemas. Apesar de estimulada por parentes, amigos e ter “paitrocínio” (risos), não tenho nenhum livro solo. Para mim a escrita é hobby e fator de interação com outros escritores amadores em sites e blogues.

SELMO VASCONCELLOS - Qual (is) o(s) impacto(s) que propicia(m) atmosfera(s) capaz (es) de produzir poesia?

Betha M. Costa – A poesia está em toda parte. De acordo com o momento e sensibilidade, o cotidiano dá ferramentas para quem gosta das letras fazer um poema ou uma prosa.Sou estudiosa. Preocupo-me em conhecer os estilos literários e de repente nasce um poema, conto, crônica...O que vier a imaginação!

SELMO VASCONCELLOS - Quais os escritores que você admira?

Betha M. Costa – Cecília Meireles, Clarice Lispector, Gonçalves Dias, Fernando Pessoa (Álvaro de Campos), Drumonnd, Fernando Sabino, Ferreira Gullar, Gibran, Hermann Hesse e tantos outros...

SELMO VASCONCELLOS - Qual mensagem de incentivo você daria para os novos poetas?

Betha M. Costa – Que não tenham medo de exporem-se através da palavra. Que procurem ler bastante, ter cuidado com ortografia e gramática, por respeito a si próprios e aos seus leitores.

Agradeço ao amigo Selmo o simpático convite, o estímulo e oportunidade para que eu mostre um pouco de mim e meus textos.

Fonte:
1a. Antologia Poética Momento Lítero-Cultural

Adolfo Caminha (A Normalista)

A normalista, de Adolfo Caminha, foi publicado há mais de 110 anos, em 1893. É um dos romances mais naturalistas da nossa literatura e aborda questões polêmicas consideradas interditas pela ordem social e política reinante: o incesto e o adultério, sexo, traição, família, libido e desnuda seus personagens de toda e qualquer roupagem de pudor ou outra virtude que mereça algum louvor.

Na obra existe o regionalismo. O local em que se desenrola o romance é Fortaleza, no Ceará. A maioria das ações acontecem em ambiente fechado, caracterizado sempre como um lugar simples, sem luxo e povoado de sentimentos pequenos.

Segundo o professor e pesquisador literário, M. Cavalcanti Proença, Adolfo Caminha teve a preocupação de se não tornar pomposo ou oratório, o que abriu lugar para muito material de linguagem regional de estilização do coloquial. Assim, recolhemos os exemplos “bichinha”, “rapariga de família”, “o peru era uma excelente bebida”, e mesmo ditos populares como: “pela cara se conhece quem tem lombrigas”, “sem tugir nem mugir”, e muitos outros. Na verdade, Adolfo Caminha não insiste em demasiado nas palavras de cunho regional, o que fazem outros escritores, para dar uma “cor local” a histórias ambientadas em lugares de fala bem característica. Há, em contraste, utilização de palavras eruditas, pouco usadas na comunicação quotidiana das conversas, do jornal, da televisão. Por exemplo: “seródia”, “rótula”, “tabernáculo”, “estiolando”, “almiscarado”.

Adolfo Caminha descreve com minúcia realista a atmosfera regional do passado. Josué Montello, em seu ensaio A ficção naturalista, afirma que A normalista “sobressaía pela transplantação fiel e natural da vida da província e vigor na fixação dos temperamentos e dos caracteres”.

O autor de assume uma postura inovadora visto que entende o processo da leitura como forma de conhecimento que prepara o leitor para a vida e é também fonte de prazer. Ele tem uma perspectiva de ruptura em relação ao seu tempo. Essa natureza emancipatória se revela principalmente em relação à mulher. Lídia, sendo instruída e tendo livros em casa, conseguiu um lugar social. Por outro lado, Maria do Carmo, criada por um professor que não possuía livros em casa, educada num colégio religioso foi seduzida pelo padrinho. Entretanto, o autor subverte a lógica patriarcal da sociedade novecentista cearense e resgata sua personagem no desenlace da narrativa.

Maria do Carmo, leitora experimentada tanto de obras religiosas quanto de obras consideradas perniciosas, saberá como professora, avaliar melhor a questão da leitura na escola. Sua experiência no passado, servirá de embasamento empírico para seu posicionamento na sua futura profissão. Não foram as leituras proibidas, lidas pela personagem, que a levaram ao “desvio de conduta”, e sim a credulidade naquele que considerava como pai.

A Normalista, considerada obra "libidinosa", quando de seu lançamento, ajusta-se perfeitamente às propostas do Determinismo. João da Mata desfruta sexualmente de sua afilhada. Maria da Mata, moça ingênua, de uma excepcional brandura de caráter, educada em uma casa de caridade e depois normalista. Pressionada pelo instinto sexual e por circunstâncias superiores à sua vontade, Maria do Carmo entrega-se ao padrinho, submetendo-se totalmente à lascivia de João da Mata.

Neste romance, a normalista Maria do Carmo é o pretexto para Adolfo Caminha apresentar aos leitores sua visão da Fortaleza de final do século XIX. De um lado, o povo miúdo: o pequeno funcionário público, a mulher que vendia rendas, o barbeiro, o guarda-livros, o lenhador e o alferes. Na outra banda, o governador da província, o coronel Souza Nunes, seu filho Zuza - estudante de direito - o jornalista José Pereira, o diretor e os professores da escola normal. A fraqueza do nexo lógico sentimental ou de qualquer natureza entre as várias peripécias da vida de Maria do Carmo sugere que Adolfo Caminha não conta simplesmente a história dela para distrair seus leitores: é a propósito da vida da normalista que ele vai delineando quadros da vida da capital cearense: uma aula na escola normal, o footing no passeio público, uma festa de casamento, um serão familiar etc.

Nesta espécie de painel de costumes, o autor parece querer demonstrar ao leitor toda a mesquinha sordidez da vida social na Fortaleza de seu tempo.

O mau humor para com a cidade é transparente, e costuma ser apontado pelos críticos e biógrafos de Adolfo Caminha como uma espécie de vingança: o autor jamais teria perdoado seus conterrâneos por estes lhe terem criticado os amores adúlteros e escancarados com a mulher de um colega.

Personagens principais

Maria do Carmo
- protagonista, é aquela que seria a detentora de todas as virtudes físicas, psicológicas e espirituais. No Naturalismo entretanto, encontraremos uma heroína "desfigurada". Pode ser uma mulher bonita, mas não tem qualquer firmeza de caráter. E assim é a protagonista do romance de Adolfo Caminha: um ser belo mas de inteligência inferior, movido pelos instintos e incapaz de modificar a própria existência, deixando-se levar pelos acontecimentos.

Zuza - é o personagem de quem a escola romântica esperaria rompantes apaixonados, sacrifícios em favor da amada, a luta contra todos os obstáculos para viver seu grande amor, não é senão um rapazola entediado com a vida daquela província "atrasadinha". Apesar de inicialmente reconhecer que nutre algum sentimento pela normalista, não vê nesse fato razão suficiente para contrariar os desejos de seu pai, nem os próprios projetos de ascensão social. Lamenta apenas não ter 'usufruído" todas as delícias que poderia haver conquistado em seus namoricos com Maria do Carmo.

João da Mata - personagem que não merece que se lhe atribua qualquer adjetivo de valor positivo, nem mesmo tem a coragem que demonstravam os vilões românticos para suas atitudes vis, pois age sempre dissimuladamente. Horrendo fisicamente, asqueroso, é um perfeito canalha, sem escrúpulos, sem dignidade, sem qualquer característica que o absolva. Sedutor de menores, caluniador, manipulador na política, usurpador dos bens públicos, reúne em si todos os dotes necessários para protagonizar a história naturalista que se desenrola a nossos olhos.

Enredo

A normalista conta a história de João da Mata, um amanuense de Fortaleza que recebe a incumbência de criar a sua afilhada, Maria do Carmo.

Maria do Carmo é uma menina do ïnterior que foge da seca com sua namília e, por conta da morte da mãe e da migração do pai, passa a viver na casa de seu padrinho, o Sr. João da Mata, amigado com Dona Terezinha. educada em colégio de orientação religiosa até tornar-se aluna da Escola Normal, ocasião em que se revela, aos olhos sedentos do padrinho, uma mulher já madura em seus atributos de feminilidade e extremamente atraente.

Inicia, contra a vontade de João da Mata que se mortifica de ciúmes, um namoro com Zuza, jovem estudante de Direito, filho de um dos coronéis da cidade. A relação, que a princípio tem a possibilidade de levar a um compromisso mais sério, é comentada maliciosamente em toda a cidade, e provoca a desaprovação do pai do rapaz, que exige o seu imediato retorno a Recife para concluir seus estudos.

Enquanto isso, João da Mata, que planeja um meio de conseguir seduzir a afilhada, rompe as relações com dona Terezinha, pois esta desconfiava de suas intenções, e hostiliza cada vez mais o Zuza. Uma noite, entra sorrateiramenté no quarto de Maria do Carmo e, fazer do uso de argumentos enganosos e valendo-se da situação propícia em que se encontravam, consegue o que queria.

Maria engravida, e tem que se afastar da cidade para evitar um escândalo maior, esperando o nascimento do bebê em uma casa isolada de uns amigos de João da Mata. O seu filho, em decorrência de um acidente durante o parto, morre. Apesar comentários de toda a sociedade de Fortaleza, a normalista; retoma sua vida de sempre e é redimida pela mesma sociedade ao preparar-se para o casamento com o alferes Coutinho.

Fonte:
http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/resumos_comentarios/a/a_normalista

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 648)

Uma Trova de Ademar 

Eu ouvi de um cidadão
brincalhão, sagaz, afoito:
-Melhor ser um cinquentão
do que morrer aos dezoito...!
–Ademar Macedo/RN–

Uma Trova Nacional

Diz São Pedro ao novo otário
que ao céu chegou assustado:
-Por que se escondeu no armário,
se o lugar é tão manjado?!
–Thereza Costa Val/MG–

Uma Trova Potiguar 


A justiça incompetente,
por um deslize qualquer,
toma o dinheiro da gente
e dá todo pra mulher!...
–Ademar Macedo/RN–

Uma Trova Premiada 


2011  -  Ribeirão Preto/SP
Tema  -  LOROTA  -  M/H


Quem sempre conta lorota,
fica marcado e na mira:
verdade que dele brota
vale igual a uma mentira.
–Milton Souza/RS–

...E Suas Trovas Ficaram 


Verão assim - credo em cruz!
Foi tanto o calor na cuca,
que uma porca "deu à luz"
três leitões - a pururuca!
–Newton Meyer/MG–

U m a P o e s i a 


Aparenta corrosivo
não prejudica ninguém,
pelo sabor que ela tem
a cachaça é lenitivo;
traz em si o incentivo
para qualquer solução,
foi a maior invenção
caiu do céu como oferta
e agora foi descoberta:
é calmante pro coração!
–Augusto Macedo/RN–

Fonte:
Textos selecionados por Ademar Macedo/RN
Imagem formatada por Dáguima Veronica/MG

Caio Porfírio Carneiro (Maria Viviane)

Caio Porfírio Carneiro
Fivela prendendo os cabelos não bem penteados e de fios prateados, vestido azul desbotado, mancando da perna, ela percorria as vielas estreitas do cemitério, tentando, os olhos meio fechados da miopia, ler as lápides dos túmulos, alguns quase capelinhas, outros ao pés-do-chão. Desorientava-se. Via-se perdida entre cruzes. Ia e vinha, tentando ler.

Viu o homem que passava empurrando o carro-de-mão cheio de tijolos.

- O senhor sabe onde é que está a Maria Viviane?

- Maria de quê?

- Viviane.

- Não sabe o número da quadra?

- De quê?

- Da quadra.

- Não.

- Vá na administração. Lá eles informam.

- Onde é?

- Logo na entrada.

Perdeu-se muito para encontrar o pequeno escritório. O homem calvo examinava o livro aberto sobre o balcão, fazia anotações, não compreendeu bem o que ela dizia:

- O que é mesmo, minha senhora?

- A cruz de Maria Viviane.

- Maria de quê?

- Viviane.

- Como é o nome completo dela?

- Eu não sei.

- Não sabe qual a quadra, o número da rua? Tem lápide? - Tem o quê?

- Lápide. Nome dela gravado, data do nascimento e morte, essas coisas.

- Não sei.

- Assim fica difícil. Como é mesmo o nome completo dela?

- É Maria Viviane.

- Nome bonito. Mas deve ter sobrenome. Não sabe mais nada sobre ela, data da morte?...

Ela saiu desnorteada, sem saber onde encontrar Maria Viviane naquele oceano de túmulos e cruzes. O homem calvo ainda a chamou:

- Volte aqui. Vamos ver...

Foi crescendo dentro dela uma pena enorme de Maria Viviane, perdida no oceano de cruzes. Resolveu ir embora, manquitolando, apressada. O homem calvo chamou-a:

- Ei, minha senhora. Encontrei o nome dela. Sei onde está.

Não lhe deu atenção. Atravessou o grande portão, apressada, manquitolando junto ao muro alto do cemitério, amparando-se nele, uma angústia enorme no coração.

Desapareceu na esquina no vestido azul desbotado, a fivela prendendo os cabelos não bem penteados e de fios prateados.

 Fonte:
O Conto Brasileiro Hoje – vol. II

Mia Couto (Governados pelos mortos)

(- fala com um descamponês- )

-  Estamos aqui sentados debaixo da árvore sagrada da sua família. Pode-me dizer qual o nome dessa árvore?

- Porquê?

-  Porque gosto de conhecer os nomes das árvores.

- O senhor devia saber era o nome que a árvore lhe dá a si.

-  Depois de tanta guerra: como vos sobreviveu a esperança?

- Mastigámo-la. Foi da fome. Veja os pássaros: foram comidos pela paisagem.

-  E o que aconteceu com as casas?

- As casas foram fumadas pela terra. Falta de tabaco, falta de suruma. Agora só me entristonho de lembrança prematura. A memória do cajueiro me faz crescer cheiros nos olhos.

-  Como interpreta tanta sofrência?

- Maldição. Muita e muito má maldição. Faltava só a cobra ser canhota.

-  E porquê?

-- Não aceitamos a mandança dos mortos. Mas são eles que nos governam.

- E eles se zangaram?

-- Os mortos perderam acesso a Deus. Porque eles mesmos se tornaram deuses. E têm medo de admitir isso. Querem voltar a ser vivos. Só para poderem pedir a alguém.

-  E estes campos, tradicionalmente vossos, foram-vos retirados?

- Foram. Nós só ficámos com o descampado.

-  E agora?

- Agora somos descamponeses.

-  E bichos, ainda há aqui bichos?

- Agora, aqui só há inorganismos. Só mais lá, no mato, é que ainda abundam.

-  Nós ainda ontem vimos flamingos...

- Esses se inflamam no crepúsculo: são os inflamingos.

-  E outras aves da região. Pode falar delas?

- Antes de haver deserto, a avestruz pousava em árvore, voava de galho em flor. Se chamava de arvorestruz. Agora, há nomes que eu acho que estão desencostados. . .

-  Por exemplo?

- Caso do beija-flor. É um nome que deveria ser consertado. A flor é que levaria o título de beija-pássaros.

-  Mas outros animais não há?

- A bichagem vai acabando. O mabeco, dito o cão-selvagem, vai sofrendo as humanas selvajarias. Antes de acabar a lição, ele já terá aprendido a não existir.

-  Parece desiludido com os homens.

- O vaticínio da toupeira é que tem razão: um dia, os restantes bichos lhe farão companhia em suas subterraneidades. Eu acredito é na sabedoria do que não existe. Afinal, nem tudo que luz é besouro. É o caso do pirilampo. Pirilampo morre? Ou funde? Suas réstias mortais aumentam o escuro.

-  Tanta certeza na bicharada...

- Você não olhou bem esse mundo de cá. Já viu pássaro canhoto? Camaleão vesgo? Papagaio gago?

-  Acredita em ensinamento de bichos?

- Todo o caranguejo é um engenheiro de buracos. Ele sabe tudo de nada. Há outros, demais. O mais idoso é o escaravelhinho. Mas, de todos, quem anda sempre de janela é o cágado.

-  Você não sofre de um certo isolamento?

- Sou homem abastecido de solidões. Uns me chamam de bicho-do-mato. Em vez de me diminuir eu me incho com tal distinção. Como antedisse: a gente aprende do bicho a não desperdiçar. Como a vespa que do cuspe faz a casa.

-  Mas a sua mulher não lhe faz companhia?

- Ela é minha patrã. De vez em quando a gente dedilha uma conversa. É uma acompanhia, faz conta uma estação das chuvas. Mas a tradição nos manda: com mulher a gente não pode intimizar. Caso senão acabamos enfeitiçados.

-  Uma última mensagem.

- Não sei. Feliz é a vaca que não pressente que, um dia, vai ser sapato. Mais feliz é ainda o sapato que trabalha deitado na terra. Tão rasteiro que nem dá conta quando morre.

Fonte:
Mia Couto. Contos do Nascer da Terra. Vol.1. Porto: CPAC, 1998.

Marcelo Spalding (Literatura, Interação e Interatividade)

Ano a ano, a literatura digital ganha força e torna-se uma preocupação também de acadêmicos e professores, ávidos por apresentar algo novo a seus alunos. Muitas vezes, porém, diante de algo sem parâmetros semelhantes na história da literatura, a análise dá lugar ao encantamento e sobram adjetivos para essa literatura multimídia produzida com o auxílio das novas tecnologias de comunicação, destacando-se o caráter "interativo" desse novo gênero.

Cabe-nos perguntar, porém, o que é a interatividade? O que é interativo? O computador, por sua "arquitetura sui generis", e tudo o que nele for publicado? Nesse caso, poderíamos considerar um livro publicado em PDF, digamos Dom Casmurro, de Machado de Assis, como interativo? Reformulando a questão em outras palavras, em que medida e por que a versão para iPad de um livro — Alice no País das Maravilhas, por exemplo — é mais "interativa" que uma versão impressa do mesmo livro?

Diversos autores abordaram a questão da interatividade. Marco Silva, em Sala de Aula Interativa, busca recuperar a origem do termo, distingui-lo do termo "interação", usado na psicologia e ciências sociais, por exemplo, e apontar as duas críticas principais a que o termo esteve sujeito desde sua aparição: a polissemia e a banalização.

Já Alex Primo escreve seu Interação mediada por computador "a partir de uma insatisfação com as teorias e conceitos de 'interatividade'", preferindo abordar a questão de outro modo e retomando o termo interação para distinguir entre interação mútua e reativa:

"não se fará uma distinção do que é ou não interação, ou seja, os intercâmbios mantidos entre dois ou mais integrantes (seres vivos ou não) serão sempre considerados formas de interação, devendo ser distinguidos apenas em termos qualitativos. Sendo assim, irá se considerar aqui que tanto (a) clicar em um link e (b) jogar um videogame quanto (c) uma inflamada discussão através de email e (d) um bate-papo trivial em um chat são interações. O que se pretende é distingui-las quanto ao relacionamento mantido."

Tanto Silva quanto Primo apresentam, ainda, tentativas de escalas de graduação da interatividade elaboradas por respeitados pensadores da cibercultura, que buscam diferenciar o simples clicar a, digamos, um jogo de estratégia em que o usuário precisa de ação contínua.

Jens Jensen produziu uma tipologia que concentra sua atenção em dois aspectos do tráfego de informação: quem possui e oferece a informação e quem controla sua distribuição. A partir disso, apresenta a seguinte definição de interatividade: "a medida da habilidade potencial da mídia em permitir que o usuário exerça uma influência no conteúdo e/ou na forma da comunicação mediada". Um cubo tridimensional ajuda a representar a classificação de Jensen:

Embora o modelo do autor peque ao centrar-se especificamente nas características do canal, é sintomático o espaço reservado por Jensen para a "novel": um espaço de seleção e registro, o mais básico em termos de interatividade, ao lado da televisão, do cinema e do rádio.

Outra gradação é a sugerida por F. Holtz-Bonneau, que distingue três modalidades, uma baseada na seleção de conteúdos, outra na intervenção sobre conteúdos e uma terceira tomando os dois processos em conjunto. Segundo Silva, a autora vê interatividade de seleção quando a operação consiste em tocar nas teclas de um videocassete para fazer avançar mais rapidamente a seqüência de imagens. E ainda qualifica essa modalidade em gradações, conferindo grau zero às operações que se efetuam segundo um encaminhamento linear, como no exemplo do filme em videocassete e, acrescentamos nós, dos romances literários. Adiante, a autora chamará atenção para a "necessidade de ultrapassar a linearidade como condição para se chegar a graus mais elevados de interatividade".

Já Kretz, ao propor uma distinção de seis gradações para a interatividade, distingue a leitura de um romance linearmente e com avanços, retornos, saltos. No "grau zero da interatividade", que trata da interatividade de acesso, estaria o romance, o disco, os cassetes lidos linearmente do início ao fim. Já na "interatividade linear", uma espécie de grau um, estaria o romance, o disco ou os cassetes quando folheados (sequência, retorno, saltos adiante ou atrás, avanço ou retorno rápidos). Os demais graus, a saber, são: "interatividade arborescente", quando a seleção se faz por escolha em um menu; "interatividade linguística", que utiliza acessos por palavras-chave; "interatividade de criação", que permite ao usuário compor uma mensagem; "interatividade de comando contínuo", que permite a modificação, o deslocamento ou a transformação de objetos, como nos videogames. Dessa forma, ainda que Kretz confira uma gradação da interatividade na leitura de um romance, também em seu modelo a literatura ocupa um espaço de baixíssima interatividade, assim como nos modelos de Jensen e Holtz-Bonneau.

Entretanto, muito antes dessas escalas centradas na relação homem-objeto, pensadores como os alemães Wolfgang Iser e Hans Robert Jauss, hoje identificados como expoentes da chamada Teoria da Recepção, trataram da interação literária. Iser, por exemplo, aborda centralmente a interação em artigos como o clássico "A interação do texto com o leitor", em que afirma que esta é um caso especial de interação, pois não há a situação face a face característica da interação humana, mas observa haver no texto um sistema de combinações com um lugar dentro do sistema para aquele a quem cabe realizar a combinação:

"este lugar é dado pelos vazios (Leerstellen) no texto, que assim se oferecem para a ocupação do leitor. Como eles não podem ser preenchidos pelo próprio sistema, só o podem ser por meio doutro sistema. Quando isso sucede, se inicia a atividade de constituição, pela qual tais vazios funcionam como um comutador central da interação do texto com o leitor. Donde os vazios regulam a atividade de representação do leitor, que agora segue as condições postas no texto."

Umberto Eco, em Obra Aberta, chega a utilizar essa abertura como uma distinção entre a arte clássica e a arte moderna, afirmando que a obra clássica consistia num conjunto de realidades sonoras que o autor organizava de forma definida e acabada, enquanto os novos tipos de arte "não consistem numa mensagem acabada e definida, numa forma univocamente organizada, mas sim numa possibilidade de várias organizações confiadas à iniciativa do intérprete, apresentando-se portanto não como obras acabadas, que pedem para ser revividas e compreendidas, numa direção estrutural dada, mas como obras abertas, que serão finalizadas pelo intérprete no momento em que viver sua fruição estética".

Assim, qualquer obra literária traz por si só essa abertura que pede um leitor participativo, cúmplice, capaz de preencher os "lugares vazios", para usarmos um termo de Iser. Entretanto, quando se fala em interatividade associada às ferramentas digitais, o que está se esperando é uma gradação maior de participação do leitor na estrutura, no próprio andamento do texto, da história.

Interagir, na nova era e com as novas ferramentas, é mais do que preencher alguns espaços vazios em busca da "verdade" de um autor, e sim construir juntamente com o autor a partir de possibilidades e alternativas que ele possa ter criado. Nesse contexto, clicar ou arrastar não são ações interativas se essas ações não representarem alterações no texto final, na construção da obra, por mais atraente que sejam os livros digitais com essas ferramentas. Por outro lado, não podemos negar que tais ações demonstram que a literatura é mais do que o objeto livro e atravessará, sim, séculos e gerações através de gêneros hipertextuais, gêneros multimídia e/ou gêneros interativos. E, talvez, isso seja mesmo motivo de encantamento por parte de quem está descobrindo esse gênero agora.

Marcelo Spalding

Fonte:
Digestivo Cultural – Porto Alegre, 24/8/2012

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 647)

Uma Trova de Ademar 

Eu, numa peça que fiz
no palco da minha Fé,
fiquei deveras feliz...
Fui aplaudido de Pé!
–Ademar Macedo/RN–

Uma Trova Nacional 

O meu viver enfadonho,
só de amarguras composto,
põe as rugas do meu sonho
sobre as rugas do meu rosto!
–Gislaine Canales/SC–

Uma Trova Potiguar 


Relembro o velho solar,
o gado, a seca sem nome
e o vaqueiro a murmurar
o monólogo da fome!
–Sebastião Soares/RN–

Uma Trova Premiada 


2011  -  CTS-Caicó/RN
Tema  -  PEGADA  -  10º Lugar


Olhando as velhas estradas
por onde andei nos teus braços,
eu vejo em tuas pegadas
o raio-x dos meus passos!
–Arlindo Tadeu Hagen/MG–

...E Suas Trovas Ficaram 

Das mensagens que mandaste
o tempo apagou as linhas,
mas lembranças que deixaste:
jamais se apagam, são minhas...
–Graziela Lydia Monteiro/MG–

U m a P o e s i a 


Nossas conquistas são feitas,
o mundo é nosso cartório,
a vida é um laboratório
de diferentes receitas,
as lágrimas não são aceitas
como nossos risos são,
serenidade é canção
na voz que Deus abençoa;
passa a vida o tempo voa
nas asas da ilusão.
–Geraldo Amâncio/CE–

Soneto do Dia 

A LIÇÃO DO LENHO.
–Arthur de Salles/BA–


“Erguia-se, ditoso, o tronco peregrino,
Amava a passarada, o vale, a fonte, o vento!...
Um dia, geme e tomba ao machado violento!...
Alguém surge e faz dele emérito violino.

Ninguém lhe viu no bosque o trágico destino,
Hoje, porém, alheio ao próprio sofrimento,
Comove multidões... E segue, humilde e atento,
O artista que lhe tange o arcabouço divino.

Oh! Coração, se o mal te fere, pisa, corta
E te lança por terra a vida semimorta,
Lembra o lenho harmonioso – intérprete profundo!

Entrega-te a Jesus e Jesus há de usar-te
A transfundir-se a dor em luz, por toda a parte,
Enxugando contigo as lágrimas do mundo!...”

Carlos Drummond de Andrade (No Restaurante)

Reprodução de pintura de Van Gogh
- Quero lasanha.

Aquele anteprojeto de mulher - quatro anos, no máximo, desabrochando na ultraminissaia - entrou decidido no restaurante. Não precisava de menu, não precisava de mesa, não precisava de nada. Sabia perfeitamente o que queria. Queria lasanha.

O pai, que mal acabara de estacionar o carro em uma vaga de milagre, apareceu para dirigir a operação-jantar, que é, ou era, da competência dos senhores pais.

- Meu bem, venha cá.

- Quero lasanha.

- Escute aqui, querida. Primeiro, escolhe-se a mesa.

- Não, já escolhi. Lasanha.

Que parada - lia-se na cara do pai. Relutante, a garotinha condescendeu em sentar-se primeiro, e depois encomendar o prato:

- Vou querer lasanha.

- Filhinha, por que não pedimos camarão? Você gosta tanto de camarão.

- Gosto, mas quero lasanha.

- Eu sei, eu sei que você adora camarão. A gente pede uma fritada bem bacana de camarão. Tá?

- Quero lasanha, papai. Não quero camarão.

- Vamos fazer uma coisa. Depois do camarão a gente traça uma lasanha. Que tal?

- Você come camarão e eu como lasanha.

O garçom aproximou-se, e ela foi logo instruindo:

- Quero uma lasanha.

O pai corrigiu:

- Traga uma fritada de camarão pra dois. Caprichada.

A coisinha amuou. Então não podia querer? Queriam querer em nome dela? Por que é proibido comer lasanha? Essas interrogações também se liam no seu rosto, pois os lábios mantinham reserva. Quando o garçom voltou com os pratos e o serviço, ela atacou:

- Moço, tem lasanha?

- Perfeitamente, senhorita.

O pai, no contra-ataque:

- O senhor providenciou a fritada?

- Já, sim, doutor.

- De camarões bem grandes?

- Daqueles legais, doutor.

- Bem, então me vê um chinite, e pra ela... O que é que você quer, meu anjo?

- Uma lasanha.

- Traz um suco de laranja pra ela.

Com o chopinho e o suco de laranja, veio a famosa fritada de camarão, que, para surpresa do restaurante inteiro, interessado no desenrolar dos acontecimentos, não foi recusada pela senhorita. Ao contrário, papou-a, e bem. A silenciosa manducação atestava, ainda uma vez, no mundo, a vitória do mais forte.

- Estava uma coisa, heim? - comentou o pai, com um sorriso bem alimentado. - Sábado que vem, a gente repete... Combinado?

- Agora a lasanha, não é, papai?

- Eu estou satisfeito. Uns camarões tão geniais! Mas você vai comer mesmo?

- Eu e você, tá?

- Meu amor, eu...

- Tem de me acompanhar, ouviu? Pede a lasanha.

O pai baixou a cabeça, chamou o garçom, pediu. Aí, um casal, na mesa vizinha, bateu palmas. O resto da sala acompanhou. O pai não sabia onde se meter. A garotinha, impassível. Se, na conjuntura, o poder jovem cambaleia, vem aí, com força total, o poder ultra-jovem.

 Fonte:
Para Gostar de Ler

Rachel de Queiroz (Rapadura)

 Outro dia foi presa uma senhora porque numa banca de mercado, em pleno sábado de feira, agrediu a rival com uma rapadura, dando-lhe uma tijolada que exigiu doze pontos no couro cabeludo. Rapadura é arma perigosa, um paralelepípedo de doce bruto, pesado e com arestas. Batendo de quina pode até matar.

A banca de rapadura era o local de comércio do próprio marido da agressora. Vinha ela descuidosa, passando ali por acaso, e de repente depara com o quadro ofensivo: o marido em idílio público com a dalila, a messalina, a loba do seu lar! Ela debruçada ao balcão e ele, de dentro, segurava o queixo da sereia e lhe cochichava no ouvido. O monte de rapaduras estava ao lado. Foi só passar a mão na rapadura de cima e virá-la de quina, para castigar mesmo, no pé do ouvido da outra. A agredida se pôs a gritar, com a cara coberta de sangue, e o infiel asperamente ralhou: "Cala a boca, mulher, senão aparece a polícia".

Mas avisou tarde, porque a polícia já vinha na pessoa de um cabo a quem o idílio adúltero também repugnara, pois de há muito que ele, cabo, suspirava pelos favores da destruidora de lares. Debalde lhe fizera serenatas, com uma radiola cheia de discos do Roberto Carlos; e ela até lhe atirara um sapato pela janela, certa vez em que ele encostara a máquina cantante à rótula, tocando aquela música em que RC declara à amada : "Você vai aprender a ser gente!"

- Quem vai aprender é a mãe, gritara a julieta ofendida.

Mas o cabo apanhou o pé de sapato como se fosse o chapim da Borralheira, foi na loja do Geraldo e escolheu a sandalinha mais mimosa que tinha lá, com tiras prateadas e flor de contas no peito do pé. Entregou-a com um bilhete: "Recebi a medida e lhe mando a encomenda".

A bela pagou com um sorriso. Mas continuou com o homem das rapaduras, que tinha o que gastar com ela. Cabo arranchado mal ganha para o cigarro.

Agora porém tinha o cabo a sua oportunidade. Mandou a amada para o Samdu, num jipe, e bradou esteje preso para os mais.

Na delegacia a agressora já vinha muito unida ao marido (que a tratava até de meu bem) e declarou à autoridade que de nada se lembrava. Só sabia que vinha fazer umas compras, e passando pela banca de rapadura, viu aquela piranha com os dentes na cara do marido - marido de padre e juiz! - Sentira um escurecimento de vista - e aí não sabia mais de nada.

O delegado, naturalmente, punia pelos direitos de família legítima; e ia passando ao marido, para encerrar perfunctoriamente o caso, quando de súbito aparece a sogra, avisada às pressas. Da rua, a velha vinha gritando. Já sabia que aquilo ia acabar mal, minha filha está farta de sofrer, o sem vergonha do marido não tem rapariga na rua do Baturité que ele não gaste com ela, minha filha devia mesmo era ter lascado a cabeça da vagabunda. E ele ainda bate na pobrezinha, bate de correia, a vizinhança toda sabe!

Aí a mulher do marido interrompeu agastada: "Minha mãe cale sua boca, que o caso é outro. Ninguém está querendo saber se ele me bate. E se bate, bate no que é dele". (Vide Nelson Rodrigues.)

A sogra engasgou-se com a ingratidão. Desengasgando ia gritando "mal agradecida!", mas nesse ínterim o         delegado se levantara e pedira silêncio. E explicou que o adultério é a peçonha dos lares; embora fosse errado apelar para a violência compreendia-se que a senhora no desvario da privação de sentidos e inteligência, agredisse a rival. Mas afinal não houvera morte, nem queixa registrada, o sangue era pouco, cada um fosse para casa e não pecasse mais. Falou, estava falado.

O cabo correu ao Samdu, onde lhe foi fácil fazer entender à pecadora que não há como a proteção das armas para uma frágil dama delicada.

O marido infiel levou a mulher para casa - conta a vizinhança que lhe deu uma surra para ela deixar de ser valente. E depois foram muito felizes.

 Fonte:
Elenco de Cronistas

Paulo Mendes Campos (Meu Reino por um Pente)

 Filhos - diz o poeta - melhor não tê-los. Já o Professor Aníbal Machado me confiou gravemente que a vida pode ter muito sofrimento, o mundo pode não ter explicação alguma, mas, filhos, era melhor tê-los.

A conclusão parece simples, mas não era; Aníbal tinha ido às raízes da vida, e de lá arrancara a certeza imperativa de que a procriação é uma verdade animal, uma coisa que não se discute, fora de alcance do radar filosófico. "Eu não sei por que, Paulo, mas fazer filhos é o que há de mais importante."

Engraçado é que depois dessa conversa fui descobrindo devagar a melancólica impostura daquelas palavras corrosivas do final de Memórias Póstumas: "não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria".

Filhos, melhor tê-los, aliás, o mesmo poeta corrige antiteticamente o pessimismo daquele verso, quando pergunta: mas, se não os temos, como sabê-lo? Resumindo: filhos, melhor não tê-los, mas é de todo indispensável tê-los para sabê-lo; logo, melhor tê-los.

Você vai se rir de mim ao saber que comecei a crônica desse jeito depois de procurar em vão meu bloco de papel. Pois se ria a valer: o desaparecimento de certos objetos tem o dom de conclamar, por um rápido edital, todas as brigadas neuróticas alojadas nas províncias de meu corpo.

Sobretudo instrumentos de trabalho. Vai-se-me por água a baixo o comedimento quando não acho minha caneta, meu lápis-tinta, meu papel, minha cola... Quando isso acontece (sempre) até taquicardia costumo ter; vem-me a tentação de demitir-me do emprego, de ir para uma praia deserta, de voltar para Minas Gerais, renunciar...

Ridículo? Sim, ridículo, mas nada posso fazer. Creio que seria capaz (talvez seja presunção) de agüentar com relativa indiferença uma hecatombe que destruísse de vez todos os meus pertences. O que não suporto é a repetição indefinida do desaparecimento desses objetos sem nenhum valor, mas, sem os quais, a gente não pode seguir adiante, tem de parar, tem de resolver primeiro.

Stanislaw Ponte Preta andou espalhando que eu usava ventilador para pentear os cabelos. Calúnia. Sou o maior comprador de pentes do Estado da Guanabara. Compro-os em quantidades industriais pelo menos duas vezes por mês, de todos os tamanhos, de todas as cores. Sou quase amigo de infância do vendedor de pentes que estaciona ali na esquina de Pedro Lessa e Rua México. A princípio, pensou que eu estava substabelecendo o comércio dele, comprando para vender mais caro, mas um dia eu lhe contei minha tragédia familiar, e ele sorriu e confessou: "Lá em casa é a mesma coisa".

Chego em casa com os meus pentes e os distribuo a mancheias. Dois para você, quatro para você - segundo o temperamento e a distração de cada um. Aviso a todos que vou colocar um no armário do quarto, um no banheiro, um em cada mesa de cabeceira, dois na minha gaveta. Terminada essa operação ostensiva, fico malicioso e furtivo; secretamente, vou escondendo outros pentes por todos os cantos e recantos, debaixo do colchão, no alto de um móvel, atrás do exemplar dos Suspiros Poéticos e Saudades. Em seguida, reúno solenemente toda a família, inclusive o Poppy, tiro do bolso um pente singular, o mais ordinário encontrável na praça, e digo: "Este é o meu pente; este ninguém usa; neste, sob pretexto algum, ninguém toca! Estão todos de acordo? Ou algum dos presentes deseja fazer alguma objeção?"

Estão todos de acordo. A sinceridade do meu clã nesses momentos é de tal qualidade que, por um dia ou dois, tenho a ilusão de que, afinal, venci, de que descobri o     approach certo para a família incerta. Mas, meu São Luís de Camões, ó caminhos da vida, sempre errados! Os dias passam, o vento passa a descabelar-nos, e os meus pentes, os meus pentes também passam. Misteriosamente, inexplicavelmente, eles desaparecem, pouco a pouco, com certa malícia, um a um, dois a dois, até chegar o momento dramático no qual, depois de vasculhar todos os meus esconderijos, fico em cabelos no meio da sala e, como Ricardo III em plena batalha, exclamo patético: "Um pente, um pente, meu reino por um pente!".

Eu não fui - diz o primeiro; - eu não fui - diz o segundo; - eu não fui - diz o terceiro. Poppy, cuja especialidade é comer meias e sapatos, não diz nada, mas abana o rabo negativamente.

Não foi ninguém, foi Mr. Nobody, foi o diabo, foi a minha sina.

Minha mansão tem apenas três quartos e uma sala. Pois é inacreditável a quantidade de objetos que estão desaparecidos aqui dentro.

Um dia, quando me mudar, a gente vai achar tudo.

E sorrir um para o outro com uma nostalgia imprecisa, e dizer em silêncio que, filhos, e pais, melhor tê-los.

Fonte:
Elenco de Cronistas

Oswald de Andrade (Pau-Brasil)

Análise por Talita Pascoal Bonfim Loubaque
Maíra, publicado pela primeira vez em 1976, é bastante oportuno para entender o conflito de seres que se separam das suas raízes culturais e buscam recuperar sua identidade. Em Maíra, Darcy Robeiro revive as emoções dos anos em que conviveu com os índios, seu tema é a dor e o gozo dos índios.

 O livro narra a história de um índio que, adotado por um padre e convencido a seguir o sacerdócio, questiona sua verdadeira fé e entra em conflito por ter abandonado seu povo.

 Os dois personagens principais, o índio Avá e a jovem loura Alma, por vezes se perdem na busca de uma integração sem conflitos, enveredando pelo caminho da auto-destruição. Avá saiu de sua aldeia ainda menino, para se tornar sacerdote cristão e “aprender com os padres a sabedoria dos caraíbas”. Depois de ir até Roma, ele volta para sua tribo como se tivesse “perdido a alma, roubada pelos curupiras e vivido por anos a fio como bicho entre os bichos”. Seu drama instiga o leitor na sua volta: “Tudo que tenho são duas mãos inábeis e cabeça cheia de ladainhas. E este coração aflito que me sai pela boca”.

 Em alguns momentos, Darcy Ribeiro nitidamente se une ao angustiado índio Mairum, que vive extirpado de suas tradições, e constrói com o leitor um coro de indignação: Este é o único mandato de Deus que me comove todo: o de que cada povo permaneça ele mesmo, com a cara que Ele lhe deu, custe o que custar. Nosso dever, nossa sina, não sei, é resistir, como resistem os judeus, os ciganos, os bascos e tantos mais. Todos inviáveis, mas presentes (p. 33).

 Renomeado com o nome cristão Isaías, o profeta bíblico, o personagem Avá também é um dos porta-vozes do discurso veemente e indignado que perpassa toda a obra, escrita em tempos de censura e perseguição. Nos tempos em que a ditadura assolava o interior do país em busca de "integrar" o índio à sociedade e o próprio Darcy Ribeiro se encontrava no exílio, a busca persistente da resistência em meio ao caos é claramente perceptível ao leitor.

 O livro é também intercalado por relatos detalhados da natureza, cenário em que ocorre boa parte da trama. Pássaros, rios e caçadas, o cheiro da morte e dos rituais fúnebres, o sexo, as festas e as lutas, tudo aparece ardente na narrativa, só contida pelo lamento da perda das tradições que o antropólogo insistiu, até o fim da vida, em reconhecer e valorizar como suas também.

 A obra é uma combinação de recursos da linguagem literária e filosófica, aventura conseguida apenas por Platão, em Diálogos, e no teatro de Sartre. Reflete uma opção clara de linguagem e de visão de mundo que se alinha na tradição de construção de uma literatura que procura expressar e interpretar nossa "brasilidade" ou, como prefere (e se empenha) seu autor, realizar "um espelho para o brasileiro se ver".

 Segundo o próprio Darcy Ribeiro, em Maíra ele entra no corpo do índio e olha o mundo com os olhos do índio. Tenta carnalizar a dor de ser índio. É também um livro de gozo, da gente que não herdou a brutalidade, a bossalidade judaica-cristã, coisa que ele, autor, nunca poderia ter expressado como antropólogo que é.

 O resultado é a partilha com o leitor do sistema de valores de uma cultura indígena tão rica, oprimida, e contraditória com os valores hegemônicos da nossa sociedade.
 
Fragmento

 Para mim esses mairuns já fizeram a revolução em liberdade. Não há ricos, nem pobres: quando a natureza está sovina todos emagrecem, quando a natureza está dadivosa todos engordam. Ninguém explora ninguém. Ninguém manda em ninguém. Não tem preço esta liberdade de trabalhar e de folgar ao gosto de cada um. Depois, a vida é variada, ninguém é burro, nem metido à besta. Para mim a Terra sem Males está aqui mesmo, agora.

 Nem brigar eles brigam. Só homem e mulher na fúria momentânea das ciumeiras. Deixa essa gente em paz, Isaías. Não complique as coisas rapaz. A discussão sobre os conceitos de integração e interação é sempre oportuna quando se trata de analisar o processo ocorrido quando dois universos, sociedades ou até mesmo conjuntos de idéias entram em contato. O debate sociológico é de longa data, suficiente para gerar um verbete para cada um dos conceitos nos dicionários destinados ao público amplo. Integração ocorre quando dois ou mais entram em contato e perde-se a especificidade de cada um deles: "tornar-se parte integrante, incorporar-se" (Aurélio), ou, especificamente no âmbito da sociologia, "unificação social, processo que garante inteireza de um grupo social ou instituição" (Caldas Aulete). Já a interação ocorre quando duas partes entram em contato, mas a especificidade de cada uma delas é mantida.

 O caráter hierárquico de uma sobre a outra desaparece, ou pelo menos é atenuado, culminando com a seguinte definição: "influência social recíproca" (Caldas Aulete) ou "ação que se exerce mutuamente entre duas ou mais coisas" (Aurélio).Uma das facetas do educador, antropólogo e político Darcy Ribeiro se pautou pela busca da compreensão do choque (ou integração) entre o universo do branco e o do índio, além de uma militância ostensiva na busca da transformação do Brasil em um país mais justo e, nas suas palavras, como protagonista de um "desenvolvimento autônomo". O primeiro romance escrito pelo autor, Maíra, é, com certeza, um marco nessa batalha. Publicado pela primeira vez em 1976, a obra teve 48 edições em oito línguas. Ganhou, em 1996, uma edição comemorativa, com resenhas e críticas de Antônio Cândido, Alfredo Bosi, Moacir Werneck de Castro e Antonio Houaiss, entre outros.

 A obra já foi adaptada para o teatro e, pouco antes da sua morte, em 1997, Ribeiro anunciou um contrato para que ela vire um filme, a exemplo de outro texto, intitulado “Uirá vai ao encontro de Maíra. As experiências de um índio urubu-kaapor que saiu a procura de Deus". Sobre a possibilidade do filme Maíra, declarou: “Quero ver meus personagens encarnados em bons artistas e, mais ainda, os deuses Maíra e Micura mostrando ao grande público o fundo do pensamento indígena e sua cosmogonia, totalmente oposta à cristã, em que o gozo não é pecado, mas uma dádiva dos deuses”.Publicado entre seus clássicos da etnologia e da antropologia da civilização, a obra é bastante oportuna para entender o conflito de seres que se separam das suas raízes culturais e buscam recuperar sua identidade. O dois personagens principais – o índio Avá e a jovem loura Alma – por vezes se perdem na busca de uma integração sem conflitos, enveredando pelo caminho da auto-destruição.

 Avá saiu de sua aldeia ainda menino, para se tornar sacerdote cristão e “aprender com os padres a sabedoria dos caraíbas”. Depois de ir até Roma, ele volta para sua tribo como se tivesse “perdido a alma, roubada pelos curupiras e vivido por anos a fio como bicho entre os bichos”. Seu drama instiga o leitor na sua volta: “Tudo que tenho são duas mãos inábeis e cabeça cheia de ladainhas. E este coração aflito que me sai pela boca”.Em alguns momentos, Darcy Ribeiro nitidamente se une ao angustiado índio Mairum, que vive extirpado de suas tradições, e constrói com o leitor um coro de indignação: "Este é o único mandato de Deus que me comove todo: o de que cada povo permaneça ele mesmo, com a cara que Ele lhe deu, custe o que custar. Nosso dever, nossa sina, não sei, é resistir, como resistem os judeus, os ciganos, os bascos e tantos mais. Todos inviáveis, mas presentes" (p. 33).

 Renomeado com o nome cristão Isaías (o profeta bíblico que ficou conhecido como "aquele que clama no deserto"), o personagem Avá também é um dos porta-vozes do discurso veemente e indignado que perpassa toda a obra, escrita em tempos de censura e perseguição. Nos tempos em que a ditadura assolava o interior do país em busca de "integrar" o índio à sociedade e o próprio Darcy Ribeiro se encontrava no exílio, a busca persistente da resistência em meio ao caos é claramente perceptível ao leitor. Em uma entrevista, pouco antes de morrer, ele declarou que, quando escreveu Maíra, no Peru, não se sentia exilado, porque o trabalho de escrever devolvia o convívio entre os índios Urubus-Kaapor e Kadiwéus, ocorridos principalmente na década de 50.O livro é também intercalado por relatos detalhados da natureza, cenário em que ocorre boa parte da trama. Pássaros, rios e caçadas, o cheiro da morte e dos rituais fúnebres, o sexo, as festas e as lutas, tudo aparece ardente na narrativa, só contida pelo lamento da perda das tradições que o antropólogo insistiu, até o fim da vida, em reconhecer e valorizar como suas também.

 Deste modo, a obra, mesmo não sendo um dos clássicos analíticos de Darcy Ribeiro, coleciona elogios entre grandes pensadores, como Alceu Amoroso Lima e Celso Furtado. Furtado chegou inclusive a citá-la em seu discurso na Associação Brasileira de Letras, em 1997, como uma combinação de recursos da linguagem literária e filosófica, aventura conseguida apenas por Platão, em Diálogos, e no teatro de Sartre.O resultado é a partilha com o leitor do sistema de valores de uma cultura indígena tão rica, oprimida, e contraditória com os valores hegemônicos da nossa sociedade. Uma leitura bastante recomendável àqueles que visam à integração do país a uma lógica de crescimento econômico.  

Fonte:
Sos Estudante

Nilton Manoel (Didática da Trova) Parte 12, final

DECLARAÇÃO DE PRINCÍPIOS DA UBT

AUTORIA: LUIZ OTÁVIO  -  acróstico: SÃO FRANCISCO

Simplicidade - Sendo a trova a expressão mais simples da poesia e, pois, um reflexo da alma do trovador, devemos  agir sempre com simplicidade na arte, nas palavras e nas ações.

Amor – Nosso padroeiro São Francisco de Assis - pregou o amor total. Assim, não nos devemos afastar deste ensinamento. Amor ao próximo, à nossa arte, mas também à UBT. Em outras palavras, fidelidade à nossa agremiação.

Ordem - Sem ordem, disciplina, responsabilidade – de dirigentes e sócios- não poderá haver progresso, segurança e paz. Faremos tudo para manter esta ordem, a fim de que possamos atingir nossos objetivos, elevando culturalmente o meio social em que vivemos.

Fraternidade - Todas as religiões pregam a fraternidade. O “pobrezinho do Assis”, ao fundar a sua Ordem, denominou seus companheiros de “Irmãos”. Nós que recebemos de Deus o dom da Poesia, mais do que ninguém, devemos ser, verdadeiramente, Irmãos Trovadores. Mas sem esquecer que a Bondade deve ser justa, o Perdão sem humilhações e a Tolerância sem fraqueza.

Renúncia – A Renúncia pode ser resumida em não querer tirar proveito da Associação para si, mas ao contrário, em dar algo de si para a mesma.

Autenticidade - Se desejamos fazer parte de uma comunidade devemos ser autênticos. E autenticidade exige lealdade, cooperação e trabalho.

Neutralidade - A U.B.T. tem finalidades definidas. Dentro de nossa Associação, os sócios devem abster-se de debates políticos e religiosos. A neutralidade deve ser compreendida, também, no sentido de isenção e imparcialidade, em nossos trabalhos de direção e julgamento.

Comunicabilidade - Se a Trova é o gênero mais comunicativo, nós, Trovadores devemos cultivar a comunicabilidade não só entre nós da U.B.T., mas também, com a sociedade que nos cerca.


Idealismo – Temos um Ideal em comum. Ideal simples de espiritualidade e de beleza. Na conquista deste Ideal devemos trabalhar com fé e, também, com dinamismo e perseverança.

Sinceridade – Se a todos os empreendimentos elevados é indispensável a sinceridade, nós, como artistas e trovadores, em nossas atividades repudiamos a mentira, a deslealdade, a intriga e a má fé.

Controle – Os dirigentes devem saber controlar, com habilidade e segurança, o setor que lhes foi dado para dirigir, zelando pela disciplina, pois dessa atuação, é que decorrem a uniformidade, a unidade e força de nossa Agremiação.

Obediência - Obedecer não é humilhante. Há na vida de nosso Padroeiro a lição:- ”Quem sabe obedecer, aprendeu a vencer-se e a triunfar”. A liberdade não afasta os princípios de ordem, disciplina e obediência. Aquele que sabe obedecer, que possui espírito de equipe, que acredita realmente na Lei, é o que poderá, com maior êxito, ser bom dirigente. A obediência aos nossos Estatutos, Regimentos e Declaração de Princípios é o que traz a ordem, a paz, a união, e faz a grandeza de nossa UBT- União Brasileira de Trovadores.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ALENCAR,José, O Sertanejo, s/d, Edigraf S/A,SP.

BELTRÃO,Jorge,Ciclo da Trova,1975, Tipografia Escola Profissional,Pouso Alegre MG

Cadernos do Futuro, Língua Portuguesa, IBEP, 3º serie, sem data.

CEGALLA, Domingos Paschoal, Nova Minigramática da Língua Portuguesa,. Cia.Ed. Nacional, FNDE, 2004.

CENP, Letra e Vida, 2005, mod.III, M3U6T8, SSESP

CRUZ, José Marques da Português Prático, 1966,ed. 29º, Ed. MELHORAMENTOS:

CRUZ,José Marques,Seleta - Português Prático, 1944, MELHORAMENTOS:

FERREIRA, Delson Gonçalves, Língua e Literatura - Luso Brasileira, 1970,Editora Bernardo Álvares S/ª BH-(MG)

FERREIRA, Josué de Vargas, Trovas de Graça, 2006, ed. própria

FERREIRA, Pequeno Dicionário da Língua Portuguesa (1964,p.XXXI ) ed.11ª 

GOLDSTEIN, Norma, Versos, Sons, Ritmos, Atica,1991.

LÉLLIS, Raul Moreira, Português no Colégio, 3º,Cia. Ed. Nacional,1951

LOUREIRO, Milton Nunes, Dos Sonhos Brotaram Versos,p.17,1976,Super gráfica ltda.

OTÁVIO, Luiz , Decálogo de Metrificação, UBT-1975, UBT-Nacional

OTÁVIO, Luiz , Meus irmãos os trovadores, 1956, Ed. Veck

TORRES/MELO, Artur de Almeida e J.Nelino, Manual de Língua Portuguesa, Cia. Ed. Nacional,1951.,

SANTOS, Renato Alessandro, Teoria da Literatura I, 2004, CEUCLAR  

TAVARES, Hênio, Teoria Literária, 5º ed..1974, Editora Itatiaia,BH-MG,

Jornais e Revistas
O Cruzeiro
 Livretos de Jogos Florais, edições da Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto.
Trovas e Trovadores,

Fonte:
Nilton Manoel. A Didática da Trova. Batatais, 2008.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 646)

Uma Trova de Ademar 
Fazendo um comparativo,
o amor supera a paixão...
Sentimento imperativo
que nasce no coração!
–Ademar Macedo/RN–

Uma Trova Nacional 


No embalo da serenata,
quisera ser como a lua
vestindo com tons de prata
os homens tristes da rua!
–Selma Patti Spinelli–

Uma Trova Potiguar 


Chuvas de outono... Eu sozinho
em meu quarto, tenho paz!
Mas recordo o torvelinho
dos bons tempos de rapaz.
–Ubiratan Queiroz/RN–

Uma Trova Premiada 


2000  -  Pouso Alegre/MG
Tema  -  PASSADO  -  5º Lugar


Não aprovo quem maldiz
seu ontem desventurado,
porque passado infeliz
nem merece ser lembrado!...
–José Tavares de Lima/MG–

...E Suas Trovas Ficaram 


A trova que faz história
e fica sendo a maior
é aquela que, de memória,
toda gente diz de cor.
–Eva Reis/MG–

U m a P o e s i a 


O sol vai morrendo além
deixando marcas na serra
e a asa da noite vem
cobrindo a face da terra,
a floresta silencia,
nenhum passarinho pia
neste quadro sonolento;
só o murmúrio das águas
que propagam suas mágoas
pelos soluços do vento.
–Cancão/PE–

Soneto do Dia 

SEREIA.COM.
–Pedro Mello/SP–


Estou on-line... e vejo neste instante
o teu “Olá” pedir minha atenção…
Parece até que não estás distante…
e as horas passam sem preocupação…

Parece que diviso o teu semblante
me convidando para a perdição…
És ardente… marota… provocante…
Posso negar, Sereia, esta atração?

Eu não sei se isto é bom ou se isto é mal,
mas acabei virando teu refém…
(A ausência de Razão me paralisa…)

Tu és minha sereia virtual…
e o teu computador é de onde vem
o canto sensual que me escraviza…

Fontes:
Textos enviados por Ademar Macedo
Imagem formatada por Dáguima Veronica

Carlos Drummond de Andrade (Areia Branca)

 O lotação ia de Copacabana para o centro, com lugares vazios, cada passageiro pensando em sua vida; é o gênero de transporte onde menos viceja a flor da comunicação humana. Quando, em Botafogo, ouviu-se a voz de um senhor lá atrás:

- Olhe aqui, vou atender a você, mas não faça mais isso, ouviu? É muito feio pedir dinheiro aos outros. Na sua idade, eu já dava duro e ajudava em casa.

E passou a nota ao rapazinho de quinze anos, se tanto, que a recolheu com humildade. O homem continuava, agora dirigindo-se a outro passageiro:

- Está vendo? Fica essa garotada aí vivendo de expediente, encontra uns sujeitos como eu, que vão na conversa, e depois...

- Isso é um país sem solução, comentou o vizinho. Não há escola profissional para os meninos, andam jogados ao deus-dará, enquanto o governo só faz besteira. Não vê o porta-aviões?

O rapazinho não parecia interessado na crítica ao Governo, e mudou de lugar. Foi para junto de outro senhor e expôs-lhe o problema, baixinho.

- Como é?

- Areia Branca. Lá é minha terra. Tou querendo voltar, falta só 27 cruzeiros...

O homem puxou lentamente a carteira, lentamente extraiu uma nota, passou-a ao rapazinho.

- Está vendo? - comentou o senhor do fundo. - Aquele ali caiu também, quem é que não cai? Aposto que esse menino não vai pedir àquela senhora da esquerda. Mulher não vai na onda, só tem pena de aleijado e de velhinho.

De fato, o postulante deixou de lado a senhora e a moça que havia no carro, e foi contar a história mais adiante (com êxito) a outro representante do sexo frágil, isto é, masculino.

- Oba! Já tenho 20, daqui a pouco posso ir para Areia Branca.

E foi sentar-se ao lado de outro jovem que, pelos cadernos de capa grossa na mão, se revelava colegial.

- Quer me ajudar? Então inteire minha passagem para Areia Branca.

Não era pedido; era recomendação, em tom natural, tão natural que o estudante não discutiu. Sacou do bolso o macinho de notas miúdas - dinheiro do sorvete e da volta, - contou-as uma por uma, e estendeu cinco.

- Se você quer ajudar, inteira logo. Mais dois.

O outro passou-lhe os dois, que esperara inutilmente salvar da requisição, e, à guisa de agradecimento, o beneficiado esticou o dedo:

- Espia só o mar: que estouro! Areia Branca é do outro lado.

E levantou-se mais uma vez, foi ao motorista, curvou-se, passou-lhe o braço nas costas, numa conversa particular e macia. O senhor de trás, moralista e observador implacável, ia-lhe acompanhando as evoluções:

-  Olha só o garoto. Aposto que cantou o motorista para uma carona.

O motorista - de queixo comprido, lembrando agradavelmente o velho atacante Ademir - sem volver o rosto, foi dizendo:

- Cai fora, coisinha.

- Eu não disse? - comentou o de trás, satisfeito com a própria agudeza.

O lotação parou, o meninote desceu. Ai, intervém a senhora, até então muda e queda como penedo:

- Garanto que agora ele vai tomar outro lotação para Copacabana, e repetir o golpe.

- Não duvido nada - secundou o moralista, meio desapontado porque não lhe havia ocorrido esse desenvolvimento.

O rapazinho atravessou a rua - era no contorno do Morro da Viúva - e parou à espera, na calçada.

- Vejam só - continuava exclamando o homem. - Vem com essa conversa de Areia Branca, Areia Branca, um nome tão poético, lembra o Caymmi, a gente não resiste mesmo. Se ele dissesse que queria voltar para Areia Preta, essa não, eu pensava naquela praia do Espírito Santo, em reumatismo, não soltava um níquel. Mas Areia Branca, esse moleque é impossível!

 Fonte:
Elenco de Cronistas - “A Bolsa & A Vida”

Clauder Arcanjo (A Criança que Há em Mim)

“Eu sou aquele menino
Que cresceu por distração.”
(Paulo Bomfim)

A criança que há em mim acorda chupando o dedo, com saudade do bico, consolo do fim da noite, no berço da rede branca, de varandas brancas. Em gostosa preguiça infantil. Quando flagrado em pesadelo, o mijo na rede, batismo do medo.

Levanta-se, acorda de olhos ainda fechados, água fria a abrir os olhos para a luz do dia, resquícios de sonho nas remelas a colarem as pálpebras sonolentas. No café, nunca foi de ter fome. O estômago inda não acordara, e o leite com açúcar a passar por entre os dentes cerrados. “Gut, gut, gut. Vamos! Gut, gut, gut.” A voz de minha mãe, Djanira, a me encorajar a esvaziar o copo, grande. “O café da manhã é a mais importante das refeições.” Conselho que, nos dias atuais, repasso credulamente para os meus rebentos.

      A criança que há em mim caminha com timidez em meio a homens e mulheres, fingidamente decididos, a socarem o chão com os seus sapatos apressados, sempre simulando compromissos inadiáveis, quando, na verdade, rodam em círculos, atrás do rabo de si e do nada.

A criança que há em mim adora parar na praça desabitada e sentar, sozinho, no banco mais ao fundo. Sem pressa, para ouvir a sinfonia sem regra dos pássaros. Passaredo a executar a matinê orquestrada. E, do meu canto, flagrar os velhos, presos pelas famílias às molduras das janelas. Seres de olhos capiongos, a catarem reminiscências nos becos e nas ruas, defronte do seu inexpugnável e vazio exílio.

Em torno do meio-dia, a criança retorna para a Rua Mateus Mendes, 75, e abre o portão da casa em Santana chamando pelos irmãos: “Dedé, Baía, Tito, Dr. Stygma! Onde estão vocês?” Lembrança que dói, e como dói.

A criança que há em mim consagra a madorna após o almoço à memória dos antepassados; costume que corre o rio de tantas existências, hábito de carne, espírito e osso. Por todas as gerações. Assim seja, amém. “Não atrapalhem o meu sono!” O aviso diário de Zequinha, o Arcanjo pai. De vez em quando, dado às barulhentas travessuras, o ringir dos armadores. E, “pernas pra que te quero!”, no aviso do Baía; aquele que ficasse para trás seria brindado com a sova do dia. Uma palmada na bunda. Hoje, bem sei, ela doía mais na mão de Zequinha de que em nossas nádegas.

A criança que há em mim sempre gosta de futebol. Futebol do drible certo, do passe preciso, da marcação sem falta, da jogada inesperada a gerar a festa do gol... mesmo sendo um péssimo jogador. A raça a suplantar a magia. No máximo, aplicado zagueiro. “Menino do Catecismo, você nunca foi de bola!”; goza-me o meu terceiro pai, o Chico de Neco Carteiro.

Nas partidas na tevê, sinto muita falta da companhia de Dederardo, de Gordinho, de Gazumba, de Totonho, de Gatinho... Enfim, de toda a meninada de Licânia. Quanta saudade!

A criança que há em mim, parece, hoje pouca coisa nova vive, apenas relembra, e recupera, as maravilhas que deixou enterradas nas ribeiras do passado. Gloriosa botija deste quase cinquentão.

Algumas vezes, distraído, flagro-me em gaitadas longas e gostosas, e acabo me dando conta de que serei sempre criança, mesmo que isso se dê por mera distração.

Fonte:
Nilto Maciel (Literatura sem fronteiras)