sábado, 11 de dezembro de 2010

Waldir Neves(Livro de Trovas)


Abandono... O Sol declina...
Vem baixando a cerração...
E solidão com neblina
é muito mais solidão!

A cortina da janela...
A cama... Tudo tal qual...
— Só que o cenário, sem ela,
nunca mais vai ser igual...

A glória dos homens brilha
com fulgor de eternidade,
toda vez que uma Bastilha
tomba aos pés da Liberdade!

Ah!, meu peito... Esta saudade...
Quero que a expulses, que grites...
Tu lhe deste intimidade,
e ela passou dos limites!

Amanhece... A névoa fina
vai cobrindo a serração...
E solidão com neblina
é muito mais solidão!

A saudade, em horas mortas,
sem ver que o tempo passou,
teima em abrir velhas portas
que há muito a vida fechou...

Cai a noite... Seu negrume,
mercê de um mistério estranho,
faz de um ínfimo perfume
um lamento sem tamanho...

Circo novo na cidade!
- No poleiro, a dar risada,
olhem lá minha saudade
no meio da garotada!

Deste-me um beijo - um somente!
E queres que eu me console ...
- O desejo é sede ardente,
que não se mata de um gole!...

Deus intangível, etéreo,
mas sempre amor e indulgência,
guarda no próprio mistério
sua infinita evidência.

Deus que é paz... amor profundo,
em sua excelsa grandeza,
se é mistério para o mundo,
para mim é uma certeza!

É uma lágrima sentida
que toda mulher enxuga:
a que lhe rola escondida
por sobre a primeira ruga!

Faz teu ciúme um barulho
que me soa encantador.
- Ele acorda o meu orgulho
de dono do teu amor!...

Fugi do amor com receio
do seu fascínio... e o que fiz
foi só cortar, pelo meio,
meu meio de ser feliz....

Homem sem rasgos nem brilho,
a que a luz não atrai,
vou me orgulhar se meu filho
tiver orgulho do pai.

Irmãos no meu insucesso
o peito implora, a alma pede...
Todos querem teu regresso...
Só meu orgulho não cede!

Mais vibrantes, mais risonhos
a palpitar de inquietude,
diferem dos outros sonhos
os sonhos da juventude!

Meus braços estão vazios,
meus desejos transbordando,
meus pensamentos vadios
no quarto te procurando.

Muito moço inconseqüente,
despreparado e revel,
ganha têmpera de gente
na bigorna do quartel.

Neste abandono sofrido,
sou mais um, que, por vaidade,
deixou que o orgulho, ferido,
matasse a felicidade...

No rubro céu da alvorada,
um ponto pisca e alumia...
- É uma estrela embriagada
que volta da boemia!

Nos abismos do mistério,
onde a razão perde a voz,
talvez o desvão mais sério
se oculte dentro de nós...

No teu sucesso, milhares
Vêm implorar-te favores.
Uns poucos, se fracassares,
partilham das tuas dores

O abismo maior que existe,
o mais fundo que já vi,
é aquele que um homem triste
carrega dentro de si...

O golpe da despedida
foi tão rápido e tão fundo,
que fracionou minha vida
numa fração de segundo...

Opondo orgulho e egoísmo
aos meus acenos risonhos,
cavaste o profundo abismo
onde enterrei os meus sonhos.

O vento leva a amizade,
leva o amor, o riso e os ais,
só não carrega a saudade,
- acha pesada demais!

Para a "sede de saber"
há no mundo água abundante.
Para a "sede do poder"
água nenhuma é bastante...

Perante a Divina Luz
a Ciência se ajoelha,
pois, sendo sábia, deduz
quem lhe acendeu a centelha...

Perguntou-me, à despedida:
– Quem sabe é melhor assim?...
E uma lágrima incontida
deu-lhe a resposta por mim!...

Posso jurar de mãos postas,
Pesando o que já passei,
Que as mais difíceis respostas
Foi em silêncio que eu dei.

Quando a vida, qual verdugo,
me trespassa de agonias,
minhas lágrimas enxugo
num lenço de Ave-Marias...

Quando Deus cobrar meu prazo,
hei de sempre aqui voltar,
ou numa sombra de ocaso,
ou num raio de luar !

Que momento abençoado
e que gesto redentor,
quando o orgulho, derrotado,
cai, humilde, aos pés do amor !...

Quem um filho vê feliz,
seguir por si, resoluto,
vive a glória da raiz
orgulhosa pelo fruto.

Que estranho mistério existe
no lamento da viola:
- queixume que me faz triste;
- tristeza que me consola!...

Quisera que Deus me desse,
acima de qualquer bem,
um orgulho que pusesse
bem abaixo o teu desdém.

Saudoso dos braços dela,
voltei, contrito e humilhado.
- Quando a saudade martela,
qualquer orgulho é quebrado!...

Saudade é gota caída,
é pranto que ninguém vê:
-É uma lágrima sentida
que leva sempre a você. ...

Saudade é uma diligência
que nos leva, docemente,
com repetida freqüência,
ao velho oeste da gente!

Saudade!...Foto em pedaços,
que eu colei, com mão tremida,
tentando compor os traços
de quem rasgou minha vida!

Saudade!... Raio de lua,
suprindo o Sol que brilhou...
Tábua solta, que flutua,
depois que o amor naufragou!

Senhora de cada instante
das minhas horas vazias,
a Saudade é uma constante
na inconstância dos meus dias...

Sonha sim, pobre, com festa!
Que a fantasia, afinal,
é tudo qu ainda te resta
neste mundo desigual!

Terminamos... e ela pensa
que será logo esquecida.
O que ganhou foi presença
para sempre, em minha vida!

Velho cultor de utopias
e de ambições sobranceiras,
sonho ver, ainda em meus dias,
um mundo igual, sem fronteiras!

Vista seda ou popeline,
seja Amélia ou seja Inês,
toda mulher se define
no dia em que diz: -“Talvez!...”

Zerando ofensas e afrontas,
o beijo é o mago auditor
que faz o ajuste de contas
depois das brigas de amor!

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.66)

Trova do Dia

Pedi ao Noel, por cartas,
um presente original:
quero as mesas, todas, fartas
para a ceia de Natal.
ELIANA PALMA/PR

Trova Potiguar

Melhor o mundo seria,
de harmonia e de união,
se nascesse a cada dia
um Cristo em cada cristão.
DJALMA MOTA/RN

Uma Trova Premiada

1999 > Fuzeta/Portugal
Tema > Natal > Menção Honrosa

No céu, ressoa um coral...
São anjos em sinfonia
desejando que o Natal
seja de paz e alegria!
MARINA BRUNA/SP

Uma Trova de Ademar

Que todos os Universos
transformem-se em refletores,
iluminando com versos
o Natal dos Trovadores!
ADEMAR MACEDO/RN

...E Suas Trovas Ficaram

...Uma Estrela, e a silhueta
dos Magos – sobre o areal...
Um cartão... uma caneta...
... Será só isso o Natal?!...
NEWTON MEYER AZEVEDO/MG

Estrofe do Dia

Noite de Natal... abraço
Sorriso, aperto de mão
Mas sinto no coração
A tristeza de um fracasso
Por não fazer como faço
Para os amigos, pros meus...
Viro as costas, dou adeus
Àquele pobre carente
Eu só quero de presente
O vosso perdão, meu Deus!
FRANCISCO JOSÉ PESSOA/CE

Soneto do Dia

– Dorothy Jansson Moretti/SP –
FELIZ NATAL!

“Feliz Natal” estampa-se com arte
pelas faixas das lojas e da rua,
pelos cartões postais... em toda parte,
o mesmo voto. E a gente se habitua

ao sonho de um Natal onde se encarte
nosso desejo, e onde a verdade crua
se acolha num vagão do ano que parte
e diga adeus a este lado da lua...

“Feliz Natal” sem miséria e sem guerra,
sem barracos caindo à chuva forte,
sem crianças, viciadas, a roubar...

Será sonhar demais para esta terra
novo Natal sem tanto horror e morte,
e com Jesus voltando ao seu lugar?!

Fonte:
Ademar Macedo

Monteiro Lobato (Emília no País da Gramática) Capítulo XVII: O Susto da Velha

Dona Etimologia ficou uns instantes a olhar para a boneca, balançando a cabeça. Depois continuou:

— Pois é isso. Substantivos, Adjetivos, Preposições, Conjunções e Interjeições podem ser formados sem a ajuda dos Sufixos, e sim com o emprego duma mesma palavra, mas dando a ela um sentido diferente. O Substantivo Narizinho, por exemplo, que é um simples Diminutivo, pode tornar-se Nome Próprio, como aconteceu aqui com esta menina. Chama-se Narizinho e, portanto, quem diz este nome está dizendo um Nome Próprio. Na frase: O narizinho de Narizinho é arrebitado, o primeiro narizinho é Substantivo Comum, e o segundo é Nome Próprio.

O mesmo se dá com a avó dela, Dona Benta de Oliveira. Oliveira era uma árvore que dava azeitonas; com o tempo o uso mudou esse Substantivo Comum em Nome Próprio, muito empregado para Sobrenomes — e ficaram no mundo duas espécies de Oliveiras — a que dá azeitonas e a que dá Sobrenomes a muita gente.

— É mesmo! — gritou o menino. — Agora estou vendo que a maior parte dos Nomes Próprios que conheço são Nomes Comuns "apropriados", que, em vez de designarem coisas, passaram a designar pessoas, como Leitão, Inocente, Rosa, Margarida, Esperança, Monteiro, Lobato, Quindim. . .

— Do mesmo modo, muitos Adjetivos viram Substantivos, sem nenhuma mudança de forma — continuou a velha. — Brilhante, por exemplo, é um Adjetivo Qualificativo da coisa que brilha, mas se se refere ao diamante lapidado, vira Substantivo.

O mesmo se dá com certos Pronomes, como o Pronome Tudo, que vira Substantivo na frase: O tudo é vencer. Também há pessoas de Verbo que viram Substantivos. Venda, que é a primeira e a terceira Pessoa do Presente do Modo Subjuntivo do Verbo Vender, vira o Substantivo Venda, com significação de ato de vender ou casa onde se vendem coisas.

— Na venda do João Nagib, lá perto do sítio, quase que só há pinga, fósforo, bacalhau e sal. . . Que venda à-toa! — recordou Emília. — Nem bala de apito tem. Dona Benta não gosta que os meninos passem por lá.

— Pare com isso, Emília, que você até envergonha a espécie — advertiu Narizinho. — Continue, Dona Etimologia, faça o favor.

E a velha continuou:

— E também Advérbios e outras Palavras Inflexivas viram Substantivos. Quando uma pessoa diz: A metade do queijo, o Advérbio Metade está virando em Substantivo.

E também Substantivos viram Adjetivos, como nesta frase: Nova Iorque é uma cidade monstro. O Substantivo Monstro está nesta frase fazendo o papel de Adjetivo para indicar enormidade.

E também Substantivos viram Interjeições, como nesta frase. . . Socorro! Uma fera africana acaba de invadir minha casa!. . .

— Que cara feia ela está fazendo! — murmurou Narizinho, que não havia notado o súbito aparecimento do rinoceronte no fundo da sala.

— Socorro! — continuou a velha a berrar, no maior pavor da sua vida. — Acudam-me!. . .

Só então os meninos perceberam que ela não estava dando nenhum exemplo, e sim urrando de pavor. Puseram-se a rir — e isso ainda mais aumentou o pânico da velha, que supôs ser riso nervoso, desses que atacam certas pessoas quando o perigo é do tamanho duma torre.

— Não se assuste, Dona Eulália! — gritou Emília. — Este paquiderme é mansíssimo, e até se chama Quindim, nome dum doce muito delicado. Medo de Quindim? Que bobagem! É a melhor criatura do mundo. Uma perfeita moça. Quer ver?

— E Emília correu para o rinoceronte, sobre o qual trepou pela escadinha de corda que ele trazia pendente no costado — invenção de Pedrinho para facilitar a "montagem" do paquiderme, como ele dizia. A boneca deu jeito e logo se plantou, muito a cômodo, sobre o terrível chifre de Quindim.

Está vendo, Dona Brites? Poderá haver monstro mais carneiro? Venha também. Não se vexe. Lá no sítio, Dona Benta e Tia Nastácia, quando não há gente grande perto para espiar, não saem do lombo de Quindim. Venha. Deixe-se de fedorências. . .

Mas não houve meio. Dona Etimologia era a maior das medrosas, e para acalmá-la foi preciso que o Visconde afastasse dali o excelente paquiderme.

A pobre velha queixou-se de sufocação no peito e teve de tomar um bule inteiro de chá calmante.

— Ufa! Que susto! Enfim. . . Mas como ia dizendo. . . Que é que eu ia dizendo?. . . Sim, que as palavras derivam umas das outras de dois modos. Mas ele não chifra ninguém lá no tal sítio?

— Nem mosquito — respondeu Emília. — Juro pela alma do Visconde.

A velha assoprou três vezes.

— Mas como ia dizendo, a Derivação das palavras faz-se por meio de Sufixos e Prefixos. Já falei nos Prefixos?

— Um pouquinho só — disse Pedrinho.

— Pois os tais Prefixos são palavrinhas da mesma família que os Sufixos, mas que se colocam na frente. Isso de servir de cauda é especialidade dos Sufixos. Existem numerosos Prefixos, mas como estou muito nervosa, vou citar apenas alguns, como Sub, Intro, Ver, Sus, Com, os quais servem para formar palavras como Subdividir, Intrometer, Percorrer, Sustento, Compadre, etc. Uf! Que bicho horrendo! Aquele chifre pontudo no meio da testa. . .

— Continue, dona! — berrou Emília. — Esqueça duma vez o fanico. Já está enjoando.

A velha assoprou de novo, suspirou e disse:

— Há ainda a formação de palavras por JUSTAPOSIÇÃO, quando duas palavras se ligam para exprimir uma terceira coisa. Guarda e Chuva, por exemplo, têm o sentido que vocês sabem; mas quando se justapõem, dão a palavra Guarda-chuva, que é coisa diferente, Bem-te-vi, Beija-flor, Corrimão, Pica-pau, Girassol e tantas outras, são formadas deste modo.

— Saca-rolhas, Aguardente e Lambe-pratos, também — começou Emília, mas Narizinho impôs-lhe silêncio e a velha prosseguiu.

— Há ainda a formação de palavras por AGLUTINAÇÃO, na qual uma das palavras perde um pedacinho para melhor fundir-se com outras, como essa Aguardente que Emília acaba de citar. Se houvesse apenas Justaposição, ficaria Aguaardente; mas a Aglutinação faz que desapareça um dos AA.

E há, finalmente, a formação de palavras por HIBRIDISMO, em que entram vocábulos de línguas diferentes, como em Monóculo. Mono é palavra grega que quer dizer Um, ou Único; e Óculo é palavra latina.

— Lá no sítio de Dona Benta — lembrou Emília — Mono quer dizer macacão. O Tio Barnabé, que mora perto da ponte, Dona Benta diz que é um verdadeiro mono.

— Sei disso — declarou a velha, rindo-se —, mas em grego Mono significa único.

— Único macacão?

— Cale-se, Emília, por favor! — pediu a menina.

A velha continuou:

— Se vocês quiserem visitar as palavras gregas usadas para a formação de vocábulos novos, espiem aquele cercado de arame. Lá estão todas.

Os meninos correram ao ponto indicado, que era o curral onde a velha conservava as suas palavras gregas.

— Xi!. . . Quantas!... — exclamou Narizinho. — E todas com papeleta no pescoço, para mostrar o que querem dizer em português.

Estavam lá, entre muitas, as seguintes greguinhas: Geo (terra), que serve para formar Geografia, Geologia, Geometria, Geodésia, etc. E Micro (pequeno), que serve para formar Micróbio, Microscópio, etc. E Tri (três), que serve para formar Trigonometria, Trilogia, etc. E Zoo (animal), que serve para formar Zoologia, Zootecnia, etc. E Pan (tudo), que serve para formar Panteísmo, Panorama, etc. E Bio (vida), que serve para formar Biologia, Biografia, etc. E Rino (nariz), que serve para formar Rinoceronte.

— Ora vejam só! — berrou Emília. — Quindim chama-se rinoceronte por causa do nariz. Rino é nariz. E Ceronte? Que será Ceronte? Veja se acha essa palavra aí do seu lado, Narizinho.

Custou um pouco, mas acharam. Ceronte queria dizer chifre.

— Pronto! — gritou Emília, radiante. — Rinoceronte significa nariz no chifre.

— Ou chifre no nariz? — objetou Narizinho. — A tradução na ordem direta não dá certo, porque na realidade Quindim não tem nenhum nariz no chifre.

Emília mostrava-se cheiíssima de si com as muitas coisas novas que ia aprendendo, e passou por lá mais de uma hora decorando palavras gregas para com elas formar outras diferentes. Súbito, gritou:

— Já sei o seu nome em grego, Narizinho.

— Como é?

— Microrrino! Micro quer dizer pequeno, e Rino quer dizer nariz. Nariz pequeno é narizinho. . .

— Mas por que chamam híbridas a estas palavras feitas só do grego? — indagou o menino. — Híbrido, que eu sei, é o burro e a mula, filhos de jumento e égua. Será que estas palavras são as mulas da língua? Vou perguntar à velha.

Perguntou, e Dona Etimologia explicou que Híbrido queria dizer Mestiço de duas raças diferentes.

— Então aquelas palavras do cercado não são Híbridas, e sim de puro sangue.

— Perfeitamente — concordou a velha. — Um verdadeiro vocábulo Híbrido é o Monóculo, que já citei; como também Centímetro e Mineralogia, porque nos três casos metade da palavra é grega e outra metade é latina. Estas, sim, são as verdadeiras mulas da língua.

Emília juntou uma porção de palavras gregas e latinas para fazer lá no sítio uma criação de palavras Híbridas. Entre elas levou Demo, que significa Povo; Odonto, que significa Dente; Tele, que significa Longe; Topo, que significa Lugar; Fono, que significa Voz — todas gregas.

— Levo estas só — disse ela. — Palavras latinas temos lá muitas, naquele dicionário grandão de Dona Benta. Com estas já podemos fazer uma criação de Híbridos de primeira ordem.

Pedrinho não quis ficar atrás e levou mais as seguintes, também gregas: Gastro, que significa Ventre; ídolo, que significa Imagem; Miso, que significa Ódio; Di, que significa Dois; Tetra, que significa Quatro — e mais umas quantas.

— Quero ver quem cria Híbridos mais bonitos, se você ou eu — disse ele.
______________________
Continua ... Capítulo XVIII: Gente de Fora
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. SP: Círculo do Livro. Digitalizado por http://groups.google.com/group/digitalsource

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.65)


Trova do Dia

Sai dezembro entra janeiro...
no reveillon fantasia,
rí o povo brasileiro
para chorar no outro dia.
FRANCISCO JOSÉ PESSOA/CE

Trova Potiguar

Tocam sinos de alegria
no encanto do firmamento...
E a luz da estrela anuncia
Jesus em seu nascimento!
MARA MELINNI GARCIA/RN

Uma Trova Premiada

2002 > Garibaldi/RS
Tema > Natal > 4º Lugar

Que saudades dos folguedos
dos meus Natais mais risonhos...
em que singelos brinquedos
amanheciam meus sonhos!
JOÃO FREIRE FILHO/RJ

Uma Trova de Ademar

Que o Natal seja semente
de paz e amor fraternal,
despertando, em toda gente,
um verdadeiro Natal!
ADEMAR MACEDO/RN

...E Suas Trovas Ficaram

É Natal! A casa cheia
e a família reunida
no amor de Deus faz a ceia,
dividindo o pão da vida!
VERA MARIA DE L. BASTOS/MG

Estrofe do Dia

Na data do aniversário
a cada mês de dezembro,
afirmo, lembro e relembro
Cristo teve o seu calvário;
para seguir no ideário
por Deus pai determinado
suportou supliciado
pela nossa salvação,
sofreu crucificação
pra nos livrar do pecado.
MARCOS MEDEIROS/RN

Soneto do Dia

– Amilton Maciel/SP –
QUE FELICIDADE!

Vem chegando o Natal! E estou feliz,
Como costumo sempre assim ficar!
Pois no Advento há algo que me diz
Que terei alegria no meu lar!

Os parentes queridos, de raiz,
Certamente virão me visitar,
E, junto com os amigos que aqui fiz,
O Deus-menino vamos gloriar!

Numa ceia singela, em que o amor
É o tempero melhor da refeição,
Os próprios mimos cedem o seu valor.

Nessa Festa cristã e fraternal,
Deus ficará em nosso coração,
Que, assim, proclamará: Feliz Natal!

Fonte:
Ademar Macedo

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Santuário da Poesia II


Carlos Drummond de Andrade
MEMÓRIA

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.
Mas as coisas findas,
muito mais que
lindas,
essas ficarão.

A. A. de Assis
POR UM BEIJO

Por um beijo eu lhe dou o que sou e o que tenho:
os bons sonhos que sonho, as plantinhas que planto,
a pureza, a alegria, as cantigas que eu canto,
e o meu verso se acaso houver nele arte e engenho.

Por um beijo eu lhe dou, se preciso, o meu pranto,
as angústias da luta em que há tanto me empenho,
as saudades que trago do chão de onde venho,
as promessas que eu faço, piedoso, ao meu santo.

Por um beijo eu lhe dou meus anseios de paz,
minha fé na ternura e no bem que ela faz,
meu apego à esperança, que insisto em manter.

Por um beijo, um só beijo, um momento de amor,
eu lhe dou meu sorriso, eu lhe dou minha dor,
o meu todo eu lhe dou, dou-lhe inteiro o meu ser!

Renate Emanuele
TEMPO

Tempo, nosso precioso tempo
Que tanto corre e se esvai
Esse tempo que engana e trai
Este que imaginamos tão lento

Esse tempo cruel e mordaz
Que a todos sacode e vigia
Que sobre todos se aninha
Um destino para todos se faz

Mas é esse tempo que sobra
Que faz ainda assim poetar
Neste tempo que o verbo sonhar
Que do tempo o tempo nos cobra

Esse tempo que se vai no espaço
Que gira o mundo, faz nascer
Este que também deixa morrer
Quando alivia de nosso cansaço

É esse tempo que os cabelos tinge
Que nos encontra e sobressalta
Que o cansaço e dores ressalta
com castigos que ao corpo infringe

Os sonhos que o tempo realiza
Sonhos que ao pensamento brinda
como posso sonhar neste tempo ainda
Se é desse tempo que em mim finaliza?

Simone Borba Pinheiro
ÂNSIA DE VIVER

Meu tempo, não tem tempo
de esperar por ti.
Por ti que, só enganos, somou
aos meus desenganos.

A noite fria já não tem mais lua
E eu amor, já não sou mais tua.
Meu corpo hoje, se aquece em outros braços
e, é por isso que rompo todos os laços
com o tempo passado,
que nunca teve tempo para mim.

Cansei de esperar pelo vinho
que depois de feito,
já não fazia mais efeito em mim.
Cansei do dia, da noite,
da vida vazia
que se apoderou de mim.

Perdoe amor, os meus desencantos,
mas hoje só canto,
a alegria de viver.
Viver o amor, sem pranto,
com outro amor no meu canto,
cantando pra eu dormir!

Antonio Roberto Fernandes
AS TUAS MÃOS

As tuas mãos tão belas, tão formosas.
As tuas mãos afeitas aos carinhos.
As minhas mãos tão feias, tão nervosas.
As minhas mãos expostas aos espinhos.

As tuas mãos me tocam por piedade.
As minhas mãos te afagam, mas com medo.
As tuas mãos são mãos pra eternidade.
As minhas mãos são mãos de morrer cedo.

As tuas mãos nas minhas, que contraste!
Mas se não fossem elas, que desastre,
nem sei das minhas mãos o que seria!

Por isso às tuas mãos eu agradeço
o carinho que eu sei que não mereço
e que em outras mãos não acharia!...

Ricardo De Benedictis
O TEMPO I

O tempo jamais se mede
num relógio de mulher
no futuro ou no adrede
para o que der e vier...

É um lapso fatal
o tempo despercebido
pra o menino genial
ou pra o homem envelhecido...

Para o jovem apaixonado
o tempo é sempre esperado
e só traduz alegria,

mas pra quem está vencido
o tempo corre perdido
entre a dor e a nostalgia...

Cleide Canton
CANÇÃO PARA TI

Ouça, amor,
os meus versos apaixonados
como se os estivesse declamando
ao teu ouvido.
São versos do meu lado escondido
que sempre clamou por ti.

Ouça, amor,
e mesmo que neles já não veja encantos,
foram para ti feitos
nos soluços dos meus prantos.

Ouça, amor...
Talvez ainda te alcance
aquele antigo perfume
ou a minha voz nas nossas canções.
Quem sabe aquele cheiro de terra molhada
ou as juras desta eterna enamorada...

Antigas emoções,
restos de enlevos e paixões
que não deixei perderem-se em bolor.
Tantas cartas de amor!
Tantos anseios reprimidos,
sonhos perdidos
num amanhecer sem esplendor.

Ouça, amor!
Existe uma tristeza
no bailado das cortinas do meu quarto,
um espreguiçar dos ventos
nos uivos da noite,
enquanto meus lábios emolduram,
sem cor,
a melancolia do meu sorrir.

Ouça, amor,
enquanto ainda puderes ouvir,
enquanto minha voz ainda ecoa,
enquanto teu beijo ainda eu possa sentir.
Escuta, amor!
Não me deixes partir!

Cassiano Ricardo
O RELÓGIO

Diante de coisa tão doida
Conservemos-nos serenos

Cada minuto da vida
Nunca é mais, é sempre menos

Ser é apenas uma face
Do não ser, e não do ser

Desde o instante em que se nasce
Já se começa a morrer

Emília Possídio
FARINHA E FERMENTO

Somos farinha e fermento
gotículas de mel na flor
amantes vestidos de amor
seguindo a trilha do vento

Nossas verdades e esperas
se cruzam em nossos olhares
se firmam no coração

grandes felicidades
na solidez dos pensares

Olhamos além do céu
para vislumbrar quão grande
e insondável é o mar!
Seguindo a trilha do vento
misturam-se farinha e fermento

Estamos aqui ou alhures
não temos morte nem fim
somos migalhas do grão
do amor que se eterniza
nascido do vento e da brisa

Sejamos tudo no mundo
ressaca em mar bravio

onda que quebra em penhasco
amores em desafio

Sejamos sementes que brotam
pelas curvas dos caminhos.

Vilma Oliveira
TÚNEL DO TEMPO

Penetrei no túnel do tempo de olhos fechados...
Sem me aperceber que trazia nas mãos meu destino
Entreguei-me ao senhor do tempo, cordeiro da vida,
Onde preparei a terra para a semeadura
E colhi na ramagem dos anos avencas floridas!

Conduzi os meus sonhos tolhidos, inacabados,
Com passos inertes a mercê da inconstância
Quando tudo é parte de um mesmo caminho
Percorro aleatoriamente o rumo dos oceanos
Quando atrai as ondas para si insinuante!

No fluxo das águas resvalam meus ais...
Desliza cachoeira abaixo a minha ilusão
Carregada pelos braços da nascente boreal...

Acendi o lampião do sol para iluminar o dia
Enquanto pernoitasse os olhos da noite
Em luas crescentes contornando o espaço!

Foi então, que despertei semi-acordada,
Num súbito vislumbre de contradição
Marchei frente a vida diante da sorte
Refiz minha viagem além da visão!

Mário Quintana
A VIDA


A vida são deveres, que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando se vê, já é sexta-feira...
Quando se vê, já é Natal...
Quando se vê, já terminou o ano...
Quando se vê, perdemos o amor da nossa vida...

Quando se vê, passaram-se 50 anos!
Agora é tarde demais para ser reprovado..
Se me fosse dado, um dia, outra oportunidade, eu nem olhava
o relógio.
Seguiria sempre em frente e iria jogando, pelo caminho, a casca
dourada e inútil das horas...
Seguraria o meu amor, que está a muito à minha frente, e diria
EU TE AMO...
Dessa forma, eu digo: não deixe de fazer algo que gosta devido
à falta de tempo.

Não deixe de ter alguém ao seu lado
por puro medo de ser feliz.

A única falta que terás será desse tempo que infelizmente...
não voltará mais.

Herculano Ericeira Coelho
COPO DE CHOPE

Ouro liquefeito,
coroado em marfim,
nos limites do cristal!...
Se alguns te julgam meu defeito,
certo, certo és, para mim,
amigo diário e fraternal.

O frio orvalhado do teu corpo
faz ponto no suor do meu dia que termina em ti.
E faz-se então em ar de estrelas borbulhantes
que cintilam e acenam pra noite que chega
de orvalho molhada trabalho, lazer
e amizade banhada de luz e prazer.

Amigos se fazem em amizades já feitas...
amores se afirmam em beijos lembrados
da musa dileta, nos versos cantados
do amor do poeta.

Camila da Silva César
EU, VOCÊ E O TEMPO.

Eu continuo te amando
E o tempo nos separando,
Você sorri para a vida
Enquanto o tempo nos desliga

Eu choro com nosso desencontro
O tempo nem consola seu abandono.
Você me tira do serio
E o tempo me desvenda o mistério.

Eu, você e o tempo.
Mistura com tempero, devaneio.

J. G. de Araújo Jorge
ESCOLHA

Se perguntassem ao marinheiro
como gostaria que fosse o seu instante derradeiro
ele diria: no mar
Se perguntassem ao aviador onde e como desejaria
o seu último dia,
por certo responderia:
no ar!
Para seus dias terminar
o marinheiro: quer o mar;
o aviador: os espaços
Eu... se pudesse escolher
uma forma de morrer,
queria morrer de amor
em teus braços...

Antonio Manoel Abreu Sardenberg
BEIJO PERDIDO

O tempo passa rápido demais,
Levando na bagagem mais um dia,
Deixando uma saudade para trás
Que a gente nem ligava e percebia.

Levou aquele abraço que não dei,
O beijo que eu tanto quis um dia,
Deixou em seu lugar melancolia,
Tristeza por não ter o que sonhei.

E o tempo, quando vai, nunca mais volta.
Não adianta a gente lamentar
E nem ficar curtinho essa revolta.

Abraço que escapa não tem volta,
Beijo perdido não se recupera,
Não adianta o ódio nem a ira...
Desejo que o tempo levou - já era!

Andrezza Rangel Sardenberg
IMAGEM PERDIDA

Por onde passo
Sinto seu cheiro
Ouço sua voz
Vejo o seu jeito.

Em cada passo
Sinto o descompasso
De um coração ferido,
Frágil e doído.

Como esquecer
Se em cada passo
Tropeço em você?

Como deixar
Se em cada olhar
Sua imagem vem decidida
A me atormentar?

Como posso viver
Se parte da minha
Alma está aí, com você?

Você, imagem perdida
No espelho d' água
Da poça formada
Pelos prantos de minhas lágrimas

Marlene Rangel Sardenberg
PARA UM POETA

Deus o fez poeta. Pobre peregrino
neste mundo de sonhos e ilusões!
Forjou-lhe a alma eterna de menino
pra resguardá-lo das decepções

das horas de espera sem chegada
que ele sente e não consegue entendê-las:
como viver na solidão gelada
quando se está tão perto das estrelas!?

Depois de tropeçar no paraíso,
cair de amores, ainda é preciso
da caminhada encontrar a meta?

Pra conviver com as angústias que o consomem,
sofre, então, como homem que é poeta
por viver como poeta, que é homem.

Tere Penhabe
CAMINHANTE DAS ESTRELAS

Conta-me esse seu segredo
mas fala devagarinho
só não me deixe pensar
que estarei sempre sozinha.

Se a sua alma é paixão
de paixão também é a minha
vem dar ao meu coração
a vida que ele já tinha.

Estou aqui, não me vês?
Oh Deus meu, como farei?
Essa vontade de beijos
é minha vontade também.

E os abraços pendurados
na esperança de lhe ver
esvoaçam o dia inteiro
querendo seus braços ter.

Se dorme com o seu anjo
comigo vive a sonhar
pergunta a ele se aceita
de lugar comigo trocar.

Que eu verei com bons olhos
dividir consigo as estrelas
caminhando entre os sonhos
e estar no lugar delas.

Então sim, poderei sentir
seus pés a me tatear
longo caminho a seguir
muito prazer pra trocar.

Fontes:
Amor em Verso e Prosa.
Alma de Poeta.

Solenidade de Posse na Academia Votorantinense de Letras, Artes e História

A Academia Votorantinense de Letras, Artes e História (AVLAH) realizará a sua última reunião de 2010 na próxima segunda-feira, 13/12, às 19h30, momento em que serão diplomados cinco novos membros e será entregue o Prêmio “João Kruguer”.

O evento será celebrado com um jantar de confraternização e acontecerá em um restaurante localizado à rua Albertina Nascimento, no Centro de Votorantim, especialmente locado para a última Sessão Plenária deste ano da AVLAH.

Segundo o Presidente da Instituição, Antonio Carlos M. Ferreira, foram vários os critérios para seleção dos novos acadêmicos. “Trabalhamos com muita seriedade na Academia, então levamos em consideração vários aspectos, como por exemplo: a pessoa deve ter sido indicada por um acadêmico; deve residir em Votorantim há, no mínimo, cinco anos; ser atuante ou ter atuado nas áreas das artes, história ou letras; possuir registro profissional condizente com a atuação; há análise de currículo e o candidato deve ter disposição de se envolver com as atividades da Academia”, explicou Ferreira.

Os novos membros são: o artista plástico Adriano Gianolla Bezerra, a professora e escritora Catarina André Hand, o maestro Jonicler Real, o artista plástico e escritor Sidnei Ferreira dos Santos e o escritor Vanderlei da Silva.

A AVLAH dispõe de 40 cadeiras, das quais ainda restarão 13 para serem preenchidas no decorrer dos próximos anos.

Além da diplomação, acontecerá a entrega do Prêmio João Kruguer (memorável escritor da cidade de Votorantim) para duas personalidades de destaque na área das letras, artes ou história da cidade. Os premiados serão conhecidos durante a solenidade e receberão um troféu produzido especialmente para a Academia de Letras. “Procuramos pessoas que se destacam, porém nem sempre são celebridades e, às vezes, estão escondidas. Os nomes dos homenageados serão uma surpresa”, disse Ferreira.

Qualquer pessoa interessada poderá participar do evento. Os convites custam R$25,00 e podem ser adquiridos até sexta-feira, 10/12, na sede da Associação dos Aposentados e Pensionistas de Votorantim (APEVO), com Aristides, ou pelo telefone 3247-2952, com Antonio Carlos.

Informações sobre os novos acadêmicos:

- cadeira nº 23 - Adriano Gianolla Bezerra – (Artista Plástico, Formado em Educação Ambiental pela UFSJ, Formado em Direção Teatral pelo Conservatório de Tatuí, SP, Formado em Pintura Moderna e Cursando Pedagogia)

- cadeira nº 24 - Catarina André Hand – (Escritora, Mestranda em Educação, Supervisora de Ensino, Pedagoga e Formada em Letras)

- cadeira nº 25 – Jonicler Real – (Maestro, Mestre em Artes (Música), Formado em Musicologia em Friburgo, na Suíça , Composição e Regência na Faculdade Alcântara Machado; Maestro titular da Orquestra Sinfônica de Sorocaba entre 1998 e 2010)

- cadeira nº 26 - Sidnei Ferreira dos Santos – (Artista Plástico, Pós Graduado em Tecnologia de Polícia Ostensiva e Preservação da Ordem Pública, 1º Sargento da PM de SP, atuando em Sorocaba, SP, Escritor, Artista Plástico e Colunista)

- cadeira nº 27 – Vanderlei da Silva – (Escritor , Doutorando em Educação, Pós-Graduado em Direito do Terceiro Setor, Graduado em Direito)

Fonte:
Luciana Lopez

Pedro Mello (Ah, esses nossos livros...!)



O que faço se preciso de um esclarecimento, de um tira-dúvidas? Mais seguro que procurar no “Google” ou na “Wikipedia” é consultar o velho e infalível dicionário, o “pai-dos-inteligentes”, naturalmente à prova de vírus, de “tilte” e de queda de energia elétrica. (Discordo veemente da antonomásia “pai-dos-burros”. Quem é burro acostuma-se e acomoda-se à sua ignorância. Afinal, quererá um dicionário para quê???) Alguns, mais curiosos e sequiosos da pureza vernacular, procurarão uma gramática.

Entre nossos dicionários, o Caldas Aulete foi a referência padrão durante muitos anos e, mais atualmente, o Aurélio e o Houaiss se destacam por seu alcance. O Houaiss é mais completo que o Aurélio, mas é de difícil consulta para um leigo. Entre as gramáticas, os mais antigos certamente evocarão a “Gramática Metódica da Língua Portuguesa”, de Napoleão Mendes de Almeida e a “Gramática Normativa da Língua Portuguesa”, de Rocha Lima. Atualmente, nossas melhores e mais confiáveis (apesar de alguns pormenores que não vem ao caso elencar) são a “Nova Gramática do Português Contemporâneo”, de Celso Cunha e Lindley Cintra, e a “Moderna Gramática Portuguesa”, do Prof. Evanildo Bechara.

Quem conhece um pouco de outras línguas, ficará impressionado com o atraso do Português neste quesito. Só o Espanhol possui atualmente três dicionários de grande vulto e emprego, o “Dicionario Usual”, editado pela Larousse, o “Dicionario de la lengua española”, da Universidad de Salamanca e o “Dicionario del Estudiante”, da Real Academia Española, três calhamaços dignos de respeito.

Por falar em Academia, é curioso lembrar que a Academia Brasileira de Letras, uma instituição teoricamente análoga à espanhola, limita-se a publicar o VOLP (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa), praticamente desconhecido da maioria dos brasileiros e que se limita, simplesmente, a elencar as palavras em ordem alfabética, sem maiores explicações. Depois do acordo ortográfico, então, estamos em um caos praticamente institucional.

Em termos de gramática, também ficamos um pouco atrás: a primeira gramática do Espanhol foi publicada por Antonio Nebrija, em 1492; e a do Português, por Fernão de Oliveira, em 1536. E voltando a falar da Real Academia Espanhola, é ela quem edita a mais completa gramática do Espanhol contemporâneo, em dois alentados volumes, uma referência mundial para quem estuda Espanhol.

Enquanto isso, a nossa Academia prefere chá com biscoitos... Apesar de algumas boas iniciativas, a língua portuguesa ainda não tem uma gramática “oficial”, que sirva de parâmetro para pessoas de outras nações que queiram estudar Português. Mas e as nossas gramáticas, afinal? Bem... as nossas dão para o gasto. E é só. Uma gramática muito boa é a “Gramática de Usos do Português”, da Professora Maria Helena Moura Neves, da UNESP, todavia é de difícil consulta para um leitor comum. Outras iniciativas de pesquisadores brasileiros são boas, mas de pequeno alcance e esbarram em obstáculos de natureza logística. Fora essas iniciativas, o que encontramos nas livrarias são cópias de gramáticas anteriores e, na maioria dos casos, cópias mal feitas, cheias de inconsistências teóricas e de conceituações defeituosas. Cito como exemplo a minigramática que minha escola recebe do Governo do Estado (!!!), que traz a seguinte pérola, à p. 247: “Sujeito é o ser de quem se diz alguma coisa. Predicado é aquilo que se afirma do sujeito, ou melhor, é o termo que contém a declaração, referida, em geral, ao sujeito.” E quando o sujeito não é um ser? Na frase “O que aconteceu?”, “o que” é sujeito do verbo “aconteceu”, e nem por isto é um “ser”. E se “predicado” é aquilo que se afirma sobre o sujeito, como ficam as orações sem sujeito? “Está calor”, “fez frio”, “choveu”, “amanheceu”. Estas quatro frases são predicados, mas não estão afirmando nada sobre sujeito algum, porque o sujeito, nestes casos, simplesmente não existe!

Estudar língua portuguesa no Brasil é pisar em um campo minado. Muitas vezes o que parece não é e o que é não parece. Para nós da UBT, que escrevemos trovas e julgamos outras tantas para concursos, é preciso muita cautela antes de dar nota ou excluir determinadas trovas do escopo de um julgamento. É imprescindível consultar gramáticas e dicionários em casos de dúvida. De preferência, mais de uma obra. Há autores que divergem em determinados assuntos e às vezes mais complicam do que esclarecem. As línguas variam e as gramáticas nem sempre registram adequadamente tais variações ou, ao contrário, abonam construções que já caíram em desuso. De preferência, precisamos consultar obras atualizadas.

Por fim, um comentário absolutamente pessoal: em vista do caráter muitas vezes impressionista de nossos compêndios, não me admira que a palavra “TROVA” seja um mistério para as pessoas. E se quiserem saber o que é “trova” olhando um dicionário... Deus nos acuda!

Fonte:
O Autor

Jorge Facury Ferreira (Lu)


Noite de Sexta-feira Santa, segundo o calendário católico.

Júnior saiu determinado em busca de um dos mais velhos prazeres conhecidos. Tinha uma direção a seguir, um alvo, embora não seja digno concebê-lo como tal. Não encontrou. Aliás, viu o que deveria ter previsto se pensasse um pouco: uma longa procissão descendo a principal rua central da cidade. A voz do Ministro religioso ao longe, seguida do som de centenas de passos. Não se pode negar, eles infundem uma sensação antiga, que nos remete aos primeiros anos ¾ foi o que sentiu. Passos, quando muitos, se não superados por outros ruídos, reportam às coisas sacras entre as quais inclui-se sem sombra de dívida o ritual do féretro, momento de extrema impotência para todo ser humano.

Observou com curiosidade que as pessoas portavam velas protegidas por invólucros improvisados, para que o vento não apagasse as chamas. Alguns levavam copos descartáveis que ficavam parecendo mini-abajures, e a maioria garrafas plásticas de refrigerante cortadas ao meio e seguras de modo invertido. A criatividade faz os subprodutos do consumismo se prestarem às coisas do espírito! - considerou. E Enquanto considerava tais impressões ia a procissão que demorou, mas passou. Atravessou então a rua agora livre, posto que só havia uma única direção para onde rumar seus passos, que afinal, tornaram-se absolutamente errantes frente àqueles tantos que presenciou. A julgar pelo ritmo lento e monótono das ruas principiou julgar que beirava o fracasso em atingir a meta estabelecida. Passou pela praça central onde se encenava o tema da Páscoa. No bar da chinesa, alheia aos nossos costumes e crenças, um sujeito vestido de palhaço jogava bilhar. Era um palhaço completo, com a bola vermelha no nariz e tudo. Não seria a cena mais presumível para uma noite daquelas ¾ mas, quem pode presumir algo hoje em dia?

Caminhando, com olhos atentos ao seu objeto de desejo, que poderia surgir de qualquer direção, passou por uma outra praça onde os garotos de sempre cheiravam a cola de sapateiro... de sempre, acompanhados de seus irritantes patinetes e seus bonés. Todos com esse acessório. Não são gente sem um boné? - inquiriu-se. Supremo tributo ao modo americano de vida... Um fazia sua necessidade fisiológica na grama, com a tranqüilidade das crianças (ou dos cães, como pareceu a Júnior). Depois, retornou à súcia para participar de um rasgo de risos fáceis e irresponsáveis.

O clima nas ruas estava mais familiar que de costume. Uma garotinha dizia aos pais com a importância do momento vivido - e isso transparecia em sua voz ¾ que nunca consegue ficar perto do Jesus na procissão. Mal sabendo a pequena, que dentre todos, é ela quem de fato está mais perto dEle.

Mais adiante, já em outra rua, após ter passado o ponto dos travestis e ter ganhado à distância um beijo estalado na mão de um deles, corria outra criança junto aos familiares. Pode ser uma base falsa ¾ pensou Júnior - mas estava uma noite bastante democrática, com grupos da sociedade muito diferentes convivendo em paz. A criança voltou-se correndo para o meio da rua. A mãe no afã de limitá-la, pelo perigo do trânsito, advertiu:

– Cuidado com o homem do saco! Ele vem aí da rua!...

Mau costume esse de assustar as crianças fomentando medos desnecessários por um comodismo pretensamente defensável. Esse tal homem do saco deve ser figura estereotipada na imagem do andarilho, sujo, maltrapilho e carregando um saco onde porventura guarda as criancinhas malcriadas. É um mito preconceituoso. Se não fosse sujo, quiçá nem negro, poderia ser o papai-noel? Já cheio de impressões com tão pouco tempo de caminhada, Júnior estava a ponto de fazer o caminho de volta.

Adentrou um bar.

Uma cerveja poderia ser a derradeira companhia da noite. Por azar, um sujeito embriagado a seu lado atazanava o dono do estabelecimento, tanto que temeu por um conflito. O homem do lado de dentro do balcão fez um grande esforço para não chutar para fora o inconveniente freguês, que vez por outra gritava que sua mulher estava em casa, não se sabendo que importância havia em se lembrar isso. Talvez ¾ considerou Júnior ao tomar o primeiro gole da bebida que de tão gelada parecia ter sido trazida do pólo sul ¾ para reforçar seu perfil de homem macho, padrão da sociedade que ele porventura vê com ótica de simplório. Importunou tanto, que o dono do bar resolveu baixar as portas. Júnior pediu então uma cerveja em lata e saiu determinado a manter o rumo de volta à casa. Não andou muito, foi abordado por duas meninas de programa que queriam a lata. Sim, a lata, para angariar uns trocados nos centros de reciclagens.

= Mas, eu não terminei de beber! - protestou.

- A gente espera - disse a mais gordinha.

Sentaram-se num canto de esquina. Ele sorvia os últimos goles e elas trocavam idéias sobre suas mazelas. Depois, foram-se, sem nem dizer tchau. Elas com a lata e Júnior sem Lucélia, seu objetivo, a quem observava havia dias, como o gato pardo que na noite se esgueira vendo tudo à distância, no aguardo do momento certo para buscar o que lhe atrai.
Foi-se.

No caminho, acabou descobrindo a razão daquele palhaço que jogava bilhar. Havia um circo na cidade, instalado próximo dali.

O outro dia amanheceu e fez-se noite, convidando-o à nova tentativa. Andou, deu voltas. Encontrou umas tábuas boas jogadas no lixo pelo dono de uma loja em reforma. Se a noite nada trouxesse de novo, ao menos levaria as tábuas, poderia usá-las em alguma maquinação. Na mochila, levava um litro de vinho, para o ritual impagável do brinde. O litro e mais alguns dropes.

Parecia mais uma noite perdida.

Mas não era.

Lú apareceu. Linda, atraente. A uma distância de duas quadras Júnior flagrou o exato momento de sua chegada. Feitas às vezes do primeiro contato, tudo se encaminhou. Serviram-se de um teto que se presta ao trabalho daquelas que, como Lu, extraem ganhos nesse ofício milenar.

Tolheu o ímpeto da moça em lançar-se tecnicamente à lida.

= Bebamos, conversemos!...- propôs ele. E assim, só depois disso abraçaram aquele que é o carro-chefe de todos os grandes prazeres da humanidade. Findo o momento tão esperado, cada um seguiu numa direção.

Ela levou os dropes.

Encantado, Júnior tomou os derradeiros goles do vinho na rua, no gargalo, e não dispensou as tabuinhas que continuavam lá. Escolheu as melhores. Tomou o ônibus com as mesmas arrumadas em feixe. Entre os passageiros, um homem que parecia embriagado, com um pote de doces nas mãos, dizia:

- Mataram minha mulher e filhos! Depois mostrava marcas no corpo. - Hoje vendo doces! - completava. Sua história triste, ainda que corroborada pelas marcas de balas quase perdia em autenticidade pelo movimento trôpego, resultado de seu desafogo

Ninguém pediu seus doces. Acabou sentando-se, não sem antes retirar de seu lugar uma moça que conversava animadamente. Exibiu sua carteira de passageiro idoso e invocou lei federal para a exigência do lugar. Tinha razão, só não fora elegante nem educado. Um religioso levantou-se para entregar uma moeda. Usava um terno que não combinava paletó e calça nem com a mais pura das intenções. Deu a moeda mas não quis o doce. Chorou ao fundo uma criança. O homem levantou-se determinado e levou à mãe uma guloseima lembrando:

- Tá pago, pode pegar, não vai fazer falta, pegue senão fico bravo!

Voltou ao seu assento e foi a vez de invocar com o feixe de tábuas de Júnior. Queria saber se as vendia. Explicou em parte (porque não adiantava explicar tudo). Queria saber de Júnior se ele não lhe faria um banquinho. Respondeu pacientemente que não era marceneiro, aliás, sentiu uma vontadezinha de dizer que naquela noite não passava de um libertino, mas, também isso só ia complicar. Por fim ia se aproximando o ponto onde deveria apear. Despediu-se do vendedor que entabulara enrolada conversação, não sem antes comprar um doce para ajudar, mesmo detestando sidra.

Chegou o ponto.

Ali desceu. Ali acabava a noite.

Uma deliciosa e lasciva noite.

E ponto.

Fontes:
http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.php?cod=7124&cat=Contos&vinda=S
Imagem =
http://www.legal.adv.br/category/martelando-o-teclado/

Jorge Facury (Lançamento do Livro “Assim me Contaram”)

Todos têm histórias para contar, seja elas tristes, alegres, que trazem uma lição de vida, seja simplesmente divertidas para quem as escuta. O que faz toda a diferença, no entanto, é se essas histórias são externadas para outras pessoas ou guardadas somente para si. Partilhar trajetórias de vida e com elas levar uma mensagem às pessoas é o objetivo do livro “Assim me contaram”, do professor Jorge Facury Ferreira. A obra, fruto de um trabalho de quase dois anos do autor, será lançada neste sábado (11), no Gabinete de Leitura de Sorocaba (Praça Coronel Fernando Prestes, 27, Centro), às 19h30, pela Editora Crearte.

“Assim me contaram” reúne as mais diversas histórias contadas por pessoas próximas de Facury, desde causos divertidos e criativos até histórias reais de gente que sofreu, lutou e venceu na vida. O livro é resultado de anos de escuta e registro do autor, que, com muita sensibilidade e atenção, passou a escrever ao longo dos anos as vivências que ouvia, muitas delas contadas ao acaso.

Segundo Jorge, tudo começou há alguns anos, quando um amigo muito próximo lhe confiou uma história particular e rica em detalhes, mas acabou morrendo dias depois para a surpresa do escritor. A morte repentina do amigo despertou em Facury a necessidade de ouvir mais as pessoas, e registrar aquilo que têm para contar. “Eu sou muito observador e presto atenção em tudo o que os outros dizem. Às vezes, de uma conversa despretensiosa nascem reflexões e lições para nossa vida.”

Para o professor, poder partilhar passagens de vida com os demais é motivo de muito orgulho e alegria. “As pessoas ficaram muito felizes ao confiar a mim suas narrações, e eu me realizei em poder eternizar nas letras um saber pessoal, algo essencial no mundo delas.”

O DIÁRIO de Sorocaba vai contar a você, leitor, em primeira mão, duas interessantes histórias do livro, que divertem e levam à reflexão acerca da vida e do quanto vale a pena lutar por um objetivo maior.

“COISA À TOA” –
A primeira memória que o jornal partilha foi contada ao autor por Humberto Jairo Rodrigues Pereira, construtor civil de Sorocaba.

Na pequena cidade de Palmatória (CE), dois amigos saíram cedo de bicicleta para buscar lenha a fim de suprir o forno e garantir a comida. Tudo muito fácil: acha-se os galhos, faz-se um bom feixe amarrado na traseira da bike e pé no pedal! Aconteceu, contudo, que um deles voltou logo e o outro não. As horas passavam e nada de o rapaz aparecer...

Quando enfim retornou, estava embriagado, e, esquecido da tarefa essencial, encostou-se numa vendinha de beira de estrada e relaxou a tomar cachaça e jogar conversa fora. Pior que isso, reapareceu sem a bicicleta, esbaforido e cambaleante, contando a todos ter sido alvo de um atentado. O jovem bêbado estava convencido de que algum desconhecido lhe teria disparado um tiro, sem atingi-lo, e, ao cair, levantou-se, largou a bicicleta e fugiu desesperado, rezando para não ser novamente mirado. Na queda ralou os braços e perdeu os óculos.

Familiares e amigos inflamaram-se pelo caso. Gente simples, acostumada ao trabalho na roça, logo se reuniram, munidos de espingardas e armas brancas para pegar o suposto agressor. Partiram, então, na direção do ocorrido, guiados pela vítima, trôpega da cachaça. “Onde se viu atacar um homem bêbado? Quem seria covarde o suficiente? Era hora de dar uma bela lição!”, eis a indignação que habitava o consciente coletivo.

Chegando ao local, a bicicleta ainda estava lá, abandonada no mesmo ponto da queda. Isso já adiantava alguma conclusão: não era caso de roubo... Ao recolherem-na, constataram, ainda, que um dos pneus havia estourado. A conclusão do caso, então, foi objetiva e inequívoca: o estampido não fora de tiro nenhum! O bêbado infeliz assustara-se à toa com um simples estouro do pneu...

Todos, então, cravaram-lhe olhares com expressões indescritíveis, e ele, vendo-se rodeado de pessoas indignadas e incrédulas, não se fez de rogado... Com certa graça, justificou-se e já foi logo dizendo: “'Bão', já que foi um final feliz, que tal fazer um brinde na vendinha?”.

“LEMBRANÇA DO FUTURO” –
Outra história foi narrada por Amauri Brandi, dentista e marceneiro de Sorocaba. Esta é mais rica de detalhes e lições de vida que a anterior, mas não menos divertida.

Em algum tempo dos fins do século XIX, na esteira da fomentada imigração italiana, alguns membros da família Brandi chegaram à região da atual cidade de Presidente Bernardes, na região oeste do Estado de São Paulo. Como tantos, aqui chegaram em busca de melhores condições de vida e de trabalho. Aqueles que podiam, logo compravam terras baratas e tornavam-se pequenos proprietários - caso dos Brandi.

A primeira atividade foi a agricultura; viçosos, os pés de café erguiam-se do solo roxo e as matas caíam. A autossubsistência e o plantio ancoraram a nova vida, sempre com muito sacrifício. Do encontro com outros da mesma pátria, restavam largas conversações, fala estranha aos naturais da terra.

Antônio Brandi conheceu Luiza Magon e os dois se apaixonaram. Do encanto mútuo, surgiu uma fuga e depois um casamento. O tempo passou, veio a decadência do produto cultivado e outros fatores cruciais que a história traz, compondo tempos difíceis de viver. O chefe da família Brandi viu-se submetido a uma situação dramática.

Homem de fibra, afeito à disciplina do trabalho, sofria ao ter de presenciar a mísera refeição da mulher e três filhos: um panelão com farinha de milho batida e água. Nesse período, João Brandi, o mais velho, aventurou-se a pé pondo-se a explorar uma parte das terras adquiridas que nunca eram visitadas por causa das características naturais impróprias para a agricultura. Tratava-se de um brejão nada convidativo.

Nessa exploração, acabou encontrando uma apreciável mina de água e, entusiasmado, foi ter com os pais e contar a novidade. Tiveram, então, a idéia de engarrafar água. Puseram-se a vendê-la como puríssima que, de fato, o era. A ideia resultou bem, uma vez que compradores vagarosamente apareceram. Entretanto, é provável que num tempo de quase nenhum comércio do gênero, muitos que buscavam a água tinham, na verdade, somente intenção de ajudar a pobre família. Era, afinal, uma forma de contribuir sem parecer que se punham a acudir.

O brejo, para onde Antônio agora se dirigia buscar água, era um lugar feio, cheio de animais peçonhentos e perigosos. Por isso, orientava em tom de ordem para que nenhum dos filhos aparecesse por lá. O filho mais velho, João, tinha perfeita consciência disso, mas se deixou levar pela curiosidade numa certa manhã e se embrenhou no lugar. Avançando além do que já tinha visto, dez minutos depois se encontrou num apuro: fora picado por uma cobra.

Ao voltar para casa com a má notícia, a família já se prontificou a buscar tratamento para o adoentado. Para tanto, receberam ajuda de pessoas que ofereceram uma viagem a Sorocaba. Lá, uma senhora negra os esperaria para acudi-los. O mais breve partiram e, chegando ao destino, o rapazinho recebeu o tratamento adequado.

Premidos pela circunstância, aproveitaram para conhecer a cidade e constataram várias fábricas: o progresso aqui estava. Calcula-se que quando desse acontecimento já deveriam correr os anos 30.

Prepararam-se, então, para a volta às terras do oeste paulista, deixando a hospitaleira senhora e sua família, de quem restou boa amizade. Tudo seguiu como outrora, a penúria infelizmente continuou por longo tempo. Certa manhã, Antônio sentou-se a conversar com a esposa e contou o que lhe corria pela mente e o que ditava seu coração no silêncio das madrugadas: gostara de Sorocaba e estava com a intuição de que poderiam refazer a vida por lá. Conversaram e amadureceram bem a idéia de uma mudança.

Da vontade manifesta à prática não custou muito, ainda mais agora que tinham com quem contar por aquelas bandas. A picada de cobra fora, afinal de contas, motivo incidental para o inesperado rumo novo. Juntaram o que podiam levar na viagem, despediram-se dos mais chegados e, com mínimos recursos, tomaram a estrada.

Desde que finalmente chegados a Sorocaba, Antônio Brandi externou uma notável certeza que causou estranheza total e absoluta em Luiza e filhos... Estando na rua que ora se denomina Visconde do Rio Branco, no atual bairro do Cerrado, o homem avistou uma casa, relativamente boa, e disse à mulher: “Eis a nossa casa! É aqui que vamos morar!”

A esposa, cansada da penosa viagem, suspirou e nada disse. O que haveria com o homem para fazer tal afirmação? Não tinham o que comer e ele falando em comprar uma casa! Teria tomado sol em demasia na cabeça?

Recebidos com grande satisfação pela senhora amiga, esta lhes estendeu as mãos dizendo que poderiam ficar tranquilos e desfrutar de sua casa à vontade, até que o homem encontrasse um trabalho. Brandi agradeceu e fez saber que não seria preciso, que dentro de alguns dias estariam em uma nova casa.

No outro dia, passava ele mais uma vez pela Rua Visconde do Rio Branco a observar a casa mencionada, quando alguém se aproximou. Era um vendedor de bilhetes que ofereceu: “Olhe, senhor! Compre este bilhete que trago, é seu! Pode comprar que vai ganhar. Não é conversa de vendedor não, é coisa pro senhor mesmo!”

O italiano respondeu que não tinha trocado suficiente para o valor do bilhete, e tirou uma nota amassada do bolso... “É o que basta!”, disse o bilheteiro, arrematando: “Quando o senhor tiver o prêmio em mãos, aceito que me dê uma ‘quirerinha’”. De saída, deixou as referências do local onde poderia ser encontrado.

Ora, o valoroso e determinado Brandi, ao conferir o bilhete no dia seguinte, viu que tinha tirado o primeiro prêmio no jogo do bicho oficial! Aquela foi uma notícia tão feliz quanto inacreditável para todos. Ele comprou a casa assim que recebeu o dinheiro, depois procurou o bilheteiro, que era um homem simples, e com grande gosto deu-lhe generosa soma.

Tanto quanto o vendedor de bilhetes fora objetivo e verdadeiro em suas palavras, certo é que o italiano mostrara-se dono, desde o princípio, de uma rara Afirmação Superior!

A vida alargou-se em oportunidades jamais cogitadas, de modo que até aumentou a família, com a adoção de uma menina. Brandi, por sua vez, tornou-se marceneiro e fez do ofício uma herança profissional aos filhos e aos netos, que hoje o exercem.

E o mais curioso da história toda: a figura estampada no bilhete premiado era a COBRA!

SOBRE O AUTOR -
Jorge Facury Ferreira é natural de Tatuí – SP, e reside em Sorocaba há mais de 15 anos. É educador, escritor e pesquisador de ufologia desde os 16 anos de idade. Publicou os livros "Um Brilho no Céu de Outubro", "Os viajantes" e "Rubião, o velho - contos de sonho acordado". É Membro do Conselho Editorial da Revista Ufo. Cronista colaborador de diversos jornais. Foi membro ativo do MORHAN - Movimento de Reabilitação do Hanseniano - nos anos 90.

O autor lembra que esta é só a primeira parte da obra, pois mais histórias estão surgindo para ser contadas. Caso você tenha algum fato interessante que gostaria de manifestar, entre em contato com Jorge pelo e-mail assimmecontaram@hotmail.com. O lançamento é aberto a todos.

Fontes:
- Cintian Moraes
Diário de Sorocaba. 6 dez 2010.
Balaio de Gato

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.64)


Trova do Dia

Pai Amado, eu Te agradeço,
enviaste o Salvador
tal presente não tem preço
És bondoso, Meu Senhor!
JERSON BRITO/RO

Trova Potiguar

O Natal tornou-se homônimo
de consumo, nada mais...
Melhor se fosse sinônimo
de um mundo cheio de paz.
IEDA LIMA/RN

Uma Trova Premiada

2002 > Garibaldi/RS
Tema > Natal > Menção Honrosa

Feliz de quem – afinal –
consegue na humana trilha,
ver que o brilho do Natal
surge da luz da partilha.
REGINA CÉLIA DE ANDRADE/RJ

Uma Trova de Ademar

Quando da ressurreição
o mundo encheu-se de luz,
trouxe Paz, Fé e perdão
com o renascer de Jesus!
ADEMAR MACEDO/RN

...E Suas Trovas Ficaram

Fosse Ele consultado
sobre o seu próprio destino,
em vez de "O Crucificado
seria sempre "O Menino"!...
NEWTON MEYER AZEVEDO/MG

Estrofe do Dia

O menino nasceu, e a sua sina
de espalhar pelo mundo a grande luz
foi fator divisor do nosso mundo
mas nós demos ao mesmo a triste cruz...
mas o amor venceu todas as barreiras
e renasce, sereno, o bom Jesus!
LUIZ ANTONIO CARDOSO/SP

Soneto do Dia

José Antonio Jacob/MG –
SONETO DE NATAL.

Essa mulher, que sonha, sofre e chora,
E o escasso seio estende, e o acaricia,
Ao filho magro, que seu leite implora,
Podia se chamar Virgem Maria.

O que lhe importa se essa noite é fria
E além da porta é Natal lá fora,
Se Jesus Cristo nasce todo dia
E está dormindo no seu colo agora?

Ela é Nossa Senhora da Pureza,
Cuida da nossa vida de pobreza
E ora por nós que somos filhos seus...

Essa Mulher, que sonha, sofre e chora,
Só pode ser então Nossa Senhora,
A Mãe de todos nós... A Mãe de Deus!

Fonte:
Ademar Macedo

Monteiro Lobato (Emília no País da Gramática) Capítulo XVI: Emília forma palavras

— Pois é isso — continuou a velha, ainda tonta da sapequice gramatical da Emília. — A Raiz das palavras não muda; de modo que, para formar palavras novas, a gente faz como o jardineiro: poda o que não é Raiz e enxerta o Sufixo.

— Em vez de enxertar o Sufixo no fim não é possível enxertá-lo no começo? — quis saber Narizinho.

— Não — respondeu a velha. — Os Sufixos, assim como os rabos dos animais, só se usam na parte traseira. Há, porém, os irmãos dos Sufixos, que servem justamente para enxertos no começo da Raiz.

— E como se chamam?

— Prefixos: Pre quer dizer antes. Re, Trans, A e Com, por exemplo, são Prefixos. Se tomamos o Verbo Formar e grudarmos na frente dele esses Prefixos, teremos os novos Verbos Reformar, Transformar e Conformar, todos com sentido diferente.

— Voltemos aos Sufixos, que são mais engraçadinhos — propôs Emília. — Diga uma porção deles, Dona Timótea.

A velha, que já estava cansada de tanto falar, tomou mais um gole de chá, e prosseguiu, apontando para um armário:

— Os Sufixos estão todos nas gavetas daquele armário. Vá lá e mexa com eles quanto quiser — mas não me chame mais de Timótea, ouviu?

Emília não esperou segunda ordem. Correu ao armário, abriu as gavetas e tirou de dentro um punhado de Sufixos. Depois espalhou-os sobre a mesa para aprender a usá-los. Pedrinho e a menina vieram tomar parte no brinquedo.

— Olhe, Narizinho — disse a boneca —, ali está uma caixa de Substantivos. Traga-me um; e você, Pedrinho, agarre aquela faca.

Os dois meninos assim fizeram. Narizinho depôs sobre a mesa um Substantivo pegado ao acaso — Pedra.

— Segure-o bem, senão ele escapa — recomendou Emília —, e agora, Pedrinho, corte a Desinência deste Substantivo dum só golpe. Vá!

— Mas esta faca será capaz de cortar Pedra? — indagou o menino, de brincadeira, só para ver o que a boneca dizia. A diabinha, porém, estava tão interessada na operação cirúrgica que apenas gritou:

— Corte e não amole!

Apesar da recomendação, o menino amolou a faca na sola do sapato e só depois disso é que — Zás!. . . atorou a Desinência de Pedra, a qual deu um gritinho agudo.

— Pronto! — exclamou Emília. — O pobre Substantivo está reduzido a uma simples Raiz. Venha ver, Dona Etimologia, como é engraçadinha esta Raiz.

Mas a velha, que andava farta e refaria de lidar com Raízes, nem se mexeu do lugar. Emília, então, tomou um dos Sufixos tirados da gaveta, justamente o Ária, e fez a ligação com um pouco de cuspo. Imediatamente surgiu a palavra Pedraria.

— Viva! Viva! — gritou ela batendo palmas. — Deu certinho! Venha ver, Dona Eufrásia! Com uma Raiz e um Sufixo fabricamos uma palavra nova, que quer dizer muitas pedras. Deixe esse chá sem graça e venha brincar.

Mas a velha estava muito velha para brincadeiras e limitou-se a tomar novo gole de chá.

— Vamos ver outro Sufixo — propôs Narizinho. Emília pegou outro, o sufixo Ada, e experimentou a ligação. Deu a palavra Pedrada.

— Ótimo! Este também dá certinho. Pedrada todos sabemos o que é. Vamos ver outro.

Emília pegou um terceiro Sufixo — Eria, e experimentou a ligação. Deu a palavra Pedreria, que não tinha sentido.

— Este não presta — gritou Pedrinho. — Não dá nada que se entenda. Veja outro, Emília — esse Eiro.

Ligou bem. Deu Pedreiro.

— Ótimo! — exclamou a boneca. — Vamos ver este Alha.

Deu Pedralha, que eles não sabiam o que era, mas estava com jeito de ser qualquer coisa. Depois experimentaram os Sufixos Ulho, Ena, Io, Dade, Ame, Uje e AI, com resultados variáveis. Uns deram, outros não deram nada. Ulho, com um Eg no meio, deu uma beleza — Pedregulho. O Sufixo Dade deu asneira — Pedrade.

Emília olhou para o rótulo da gaveta e viu que estava usando os Sufixos de COLEÇÃO.

Na gaveta imediata estavam os Sufixos de AUMENTO: AO, Zarrao, Az, Aço, etc.

Na terceira gaveta estavam os Sufixos de DIMINUIÇÃO: lnho, Zinho, Ito, Ebre, Ilho e mais uns trinta.

Na quarta estavam os Sufixos de AGENTE PROFISSIONAL: Dor, Ante, Ario, Ária, Eiro, Eira, Ado.

Na quinta, os Sufixos designativos de AÇÃO, QUALIDADE, ESTADO: Ada, Anca, Ção, Ência, Eza, Ice, Io, Ume, Ura, Mento, Vel.

Na sexta estavam os Sufixos de ABUNDÂNCIA, EXCESSO: Oso, Udo.

Na sétima estavam os Sufixos que exprimem ORIGEM, NATURALIDADE: Ano, Ão, Ense, Ino, Ês.

Na oitava, os Sufixos designativos de LUGAR: Ario, Ária, Eiro, Douro, Orio.

Apesar de serem muitos, os meninos fizeram experiência naquela Raiz com quase todos os Sufixos, conseguindo formar as seguintes palavras derivadas de Pedra — Pedraria, Pedrada, Pedral, Pedragem, Pedreiro, Pedrama, Pedrame, Pedrume, Pedregulho (neste caso foi preciso intercalar um E e um G para dar certo), Pedrão, Pedraço, Pedraça, Pedrázio, Pedralha, Pedrorra, Pedrinha, Pedrita, Pedrete, Pedrote, Pedrilha, Pedrica, Pedrisco, Pedracho e Pedreira, ou seja, vinte e quatro ao todo.

— Vinte e quatro! — exclamou o menino. — Agora estou compreendendo por que há tantas palavras na língua. Pois se somente com esta porqueirinha de Raiz nós pudemos formar vinte e quatro palavras diversas, imagine quantas não formaríamos usando todas as raízes que existem!

— E isso lidando só com os Sufixos próprios para fazer Substantivos — disse Dona Etimologia aproximando-se —, porque há ainda os Sufixos que servem para fabricar Verbos, como, por exemplo, Gotejar, que é a raiz do Substantivo Gota ligada ao Sufixo Ejar. Com esse Ejar, e ainda com Ear, Izar, Entar, Ecer, Itar, Inhar, Icar e outros, a Emília pode passar dias e dias brincando de transformar em Verbos todos os Substantivos que houver lá no sítio.

— A senhora dá licença de levar para lá uma coleção de Sufixos? — pediu a boneca.

— Dou — respondeu a velha —, mas primeiro trate de consertar a palavra Pedra e de juntar do chão todos esses Sufixos espalhados. Quero tudo direitinho como estava.

Emília recolou a Desinência da palavra Pedra e varreu todos os Sufixos que tinham caído no chão. Depois arrumou-os, muito bem arrumadinhos, nas respectivas gavetas.

Dona Etimologia ofereceu chá aos meninos e, enquanto eles o tomavam, teve ocasião de explicar que a palavra Chá viera da China, onde significava bebida feita de certa planta, o Thea sinensis; depois a palavra passou a ser usada para designar a infusão de folhas ou raízes de qualquer planta. Que velha sabida! Parecia Dona Benta.

— Bom, bom, bom — exclamou ela, ao terminar o lanche e sem erguer-se da mesa. — Isso de que falei, e com que vocês estiveram brincando, chama-se a Derivação própria das palavras, porque há também a Derivação imprópria.

— Já sei! — adivinhou Emília. — A tal Derivação imprópria é a que se faz sem Sufixo, nem Prefixo.

A boa velha assombrou-se.

— Como sabe, bonequinha?

— Esperteza — disse Emília, piscando um olho. — Eu muitas vezes arrisco opiniões que dão certo. Tia Nastácia diz que quem não arrisca não petisca. . .
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Continua ... Capítulo XVII: O Susto da Velha
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. SP: Círculo do Livro. Digitalizado por http://groups.google.com/group/digitalsource

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Antonio Manoel Abreu Sardenberg (Antologia Poética)


ASSIM SERÁ

Foi você quem quis assim
Assim será!
Não vou mais me aborrecer
Nem me atormentar,
Não vou mais mandar e-mail,
Vou te deletar...

Dei meu afago, afeto, carinho,
Dei o meu colo pra você deitar,
Na noite de frio dei aconchego
E todo amor que se pode sonhar.

Dei o frescor da brisa suave
Que sopra na aurora bem de mansinho
Dei a cadência do vôo da ave
Que voa cadente em busca do ninho.

Dei pra você o meu mundo encantado
Um céu salpicado de constelações,
Dei o amor que tinha guardado,
Junto aos acordes de lindas canções.

Dei o apego de um homem apegado,
Afeito as coisas quem em vida vivi,
Dei o consolo e tive o cuidado,
De dar a você tudo o que você quis.

Tudo te dei em troca de nada,
Até os meus sonhos que um dia sonhei,
Dei pra você meus contos de fadas,
Mas vejo agora o quanto errei!

E é na presença de um homem presente,
Feliz e contente sem lamentar,
É que eu digo com todas as letras:
Você quis assim – e é assim que será.

ASTRO REI

O sol nasceu nesta manhã cinzenta,
Quase sem cor, sem luz e sem destino,
Quase perdido como nau sem porto
E mais disperso que alguém sem tino.

O sol nasceu nesta manhã de inverno,
Quase sem céu, sem terra e sem mar,
Como um errante louco e alucinado,
Quase sem nada para iluminar.

O sol nasceu nesta manhã tão pobre
Para um tão nobre astro que é o Rei
Que traz a luz a vida e o calor
E tantas coisas que ainda não sei.

O sol nasceu numa manhã sem nada,
Como uma estrada na escuridão,
Sem ter a luz que brilha e acalenta
Os passos firmes de nossos irmãos.

O sol se pôs numa tarde cinzenta,
Como nasceu no alvorecer do dia,
Quase sem cor, sem luz e sem destino
E mais disperso que alguém sem tino...

O sol morreu numa tarde cinzenta...

DEVAGAR EU VOU

Se me levar devagar eu vou,
Eu vou prá qualquer lugar,
Mas no tranco eu não vou, não vou,
Não fui feito pra empurrar...

Deixa a vida me levar,
Devagarzinho,
Sem ter pressa de chegar,
Sem encurtar meu caminho.
Quero contemplar a vida
Cheia de luz e de cor,
Quero sonhar o meu sonho,
Quero encontrar meu amor...

Deixa o sonho me levar,
Devagarzinho
Como um pássaro a voar
Para o seu ninho
Ter meu corpo envolvido
No seu abraço
E acordar bem de mansinho
No calor do seu regaço.

Deixa o tempo me levar
Devagarzinho,
Sentir a brisa soprar
No meu caminho
Contemplar a luz do dia
E o luar na madrugada
Sentir meu corpo roçando
No corpo da minha amada.

TREM DAS TRES

A vida vai de arrasto,
Do sonho nada me resta
E o que sentia tão vasto,
Vejo agora que não presta.

Pranto...prece...procissão,
Passo largo sem destino,
E o meu sonho de menino
Perdeu-se na multidão.

Mundo frio e infiel,
Face fosca e infeliz,
Boca amarga que nem fel,
Esperança por um triz!

Sai do trilho o trem das três,
A trilha fica sem rumo,
A vertical sai do prumo,
E o sonho morre de vez:
Embarcou no “trem das onze”
E apeou no trem das três.

SOL POENTE

Quando contemplo ao longe o sol poente
atrás do monte lá no infinito
sonho acordado o sonho mais bonito,
e tenho a fé de um homem forte e crente.

A luz suave, quase se apagando,
acende em mim um fogo tão ardente,
e ao pensar eu fico imaginando
o amor se pondo assim tão de repente.

O tempo passa e vem a madrugada
como um açoite castigando a gente
na aurora fria, escura e tão calada!

Oh... breve tempo tenha dó de mim
por que flagela um coração carente,
me machucando tanto, tanto, assim!

SORRISO

Esse seu sorriso aberto,
Mais lindo do que o luar
É como chuva miúda
Que faz a vida nascer
E a esperança germinar.

Ele é toque de ternura,
Toda candura que há,
É a beleza mais pura,
Tem a leveza e frescura
Da brisa que vem do mar.

Esse seu sorriso aberto
Transmite tanta energia
Que parece a luz do sol
Raiando ao nascer do dia.

Ele e doce que nem mel,
É como um jardim florido,
É pedacinho do céu,
O meu mundo colorido.

SER AVÔ

Ser avô é bom demais!
Bem melhor que pão de queijo,
Melhor que o primeiro beijo
Roubado da namorada
No escurinho do cinema
No Filme em que não vi nada.

Ser avô é muito bom!
É melhor que goiabada,
Chocolate, marmelada,
Morango com chantilly,
Do que cerveja gelada,
Do que picanha na brasa,
Do que pato ao tucupi.

Ser avô é ter reinado
Sem coroa e sem ter trono,
É sentir do mundo o dono
Diante do seu netinho,
Que chegou devagarzinho
E que em menos de um segundo
Tomou conta do pedaço
Pra reinar em nosso mundo...

NAMORAR EM SONHOS

Namorei por toda a vida
Todos os sonhos que sonhei,
Até meus sonhos perdidos
Confesso que namorei!

Namorei sonhos distantes,
Que senti, mas não toquei,
E até meus sonhos errantes,
Confesso: também gostei!

Namorei sonhos do sul,
Do norte e do nordeste,
Sonho rosa, sonho azul,
Sonho do centro e sudeste,
Sonhos que tanto sonhei
Mas que tu nunca me deste!

Namorei sonhos dourados,
Pretos, brancos, coloridos,
Sonhos nunca imaginados
Que me tocaram os sentidos.

Namorei sonhos da noite
E também da madrugada;
Sonhos doces de criança
Com a primeira namorada,
Sonhos que se perderam
Na poeira das estradas...

Mas o sonho mais bonito,
Com gostinho de maçã,
Foi aquele que sonhei
No despertar da manhã:
Eu te querendo todinha
Você dizendo: hã, hã…

Fonte:
Alma de Poeta.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.63)


Trova do Dia

Natal é tempo de luz,
luzindo com alegria.
Em louvor ao bom Jesus
filho da virgem Maria.
DALINHA CATUNDA/CE

Trova Potiguar

Natal – semente de amor
plantada na humanidade...
Um momento inovador
De paz e fraternidade.
DJALMA MOTA/RN

Uma Trova Premiada

2001 > Petróplis/RJ
Tema > “JESUS” > 19º Lugar.

Meus filhos, não lastimeis
se a sorte às vezes vos falha...
Lembrai: Jesus, Rei dos Reis,
nasceu em berço de palha!...
ERCY MARIA MARQUES DE FARIA/SP

Uma Trova de Ademar

Neste Natal, que o Senhor,
num ritual de orações,
plante uma árvore de amor
em todos os corações.
ADEMAR MACEDO/RN

...E Suas Trovas Ficaram

Deus com seu saber profundo,
para nos trazer a paz,
mandou o seu filho ao mundo
há dois mil anos atrás.
MIGUEL RUSSOWSKY/SC

Estrofe do Dia

Um dia mamãe falou
do bom velhinho risonho,
mas meu inocente sonho
papai Noel desprezou;
a noite linda rolou
sobre a paz do casario
e, ao levantar-me com frio,
tremendo, ao pé da parede,
só vi debaixo da rede
meu sapatinho vazio.
JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN

Soneto do Dia

– Afonso Vicente Ferreira/SE –
MISSÃO DE JESUS.

A despertar Belém que adormecia,
ao fulgor divinal da etérea luz
de uma estrela que ao longe aparecia,
noticiava que nasceu Jesus.

Entre animais, um Deus então nascia,
e um destino fatal logo o conduz,
dos braços carinhosos de Maria,
ao suplício nos braços de uma cruz.

Em recompensa a tantos benefícios,
entregaram-lhe a cruz dos sacrifícios,
após o amargo beijo da traição.

Exalando o suspiro derradeiro,
com as mãos estendidas no madeiro,
volta aos céus, dando à Terra o seu perdão.

Fonte:
Ademar Macedo

Monteiro Lobato (Emília no País da Gramática) Capítulo XV: Uma Nova Interjeição

Houve um rebuliço de pânico lá dentro, e logo depois surgiram, a fugir pelas janelas, mais filólogos e gramáticos e dicionaristas do que fogem ratazanas duma despensa quando o gatão aparece. A casa da velha ficou completamente vazia.

— Sim, senhor! O seu berro, Quindim, é que nem Flit, e merece ir para a Casa das Interjeições com um letreiro novo: Interjeição espantativa de gramáticos. . .

Desimpedida que ficou a casa da velha, entraram todos, menos o rinoceronte, que não cabia na porta. Toparam a Etimologia intrigadíssima com aquele Muuu!. . . som jamais ouvido na zona.

— Não conheço essa interjeição — declarou ela, assim que os meninos a rodearam. — Só conheço o Mu! dos bois, mas este que ouvi não me parece nada bovino.

— Este é rinocerontino, minha senhora! — explicou

Emília, com toda a sapequice.— Veio da África. A senhora conhece a África?

A Etimologia não conhece as coisas; só conhece as palavras que designam as coisas. De modo que, ao ouvir aquela pergunta, julgou que a boneca se referisse à palavra África, e respondeu:

— Sim, é uma palavra de origem latina, ou melhor, puramente latina, porque não mudou. A propósito. . .

— Espere — interrompeu Emília. — A história da palavra África não nos interessa. Preferimos conhecer a história de outras palavras mais importantes, como, por exemplo, Boneca.

A velha riu-se da presunção da criaturinha e respondeu:

— Boneca, minha cara, é o feminino de Boneco, palavra que veio do holandês Manneken, homenzinho. Houve mudança do M para B — duas letras que o povo inculto costuma confundir. A palavra Manneken entrou em Portugal transformada em Banneken, ou Bonneken, e foi sendo desfigurada pelo povo até chegar à sua forma de hoje, Boneco. Dessa mesma palavra holandesa nasceu para o português uma outra — Manequim.

— Mas então o povo, isto é, os ignorantes ou incultos, influi assim na língua? — disse Pedrinho.

— Os incultos influíram e ainda influem muitíssimo na língua — respondeu a velha. — Os incultos formam a grande maioria, e as mudanças que a maioria faz na língua acabam ficando.

— Engraçado! Está aí uma coisa que nunca imaginei. . .

— É fácil de compreender isso — observou a velha. — As pessoas cultas aprendem com professores e, como aprendem, repetem certo as palavras. Mas os incultos aprendem o pouco que sabem com outros incultos, e só aprendem mais ou menos, de modo que não só repetem os erros aprendidos como perpetram erros novos, que por sua vez passam a ser repetidos adiante. Por fim há tanta gente a cometer o mesmo erro que o erro vira Uso e, portanto, deixa de ser erro. O que nós hoje chamamos certo, já foi erro em outros tempos. Assim é a vida, meus caros meninos.

Tomemos a palavra latina Speculum — continuou a velha. — Essa palavra emigrou para Portugal com os soldados romanos, e foi sendo gradativamente errada até ficar com a forma que tem hoje — Espelho.

— E os ignorantes de hoje continuam a mexer nela — observou Narizinho. — A gente da roça diz Espeio.

— Muito bem lembrado — concordou a velha. — Essa forma Espeio é hoje repelida com horror pelos cultos modernos, como a forma Espelho devia ter sido repelida com horror pelos cultos de dantes. Mas como os cultos de hoje aceitam como certo o que já foi erro, bem pode ser que os cultos do futuro aceitem como certo o erro de hoje. Eu, que sou muito velha e tenho visto muita coisa, de nada me admiro. O homem é um animal comodista. Daí a sua tendência a adotar os erros que exigem menor esforço para a pronúncia. Espelho exige menor esforço do que Speculum, e por isso venceu. Espeio exige menor esforço do que Espelho. Quem nos diz que não acabará vencendo nestes mil ou dois mil anos?

Hoje está mais difícil a ação dos ignorantes sobre a língua, por causa do grande número de livros e jornais que existem e fixam a forma atual das palavras. Mas antigamente quem fazia a língua era justamente o ignorante.

Dona Etimologia tomou fôlego e bebeu um golinho de chá. Emília foi cheirar a xícara para saber se era chá-da-índia ou de erva-cidreira. . .

— Mas qual a sua principal ocupação nesta cidade, minha senhora? — perguntou o menino.

— Eu ensino a origem e a formação de todas as palavras.

— Pois então nos conte a origem de algumas.

Dona Etimologia bebeu mais um golinho de chá (enquanto Emília cochichava para Narizinho: "É de cidreira!") e começou:

— As palavras desta cidade nova, onde estamos, vieram quase todas da cidade velha, que fica do outro lado do mar. Lá na cidade velha, porém, essas palavras levaram uns dois mil anos para se formarem.

— Como foi isso? Explique.

— Nos começos, as terras em redor dessa cidade haviam sido ocupadas pelos soldados romanos, que só falavam latim.

Esses soldados moravam em acampamento (ou Castra, como se dizia em latim), de modo que foi em redor dos acampamentos que a língua nova começou a surgir.

— Que língua nova?

— A portuguesa. Os moradores das terras ocupadas pelos romanos, ou Aborígines, eram bárbaros incultíssimos, que foram aprendendo o latim lá à moda deles — isto é, estropiadamente, todo errado e com muita mistura de termos e modos de falar locais. Tanto estropiaram o pobre latim, que ele virou um Dialeto ou uma variante do latim puro. Depois os romanos se retiraram, mas o dialeto ficou vivendo a sua vidinha, e foi evoluindo, ou mudando, até tornar-se o que chamamos hoje língua portuguesa.

— Então a língua portuguesa não passa dum dialeto do latim?

— Perfeitamente. E também a língua francesa, a espanhola e a italiana não passam de outros tantos dialetos do mesmo latim. No começo, esses dialetos eram muito pobres em palavras e modos de dizer. Com o tempo, entretanto, as palavras foram aumentando enormemente e também foram aparecendo novos jeitos de combinar entre si as palavras. E desse modo essas línguas enriqueceram-se.

— Mas as palavras foram aumentando como? Donde vinham? Quem era o fabricante? — quis saber a menina.

— Umas nasciam lá mesmo, inventadas pelo povo; outras eram criadas pelos eruditos, que são os sabidões; outras eram importadas dos países estrangeiros.

— Mas o povo? Como é que o povo forma palavras?

— Muito simplesmente. O povo combina entre si palavras já existentes e forma novas.

— Isso lá no sítio se chama "tirar cria" — lembrou Pedrinho.

— Em Gramática se chama DERIVAÇÃO, querendo dizer que uma palavra sai de outra, ou deriva de outra. Neste processo de Derivação há umas certas palavrinhas, sem sentido próprio, que possuem uma função muito importante. São os PREFIXOS e SUFIXOS. Os prefixos grudam-se no começo da palavra, e os sufixos grudam-se no fim. Estes constituem verdadeiros rabinhos, que por si nada dizem, mas que, pregados a outras palavras, servem para dar-lhes uma forma nova e um sentido novo.

— Espere! — gritou Emília. — Conheço um rabinho desses muito usado na fabricação de Advérbios — o tal Mente. Basta pregá-lo no traseiro dum Adjetivo para aparecer um lindo Advérbio novo. É Sufixo o tal Mente?

— Sim, bonequinha — respondeu a velha, admirada da esperteza da Emília. — Mente é um sufixo só de uso para fazer Advérbios. Existem inúmeros outros, como Ária, Ado, Agem, Ume, etc. Este Ária, por exemplo, é um Sufixo precioso, que permitiu a formação de grande número de Substantivos novos. Ária em si não quer dizer coisa nenhuma, não passa dum simples rabinho. Mas, ligado a uma palavra, cria outra nova, com idéia de quantidade. Ligado ao Substantivo Cavalo, por exemplo, dá Cavalaria, que quer dizer muitos cavalos.

— Não, senhora — protestou Emília. — Cavalo com o Ária atrás vira Cavaloaria, e não Cavalaria.

A velha riu-se da exigência daquele espirro de criatura.

— Bom, minha filha — respondeu ela pachorrentamente —, confesso que errei. Eu devia ter explicado que, antes de colocar um desses rabinhos, é necessário primeiro cortar a DESINÊNCIA da palavra. Senão o Sufixo não pega, ou não solda. Cada palavra se divide em duas partes — a RAIZ e a DESINÊNCIA. Raiz é a parte fixa da palavra; Desinência é a parte final, mudável. Reparem que, em todas as palavras formadas de Cavalo, a Raiz é Cavai, e notem que essa Raiz nunca muda. Cavaleiro, Cava-laria, Caval-gadura, Caval-hada. . .

— Caval-ência — ajuntou Emília.

— Essa palavra eu não conheço — disse a velha, com expressão de surpresa nos olhos.

— É minha! — berrou a boneca. — Foi inventada por mim com a invençãozinha que Deus me deu. Faz parte dos meus "neologismos".

A velha fez uma careta igual à de Tia Nastácia lá no sítio, quando pendurava o beiço e dizia — Credo!. . .

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Continua ... Capítulo XVI: Emília Forma Palavras
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. SP: Círculo do Livro. Digitalizado por http://groups.google.com/group/digitalsource