quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Monteiro Lobato (Emília no País da Gramática) Capítulo XVI: Emília forma palavras

— Pois é isso — continuou a velha, ainda tonta da sapequice gramatical da Emília. — A Raiz das palavras não muda; de modo que, para formar palavras novas, a gente faz como o jardineiro: poda o que não é Raiz e enxerta o Sufixo.

— Em vez de enxertar o Sufixo no fim não é possível enxertá-lo no começo? — quis saber Narizinho.

— Não — respondeu a velha. — Os Sufixos, assim como os rabos dos animais, só se usam na parte traseira. Há, porém, os irmãos dos Sufixos, que servem justamente para enxertos no começo da Raiz.

— E como se chamam?

— Prefixos: Pre quer dizer antes. Re, Trans, A e Com, por exemplo, são Prefixos. Se tomamos o Verbo Formar e grudarmos na frente dele esses Prefixos, teremos os novos Verbos Reformar, Transformar e Conformar, todos com sentido diferente.

— Voltemos aos Sufixos, que são mais engraçadinhos — propôs Emília. — Diga uma porção deles, Dona Timótea.

A velha, que já estava cansada de tanto falar, tomou mais um gole de chá, e prosseguiu, apontando para um armário:

— Os Sufixos estão todos nas gavetas daquele armário. Vá lá e mexa com eles quanto quiser — mas não me chame mais de Timótea, ouviu?

Emília não esperou segunda ordem. Correu ao armário, abriu as gavetas e tirou de dentro um punhado de Sufixos. Depois espalhou-os sobre a mesa para aprender a usá-los. Pedrinho e a menina vieram tomar parte no brinquedo.

— Olhe, Narizinho — disse a boneca —, ali está uma caixa de Substantivos. Traga-me um; e você, Pedrinho, agarre aquela faca.

Os dois meninos assim fizeram. Narizinho depôs sobre a mesa um Substantivo pegado ao acaso — Pedra.

— Segure-o bem, senão ele escapa — recomendou Emília —, e agora, Pedrinho, corte a Desinência deste Substantivo dum só golpe. Vá!

— Mas esta faca será capaz de cortar Pedra? — indagou o menino, de brincadeira, só para ver o que a boneca dizia. A diabinha, porém, estava tão interessada na operação cirúrgica que apenas gritou:

— Corte e não amole!

Apesar da recomendação, o menino amolou a faca na sola do sapato e só depois disso é que — Zás!. . . atorou a Desinência de Pedra, a qual deu um gritinho agudo.

— Pronto! — exclamou Emília. — O pobre Substantivo está reduzido a uma simples Raiz. Venha ver, Dona Etimologia, como é engraçadinha esta Raiz.

Mas a velha, que andava farta e refaria de lidar com Raízes, nem se mexeu do lugar. Emília, então, tomou um dos Sufixos tirados da gaveta, justamente o Ária, e fez a ligação com um pouco de cuspo. Imediatamente surgiu a palavra Pedraria.

— Viva! Viva! — gritou ela batendo palmas. — Deu certinho! Venha ver, Dona Eufrásia! Com uma Raiz e um Sufixo fabricamos uma palavra nova, que quer dizer muitas pedras. Deixe esse chá sem graça e venha brincar.

Mas a velha estava muito velha para brincadeiras e limitou-se a tomar novo gole de chá.

— Vamos ver outro Sufixo — propôs Narizinho. Emília pegou outro, o sufixo Ada, e experimentou a ligação. Deu a palavra Pedrada.

— Ótimo! Este também dá certinho. Pedrada todos sabemos o que é. Vamos ver outro.

Emília pegou um terceiro Sufixo — Eria, e experimentou a ligação. Deu a palavra Pedreria, que não tinha sentido.

— Este não presta — gritou Pedrinho. — Não dá nada que se entenda. Veja outro, Emília — esse Eiro.

Ligou bem. Deu Pedreiro.

— Ótimo! — exclamou a boneca. — Vamos ver este Alha.

Deu Pedralha, que eles não sabiam o que era, mas estava com jeito de ser qualquer coisa. Depois experimentaram os Sufixos Ulho, Ena, Io, Dade, Ame, Uje e AI, com resultados variáveis. Uns deram, outros não deram nada. Ulho, com um Eg no meio, deu uma beleza — Pedregulho. O Sufixo Dade deu asneira — Pedrade.

Emília olhou para o rótulo da gaveta e viu que estava usando os Sufixos de COLEÇÃO.

Na gaveta imediata estavam os Sufixos de AUMENTO: AO, Zarrao, Az, Aço, etc.

Na terceira gaveta estavam os Sufixos de DIMINUIÇÃO: lnho, Zinho, Ito, Ebre, Ilho e mais uns trinta.

Na quarta estavam os Sufixos de AGENTE PROFISSIONAL: Dor, Ante, Ario, Ária, Eiro, Eira, Ado.

Na quinta, os Sufixos designativos de AÇÃO, QUALIDADE, ESTADO: Ada, Anca, Ção, Ência, Eza, Ice, Io, Ume, Ura, Mento, Vel.

Na sexta estavam os Sufixos de ABUNDÂNCIA, EXCESSO: Oso, Udo.

Na sétima estavam os Sufixos que exprimem ORIGEM, NATURALIDADE: Ano, Ão, Ense, Ino, Ês.

Na oitava, os Sufixos designativos de LUGAR: Ario, Ária, Eiro, Douro, Orio.

Apesar de serem muitos, os meninos fizeram experiência naquela Raiz com quase todos os Sufixos, conseguindo formar as seguintes palavras derivadas de Pedra — Pedraria, Pedrada, Pedral, Pedragem, Pedreiro, Pedrama, Pedrame, Pedrume, Pedregulho (neste caso foi preciso intercalar um E e um G para dar certo), Pedrão, Pedraço, Pedraça, Pedrázio, Pedralha, Pedrorra, Pedrinha, Pedrita, Pedrete, Pedrote, Pedrilha, Pedrica, Pedrisco, Pedracho e Pedreira, ou seja, vinte e quatro ao todo.

— Vinte e quatro! — exclamou o menino. — Agora estou compreendendo por que há tantas palavras na língua. Pois se somente com esta porqueirinha de Raiz nós pudemos formar vinte e quatro palavras diversas, imagine quantas não formaríamos usando todas as raízes que existem!

— E isso lidando só com os Sufixos próprios para fazer Substantivos — disse Dona Etimologia aproximando-se —, porque há ainda os Sufixos que servem para fabricar Verbos, como, por exemplo, Gotejar, que é a raiz do Substantivo Gota ligada ao Sufixo Ejar. Com esse Ejar, e ainda com Ear, Izar, Entar, Ecer, Itar, Inhar, Icar e outros, a Emília pode passar dias e dias brincando de transformar em Verbos todos os Substantivos que houver lá no sítio.

— A senhora dá licença de levar para lá uma coleção de Sufixos? — pediu a boneca.

— Dou — respondeu a velha —, mas primeiro trate de consertar a palavra Pedra e de juntar do chão todos esses Sufixos espalhados. Quero tudo direitinho como estava.

Emília recolou a Desinência da palavra Pedra e varreu todos os Sufixos que tinham caído no chão. Depois arrumou-os, muito bem arrumadinhos, nas respectivas gavetas.

Dona Etimologia ofereceu chá aos meninos e, enquanto eles o tomavam, teve ocasião de explicar que a palavra Chá viera da China, onde significava bebida feita de certa planta, o Thea sinensis; depois a palavra passou a ser usada para designar a infusão de folhas ou raízes de qualquer planta. Que velha sabida! Parecia Dona Benta.

— Bom, bom, bom — exclamou ela, ao terminar o lanche e sem erguer-se da mesa. — Isso de que falei, e com que vocês estiveram brincando, chama-se a Derivação própria das palavras, porque há também a Derivação imprópria.

— Já sei! — adivinhou Emília. — A tal Derivação imprópria é a que se faz sem Sufixo, nem Prefixo.

A boa velha assombrou-se.

— Como sabe, bonequinha?

— Esperteza — disse Emília, piscando um olho. — Eu muitas vezes arrisco opiniões que dão certo. Tia Nastácia diz que quem não arrisca não petisca. . .
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Continua ... Capítulo XVII: O Susto da Velha
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. SP: Círculo do Livro. Digitalizado por http://groups.google.com/group/digitalsource

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