sábado, 1 de janeiro de 2022

Adega de Versos 64: Silva Filho (PI)

  
Poesia obtida em Mensagens Poéticas, de Ademar Macedo n. 524,  6/ab/2012
não localizei mais dados sobre o poeta.

Humberto de Campos (Experiência)

Companheiros de mocidade, o comendador Otacílio Fagundes e o desembargador Portela haviam se separado, de repente, em uma das numerosas encruzilhadas da vida. Dedicados, um ao comércio, e outro a magistratura, havia cada um deles seguido o seu caminho, apertando a mão ao companheiro. E nunca mais tiveram noticia um do outro

E, no entanto, haviam os dois prosperado. Dirigindo-se para Santos, onde um tio, velho comerciante de café, lhe oferecia um lugar no escritório, progredira Fagundes rapidamente, até que se tornara, por morte do tio, o único proprietário da casa. Tomando o rumo da Corte, com a sua carta de bacharel, o amigo não havia sido menos feliz. Hábil, maneiroso, aproveitando as situações sem quebra de dignidade, não lhe foi difícil um cargo de juiz em pequena província do norte, onde regressara, afinal, ao sul, como desembargador aposentado.

Quarenta anos haviam decorrido, quase, sobre a separação dos dois infatigáveis campineiros, quando, um destes dias, indo receber um cheque no Banco do Brasil, o comendador Fagundes ouviu gritar, na pagadoria, ao portador de uma ordem de pagamento: - Francisco Ribeiro Portela!

Atendendo ao chamado, aproximou-se empertigado ainda, um ancião de sessenta anos, vestido com distinção, demonstrando nos modos, no porte, nas maneiras, saúde e prosperidade.

Ao anúncio daquele nome, o comendador Fagundes, que assinava o cheque em mesa próxima, voltou-se, rápido, com o peso das suas banhas e dos seus setenta anos, e encarou o outro. E encaminhando-se para ele, indagou:

- É o Francisco Portela, de Campinas?

- Sim, senhor.

- Eu sou o Otacílio Fagundes.

Um abraço enorme, que mais parecia um primeiro assalto de luta romana, selou esse encontro de duas saudades.

- Fagundes!

- Portela!

Três minutos depois estavam os dois velhotes a um canto, de pé, enxugando os olhos, trocando noticias da vida e da fortuna. O capitalista contou, primeiro, como ficara com a casa do tio; como lhe corriam admiravelmente os negócios; como lhe havia sido, em suma, favorável, no mundo, a roda do Destino. E o magistrado contou-lhe, depois, como subira, como prosperara, como enriquecera, como havia chegado, enfim, ao mais alto posto da sua carreira, no Estado. De repente, porém, o comerciante indagou:

- E constituíste família?

- Eu? Não. Continuei solteiro. E tu?

- Eu casei-me.

- Casaste?

- É verdade.

- Há muito tempo?

- Não. Há dois anos. Casei com uma menina de vinte anos, minha afilhada, e já tenho um filhinho.

- Um filho? - indagou o desembargador, recuando.

E ao ouvido do comendador, indignado:

- E de quem tu desconfias?

Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925.

Gislaine Canales (Glosas Diversas) XXXVI

VIVE O SONHO


MOTE:
Se a vida é sonho fugaz,
vive o sonho bem vivido,
que o remorso vem atrás
de cada instante perdido.
Carolina Ramos
(Santos/SP)


GLOSA:
Se a vida é sonho fugaz,

vive e sonha essa alegria,
inventa outro sonho e faz
mais feliz teu dia-a-dia!

Ao romper de cada aurora,
vive o sonho bem vivido,
não lamentes teu outrora...
que ele não volta, é sabido!

Sonhando, tu saberás
que, viver bem, é preciso,
que o remorso vem atrás
de um só momento indeciso!

E colhe os frutos da estrada,
volta, mesmo sem ter ido,
pra não te sentir culpada
de cada instante perdido.
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QUE VOLTASSES...

MOTE:
Que voltasses, era a prece
de minha alma desnorteada:
Tu voltaste, e hoje parece,
que estou sonhando acordada.
Colombina
São Paulo/SP (1882 – 1963)


GLOSA:
Que voltasses, era a prece

da minha noite e meu dia...
Sinto que esse amor merece,
a chegada da alegria!

Está grande o mar de pranto
de minha alma desnorteada:
Nas horas do desencanto,
sem você... choro meu nada!

Mas, minha dor anoitece,
pois és meu sol, minha luz...
Tu voltaste, e hoje parece,
que nem vivi minha cruz!

Estou tão feliz agora,
tão feliz e apaixonada
que parece, a cada hora,
que estou sonhando acordada.
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CASCALHOS

MOTE:
Pisei cascalhos e espinhos...
mas firme, em minhas andanças,
com as pedras dos caminhos
fiz castelos de esperanças.

Edmar Japiassú Maia
(Nova Friburgo/RJ)


GLOSA:
Pisei cascalhos e espinhos...
vi sangrarem os meus pés
seguindo nos descaminhos,
transpondo triste revés...

Continuei minha jornada,
mas firme, em minhas andanças
procurei encher meu nada
com minhas simples lembranças!

Lapidei com meus carinhos,
o que antes era cascalho,
com as pedras dos caminhos
eu construí meu atalho!

Segui, adiante... risonho...
E renovando as alianças,
para a prisão do meu sonho
fiz castelos de esperanças.
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MORADA NA TROVA

MOTE:
Pode o amor, banhado em sonhos,
construir morada nova,
nos braços sempre risonhos
dos quatro versos da trova.

Flávio Roberto Stefani
(Porto Alegre/RS)


GLOSA:
Pode o amor, banhado em sonhos,
renovar-se, reviver,
mudando os dias tristonhos,
num eterno renascer.

E, assim, feliz e faceiro,
construir morada nova,
e seus dotes de engenheiro,
na construção, pôr à prova.

Apressar dias tardonhos
e atirar-se com alegria,
nos braços sempre risonhos
de ternura da poesia.

Essa morada bonita,
que a felicidade aprova,
tem a beleza infinita
dos quatro versos da trova.
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OS VERSOS QUE EU SONHO

MOTE:
Meu conflito e meu fracasso
é que as trovas que eu componho
têm sempre os versos que faço,
e nunca os versos que eu sonho.

Izo Goldman
(Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP)


GLOSA:
Meu conflito e meu fracasso

vivem sempre dentro em mim...
Caminho, passo-antepasso,
e não atinjo meu fim!

O que me tira a alegria,
é que as trovas que eu componho
não fazem brilhar meu dia,
e muito amor, nelas, ponho!

Sinto aumentar meu cansaço,
pois minhas trovas somente,
têm sempre os versos que faço
que surgem da minha mente.

Minha sensibilidade
é pouca, isso eu suponho,
pois escrevo a realidade
e nunca os versos que eu sonho.

Fonte:
Gislaine Canales. Glosas Virtuais de Trovas VI. In Carlos Leite Ribeiro (produtor) Biblioteca Virtual Cá Estamos Nós. http://www.portalcen.org. Abril 2003.

Machado de Assis (O Sainete)

 Um dos problemas que mais preocupavam a rua do Ouvidor entre as da Quitanda e Gonçalves Dias, das duas às quatro horas da tarde, era a profunda e súbita melancolia do Dr. Maciel. O Dr. Maciel tinha apenas vinte e cinco anos, idade em que geralmente se compreende melhor o Cântico dos Cânticos do que as Lamentações de Jeremias. Sua índole mesma era mais propensa ao riso dos frívolos do que ao pesadume dos filósofos. Pode-se afirmar que ele preferia um dueto da Grã Duquesa a um teorema geométrico, e os domingos do Prado Fluminense aos domingos da Escola da Glória. Donde vinha pois a melancolia que tanto preocupava a rua do Ouvidor?

Pode o leitor coçar o nariz à procura da explicação, a leitora não precisa desse recurso para adivinhar que o Dr. Maciel ama, que uma "seta do deus alado" o feriu mesmo no centro do coração. O que a leitora não pode adivinhar, sem que eu lhe diga, é que o jovem médico ama a viúva Seixas, cuja maravilhosa beleza levava após si os olhos dos mais consumados pintalegretes. O Dr. Maciel gostava de a ver como todos os outros. Amou-a desde certa noite e certo baile, em que ela, andando a passear pelo seu braço, perguntou-lhe de repente com a mais deliciosa languidez do mundo:

- Doutor, por que razão não quer honrar a minha casa? Estou visível todas as quintas-feiras para a turba-multa (*multidão), os sábados pertencem aos amigos. Vá lá aos sábados.

Maciel prometeu que iria no primeiro sábado, e foi. Pulava-lhe o coração ao subir as escadas. A viúva estava só.

- Venho cedo! - disse ele, logo depois dos primeiros cumprimentos.

- Vem tarde demais para a minha natural ansiedade - respondeu ela sorrindo.

O que se passou na alma de Maciel excede a todas as conjecturas. Num só minuto pôde ele ver juntas todas as maravilhas da terra e do céu, todas as concentradas naquela elegante e suntuosa sala cuja dona, a Calipso daquele Telêmaco, tinha cravados nele um par de olhos, não negros, não azuis, não castanhos, mas dessa rara cor, que os homens atribuem a mais duradoura felicidade do coração, à esperança. Eram verdes, de um verde igual ao das folhas novas, e de uma expressão ora indolente, ora vivaz, - arma de dois gumes - que ela sabia manejar como poucas.

E não obstante aquele intróito, o Dr. Maciel andava triste, abatido, desconsolado. A razão era que a viúva, depois de tão amáveis preliminares, não cuidou mais das condições em que seria celebrado um tratado conjugal. No fim de cinco ou seis sábados, cujas horas eram polidamente bocejadas a duo, a viúva adoeceu semanalmente naquele dia, e o jovem médico teve de contentar-se com a multidão das quintas-feiras.

A quinta-feira em que nos achamos é de Endoenças. Não era dia próprio de recepção. Contudo, Maciel dirigiu-se a Botafogo, a fim de pôr em execução um projeto, que ele ingenuamente supunha ser fruto do mais profundo maquiavelismo, mas que eu, na minha fidelidade de historiador, devo confessar que não passava de verdadeira infantilidade. Notara ele os sentimentos religiosos da viúva, imaginou que, indo fazer-lhe naquele dia a declaração verbal do seu amor, por meio de invocações pias, alcançaria facilmente o prêmio de seus trabalhos.

A viúva achava-se no toucador. Acabara de vestir-se, e de pé calçando as luvas, em frente do espelho, sorria para si mesma, como satisfeita da toilette. Não ia passear, como se poderia supor, ia visitar as igrejas. Queria alcançar por sedução a misericórdia divina.

Era boa devota aquela senhora de vinte e seis anos, que frequentava as festas religiosas, comia peixe durante toda a quaresma, acreditava alguma coisa em Deus, pouco no diabo e nada no inferno. Não acreditando no inferno, não tinha onde meter o diabo. Venceu a dificuldade, agasalhando-o no coração. O demo assim alojado fora algum tempo o nosso melancólico Maciel. A religião da viúva era mais elegante que outra coisa. Quando ela se confessava era sempre com algum padre moço, em compensação só se tratava com médico velho. Nunca escondeu do médico o mais íntimo defluxo, nem revelou ao padre o mais insignificante pecado.

- O Dr. Maciel? – disse ela lendo o cartão que a criada lhe entregou. – Não o posso receber. Vou sair. Espera! - continuou depois de relancear os olhos para o espelho - Manda-o entrar para aqui.

A ordem foi cumprida. Alguns minutos depois fazia Maciel a sua entrada no toucador da viúva.

- Recebo-o no santuário, - disse ela sorrindo logo que ele assomou à porta - prova de que o senhor pertence ao número dos verdadeiros fiéis.

- Oh! Não é da minha fidelidade que eu duvido; e...

- E recebo-o de pé! Vou sair. Vou visitar as igrejas.

- Sei! Conheço os seus sentimentos de verdadeira religião, - disse Maciel com a voz a tremer-lhe - vim até com receio de não a encontrar. Mas vim, era preciso que viesse, neste dia, sobretudo.

A viúva recolheu a abazinha de um sorriso que indiscretamente ia traindo o seu pensamento, e perguntou friamente ao médico que horas eram.

- Quase oito. Sua luva está calçada, falta só abotoá-la. É o tempo necessário para lhe dizer, neste dia tão solene, que eu sinto...

- Está abotoada. Quase oito, não? Não há tempo de sobra. É preciso ir a sete igrejas. Quer fazer o favor de acompanhar-me até o carro?

Maciel tinha espírito em quantidade suficiente para não perdê-lo todo com a paixão. Calou-se, e respondeu à viúva com um gesto de assentimento. Saíram do toucador e desceram ambos silenciosos. No trajeto planejou Maciel dizer-lhe uma só palavra, mas que contivesse todo o seu coração. Era difícil, o lacaio que abrira a portinhola do coupê, ali estava como um emissário do seu mau destino.

- Quer que o leve até a cidade? – perguntou – A cidade? – perguntou a viúva.

- Obrigado, respondeu Maciel.

O lacaio fechou a portinhola e correu a tomar o seu lugar. Foi nesse rápido instante que o médico. inclinando o rosto, disse à viúva:

- Eulália...

Os cavalos começaram a andar, o resto da frase perdeu-se para a viúva e para nós.

Eulália sorriu da familiaridade e perdoou-lha. Reclinou-se molemente nos coxins do veículo e começou um monólogo que só acabou à porta de S. Francisco de Paula.

- Pobre rapaz! – dizia ela consigo - vê-se que morre por mim. Não desgostei dele a princípio... Mas tenho eu culpa de que seja um maricas? Agora sobretudo. com aquele ar de moleza e abatimento, é... não é nada... é uma alma de cera. Parece que vinha disposto a ser mais atrevido, mas a alma faltou-lhe com a voz, e ficou apenas com as boas intenções. Eulália! Não foi mau este começo. Para um coração daqueles... Mas qual! c'est le genre ennuyeux! (*  é do tipo chato!)

Esta é a glosa mais resumida que posso dar do monólogo da viúva. O cupê estacionou na praça da Constituição, Eulália, seguida do lacaio, encaminhou-se para a igreja de S. Francisco de Paula. Ali, depositou a imagem de Maciel nas escadas, e atravessou o adro toda entregue ao dever religioso e aos cuidados de seu magnífico vestido preto.

A visita foi curta, era preciso ir a sete igrejas, fazendo a pé todo o trajeto de uma para outra. A viúva saiu sem preocupar-se mais com o jovem médico, e dirigindo-se para a igreja da Cruz.

Na Cruz achamos uma personagem nova, ou antes duas, o desembargador Araújo e sua sobrinha D. Fernanda Valadares, viúva do deputado deste nome, que falecera um ano antes, não se sabe se da hepatite que os médicos lhe acharam se de um discurso que proferiu na discussão do orçamento. As duas viúvas eram amigas. Seguiram juntas na visitação das igrejas. Fernanda não tinha tantas acomodações com o céu, como a viúva Seixas, mas a sua piedade estava sujeita, como todas as coisas, às vicissitudes do coração. Em vista do que, logo que saíram da última igreja, disse ela à amiga que no dia seguinte iria vê-la e pedir-lhe uma informação.

- Posso dar já, respondeu Eulália. Vá embora, desembargador. Eu levo Fernanda no meu carro.

No carro, disse Fernanda:

- Preciso de uma informação importante. Sabes que estou um pouco apaixonada?

- Sim?

- É verdade. Eu disse um pouco, mas devia dizer muito. O Dr. Maciel...

- O Dr. Maciel? – interrompeu vivamente Eulália. Que pensas dele?

A viúva Seixas levantou os ombros e riu com um ar de tamanha piedade, que a amiga corou.

- Não te parece bonito? – perguntou Fernanda.

- Não é feio.

- O que mais me seduz nele é o seu ar triste, um certo abatimento que me faz crer que padece. Sabes de alguma coisa a seu respeito?

- Eu?

- Ele dá-se muito contigo, tenho-o visto lá em tua casa. Sabes se haverá alguma paixão...

- Pode ser.

- Oh! Conta-me tudo!

Eulália não contou nada. Disse que nada sabia.

Concordou, entretanto, que o jovem médico talvez andasse enamorado, porque realmente não parecia gozar boa saúde. O amor, disse ela, era urna espécie de pletora, o casamento uma sangria sacramental. Fernanda precisava sangrar-se do mesmo modo que Maciel.

- Sobretudo nada de remédios caseiros, concluiu ela, nada de olhares e suspiros, que são paliativos destinados menos a minorar que a entreter a doença. O melhor boticário é o padre.

Fernanda tirou a conversa deste terreno farmacêutico e cirúrgico para subi-la às regiões do eterno azul. Sua voz era doce e comovida: o coração pulsava-lhe com força, e Eulália, ao ouvir os méritos que a amiga achava em Maciel, não pôde reprimir esta observação:

- Não há nada como ver as coisas com amor. Quem suporia nunca o Maciel que me estás pintando? Na minha opinião não passa de um bom rapaz; e ainda assim... Mas um bom rapaz é alguma coisa neste mundo?

- Pode ser que eu me engane, Eulália, replicou a viúva do deputado, mas creio que há ali uma alma nobre, elevada e pura. Suponhamos que não. Que importa? O coração empresta as qualidades que deseja.

A viúva Seixas não teve tempo de examinar a teoria de Fernanda. O carro chegara à rua Santo Amaro, onde esta morava. Despediram-se. Eulália seguiu para Botafogo.

- Parece que ama deveras, pensou Eulália logo que ficou só. Coitada! Um moleirão!

Eram nove horas da noite quando a viúva Seixas entrou em casa. Duas criadas - camareiras, - foram com ela para o toucador, onde a bela viúva se despiu. Dali passou ao banho, enfiou depois um roupão e dirigiu-se para o quarto de dormir. Levaram-lhe uma taça de chocolate, que ela saboreou lentamente, tranquilamente, voluptuosamente; saboreou-a e saboreou-se também a si própria, contemplando, da poltrona em que estava, a sua bela imagem no espelho fronteiro. Esgotada a taça, recebeu de uma criada o seu livro de orações, e foi dali a um oratório, diante do qual com devoção se ajoelhou e rezou. Voltando ao quarto, despiu-se, meteu-se no leito e pediu-lhe que lhe cerrasse as cortinas, feito o que, murmurou alegremente:

- Ora o Maciel!

E dormiu.

A noite foi muito menos tranquila para o nosso apaixonado Maciel que, logo depois das palavras proferidas à portinhola do carro, ficara furioso contra si mesmo. Tinha razão em parte, a familiaridade do tratamento dado à viúva precisava de mais detida explicação. Não era, porém, a razão que lhe fazia ver claro, nele exerciam maior ação os nervos que o cérebro.

Nem sempre "depois de uma noite procelosa, traz a manhã serena claridade". A do dia seguinte foi tétrica. Maciel gastou-a toda na loja do Bernardo, a fumar em ambos os sentidos - o natural e o figurado, a olhar sem ver as damas que passavam, estranho à palavra dos amigos, aos boatos políticos, às anedotas de ocasião.

- Fechei a porta para sempre! – dizia ele com amargura.

Pelas quatro horas da tarde, apareceu-lhe um alívio, debaixo da forma de um colega seu, que lhe propôs ir clinicar em Carangola, donde recebera cartas muito animadoras. Maciel aceitou com ambas as mãos o oferecimento. Carangola nunca entrara no itinerário de suas ambições, é até possível que naquele momento ele não pudesse dizer a situação exata da localidade. Mas aceitou Carangola, como aceitaria a coroa de Inglaterra ou as pérolas todas de Ceilão.

- Há muito tempo, disse ele ao colega, que eu sentia necessidade de ir viver em Carangola. Carangola exerceu sempre em mim uma atração irresistível. Não podes imaginar como eu, já na Academia, me sentia arrastado para Carangola. Quando partimos?

- Não sei: dentro de três semanas, talvez.

Maciel achou que era muito, e propôs o prazo máximo de oito dias. Não foi aceito; não teve remédio senão curvar-se às três semanas prováveis. Quando ficou só, respirou.

- Bem! disse ele, irei esquecer e ser esquecido. No sábado houve duas aleluias, uma na Cristandade, outra em casa de Maciel, aonde chegou uma cartinha perfumada da viúva Seixas contendo estas simples palavras: - "Creio que hoje não terei a enxaqueca do costume. Espero que venha tomar uma xícara de chá comigo". A leitura desta carta produziu na alma do jovem médico uma Glória in excelsis Deo. Era o seu perdão. Era talvez mais do que isso. Maciel releu meia dúzia de vezes aquelas poucas linhas, nem é fora de propósito crer que chegou a beijá-las.

Ora, é de saber que na véspera, sexta-feira, as onze horas da manhã, recebera Eulália uma carta de Fernanda, e que às duas horas foi a própria Fernanda à casa de Eulália. A carta e a pessoa tratavam do mesmo assunto com a expansão natural em situações daquelas. Tem-se visto muita vez guardar um segredo do coração, mas é raríssimo que, uma vez revelado, deixe de o ser até a saciedade. Fernanda escreveu e disse tudo o que sentia. Sua linguagem, apaixonada e viva, era uma torrente de afeto, tão volumosa que chegou talvez a alagar, - a molhar pelo menos, - o coração de Eulália. Esta ouviu-a a princípio com interesse, depois com indiferença, afinal com irritação.

- Mas o que queres tu que eu te faça? – perguntou no fim de uma hora de confidência.

- Nada, respondeu Fernanda. Uma só coisa: que me animes.

- Ou te auxilie?

Fernanda respondeu com um aperto de mão tão significativo, que a viúva Seixas compreendeu facilmente a impressão que lhe causara. No sábado enviou a carta acima transcrita. Maciel recebeu-a como vimos, e à noite, à hora habitual, estava à porta de Eulália. A viúva não estava só. Havia umas quatro senhoras e uns três cavalheiros, visitas habituais das quintas-feiras.

Maciel entrou na sala um pouco acanhado e comovido. Que expressão leria no rosto de Eulália? Não tardou sabê-lo. A viúva recebeu-o com o seu melhor sorriso, - o menos faceiro e intencional, o mais espontâneo e sincero, um sorriso que Maciel, se fosse poeta, compararia a um íris de bonança, rimado com esperança ou bem-aventurança. A noite correu deliciosa. Um pouco de música, muita conversa, muito espírito, um chá familiar, alguns olhares animadores, e um aperto de mão significativo no fim. Com estes elementos era difícil não ter os melhores sonhos do mundo. Teve-os Maciel, e o domingo da Ressurreição também o foi para ele.

Na semana seguinte viram-se três vezes. Eulália parecia mudada; a solicitude e a graça com que lhe falava estavam longe de tal ou qual frieza e indiferença dos últimos tempos. Este novo aspecto da moça produziu os seus naturais efeitos. Sentiu-se outro jovem médico; reanimou-se, colheu confiança, fez-se homem.

A terceira vez que a viu nessa semana foi em uma soirée. Acabaram de valsar e dirigiram-se para o terraço da casa, donde se via um magnífico panorama, capaz de fazer poeta o mais soez espírito do mundo. Ali foi fácil declaração, inteira, cabal, expressiva do que sentia o namorado. Ouviu-lhe Eulália com os olhos embebidos nele, visivelmente encantada com a palavra de Maciel.

- Poderei crer no que me diz? – perguntou ela.

A resposta do jovem médico foi apertar-lhe muito a mão, e cravar nela uns olhos mais eloquentes que duas catilinárias. A situação estava definida, a aliança feita. Bem o percebeu Fernanda, quando os viu regressar à sala. Seu rosto cobriu-se de um véu de tristeza. Dez minutos depois e o desembargador interrompia a partida de whist para acompanhar a sobrinha a Santo Amaro.

A leitora espera decerto ver casados os dois namorados e espaçada a viagem a Carangola até o fim do século. Quinze dias depois da declaração inicial Maciel deu os passos necessários ao consórcio. Não têm número os corações que estalaram de inveja ao saber da preferência da viúva Seixas. Esta pela sua parte sentia-se mais orgulhosa do que se desposasse o primeiro dos heróis da terra.

Donde veio este entusiasmo e que varinha mágica operou tamanha mudança no coração de Eulália? Leitora curiosa, a resposta está no título. Maciel pareceu insosso, enquanto lhe faltou o sainete de outra paixão. A viúva descobriu-lhe os méritos com os olhos de Fernanda, e bastou vê-lo preferido para que ela o preferisse. Se me miras, me miram, era a divisa de um célebre relógio do sol. Maciel podia invertê-la: se me miram, me miras; e mostraria conhecer o coração humano, - o feminino pelo menos.
 
Fonte:
Machado de Assis. Contos Avulsos. (org. R. Magalhães Júnior). Editora Civilização Brasileira, 1956. Publicada originalmente em 1875

quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

A. A. de Assis (Saudade em Trovas) n. 24: Hermoclydes Siqueira Franco

 

Isabel Furini (O dia em que me senti um personagem)


Quando um livro é publicado de maneira clássica, ou seja, quando o autor envia seu texto a uma editora que “banca” a publicação e encarrega-se de conseguir diagramador, capista, de fazer a correção ortográfica e procurar uma boa gráfica, é comum o autor ganhar alguns livros para presentear a imprensa ou pessoas que sejam consideradas líderes de opinião.

Pois bem, isso aconteceu quando há mais de vinte anos foi publicado um livro infantil de minha autoria chamado “O Prego Nélio”.

Acontece que eu fui doando os exemplares que tinha até ficar sem nenhum. Irritada com meu próprio erro, fui até uma instituição que tinha um exemplar do livro para tirar fotocópias. Minha surpresa foi enorme quando escutei a secretária dizer: “Ninguém pode tirar fotocópias dos livros”.

Mostrei minha identidade e falei:

- Eu sou a autora do livro.

- Mas se fotocopiar o livro, isso seria plágio. - retrucou-me com muita seriedade.

- Eu sou a autora. Acaso irei plagiar o meu próprio livro? - perguntei um pouco confusa, sentindo-me um personagem que havia fugido de alguma crônica do Veríssimo.

- Não pode fotocopiar. - insistiu.

- Eu escrevi esse livro! - gritei.

- Mas o exemplar é nosso e não poderá fotocopiar.

Tive que me resignar e voltar para casa. Por sorte, uma antiga aluna que havia guardado um exemplar tirou fotocópia e teve a delicadeza de ficar com a mesma e presentear-me com o livro do qual sou autora.

Mas isso despertou várias reflexões: a primeira sobre a necessidade de guardar um exemplar de qualquer obra de minha autoria; a segunda, de que muitas vezes o zelo administrativo leva a situações absurdas como a que eu havia vivido, e ficou em mim a sensação de que em algumas situações nossa humanidade parece perder-se no mar da ficção. Parecemos um personagem de crônica vivendo uma situação bizarra, e precisamos nos olhar no espelho para reconhecer quem realmente somos.

Francisca Júlia (Cristais Poéticos) 7


AS DUAS IRMÃS


Vem a primeira a fala-lhe em segredo:
“Amiga, vê, (nem sei como isto conte!)
Como correm as águas desta fonte:
Tal corre a vida, e acaba-se tão cedo!

Ama, pois!” A segunda, em cuja fronte
Brilha um raio de luz, murmura, a medo,
Apontando-lhe o chão: “Este é o degredo
Perpétuo e atroz do teu amor insonte.

Contudo, espera.” E somem-se a Esperança
E a Saudade. E ela fica, como doida,
A olhar o rastro dessas deusas belas...

E ela fica esperando-as.... Cansa, cansa
De esperá-las assim, a vida toda,
Sem jamais receber notícias delas! ...
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A UMA CRIANÇA

(Imitação de Hugo)
Vous qui ne savez pas combien l’enfance est belle,
Enfant! N’enviez point notre age de douleurs...*
Vitor Hugo.


Choras, criança, mas chorar não deves;
Entre a velhice e as tuas horas leves
É pequena a distância;
Choras debalde; choras,
Por que não sabes, flor, quanto são breves
Da humana vida as horas,
Por que não sabes quanto é bela a infância!

Tu, cuja vida é um suave paraíso
Adornado de flores,
Da nossa vida mísera de dores
Amargas e revezes,
Nunca invejes o júbilo indeciso,
Porque teu pranto é menos triste, às vezes,
Do que nosso sorriso.
Os teus dias são rosas
Que vicejam, alegres e radiosas,
Nessas tuas manhãs de eternas galas;
Nunca as desfolhem, gárrula criança;
Deixa-as em paz, descansa,
Deixa que o tempo venha desfolhá-las.
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 *“Você não sabe como é linda a infância,
Criança! Não inveje nossa idade de dor...”

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EGITO

No ar pesado, nenhum rumor, o menor grito;
Nem no chão calvo e seco o mais pequeno adorno;
Um velho ibe* somente arranca um raro piorno**
Que cresce pelos vãos das lajes de granito.

A aura branda, que vem do deserto infinito,
Arrepia, ao de leve, a água do Nilo, em torno.
Corre o Nilo, a gemer, sob um calor de forno
Que, em ondas, desce do alto e invade todo o Egito.

Destacando na luz, agora, o vulto absorto
De um adelo que passa, em caminho da feira,
Dá mais um tom de mágoa ao vasto quadro morto.

Bate na areia o sol. E, num sonho tranquilo,
Pompeia, ao largo, a alvura uma barca veleira,
A tremer, a tremer sobre as águas do Nilo.
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* Ibe ou Ibis: ave do Egito.
** Piorno =  Denominação de vários tipos de arbusto do gênero retama.

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MÃE

Embora a mágoa a aflija e a sorte a oprima,
O seu amor, como celeste esmola,
É um perfume sutil que se lhe evola
Do peito e sobe deste mundo acima.

Com que ternura a sua voz me anima,
Quando, pelo meu rosto, o pranto rola!
Ninguém, como ela, a minha dor consola,
Ninguém, como ela, o meu pesar lastima.

Julgo-me só e chamo-a... Ela não tarda!
Volta, acode-me, alegre; e, num momento,
Desfaz a dor que o coração me enluta.

Ela é a mais fiel, a mais constante guarda
Que, no meio da noite, o ouvido atento,
O meu suspiro entrecortado escuta.
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QUADRO INCOMPLETO

Foi um rico painel. Traço por traço,
Nele notava-se a paixão do artista.
Via-se, ao fundo, a tortuosa crista
De altas montanhas a beijar o espaço.

No centro, um rio, a distender o braço.
Selvas banhavam em triunfal conquista.
Ao longo, dois amantes, pela lista
De um carreiro, seguiam, passo a passo.

Foi um rico painel. Uma obra finda
A primor, que, apesar de velha, ainda
Conservava das cores a frescura.

Hoje, porém, não é como era dantes:
Pois no ponto onde estavam os amantes,
Existe apenas uma nódoa escura.

Fonte:
Francisca Júlia da Silva. Mármores. Brasília: Senado Federal, 2020. Publicado originalmente em 1895.

Mia Couto (Fosforescências)

Dona Amarguinha era tão magra que só lhe servia roupa de luto. Viúva, não se retirava da penumbra da loja que lhe restara do casamento. Detrás do balcão, quase nem se percebia seu vulto. E era como se ela se tivesse antepassado, descriatura (renegada). As pessoas entravam naquele lugar sombrio com o respeito de quem penetra num local de culto.

A cantina ficava em meio da praça — a vila por ali desfilava. Passavam as mulheres matinais, os velhos poeirentos, as moças em idade divorciadoura. A todos ela espreitava da obscuridade. Como se a sombra lhe desse uma ilha intransponível. E daquele abrigo ela assistisse ao proceder do tempo.

Também eu passava por ali regressado de minhas aulas noturnas. A mim ela me repetia a sempre igual pergunta: “Se havia passado no cemitério.” E sempre eu apressava uma resposta:

—Sim, passei.

—Não viu fosforescências?

Fosforescências? Sim, fogos-fátuos, chamas sem labareda por dentro. Emanavam das profundezas, cinzas luzentes pairando no lugar dos mortos. O que produzia tais súbitas claridades eram pirilampejos das almas, os fosfogênicos falecidos virando de posição. Carecemos de explicar o mundo quando tememos os acontecimentos. Mas Dona Amarguinha nem precisava de explicação. A bem dizer, ela só falava depois da lágrima. Apenas usava de palavra depois de, nos recantos dos olhos, lhe surgir uma aguinha trêmula.

—Viu ou não viu?

E eu que sim, que tinha visto luzinhas se entrelinharem sobre as campas.

— Sabe o que é? É o sacana do meu falecido.

A razão das fosforescências era o seu marido Naftal em sem vergonhices. Já em vida quando fazia amor com ela se acendiam aquelas luzes na obscuridade.

— Aquilo é o sacana na brincadeira com outras.

— Com outras?

— Sim, com falecidas.

Seguiam-se impropérios, a velha desfilava as palavras. Que ele se atolasse nos pântanos do Inferno, malandro do homem que lhe prometera a mais bela das promessas, juramento mais cheio nenhum marido pode encomendar: que um dia ele a levaria a passear onde só as nuvens conseguem alcançar.

Imitava o falecido, em tom jocoso: “Queixa-se, mulher, que eu nunca a levo a passear? Pois eu lhe mostrarei caminhos que nem ninguém sonhou.” Lembrando se, ela ria com a mesma amargura que exibia em seu nome. E apontava sem olhar, dedos cegos indicando as alturas:

— Além de lá, nas nuvens.

Certa noite me decidi ir ter com ela, pesando em mim a mentira. Queria confessar que tinha faltado à verdade, que eu jamais passara pelo cemitério. Quando cheguei à cantina da viúva deparei com um ruidoso ajuntamento. Se encrespavam ali os burburinhos. Os rostos eram de ocorrência. Inquiri, ansioso, a razão da multidão. As vozes ziguezagueavam, em confuso enredo. Resumindo e não concluindo: Dona Amarguinha tinha sido levada, em emergência, a saúde dela já em mal estado. A velha estava desfalecida? Nem tanto, porque seus olhos rebrilhavam no rosto magro enquanto chamava pelo defunto marido:

— Naftal, ó Naftal, não vás.

É que ela estendia os braços para o vazio a pontos de fazer medo. Que a loucura a ela chegara, já se sabia. Mas a pontos daqueles acessos, isso era novidade. E aquilo, quem sabe, podia ser doença de contagiar os próprios mortos e deixar a vila atreita a visitações das almas. Levassem, sim, a desordenada velha e lhe dessem uma guarida para a sua mente vadia.

Aos poucos todos se retiraram. A bisbilhotice é como o gafanhoto: só desanda quando não resta mais folha para roer. A vizinhança se foi, deixando um descampado vazio, nunca o pátio da cantina parecera tão imenso a meus olhos. Subi a escadaria empurrado por dolorosa estranheza. A tristeza me doía como se fora uma doença caranguejando em meus ossos.

Entrei no quarto de Amarguinha. A meus olhos, a penumbra se foi desnudando. A primeira coisa que eu vi: uma flor abandonada sobre a cômoda. E depois, como que um baque em meu entendimento: da cama desalinhada exalavam ainda fosforescências. Como se Naftal e sua esposa ainda cumprissem conjugalidades, seus corpos inventando eternidades.

Me sentei no leito e me quedei frente a um espelho tão idoso que nele me revi com meu rosto de menino. Alisei a dobra do lençol: todo o gesto era inútil como travesseiro que se desse a um morto. Repente, na almofada a mancha me despertou. Sangue? Não, eram marcas de batom. Aquilo muito me espantou: a viúva enfeitara os lábios, enchera de vida seu rosto.

E aconteceu conforme meus dedos roçavam a fronha: a almofada se foi desfazendo. Do rompido irrompia um algodãozinho miúdo que depois foi crescendo e se tornou bastante infinito como se ansiasse habitar os além céus. Abri a janela e aqueles flocos brancos foram subindo, condecorando os céus com as mais luzentes nuvens que jamais por ali esvoaram.

Fonte:
Mia Couto. Na berma de nenhuma estrada e outros contos. Publicado em 2001.

Fabiane Braga Lima (O suicídio da poesia!?)

Reconheci meu erro, ainda estava em um sonho, ou em um delírio que eu mesma deixei me levar, presa em um passado complexo cheio de mentiras. Um absurdo que até uma criança poderia desvendar!!!

E eu, tentando fazer rimas, poemas, sangrando, derramando lágrimas, assassinando a arte poética. Mas percebi o erro, toda aquela demência que me levava a querer se suicidar, junto com a poesia.

Então, me libertei dessa insanidade de um passado que me comprometia e me matava aos poucos, com lembranças tóxicas, nas quais esqueci há muito tempo.

Silenciei a minha poesia e criei uma palavra nova chamada (vida). Parei no tempo, mas me reinventei. Hoje, as minhas utopias são carregadas de magia, onde lavo minha alma com prazer. Minha arte carrego comigo!!!

Fonte:
Texto enviado por Samuel da Costa.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Varal de Trovas n. 541

 

A. A. de Assis (Um Espião na Boca)

Foi lá pelos anos 1970, meados de maio, mais para frio do que para calor. Movimento singular na antiga “Boca Maldita”, instituição que ao longo de muitos anos funcionou na Avenida Getúlio Vargas, centro de Maringá. Falava-se de tudo, até de política. Deputados, vereadores, secretários municipais, empresários, jornalistas, gente mil a batepapear nas preguiçosas manhãs domingueiras, fazendo hora para o frango com macarronada.

De repente Milton Seixas saiu de roda em roda assustando a turma: “Olhem aquele ilustre ali... tá com todo jeito de espião...

De fato a figura era estranha na Boca. Sozinho numa mesa de canto, bebericava uma batidinha. Terno escuro, colete, gravata, elegância inusual naquela área famosa pelas fofocas e pela descontração dos seus frequentadores.

Quem seria o insólito visitante? O alerta do Seixas deixou o pessoal encucado. Ninguém havia ainda prestado atenção no distinto, mas num instante os olhares estavam todos voltados para aquela mesa.

Todo mundo falando baixinho. Até que o Verdelírio, encafifado com a situação, resolveu desvendar o mistério. O estranho se levantou, dirigiu-se ao caixa do bar e o Verde foi atrás, disposto a puxar conversa e identificar o elegante e circunspecto cidadão.

Enquanto isso, ficou aquele suspense. Por via das dúvidas, o melhor era só falar de futebol, até saber se o homem era ou não era mesmo espião.

A questão era que na Boca o pessoal costumava ser irreverente no trato de qualquer assunto. Enquanto estavam presentes apenas os habituais críticos da vida alheia, não havia problema. Vigorava uma espécie de código de ética, de modo que o que ali se falava morria ali.

Mas aquele estranho era motivo bastante para recomendar prudência nos comentários. Vai que alguém falasse alguma inconveniência e o distinto dedurasse...

Gozador inveterado, Seixas aproveitava para botar mais lenha na fogueira: “Manerem a língua, porque o homem tava olhando de soslaio e anotando umas coisas no caderninho dele... Passei perto e vi o jeitão do baita...

Nesse tempo e meio, o sempre tranquilo Verdelírio cumpriu com sucesso a missão de esclarecer a misteriosa situação. Voltou com a ficha do estranho: “Não é nada disso que vocês estão pensando. Ele é até um bom cara, gente de paz. Tem umas terras no Mato Grosso e está em Maringá só de passagem. Sozinho no hotel, resolveu procurar o ponto de aperitivo da cidade pra passar o tempo. Só isso...

Aliviada, a Boca agitou-se novamente. Piadas, gargalhadas, fofocas. O visitante tomou mais uma e saiu faceiro, desfilando sua requintada fatiota na avenida. Nem lhe passava pela cabeça a ideia do quase pânico que fizera reinar por alguns momentos no ambiente.
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(Crônica publicada no “Jornal do Povo” – Maringá – 25-11-2021)

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Professor Garcia (Poemas do Meu Cantar) Trovas – 13 –

A bonequinha de trança,
vê na criança que passa...
A pobreza da criança,
nas mãos sujas da vidraça!
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A fonte leva no peito
o exemplo que nos encanta;
Quanto mais pedras no leito,
mais ela saltita e canta!
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A paz que encontrei nos campos
nestes versos que compus,
vem do olhar dos pirilampos
com os olhos cheios de luz!
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As coloridas falenas
à tarde, por sobre as flores,
parecem pincéis de penas
pondo mais penas nas cores!
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Eis, que dúvida atrevida
trago no outono da idade:
Se não fosse a despedida
existiria a saudade?
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Esquece as mágoas pequenas
e a grande, esquece também;
pois, as mágoas são apenas,
ódio, aos olhos de outro alguém!
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Essa fronte encanecida
com sonhos da cor de neve,
rende-se às curvas da vida
e às rugas que o tempo escreve!
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Havia tanta ternura
entre nós dois, nessa rua,
que, se a noite fosse escura,
seria noite de lua!
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Hoje à tarde, ao fim do dia,
não sei se alguém percebeu
que o pôr do sol escrevia,
tudo que Deus prescreveu!
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Já na penumbra da idade,
depois de tantas jornadas...
Começo a sentir saudade
das infantis madrugadas!
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Muitos "sepulcros caiados"
seguindo um falso decreto,
sepultam sonhos dourados
entre as selvas de concreto!
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Não há tecelão no mundo
nem artista tecelão,
que tenha o saber profundo
de quem tece a ingratidão!
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Nas noites, de vendavais,
minha alma, à tua procura,
tentando ouvir os teus ais
na voz que o vento murmura!
= = = = = = = = = = =

No amor, verdade divina,
acha-se a divina essência,
de tudo que a vida ensina,
nessa divina existência!
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Ó, lindas rosas vermelhas
de ensinamentos tão sábios;
tendes o mel que as abelhas
vêm roubar de vossos lábios!
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O olhar de um brinquedo usado
nas mãos da criança sem graça,
revela um triste passado
que, infelizmente, não passa!
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O mundo só se refaz,
quando a gente por prazer...
For pobre, por ter demais,
for rico, sem nada ter!
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O velhinho ajoelhado,
diz ao padre em confissão:
Tem que existir o pecado
para que exista o perdão!
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Penso em nós dois, bem velhinhos,
felizes, sem dissabor,
juntos aos nossos netinhos
num grande ninho de amor!
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Por ver tantos sonhos mortos,
na idade dos meus cansaços...
Tento alinhar os mais tortos
aos rituais de teus passos!
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Quando a luz do sol, radiosa,
desfaz o orvalho da flor...
Transforma o choro da rosa
em lindos cristais de amor!
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Que exemplo, nos deixa a fonte,
que vive a cantarolar...
Murmura do pé do monte
ao sal das águas do mar!
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Quero os dias mais risonhos
e as ilusões vêm comigo;
pois, sou mendigo de sonhos
e o sonho me faz mendigo!
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Se a infância se distancia,
e nela, a vida se esmera,
embriague a melancolia
com sonhos de primavera!
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Se a distância, te convém
o nosso amor, se resume,
àquela flor que só tem
espinhos, sem ter perfume!
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Se os amores são mais longos,
ame-os, com mais destemor;
que há mais hiatos, que ditongos
nas entrelinhas do amor!
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Tanto nos olhos da aurora,
quanto no olhar do poente...
Há versos de hora em hora
presos aos olhos da gente!
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Teu adeus, roubou-me a cena,
de toda a beleza agreste,
de tua pele morena
queimada ao sol do Nordeste!
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Tristonho e mantendo a calma,
ao ver que a infância se afasta...
Ouço as vozes de minha alma
em tudo que o vento arrasta!
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Tu partiste e, na verdade,
na ausência do teu afeto,
vivo abraçando a saudade
nas tábuas do mesmo teto!

Fonte:
Professor Garcia. Poemas do meu cantar. Natal/RN: Trairy, 2020.
Livro enviado pelo autor.

Sammis Reachers (Malandro demais se atrapalha)

Agora vamos falar de um motorista que passou toda a sua carreira na empresa Ingá. Bom malandro, mulherengo e beliscador, nosso amigo tem um apelido inusitado: Videocassete. Isso mesmo, um malandro com alcunha de eletrodoméstico.

Bem, nosso amigo era chegado numa 'infração'. No tempo em que os ônibus da empresa não tinham câmeras, ele, se encontrasse um cobrador que também gostasse do 'belisco', fazia a festa: eram montes de passageiros pela porta da frente.

Eis que um belo dia nosso personagem está na garagem, e seu cobrador efetivo, que já estava acostumado aos trâmites e métodos de Videocassete, faltou ao serviço. Na garagem, 'torrando' (na sobra ou sem linha fixa) um cobrador novato, com somente uma semana de casa; negro magrinho, cria do morro Santo Cristo, no Fonseca, em Niterói. Nosso sagaz Videocassete olhou e pensou: "Êpa, olha ali um frango novo, vou colocar ele do jeito que eu gosto."

E lá foram os dois, fazendo linha na saudosa 62 Fonseca x Charitas. Mas, ainda saindo da garagem, enquanto estavam sozinhos no veículo. Videocassete perguntou ao rapaz, a quem ele avaliara como muito parado, muito devagar:

- E aí meu compadre, me diz ai: Você gosta de arrumar o do lanche? (Do lanche, fique claro, era a senha para roubar algumas passagens).

- Pô, gosto sim. Mas eu sou novo e fico meio cabreiro...

- Esquenta não, deixa comigo. Hoje a gente vai arrumar muito dinheiro.

E lá foram eles para a jornada de trabalho. Lá pelas tantas, já perto da última viagem, Videocassete chama o rapaz e lhe diz:

- Filho, você está começando agora, então vou lhe ensinar: Eu joguei um monte de passageiro pela porta da frente. Em compensação, a maior parte da arrecadação é minha. Entendeu? Se der cem reais, setenta são meus e trinta seus, pois o trabalho foi todo meu.

Ao ouvir isso, o cobrador pulou:

- Espere aí, mas Isso está errado! O certo é ser meio a meio! E se algum fiscal ver, quem vai pra rua sou eu, que não estou rodando a roleta quando me pagam!

Videocassete insistiu, desesperado para engabelar o rapaz:

- Rapaz, aqui funciona assim. Todo mundo faz assim. Ou você se enquadra no esquema ou fica ruim pra você.

O jovem, encurralado, resolveu assentir, para que Videocassete acreditasse que ele aceitou a sinistra divisão.

Ao fim    dos trabalhos,    o jovem calcula o valor conseguido: algo em torno de oitenta reais. Ao comunicar a Videocassete, ele disse:

- Imaginei isso mesmo, daqui da frente eu fico só contando... Então, já sabe: cinquenta para mim e trinta para você.

Já na garagem, o rapaz, após marcar junto ao despachante o número final da roleta e encerrar a guia (ficha) de trabalho, vai em direção ao nosso querido Videocassete, para lhe entregar, de maneira encoberta, a sua parte do despojo que amealharam. Faz de conta que está apertando a mão do mesmo, lhe entrega seu crachá e junto, a soma em dinheiro, em notas bem dobradinhas.

Videocassete, malandro velho, coloca imediatamente a soma no bolso, sem conferir, para que ninguém visse o movimento.

Dias depois. Videocassete avista o jovem rapaz na garagem. Faz menção de chamá-lo, mas o rapaz faz sinal de que não tem nada pra falar com ele. Videocassete, bastante irritado, vai em direção ao jovem, e ao chegar perto, cochicha:

- Rapaz, qual é a sua? Você me deu uma porrada de notas de dois reais enroladas, um volume enorme, mas tinha só vinte reais! E você ficou com sessenta!

Ao que o rapaz respondeu;

- Amigo, você acha que por eu ser novo aqui, sou algum otário seu? Fui criado na favela, no pé da malandragem. Acha que vim aqui pra tomar volta? Na escola em que você estudou, eu já dei muita aula.

E saiu andando, rindo de nosso velho Videocassete, que, dentro da garagem e à vista dos chefes, nada mais poderia fazer ou dizer.

É como se diz: O mal do malandro é achar que todo mundo é otário…

Fonte:
Ron Letta (Sammis Reachers). Rodorisos: histórias hilariantes do dia-a-dia dos Rodoviários. São Gonçalo: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.

José Fausto Toloy (A Faca)

 A enfermeira se aproxima de cidadão  semidespido à beira da Rodovia 365. Observa argutamente  um objeto cortante, faca, arma branca ou algo que o valha. Cerca de cinco metros separam homem e metal. Imediatamente  num átimo joga a faca no mato... e é repreendida:    

– Tá loca, sua doida, por que fez isso?

– Achei que ia se ferir!

– Por sua causa agora não vou mais me encontrar  com DORA…

– Onde, criatura, ela está te esperando?

– No paraíso.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Daniel Maurício (Poética) 15

 

Hans Christian Andersen (O Cofrinho)


No quarto de uma criança, onde diversos brinquedos estavam espalhados, um cofrinho ficava em cima de um guarda-roupa muito alto. Ele era feio, de cerâmica na forma de um porco, e havia sido comprado do artesão. Na parte de trás do porquinho havia uma abertura, e essa abertura tinha sido alargada com uma faca, para que notas e até moedas grandes pudessem passar. De fato, haviam duas moedas grandes dentro dele, além de várias pequenas. O cofre de porquinho estava tão cheio que, ao ser chacoalhado, nem fazia barulho, e este é o mais alto nível de preenchimento que um cofrinho pode atingir.

Lá ficava ele sobre o guarda-roupa, elevado e imponente, olhando de cima para todas as outras coisas lá embaixo no quarto. Ele sabia muito bem que tinha dentro de si dinheiro suficiente para comprar todos os demais brinquedos, e isso lhe dava uma opinião muito favorável sobre o próprio valor.

Os outros também pensavam assim, mas nunca tocavam no assunto, porque havia tantas outras coisas sobre o que falar. Uma boneca alta e ainda bonita, apesar de ser meio velha e ter remendos no pescoço, estava dentro de uma gaveta parcialmente aberta. Ela chamou os amigos:

– Ei, vamos brincar de ser homens e mulheres, vai ser divertido.

Essa sugestão provocou um grande rebuliço. Até as gravuras penduradas na parede viraram ao contrário de tanta empolgação, e com isso mostraram seu avesso para os demais, apesar de não terem a menor intenção de se expor dessa forma nem de ir contra a sugestão da boneca.

Já era tarde da noite, mas, como o luar entrava pela janela, eles tinham luz a custo zero. A brincadeira estava prestes a ter início e todos foram convidados a participar, até o vagão do trenzinho, apesar de ele pertencer à categoria dos brinquedos mais toscos.

– Cada um tem seu valor, – disse o vagão – não dá para todo mundo ser nobre; alguém tem que trabalhar!

O cofre de porquinho foi o único que recebeu um convite escrito. Ele ficava tão no alto que os outros brinquedos tiveram medo de ele não aceitar uma mensagem verbal. Em sua resposta, o cofrinho falou que, se fosse para participar, ele deveria poder se divertir ficando na própria casa, e os outros que se virassem para tornar isso possível. E foi o que fizeram.

Assim, o pequeno teatro de bonecos foi colocado em uma posição que permitia ao cofre de porquinho olhar diretamente para ele. Alguns quiseram começar com uma comédia, para depois tomar chá e em seguida fazer um debate sobre desenvolvimento mental, mas acabaram começando pelo último.

O cavalo de balanço falou sobre treinamento e corrida; o vagão, sobre trilhos e energia a vapor, pois esses assuntos pertenciam a suas respectivas profissões, e fazia sentido que quisessem falar sobre eles. O relógio falou sobre política, soando tica-tica em lugar do tradicional tique-taque. Ele dizia sempre saber que horas eram, mas aqui e ali havia cochichos sobre ele não estar bem ajustado. A bengala de bambu estava de pé, rígida e vaidosa (ela se orgulhava de sua ponteira de latão e do castão de prata), e no sofá ficavam duas almofadas bordadas, bonitas, porém bobas.

Quando começou a peça de teatro, os demais sentaram para assistir; os artistas pediram que a plateia aplaudisse, ou batesse os pés no chão, ou desse estalo toda vez que gostasse do que visse. O chicotinho de brinquedo afirmou que nunca estalava por pessoas mais velhas, apenas no lombo dos jovens, em especial os ainda não casados.

– Eu quebro tanto as mais velhas quanto as mais novas – disse o abridor de nozes.

“Sim, e que baita barulhão você faz quando as esmaga”, pensou a plateia, enquanto o teatro prosseguia.

A peça não era muito boa, mas as atuações foram ótimas e todos os atores viraram seus lados decorados para a plateia, pois eram feitos para ser vistos de um lado só, e só ele era pintado. O trabalho foi maravilhoso, exceto pelas poucas vezes em que os atores saíram do foco de luz, por terem fios muito longos.

A boneca do pescoço costurado ficou tão agitada que o remendo se abriu, e o cofre de porquinho declarou que precisava fazer alguma coisa por um dos atores, já que todos eles o haviam agradado tanto. Ele decidiu que em seu testamento iria nomear um dos artistas para ser enterrado com ele no jazigo da família, quando o evento da morte ocorresse.

A comédia foi tão divertida que eles desistiram do plano de tomar chá, e só levaram adiante a ideia da diversão intelectual, que era como eles chamavam a brincadeira de ser homem e mulher. E não havia nada de errado com isso, pois era apenas uma brincadeira. Durante o tempo todo, cada um pensava as melhores coisas sobre si mesmo, ou tentava imaginar o que o cofrinho estaria pensando deles.

Enquanto isso, os pensamentos do cofrinho estavam muito longe dali: estavam no futuro, na redação do testamento, em seu enterro e no momento em que todos viessem a falecer.

Certamente, mais cedo do que ele imaginava, pois, de súbito e sem aviso, ele caiu do alto do armário direto no chão e se partiu em vários pedaços. As moedas que estavam lá dentro saíram pulando e dançando do jeito mais engraçado. As menores giravam como piões e as maiores rolavam para tão longe quanto conseguiam, em especial uma grande moeda de prata, que sempre havia desejado cair no mundo. E ela realizou seu sonho, assim como todas as demais. Os cacos do cofre de porquinho foram recolhidos e jogados na lixeira, e no dia seguinte havia um novo cofrinho no topo do armário; este ainda não tinha nem uma moedinha dentro de si e, portanto, como o anterior, mas por outro motivo, também não fazia barulho quando chacoalhado.

Este foi o início da história dele. Quanto a nós, é o fim de nossa história.

Fonte:
Contos de encantar

Nadir D’Onofrio (Poemas Escolhidos) III


APRISIONADA

 
O mar em calmaria!
Teus braços a envolver-me
O perfume que exalava
Conseguia inebriar-me
 
O sol logo descansaria
Na linha do horizonte
Que ansioso aguardava
A lua, eterna amante
 
Eu por você alucinada!
O sangue borbulhante
Sentia-me dominada
 
Em desejos aprisionada
Só via teu semblante
Descobri-me... apaixonada
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HISTÓRIA DE OUTONO

A mesma história se repete
Quando se faz presente o outono
No chão, há sempre um tapete
Meu ser... a sensação de abandono
 
Não há o que me aquiete
Sinto meu coração, sem o dono
Estaria ele, em seu gabinete?
Nesta angustia me aprisiono!
 
Nas mesmas ruas do parque
Bancos que nunca, contigo sentei
Nem recebi o beijo... que me sufoque
 
Nos muitos sonhos que acalentei
Onde tua imagem, em destaque
O toque das suas mãos... experimentei…
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MEU INVASOR
 
Se o mar é tentador
Quando a lua é cheia
Torna-se instigador
A mente devaneia...
 
Ao ver o cruzador
Meu olhar passeia
Como faz o escultor
Ao moldar a sereia
 
Nele vem meu invasor!
Minha postura, falseia
É do meu amor o aliciador!
 
O coração balanceia
Meu corpo puro ardor
Você me desnorteia…
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Nascente de Paixão
 
Oprime a ânsia, insuportável
no sentimento de benquerença
Instalada, e classificada de incurável
o romantismo arraigado é esperança...
 
Do encontro almejado, sempre adiável
diante dos obstáculos surge mudança
Resta exercitar a persistência inabalável,
atributo que extermina a desesperança
 
Finda e reinicia os anos, em longa espera
a visualizar à distância teu semblante
Quem sabe são, lembranças de outra era!
 
Assim, nesta febre delirante
nascente de paixão, não efêmera
Percebas meu amor, abrasante!
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NATAL BRANCO
 
Natal branco, imagino
recordações dos cartões...
Na lembrança o fascínio
missa do galo, exaltações
 
No período de infortúnio
esperanças e frustrações
Na mente o raciocínio
deve ser as más ações...

Sem neve e presente
eu culpava o bom velhinho
Pela  tristeza, ambiente
 
Na árvore o azevinho
no altar  a vela candente
E a essência de pinho...