Foi lá pelos anos 1970, meados de maio, mais para frio do que para calor. Movimento singular na antiga “Boca Maldita”, instituição que ao longo de muitos anos funcionou na Avenida Getúlio Vargas, centro de Maringá. Falava-se de tudo, até de política. Deputados, vereadores, secretários municipais, empresários, jornalistas, gente mil a batepapear nas preguiçosas manhãs domingueiras, fazendo hora para o frango com macarronada.
De repente Milton Seixas saiu de roda em roda assustando a turma: “Olhem aquele ilustre ali... tá com todo jeito de espião...”
De fato a figura era estranha na Boca. Sozinho numa mesa de canto, bebericava uma batidinha. Terno escuro, colete, gravata, elegância inusual naquela área famosa pelas fofocas e pela descontração dos seus frequentadores.
Quem seria o insólito visitante? O alerta do Seixas deixou o pessoal encucado. Ninguém havia ainda prestado atenção no distinto, mas num instante os olhares estavam todos voltados para aquela mesa.
Todo mundo falando baixinho. Até que o Verdelírio, encafifado com a situação, resolveu desvendar o mistério. O estranho se levantou, dirigiu-se ao caixa do bar e o Verde foi atrás, disposto a puxar conversa e identificar o elegante e circunspecto cidadão.
Enquanto isso, ficou aquele suspense. Por via das dúvidas, o melhor era só falar de futebol, até saber se o homem era ou não era mesmo espião.
A questão era que na Boca o pessoal costumava ser irreverente no trato de qualquer assunto. Enquanto estavam presentes apenas os habituais críticos da vida alheia, não havia problema. Vigorava uma espécie de código de ética, de modo que o que ali se falava morria ali.
Mas aquele estranho era motivo bastante para recomendar prudência nos comentários. Vai que alguém falasse alguma inconveniência e o distinto dedurasse...
Gozador inveterado, Seixas aproveitava para botar mais lenha na fogueira: “Manerem a língua, porque o homem tava olhando de soslaio e anotando umas coisas no caderninho dele... Passei perto e vi o jeitão do baita...”
Nesse tempo e meio, o sempre tranquilo Verdelírio cumpriu com sucesso a missão de esclarecer a misteriosa situação. Voltou com a ficha do estranho: “Não é nada disso que vocês estão pensando. Ele é até um bom cara, gente de paz. Tem umas terras no Mato Grosso e está em Maringá só de passagem. Sozinho no hotel, resolveu procurar o ponto de aperitivo da cidade pra passar o tempo. Só isso...”
Aliviada, a Boca agitou-se novamente. Piadas, gargalhadas, fofocas. O visitante tomou mais uma e saiu faceiro, desfilando sua requintada fatiota na avenida. Nem lhe passava pela cabeça a ideia do quase pânico que fizera reinar por alguns momentos no ambiente.
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(Crônica publicada no “Jornal do Povo” – Maringá – 25-11-2021)
De repente Milton Seixas saiu de roda em roda assustando a turma: “Olhem aquele ilustre ali... tá com todo jeito de espião...”
De fato a figura era estranha na Boca. Sozinho numa mesa de canto, bebericava uma batidinha. Terno escuro, colete, gravata, elegância inusual naquela área famosa pelas fofocas e pela descontração dos seus frequentadores.
Quem seria o insólito visitante? O alerta do Seixas deixou o pessoal encucado. Ninguém havia ainda prestado atenção no distinto, mas num instante os olhares estavam todos voltados para aquela mesa.
Todo mundo falando baixinho. Até que o Verdelírio, encafifado com a situação, resolveu desvendar o mistério. O estranho se levantou, dirigiu-se ao caixa do bar e o Verde foi atrás, disposto a puxar conversa e identificar o elegante e circunspecto cidadão.
Enquanto isso, ficou aquele suspense. Por via das dúvidas, o melhor era só falar de futebol, até saber se o homem era ou não era mesmo espião.
A questão era que na Boca o pessoal costumava ser irreverente no trato de qualquer assunto. Enquanto estavam presentes apenas os habituais críticos da vida alheia, não havia problema. Vigorava uma espécie de código de ética, de modo que o que ali se falava morria ali.
Mas aquele estranho era motivo bastante para recomendar prudência nos comentários. Vai que alguém falasse alguma inconveniência e o distinto dedurasse...
Gozador inveterado, Seixas aproveitava para botar mais lenha na fogueira: “Manerem a língua, porque o homem tava olhando de soslaio e anotando umas coisas no caderninho dele... Passei perto e vi o jeitão do baita...”
Nesse tempo e meio, o sempre tranquilo Verdelírio cumpriu com sucesso a missão de esclarecer a misteriosa situação. Voltou com a ficha do estranho: “Não é nada disso que vocês estão pensando. Ele é até um bom cara, gente de paz. Tem umas terras no Mato Grosso e está em Maringá só de passagem. Sozinho no hotel, resolveu procurar o ponto de aperitivo da cidade pra passar o tempo. Só isso...”
Aliviada, a Boca agitou-se novamente. Piadas, gargalhadas, fofocas. O visitante tomou mais uma e saiu faceiro, desfilando sua requintada fatiota na avenida. Nem lhe passava pela cabeça a ideia do quase pânico que fizera reinar por alguns momentos no ambiente.
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(Crônica publicada no “Jornal do Povo” – Maringá – 25-11-2021)
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Texto enviado pelo autor.
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