sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Samuel da Costa (O Negro Caetano)


Em memória de Miguel Maria da Costa


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Era um silêncio constrangedor que se abatera na sala de jantar. O requinte da mesa sugeria que aquela seria uma família abastada. Dos talheres de prata dispostos na mesa aos aparelhos de cristais importados do velho continente.

Mas o que permanecia na cabeça das pessoas ali sentadas eram os gritos ensurdecedores de dor, há poucas horas passadas. Mas no coração e na mente do rico fazendeiro Adamastor de Sousa Andrade, aquele negro tinha ido longe demais ao afrontá-lo em público. Por isso tinha que chicoteá-lo: — Aquele negro maldito teve o que mereceu — resmunga o velho coronel sem levantar a cabeça e transparecendo uma profunda irritação em seu tom de voz. Sua mulher, já com a saúde frágil, decide ficar quieta como sempre ficava, bem como a filha do casal Sousa Andrade. Ambas conformadas com os constantes excessos de fúria do coronel.

Para Adamastor, já não bastava ver seu único filho homem criado com tanto zelo, voltar-se contra ele, monarquista e escravocrata convicto. Não poderia abrigar em seu lar, um republicano e abolicionista, mesmo que fosse seu filho. Não restando outra saída senão expulsá-lo de casa. O fato, de não saber onde tinha errado na educação daquele menino, deixou Adamastor profundamente magoado.

Sentado à mesa ainda ressonava na cabeça do velho coronel as palavras do negro Caetano posto no tronco: “- Vosmecê vai morre por dentro, coroné!” Aquelas palavras foram demais e ele tinha que pegar na chibata e pessoalmente dar uma lição no mondongueiro, tinha que chicoteá-lo até a morte. E em público, para que todos soubessem quem realmente mandava ali era ele, Adamastor, e ninguém mais. O sangue do escravo negro jorrou no chão e respingou em quem estava por perto.

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Atordoado pelo efeito do álcool na mente do outrora poderoso coronel Adamastor de Sousa Andrade, trazia as lembranças das palavras do negro Caetano: “- Vosmecê vai morre por dentro, coroné!” — Maltrapilho e macambúzio, perambulando pelas ruas da cidade, o velho coronel revê em sua combalida mente a mulher e filha, acometidas de uma doença grave e misteriosa, morrerem lentamente, sem ele nada poder fazer. Revê seu filho e adversário político vencê-lo na política. Seus fiéis amigos de longa data, lhe virando as costas um a um.

Contudo o que mais doía no peito no velho curumba, foi ver sua fazenda de café, a maior e mais produtiva da região, arruinar-se por causa de uma praga desconhecida, que ninguém jamais vira antes na região.

Aquilo significava realmente que ele tinha morrido por dentro.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

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