José conhecia bem o caminho: mesmo na escuridão subiu o morro com facilidade, as pernas ágeis galgando a trilha estreita e tortuosa. Nem chegou a entrar no barraco — da porta mesmo chamou a mulher:
— Vamos, Maria, tá na hora.
A negra, que já o esperava, agarrou a trouxa, apagou o lampião e se juntou a ele.
— Eu trouxe o que pude — informou, como a se desculpar.
Foram descendo a ladeira, ele na frente, ela um pouco atrás, penosamente. O ventre enorme lhe dificultava os movimentos. Em pouco arfava, detendo-se a cada instante:
— Não posso mais.
— Vamos mulher! — ele insistia: — A batida começa duma hora pra outra.
— Pra onde a gente vai?
Ela não esperava obter resposta. Sabia já o que para ela ia começar de uma hora para outra.
Ele só se deteve quando chegou ao nível da rua. Ficou olhando de um lado para outro, indeciso. A luz do poste na esquina iluminava seu rosto carregado de preocupação. Era um crioulo forte e desempenado, ainda jovem, mas o momento de emoção que vivia o tornava mais velho.
— Não sei: por aí. — respondeu inesperadamente, e pôs-se a caminhar.
Ela o seguiu, submissa. Sentia já as primeiras dores. Para aumentar sua aflição, começou a chover.
— Para onde nós vamos? — ela perguntou novamente, desta vez com decisão:
— Melhor a gente voltar...
— Voltar? Você está ficando doida? — e ele parou, irritado, de novo olhando ao redor.
De novo foram caminhando, agora sob a chuva cada vez mais forte. Logo se viram diante da imensa armação de cimento do viaduto em construção.
— Ali! — apontou ele com decisão.
Chegaram a sorrir quando, molhados e ofegantes, se viram já ao abrigo da chuva, agachados naquela espécie de nicho, sob o viaduto, entre pedaços de tábua e montes de entulho.
— Eu tenho dinheiro aqui. — disse ele apalpando o bolso: — O doutor me pagou hoje o conserto naquele armário.
— Que é que adianta? — ela resmungou, num gemido, já sentada no chão, pernas estendidas, mãos sobre o ventre. — A gente tem de se esconder.
— Vão prender todo mundo. — ele retrucou.
— Que culpa que a gente tem?
— Nenhuma.
Carrancudo, ele parecia ter dado o assunto por encerrado. Ficaram calados algum tempo, dispostos a passar a noite ali. Ela aos poucos começou a contar, em meias palavras, o sonho que tivera na noite anterior: um homem estranho lhe dizia que seu filho ia ser muito importante e que ia nascer na noite de Natal, era para ela botar nele o nome de Jesus. Ele ouvia espantado, tanto mais que, descobria agora, estavam na noite de Natal. Ela ia contando o que o homem dissera.
(O homem só não dissera que um dia o filho ia morrer, não numa cruz, mas crivado de balas numa estrada do Estado do Rio, liquidado pelo Esquadrão da Morte.)
— Vamos, Maria, tá na hora.
A negra, que já o esperava, agarrou a trouxa, apagou o lampião e se juntou a ele.
— Eu trouxe o que pude — informou, como a se desculpar.
Foram descendo a ladeira, ele na frente, ela um pouco atrás, penosamente. O ventre enorme lhe dificultava os movimentos. Em pouco arfava, detendo-se a cada instante:
— Não posso mais.
— Vamos mulher! — ele insistia: — A batida começa duma hora pra outra.
— Pra onde a gente vai?
Ela não esperava obter resposta. Sabia já o que para ela ia começar de uma hora para outra.
Ele só se deteve quando chegou ao nível da rua. Ficou olhando de um lado para outro, indeciso. A luz do poste na esquina iluminava seu rosto carregado de preocupação. Era um crioulo forte e desempenado, ainda jovem, mas o momento de emoção que vivia o tornava mais velho.
— Não sei: por aí. — respondeu inesperadamente, e pôs-se a caminhar.
Ela o seguiu, submissa. Sentia já as primeiras dores. Para aumentar sua aflição, começou a chover.
— Para onde nós vamos? — ela perguntou novamente, desta vez com decisão:
— Melhor a gente voltar...
— Voltar? Você está ficando doida? — e ele parou, irritado, de novo olhando ao redor.
De novo foram caminhando, agora sob a chuva cada vez mais forte. Logo se viram diante da imensa armação de cimento do viaduto em construção.
— Ali! — apontou ele com decisão.
Chegaram a sorrir quando, molhados e ofegantes, se viram já ao abrigo da chuva, agachados naquela espécie de nicho, sob o viaduto, entre pedaços de tábua e montes de entulho.
— Eu tenho dinheiro aqui. — disse ele apalpando o bolso: — O doutor me pagou hoje o conserto naquele armário.
— Que é que adianta? — ela resmungou, num gemido, já sentada no chão, pernas estendidas, mãos sobre o ventre. — A gente tem de se esconder.
— Vão prender todo mundo. — ele retrucou.
— Que culpa que a gente tem?
— Nenhuma.
Carrancudo, ele parecia ter dado o assunto por encerrado. Ficaram calados algum tempo, dispostos a passar a noite ali. Ela aos poucos começou a contar, em meias palavras, o sonho que tivera na noite anterior: um homem estranho lhe dizia que seu filho ia ser muito importante e que ia nascer na noite de Natal, era para ela botar nele o nome de Jesus. Ele ouvia espantado, tanto mais que, descobria agora, estavam na noite de Natal. Ela ia contando o que o homem dissera.
(O homem só não dissera que um dia o filho ia morrer, não numa cruz, mas crivado de balas numa estrada do Estado do Rio, liquidado pelo Esquadrão da Morte.)
Fonte:
Fernando Sabino. Deixa o Alfredo falar. Publicado em 1976.
Fernando Sabino. Deixa o Alfredo falar. Publicado em 1976.
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