segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Hans Christian Andersen (O Cofrinho)


No quarto de uma criança, onde diversos brinquedos estavam espalhados, um cofrinho ficava em cima de um guarda-roupa muito alto. Ele era feio, de cerâmica na forma de um porco, e havia sido comprado do artesão. Na parte de trás do porquinho havia uma abertura, e essa abertura tinha sido alargada com uma faca, para que notas e até moedas grandes pudessem passar. De fato, haviam duas moedas grandes dentro dele, além de várias pequenas. O cofre de porquinho estava tão cheio que, ao ser chacoalhado, nem fazia barulho, e este é o mais alto nível de preenchimento que um cofrinho pode atingir.

Lá ficava ele sobre o guarda-roupa, elevado e imponente, olhando de cima para todas as outras coisas lá embaixo no quarto. Ele sabia muito bem que tinha dentro de si dinheiro suficiente para comprar todos os demais brinquedos, e isso lhe dava uma opinião muito favorável sobre o próprio valor.

Os outros também pensavam assim, mas nunca tocavam no assunto, porque havia tantas outras coisas sobre o que falar. Uma boneca alta e ainda bonita, apesar de ser meio velha e ter remendos no pescoço, estava dentro de uma gaveta parcialmente aberta. Ela chamou os amigos:

– Ei, vamos brincar de ser homens e mulheres, vai ser divertido.

Essa sugestão provocou um grande rebuliço. Até as gravuras penduradas na parede viraram ao contrário de tanta empolgação, e com isso mostraram seu avesso para os demais, apesar de não terem a menor intenção de se expor dessa forma nem de ir contra a sugestão da boneca.

Já era tarde da noite, mas, como o luar entrava pela janela, eles tinham luz a custo zero. A brincadeira estava prestes a ter início e todos foram convidados a participar, até o vagão do trenzinho, apesar de ele pertencer à categoria dos brinquedos mais toscos.

– Cada um tem seu valor, – disse o vagão – não dá para todo mundo ser nobre; alguém tem que trabalhar!

O cofre de porquinho foi o único que recebeu um convite escrito. Ele ficava tão no alto que os outros brinquedos tiveram medo de ele não aceitar uma mensagem verbal. Em sua resposta, o cofrinho falou que, se fosse para participar, ele deveria poder se divertir ficando na própria casa, e os outros que se virassem para tornar isso possível. E foi o que fizeram.

Assim, o pequeno teatro de bonecos foi colocado em uma posição que permitia ao cofre de porquinho olhar diretamente para ele. Alguns quiseram começar com uma comédia, para depois tomar chá e em seguida fazer um debate sobre desenvolvimento mental, mas acabaram começando pelo último.

O cavalo de balanço falou sobre treinamento e corrida; o vagão, sobre trilhos e energia a vapor, pois esses assuntos pertenciam a suas respectivas profissões, e fazia sentido que quisessem falar sobre eles. O relógio falou sobre política, soando tica-tica em lugar do tradicional tique-taque. Ele dizia sempre saber que horas eram, mas aqui e ali havia cochichos sobre ele não estar bem ajustado. A bengala de bambu estava de pé, rígida e vaidosa (ela se orgulhava de sua ponteira de latão e do castão de prata), e no sofá ficavam duas almofadas bordadas, bonitas, porém bobas.

Quando começou a peça de teatro, os demais sentaram para assistir; os artistas pediram que a plateia aplaudisse, ou batesse os pés no chão, ou desse estalo toda vez que gostasse do que visse. O chicotinho de brinquedo afirmou que nunca estalava por pessoas mais velhas, apenas no lombo dos jovens, em especial os ainda não casados.

– Eu quebro tanto as mais velhas quanto as mais novas – disse o abridor de nozes.

“Sim, e que baita barulhão você faz quando as esmaga”, pensou a plateia, enquanto o teatro prosseguia.

A peça não era muito boa, mas as atuações foram ótimas e todos os atores viraram seus lados decorados para a plateia, pois eram feitos para ser vistos de um lado só, e só ele era pintado. O trabalho foi maravilhoso, exceto pelas poucas vezes em que os atores saíram do foco de luz, por terem fios muito longos.

A boneca do pescoço costurado ficou tão agitada que o remendo se abriu, e o cofre de porquinho declarou que precisava fazer alguma coisa por um dos atores, já que todos eles o haviam agradado tanto. Ele decidiu que em seu testamento iria nomear um dos artistas para ser enterrado com ele no jazigo da família, quando o evento da morte ocorresse.

A comédia foi tão divertida que eles desistiram do plano de tomar chá, e só levaram adiante a ideia da diversão intelectual, que era como eles chamavam a brincadeira de ser homem e mulher. E não havia nada de errado com isso, pois era apenas uma brincadeira. Durante o tempo todo, cada um pensava as melhores coisas sobre si mesmo, ou tentava imaginar o que o cofrinho estaria pensando deles.

Enquanto isso, os pensamentos do cofrinho estavam muito longe dali: estavam no futuro, na redação do testamento, em seu enterro e no momento em que todos viessem a falecer.

Certamente, mais cedo do que ele imaginava, pois, de súbito e sem aviso, ele caiu do alto do armário direto no chão e se partiu em vários pedaços. As moedas que estavam lá dentro saíram pulando e dançando do jeito mais engraçado. As menores giravam como piões e as maiores rolavam para tão longe quanto conseguiam, em especial uma grande moeda de prata, que sempre havia desejado cair no mundo. E ela realizou seu sonho, assim como todas as demais. Os cacos do cofre de porquinho foram recolhidos e jogados na lixeira, e no dia seguinte havia um novo cofrinho no topo do armário; este ainda não tinha nem uma moedinha dentro de si e, portanto, como o anterior, mas por outro motivo, também não fazia barulho quando chacoalhado.

Este foi o início da história dele. Quanto a nós, é o fim de nossa história.

Fonte:
Contos de encantar

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