terça-feira, 18 de julho de 2017

José Feldman (O Trovador)


O Trovador

         Hoje é o Dia Nacional do Trovador. E, em homenagem a este dia, tantas e tantas trovas são colocadas. Mas, afinal quem é o trovador?
         Trovas são os nossos sonhos, nossos momentos de tristeza, de revolta, de solidão, de alegria, de amor, de fé.
         Os trovadores carregam dentro de si uma bagagem enorme de suas realizações, decepções, sonhos e principalmente, doação.
         O trovador doa-se, para poder compartilhar o momento com os outros. É como se recebesse um pão e deste fizesse brotar tantos e tantos pãezinhos para que pudesse saciar a nossa fome de esperança.
         O trovador é coração, é alma, é sangue, é lágrima, é riso.
         O trovador busca em cada cantinho escondido da vida um mínimo que seja de um grão de areia para poder mostrar ao mundo, e transformar este grão em uma praia enorme para que todos possam aproveita-la e se encantar com a maravilha que é um mero grão.
         O trovador é luz. É luz que ilumina o caminho de muitos que vivem nas trevas. É luz daqueles que a perderam nas encruzilhadas da vida.
         O trovador é sonho. Tantos sonhos são sonhados, e o trovador carrega nestes quatro versos sonhos que se perderam na névoa do tempo.
         Enfim, o trovador é amor. É o amor dos apaixonados, o amor dos casados e dos que ainda um dia irão amar. É o amor de amigos, o amor ao próximo, o amor aos animais.
         O trovador foi, é e sempre será VIDA!
         Meus parabéns a todos os trovadores, todos que batalharam e batalham para manter esta chama acesa.
         São tantos nomes, por isto deixo os meus parabéns a TODOS OS TROVADORES E AMANTES DA TROVA.
         E em especial o meu muito obrigado a Luiz Otávio, nosso mestre maior, o estopim do movimento trovadoresco.
(José Feldman)
 

Artur de Azevedo (Poemas Escolhidos)


AS ESTÁTUAS

No dia em que na terra te sumiram,
Eu fui ver-te defunta sobre a essa*,
Fechados para sempre — oh, sorte avessa!
Aqueles olhos que me seduziram.

À luz do sol uma janela abriram,
E o jardim avistei onde, oh, condessa,
Uma noite perdemos a cabeça,
E as estátuas de mármore sorriram...

Saíste por aquela mesma porta
Onde outrora os teus lábios me esperaram,
Cheios do amor que ainda me conforta.

Quando o jardim saudoso atravessaram
Seis homens com o esquife em que ias morta,
As estátuas de mármore choraram!
________________
*estrado alto sobre o qual se coloca o ataúde ou a representação de um morto a quem se deseja prestar honras

ETERNA DOR 

Já te esqueceram todos neste mundo...
Só eu, meu doce amor, só eu me lembro,
Daquela escura noite de setembro
Em que da cova te deixei no fundo.

Desde esse dia um látego iracundo
Açoitando-me está, membro por membro.
Por isso que de ti não me deslembro,
Nem com outra te meço ou te confundo.

Quando, entre os brancos mausoléus, perdido,
Vou chorar minha acerba desventura,
Eu tenho a sensação de haver morrido!

E até, meu doce amor, se me afigura,
Ao beijar o teu túmulo esquecido,
Que beijo a minha própria sepultura!
________________

MUSA INFELIZ

Todo o cuidado nestas rimas ponho;
Musa, peço-te, pois, que me remetas
Versos que tenham rútilas facetas,
E não revelem trovador bisonho.

Meia noite bateu. Sai risonho...
Brilhava - oh, musa, não me comprometas! -
O mais belo de todos os planetas
N'um céu que parecia um céu de sonho.

O mais belo de todos os prazeres
Gozei, à doce luz dos olhos pretos
Da mais bela de todas as mulheres!

Pobres quartetos! míseros tercetos!...
Musa, musa infeliz, dar-me não queres.
O mais belo de todos os sonetos!...
________________

O MURO

Com justa maldição já te não falto,
Desalmado pedreiro, que tão alto
Fizeste o muro de jardim que cerca,
A habitação da minha namorada!

Baldado esforço! Qual o quê! Não salto!
Não quero espapaçar-me neste asfalto!
Fortuna, amor, prazer, tudo se perca!
Ah, maldito pedreiro, alma danada!

Furioso diante das paredes altas,
Consolação debalde vos procuro,
Peito que saltas, perna que não saltas!

Que lamente, que chore o fado escuro,
Quem fora o mais ditoso dos peraltas,
Se não fosse tão alto aquele muro!
________________

O RELÓGIO

Quando não vens, formosa desumana,
E, saudoso de ti, sem ti me deito,
Fica tão esperançoso o nosso leito,
Que me parece o campo de Sant'Ana!

Quando não vens, oh, pálida tirana,
Torna-se lúgubre o quartinho estreito!
Com muitas flores, flor, debalde o enfeito:
Falta-lhe a flor das flores soberana.

Se vens, é natural que isso me apraza;
Mas, se não vens, quanta amargura, quanta!
As próprias coisas sentem n'esta casa!

É o relógio, porém, que mais me espanta,
Pois, se não vens, o mísero se atrasa,
E, se vens, o ditoso se adianta!
________________

SONETO DRAMÁTICO

"O Incesto". Drama em 3 atos. Ato primeiro:
Jardim. Velho castelo iluminado ao fundo.
O cavaleiro jura um casto amor profundo,
E a castelã resiste... Um fâmulo matreiro

Vem dizer que o barão suspeita o cavaleiro...
Ele foge, ela grita... — Apito! — Ato segundo:
Um salão do castelo. O barão, iracundo,
Sabe de tudo... Horror! Vingança! — Ato terceiro:

Em casa do galã, que, sentado, trabalha,
Entra o barão armado e diz: "Morre, tirano,
Que me roubaste a honra e me roubaste o amor!"

O mancebo descobre o peito. — "Uma medalha!
Quem ta deu?!" — "Minha mãe!" — "Meu filho!" Cai o pano...
À cena o autor! à cena o autor! à cena o autor!
________________

TERTULIANO, O PASPALHÃO

Tertuliano, frívolo peralta,
Que foi um paspalhão desde fedelho,
Tipo incapaz de ouvir um bom conselho,
Tipo que, morto, não faria falta;

Lá um dia deixou de andar à malta
E, indo à casa do pai, honrado velho,
A sós na sala, diante de um espelho,
À própria imagem disse em voz bem alta:

— Tertuliano, és um rapaz formoso!
És simpático, és rico, és talentoso!
Que mais no mundo se te faz preciso?
Penetrando na sala, o pai sisudo,
Que por trás da cortina ouvira tudo,
Severamente respondeu: — Juízo!
________________

33 GRAUS À SOMBRA

Calor que os colarinhos me descolas,
Vê como tenho as roupas ensopadas!
Já tomei não sei quantas cajuadas!
Já gastei não sei quantas ventarolas!

Canícula que a toda a gente amolas
E me privas de algumas namoradas.
As pobres ficam; as remediadas,
Perseguidas por ti, vão dando as solas!

Do nosso "high-life" as pálidas donzelas,
Como um bando travesso de andorinhas
Para as montanhas vão, batendo as asas...

Sem me dizer adeus, voou com elas
A mais gentil das namoradas minhas!
Dize, meu anjo, é certo que te casas?
________________

VEM

Escrúpulos?...Escrúpulos!...Tolice!...
Corre aos meus braços! Vem! Não tenhas pejo!
Traze o teu beijo ao encontro do meu beijo,
E deixa-os lá dizer que isto é doidice!

Não esperes o gelo da velhice,
Não sufoques o lúbrico desejo
Que nos teus olhos úmidos eu vejo!
Foges de mim?... Farias mal? .... Quem disse?

Ora o dever! - o coração não deve!
O amor, se é verdadeiro, não ultraja
Nem mancha a fama embora alva de neve.

Vem!... que o sangue férvido reaja!
Amemo-nos, amor, que a vida é breve,
E outra vida melhor talvez não haja!

Como Escrever um Limerique

Um limerique é um poema curto, cômico e quase musical que beira o absurdo ou o obsceno. O nome do poema é geralmente considerado como uma referência à cidade irlandesa de Limerick, que é onde acredita-se tenha tido origem, mas seu uso foi documentado pela primeira vez na Inglaterra em 1846, quando Edward Lear publicou A Book of Nonsense, (e, portanto, o dia do Limerique é celebrado no seu aniversário, 12 de maio). Para escrever um, você precisa de um pouco de prática, mas não vai demorar para você ficar viciado em criar rimas espirituosas e imaginativas.

1
Aprenda as características básicas de um limerique.

Padrão de rimas. Um limerique tem cinco versos: o primeiro, o segundo e o quinto rimam entre si, e o terceiro e o quarto entre eles.

Número de sílabas. O primeiro, segundo e quinto versos devem ter oito ou nove sílabas, enquanto o terceiro e o quarto devem ter cinco ou seis.

Métrica. Um limerique tem um certo “ritmo” criado pela ênfase dada às sílabas.

Verso Anapéstico – duas sílabas curtas seguidas por uma longa (pa-pa-pam, pa-pa-pam) 

Aqui vai um exemplo (note que a ênfase naturalmente cai nas sílabas entre aspas): 
Es-ta-“rei” a-ma-“nhã” por-a-“qui”/ Es-tu-“dan”-do,o-ter-“ná”-rio-ca-“paz”

Verso Anfíbraco – uma sílaba longa entre duas curtas (pa-pam-pa, pa-pam-pa. Exemplo: 

No-“ber”-ço pen”den”te de “ra”mos flo”ri”dos/Em “que eu” peque”ni”no fe”liz” dormi”ta”va.

Os versos podem começar com duas, uma ou ocasionalmente nenhuma sílaba átona. Alguns preferem continuar o ritmo de uma linha para a próxima, especialmente quando uma frase continua na linha seguinte, mas isso não é essencial.

2
Escolha o fim do seu primeiro verso, geralmente um lugar. Por exemplo, São “Pau”lo. Note que a primeira sílaba de Paulo é tônica, resultando em uma sílaba curta no fim do verso. Outro exemplo: Bau”ru”. Note que a segunda sílaba de Bauru é tônica.

3
Pense em diversas palavras que rimem com o fim do primeiro verso. Deixe a história e a graça do seu limerique se originarem das rimas que pensar. Desse modo você vai parecer engraçado, espirituoso e esperto. 

Exemplo 1: Como a sílaba tônica de Paulo é a primeira, você terá que rimar a palavra toda. Algumas palavras que vêm à mente: alto, falo, calo, calvo, fidalgo. 

Exemplo 2: Em Bauru a sílaba tônica é a segunda, então você só precisa encontrar uma rima para ela. Algumas palavras que vêm à mente: Canguru, jaburu, baiacu. Anote sua própria lista.

4
Faça associações com as palavras rimadas. 

Exemplo 1: Com palavras como alto, calvo e fidalgo você pode fazer um limerique sobre um senhor e suas qualidades. 

Exemplo 2: Com a combinação azul, baiacu e jaburu, você pode pensar em um limerique sobre animais coloridos. Vá pela lista que criou e invente pequenas histórias sobre o que pode ter acontecido e como suas ideias podem estar relacionadas.

5
Escolha uma história que te atraia, e decida quem é a pessoa que você introduz no primeiro verso. O que é importante sobre ela? Você vai se concentrar na profissão ou status social dela, ou na idade, saúde ou fase da vida? 

Exemplo 1: Para o limerique de São Paulo, você pode escolher a palavra “idoso.” 

Exemplo 2: Para o limerique de Bauru, você pode escolher “animais”.

6
Escreva o primeiro verso de acordo com a métrica. 

Exemplo 1: A sílaba tônica de idoso é a segunda. Em São Paulo, a sílaba do meio é a tônica. Isso significa que precisamos de mais três sílabas, e a do meio deve ser tônica. Então temos: “Um homem idoso de São Paulo.” 

Exemplo 2: Animais é formado por duas sílabas curtas e uma longa. Combinado com Bauru, isso nos deixa com quatro sílabas restantes. Você pode resolver isso, por exemplo, assim: Animais no fogão em Bauru.

7
Escolha uma situação ou ação com a qual começar o limerique. Esse é o início da sua história ou piada. Use uma das rimas da lista. 

Exemplo 1: “Um homem idoso de São Paulo, era bom, mas um tanto calvo.” 

Exemplo 2: “Animais no calor de Bauru, era um cachorro e um baiacu.” Note como a rima no verso 2 parece se adequar com o assunto do verso 1, quando na verdade é o contrário.

8
Pense em uma reviravolta para sua história, tendo em mente as rimas do terceiro e quarto verso, mas salve a piada para o último verso. 

Exemplo 1: Algumas partes da história podem ficar avacalhadas, já que limeriques muitas vezes beiram o obsceno. Por exemplo, você pode fazer os hormônios do herói se descontrolarem (sem deixar muito explícito). Que tal: “Ele sempre sonhava, que uma moça amava ”? 

Exemplo 2: Pensando em baiacu e jaburu, você pode ter percebido como animal é uma palavra com muitas rimas.

9
Volte para a sua lista de rimas e encontre uma boa para encerrar a história com uma boa piada. Essa é a parte mais difícil. Não desanime se os seus primeiros limeriques não são engraçados o bastante. Lembre-se primeiramente de que é tudo uma questão de gosto e em segundo lugar: tudo precisa de prática. 

Exemplo 1: “Um homem idoso de São Paulo, era bom, mas um tanto calvo. Ele sempre sonhava, que uma moça amava, mas ele caiu do cavalo.” 

Exemplo 2: “Animais no calor de Bauru, era um cachorro e um baiacu.” “Foram cozidos, quase comidos, mas tinham sabor de jaburu.”

Dicas

Passe por todo o alfabeto para achar rimas. Isso vai te ajudar a lembrar rapidamente de um grande número de rimas. Por exemplo, pegue a palavra “Wiki” e troque o W por todas as letras do alfabeto. Quando você tiver passado mentalmente por todas as 26 letras, você terá: dique, fique, pique, tique. Também há dicionários de rima que podem ajudar.

Tente começar a primeira linha com “Era uma vez um ____ de ____”. Assim fica mais fácil.

Escolha animais, plantas ou pessoas como tópicos no começo. Não comece com nada abstrato demais.

Se você estiver sem saber como continuar, tente dar uma olhada em alguns limeriques que outras pessoas escreveram. Os limeriques de cada escritor tem sua atmosfera especial. Você nunca sabe qual deles pode quebrar seu bloqueio de escritor.

Bata palmas quando ler seus limeriques em voz alta. Isso vai te ajudar com a métrica do poema, e a verificar se está com o ritmo certo.

No Brasil, a arte do limerique também foi representada por escritores como Joaquim de Sousândrade e Clarice Lispector, sendo que os mais famosos foram escritos pela escritora de livros infantis Tatiana Belinky.

Poemas de amor são difíceis de escrever. Limeriques são piadas, não poemas de amor.

Quando você tiver dominado o básico, experimente rima interna, aliteração ou assonância para deixar seu poema ainda mais especial.

Exemplo de Limeriques

1
Ao ver uma velha coroca
fritando um filé de minhoca
o Zé Minhocão
falou pro irmão:
“Não achas melhor ir pra toca?”
Tatiana Belinky

2
Amarrei uma fita no dedo
Para não esquecer o segredo
Mas, reparem que azar
Esqueci de lembrar
Ai, que medo!
Tatiana Belinky

3
"Tremelique" ataca no escuro
(O susto é um páreo duro!)!
O cara atacado
É um gato escaldado
Que vive em cima do muro!
Tatiana Belinky

4
Eu ontem comi agrião
Temperado com açafrão
 Me deu um piriri
Que quase morri
Com minhas calças na mão!
Pedro Antônio de Oliveira

5
Pela longa rua da feira
tem tudo de bom e primeira;
vê-se a granel,
quentinho. pastel...
Tem até gente barraqueira.
Nilton Manoel

6
Professor, é com letra de mão?
Sim! cursiva nesta lição.
Quem escreve de pé
tendo no aluno fé,
é professor de profissão.
Nilton Manoel

Fonte principal:
http://pt.wikihow.com/Escrever-um-Limerique

segunda-feira, 17 de julho de 2017

Olga Maria Dias Ferreira (Trovas)


A bela estátua consagra,
na perícia do escultor,
intensa arte que deflagra
cinzel de mágico autor.

À sombra da juventude,
vejo meu tempo passar,
e sinto, nesta amplitude,
a longa idade avançar...

As trovas mais desejadas
nesta vida sonhadora,
manifestam-se rimadas,
em minha alma trovadora...

A vida só nos ensina
o que ela mesmo contém,
e nem sempre nos destina
aquilo que nos convém...

Belos gestos de inocência,
bênçãos de amor despertaram,
e, nos trilhos da existência,
só saudade carregaram...

Bons momentos escondidos,
nas taças em esplendor,
revelam sonhos vividos,
nas asas tênues do amor...

Das chaminés do passado,
em uma bruma sem fim,
ressurge o sol decantado,
a trazer  vida pra mim...

Denso grito das entranhas
ergue gemidos de dor,
toda vez que te emaranhas
nas raízes deste amor.

De tal crime sou culpada,
afirmo ser ré confessa.
Por desejo dominada
eu descumpri a promessa.

Do teu relógio os ponteiros,
marcam com exatidão,
tantos momentos fagueiros
vividos com emoção.

É meu desejo ser tua,
na mais doce e pura essência,
pois a verdade mais crua
é tua, minha existência.

Em meu retorno ao passado,
fantasias, ilusão,
ainda corro a teu lado,
nas ondas do coração...

Em teu olhar fascinante,
meu coração se perdeu,
e, mantém minha alma errante,
plena do amor que é só teu...

Enlaçados numa rede,
co’os pés à beira do mar,
saciamos a nossa sede,
na doida sede de amar...

Esquece o vento cortante,
desfeito em chuva e cansaços,
vem ninar minha alma errante
no aconchego dos teus braços.

Fitando o espelho do lago,
onde formosa eu a vi,
lembro a ternura que trago
dos momentos que vivi.

Grilhões, um dia partidos,
pela voraz servidão,
ressoam como estampidos
da vida sem solução.

Hoje sonhei acordada,
estava enfim delirante
e de tão apaixonada
até te fiz meu amante.

Incríveis fachos de luz
brilhavam de forma intensa,
na silhueta da cruz,
em sua forma mais densa...

Lampeiro o nobre gaúcho,
galopeia na fronteira,
ao trazer, com brilho e luxo,
amor por nossa bandeira

Lanço um grito à liberdade,
arranco-te do meu peito,
prefiro a dor da saudade
que o cativeiro em teu leito.

Meus sonhos, em grandes asas,
voam no azul infinito,
e fulgem tal como brasas,
por este céu tão bonito.

Minha mão em tua face,
teu corpo junto do meu,
não é verdade, é disfarce
de um sonho que já morreu.

Na defesa da floresta,
com arroubo e galhardia,
todo ser humano atesta
nobreza e cidadania.

Não te moleste o cansaço,
quando me houveres perdido.
Eu testemunho o fracasso
deste amor enlouquecido.

Nas tardes de primavera,
plenas de luzes e cores,
relembro aquela tapera
toda enfeitada de flores...

Navegando pelos mares
agitados da procela,
treme a nau dos meus pesares,
trazendo saudades dela...

Nobre gaúcho largado
campeia pela coxilha
e traz no peito encilhado
o santo amor farroupilha...

Numa noite enluarada,
de bela praia sem fim,
sinto a imagem ondulada
das vagas batendo em mim...

O eletrônico faz tudo.
Traz imagem, bonitinho,
porém me deixa mudo
e cada vez mais sozinho...

Ó meu doce canarinho,
abre as asas contra o vento
e leva, pelo caminho,
nas asas, meu pensamento...

O sol, em pano de fundo,
grande navio ancorado,
relembram rastros do mundo,
n’algum baú do passado.

Revolta a nada conduz,
impõe-se docilidade,
segundo de Deus a luz,
surge límpida a verdade.

Sendo tua, não importa
que destino eu possa ter.
A minha alma não suporta
o medo de te perder.

Se tu me amares querido,
sem o menor preconceito,
meu sonho tão proibido
há de voltar ao meu peito.

Solto, no mar, o barquinho,
no horizonte refletido,
vaga, nas águas, mansinho,
buscando o rumo perdido...

Suplico com humildade
permissão para te amar.
Porém se o medo te invade,
deixa-me ao menos sonhar.

Toda saudade guardada,
maciça dentro do peito,
estampa-se revelada
na solidão do meu leito.

Tristonho vento assobia
uma dolente canção
que se faz luz, melodia
na pauta do coração.

Vagando em revolto mar,
a embarcação solitária
lembrava um cisne a chorar,
numa ilha imaginária.

Maria Thereza Cavalheiro (O Bom Trovar : Como contar as sílabas poéticas - Escansão)

Vimos que cada verso da trova deve ter sete sílabas poéticas, que não são contadas da mesma forma que as gramaticais. As poéticas contam-se pela emissão de voz (fusão ou junção de sons), agrupando-se as sílabas, geralmente quando há o encontro de duas ou mais vogais fracas, ou, pelo menos, quando apenas uma delas é forte.

As sílabas poéticas de cada verso são contadas até a última sílaba forte, também chamada tônica, aguda ou longa. Convém ler os versos em voz alta, contá-los nos dedos e seguir o ouvido. Quando houver dúvida, fazer a escansão do verso para ver se não está de pé quebrado (nota do CDV: pé quebrado é quando o verso tem menos de 7 sílabas). Escandir um verso é dividi-lo em seus elementos métricos. Na contagem das sílabas, procede-se como se não houvesse pontuação.

Vamos escandir uma trova como exemplo, colocando barra entre as sílabas poéticas (cada uma com uma emissão de voz), e pondo duas barras após a última sílaba tônica:

Felicidade, surpresa
que a vida às vezes nos faz…
Não tem base nem firmeza,
e, como é linda, é fugaz.
COLOMBINA

Fe/li/ci/da/de/ sur/pre//sa
quea/ vi/dás/ve/zes/ nos/ faz//
Não/ tem/ ba/se/ nem/ fir/me//za
e/co/moé/ lin/ dé/ fu/gaz//

Observe-se que as sílabas de cada verso são contadas até a última tônica (pre, faz, me, gaz) e cada verso tem sete sílabas poéticas, contadas pela emissão de voz. No 1o e 3o verso do exemplo não se conta a última sílaba gramatical de cada uma (sa, za), que vem depois das duas barras por ser fraca. A sílaba fraca, aquela que não tem acento tônico, é também chamada átona, grave ou breve.

Assim, o 1o e 3o verso são versos graves, enquanto o 2o e o 4o são versos agudos. Os agudos são os que terminam por sílaba tônica, acentuada. Do ponto de vista gramatical, as últimas palavras do 1o e 3o verso são paroxítanas; no 2o e no 4o, oxítonas. Em trova, são muito pouco usados os versos esdrúxulos, que é quando o acento tônico cai na antepenúltima sílaba, caso das palavras proparoxítonas,e, aí, desprezam-se as duas últimas sílabas gramaticais, como no no 1o e no 3o verso da trova a seguir:

É todo prazer do vândalo
destruir o que é sagrado:
“o machado fere o sândalo
para ficar perfumado”.
RODOLFO C. CAVALCANTE


 Fonte: CAVALHEIRO, Maria Thereza. Trovas para refletir. SP: Edição do Autor, 2009.