quarta-feira, 13 de junho de 2012

Viagem para Curitiba (Novas Postagens só Segunda-Feira)

Em virtude de minha viagem para Curitiba, não haverão postagens, pois estarei presente nas solenidades de premiação dos trovadores dos Jogos Florais de Curitiba, novamente, com uma recepção encantadora pelos trovadores da capital paranaense. Quem puder ir, recomendo. A programação coloco abaixo.
Retornando, estarei postando as trovas vencedoras.

Até a volta.

Dia 14.06. 2012 (quinta-feira)
  • 18h00min: OFICINA DE TROVAS: Tema – O Humor na Trova 
    Ministrante: Antonio Augusto de Assis (Maringá). 
    Local: – Biblioteca Pública do Paraná – Sala de Reuniões 3º andar.
Dia 15.06. 2012 (sexta-feira)
  • 20h00min: 
    Solenidade de Abertura do XVII Jogos Florais de Curitiba 
    Local: Câmara Municipal de Curitiba
  • 22h00min: Recepção - Restaurante Cacau (Rua Padre Anchieta, 2224).
Dia 16.06. 2012: (Sábado)
  • 12h00min: Almoço 
    Local: Hotel Del Rey (R. Des. Ermelino Leão, 18 - Centro)  
    13h00min: 
    Lançamento do Livro “Matizes e Motivos”, de Vanda Fagundes Queiróz.
    14h00min: 
    Revoada de Trovas.
  • 20h00min: 
    Solenidade de Premiação. 
    Espaço Cultural Capela Santa Maria (Conselheiro Laurindo, 273, Centro).
Dia 17.06.2012: (Domingo)
  • 09h00min: Oração Ecumênica em Trovas – Hotel Nacional Inn
12h30min: Almoço de encerramento – Hotel Nacional Inn (por adesão)

XVII Jogos Florais de Curitiba (Classificação Final)



ÂMBITO NACIONAL/INTERNACIONAL - (Língua Portuguesa, exceto Paraná). -

TEMA: JUSTIÇA: (L/F) 
Por ordem de classificação.

1º Lugar: Mara Melinni de Araújo Garcia (Caicó - RN)
2º Lugar: José Ouverney (Pindamonhangaba-SP)
3º Lugar: Alba Christina Campos Netto (São Paulo – SP)
4º Lugar: Sergio Ferreira da Silva (Santo André – SP)
4° Lugar: Maurício Cavalheiro (Pindamonhangaba – SP)
5º Lugar: Dulcídio de Barros Moreira Sobrinho (Juiz de Fora – MG)

Menções Honrosas: 
Por ordem de alfabética

Carolina Ramos (Santos - SP)
Darly O. Barros (São Paulo – SP)
José Ouverney (Pindamonhangaba – SP)
José Tavares de Lima (Juiz de Fora – MG)
Manoel Cavalcante de Souza Castro (Pau dos Ferros – RN)
Marina Bruna (São Paulo)
Messias da Rocha (Juiz de Fora – MG)
Wanderley Rodrigues Moreira (Santos - SP)

Menções Especiais: 
Por ordem de alfabética

Ederson Cardoso de Lima (Niterói- RJ)
Elen de Novais Felix (Niterói – RJ)
Izo Goldman (São Paulo – SP)
José Tavares de Lima (Juiz de Fora – MG) – (duas trovas)
Maurício Cavalheiro (Pindamonhangaba – SP)
Renata Paccola (São Paulo- SP)
Therezinha Dieguez Brisolla (São Paulo – SP)

Comissão Julgadora do Concurso:
Antonio Augusto de Assis
Janske Schlenker
Luíza Nelma Fillus
Olga Agulhon
Vanda Fagundes Queiroz
Coordenação Geral: Andréa Motta.


TEMA: TAPA (Humor): 
Por ordem de classificação

1º Lugar: Wanda de Paula Mourtthé – (Belo Horizonte/MG)
2º Lugar: Pedro Mello (São Paulo/ SP)
3º Lugar: Elen de Novais Felix (Niterói/RJ)
4º Lugar: Dulcídio de Barros Moreira Sobrinho (Juiz de Fora/MG)
5º Lugar: Djalda Winter Santos (Rio de Janeiro/RJ)

Menções Honrosas:

Campos Sales (São Paulo/SP)
Dulcídio de Barros Moreira Sobrinho (Juiz de Fora/MG)
José Lucas de Barros (Natal/ RN)
Roberto Tchepelentyky (São Paulo/SP)
Thereza Costa Val (Belo Horizonte/MG)

Menções Especiais:

Edmar Japiassú Maia (Nova Friburgo/RJ)
Eliana Ruiz Jimenez (Balneário Camboriú /SC).
Flávio Roberto Stefani (Porto Alegre /RS)
Maurício Cavalheiro (Pindamonhangaba/SP)
Messias da Rocha (Juiz de Fora/MG)

Comissão Julgadora do Concurso:

Nei Garcez
Roza de Oliveira
Wandira Fagundes Queiroz
Coordenação Geral: Andréa Motta.


AMBITO ESTADUAL
TEMA: TESOURO: (L/F) – 
Por ordem de classificação.

1º Lugar: Antônio Augusto de Assis
2º Lugar: Roza de Oliveira
3º Lugar: Dari Pereira
4º Lugar: Vanda Fagundes Queiroz
5º Lugar: Antônio Augusto de Assis

Menção Honrosa: 
Por ordem alfabética

Antonio Augusto de Assis
Maria da Conceição Fagundes
Nei Garcez
Roza de Oliveira
Vanda Fagundes Queiroz

Menção Especial: 
Por ordem alfabética

Istela Marina Gotelipe Lima
Luiza Nelma Fillus
Maria Aparecida Pires
Maria Helena Oliveira Costa
Nei Garcez

TEMA: TESOURA (Humor): 
Por ordem de classificação

1º Lugar: Vanda Fagundes Queiroz
2º Lugar: Antônio Augusto de Assis
3º Lugar: Antônio Augusto de Assis
4º Lugar: Maria Aparecida Pires
5º Lugar: Walneide Fagundes S. Guedes

Menções Honrosas: 
Por ordem alfabética

Antônio Augusto de Assis
Maria Aparecida Pires
Maria da Conceição Fagundes
Vanda Fagundes Queiroz (duas trovas)

Menções Especiais:

Istela Marina Gotelipe Lima
Nei Garcez (duas trovas)
Roza de Oliveira
Yara Mara de Castro Araújo.

Comissão Julgadora do Concurso:
José Lucas de Barros - Natal-RN
Thalma Tavares - São Simão-SP
Wanda de Paula Mourthé - Belo Horizonte-MG
Coordenação Geral: Professor Garcia.


XVII Juegos Florales –Curitiba -PR-Brasil-2012

Tema: “Justicia”
 

1° Lugar: Maria Cristina Fervier (Argentina)
2° Lugar: Rafael Ramos Nápoles (Venezuela)
3° Lugar:Cristina Oliveira Chávez (USA)
3° Lugar: Martha Alicia Qui Aguirre (México)

MENCIÓN HONROSA:
(Por orden alfabética)

Cristina Oliveira Chávez (USA)
Martha Alicia Qui Aguirre (México)
Martha Senovia V. Vélez (Colombia)
Miguel Ángel Almada (Argentina)
Ricardo Ducoing ( México)
Teresa de Jesús R. Lara (España Islas Canarias)

MENCIÓN ESPECIAL:
(Por orden alfabética)

Alicia Borgogno (Argentina)
Ángela Desirée Palacios (Venezuela)
Carmen Patiño Fernández (España)
Catalina Margarita Mangione (Argentina)
Freddy Ramos Carmona (México)
Nerina Thomas (Argentina)
Urbano Vilchis Miranda (USA)

Comisión Julgadora:
A. A. de Assis 
Eliana Ruiz Jimenez 
Francisco Garcia
Lisete Johnson 
Coordinadora:
Gislaine Canales

AMBITO REGIONAL/ESTUDANTIL -
ENSINO FUNDAMENTAL

TEMA: ESCOLA: (L/F)

- ESCOLA MUNICIPAL ALBERT SCHWEITZER

1° Lugar: Eduarda Natasha de C.A. de Lima – 6ª F
2° Lugar: Ellena Mendes de Lima – 6ª F
3° Lugar: Ana Paula de Jesus da Silva – 6ª F
3° Lugar: Isabela Larissa V. Gomes – 6ª F

Menção Honrosa 
(ordem alfabética)

Manoella da Silva da Cruz – 6ª G
Nicole Martins dos Santos – 6ª G

- ESCOLA PAPA JOÃO XXIII

1° Lugar: Ana Paula de Moraes – 7ª D
2° Lugar: Ana Paula de Moraes – 7ª D
3° Lugar: Gabriely Dalla Vecchia – 7ª E

Menção Honrosa 
(ordem alfabética)

- Bruna Santos Soares – 6ª E
- Izabelly Nadine dos Santos – 7ª D
- Lucas Vasco Garcia - 8ª D

AMBITO REGIONAL/ESTUDANTIL

ENSINO MÉDIO
TEMA: ESCOLHA: (L/F)

COLÉGIO PROF. ALCYONE DE CASTRO VELLOZO

– Por ordem de classificação.

1º Lugar: Dayanna Vanessa Augusto – 3° A.
2º Lugar: Iasmin Garcia de Almeida – 3° A.
3º Lugar: Carina de Fátima Gularte – 3° A.

Menção Honrosa:
Por ordem alfabética

Carina de Fátima Gularte – 3° A
Fernanda Simões – 3° A.
John Everton Soezeck -3º A

Comissão Julgadora:
Maria da Conceição Fagundes
Sônia Maria Ditzel Martelo
Vanda Alves

Coordenação Geral: Andréa Motta.

Trova Ecológica 86 - Carolina Ramos (Santos/SP)


Ary dos Santos (Poemas Escolhidos)


O SANGUE DAS PALAVRAS
1

O poeta que nasce é uma criança
parida pela água torturada
uma nave que surge uma nuvem que dança
ao mesmo tempo livre e condensada.
O poeta que nasce é a matança
da palavra demente e enjeitada
que o chicote do poema torna mansa
depois de possuída e mal amada.
Quando o poeta nasce a madrugada
aperta os versos num abraço rouco
até que a noite fique esvaziada.
E enquanto das palavras pouco a pouco
surge a forma perfeita ou agitada
no mundo morre um deus ou nasce um louco.

(...)

5

Versos? Paguei-os. Alegria e raiva.
As palavras por vezes impotentes
outras vezes escorrendo sangue e seiva
ao morderem a vida com os dentes.
Poesia que és uns dias minha noiva
com seios de palavras complacentes.
Poesia que outras vezes grita e uiva
fêmea capaz de fecundar sementes.
Poesia minha amiga minha irmã
mulher da minha vida que inventei
para fazermos filhos amanhã.
Poesia minha força e meu castigo
meu incesto tão puro que nem sei
se é verdade que faço amor contigo.

ORIGINAL É O POETA

Original é o poeta
que se origina a si mesmo
que numa sílaba é seta
noutro pasmo ou cataclismo
o que se atira ao poema
como se fosse um abismo
e faz um filho ás palavras
na cama do romantismo.
Original é o poeta
capaz de escrever um sismo.

Original é o poeta
de origem clara e comum
que sendo de toda a parte
não é de lugar algum.
O que gera a própria arte
na força de ser só um
por todos a quem a sorte faz
devorar um jejum.
Original é o poeta
que de todos for só um.

Original é o poeta
expulso do paraíso
por saber compreender
o que é o choro e o riso;
aquele que desce á rua
bebe copos quebra nozes
e ferra em quem tem juízo
versos brancos e ferozes.
Original é o poeta
que é gato de sete vozes.

Original é o poeta
que chegar ao despudor
de escrever todos os dias
como se fizesse amor.
Esse que despe a poesia
como se fosse uma mulher
e nela emprenha a alegria
de ser um homem qualquer.

O RELÓGIO

Pára-me um tempo por dentro
passa-me um tempo por fora.

O tempo que foi constante
no meu contra tempo estar
passa-me agora adiante
como se fosse parar.
Por cada relógio certo
no tempo que sou agora
há um tempo descoberto
no tempo que se demora.

Fica-me o tempo por dentro
passa-me o tempo por fora.

RETRATO DO HERÓI

Herói é quem num muro branco inscreve
O fogo da palavra que o liberta:
Sangue do homem novo que diz povo
e morre devagar  de morte certa.

Homem é quem anónimo por leve
lhe ser o nome próprio traz aberta
a alma à fome  fechado o corpo ao breve
instante em que a denúncia fica alerta.

Herói é quem morrendo perfilado
Não é santo  nem mártir  nem soldado
Mas apenas  por último  indefeso.

Homem é quem tombando apavorado
dá o sangue ao futuro  e fica ileso
pois lutando apagado  morre aceso.
CANTIGA DE AMIGO
Nem um poema nem um verso nem um canto
tudo raso de ausência tudo liso de espanto
e nem Camões Virgílio Shelley Dante
--- o meu amigo está longe
e a distância é bastante.

Nem um som nem um grito nem um ai
tudo calado todos sem mãe nem pai
Ah não Camões Virgílio Shelley Dante!

--- o meu amigo está longe
e a tristeza é bastante.

Nada a não ser este silêncio tenso
que faz do amor sozinho o amor imenso.
Calai Camões Virgílio Shelley Dante:
o meu amigo está longe
e a saudade é bastante!

AUTO-RETRATO

Poeta é certo mas de cetineta
fulgurante de mais para alguns olhos
bom artesão na arte da proveta
narciso de lombardas e repolhos.

Cozido à portuguesa mais as carnes
suculentas da auto-importância
com toicinho e talento ambas partes
do meu caldo entornado na infância.

Nos olhos uma folha de hortelã
que é verde como a esperança que amanhã
amanheça de vez a desventura.

Poeta de combate disparate
palavrão de machão no escaparate
porém morrendo aos poucos de ternura.

SONETO

Fecham-se os dedos donde corre a esperança,
Toldam-se os olhos donde corre a vida.
Porquê esperar, porquê, se não se alcança
Mais do que a angústia que nos é devida?

Antes aproveitar a nossa herança
De intenções e palavras proibidas.
Antes rirmos do anjo, cuja lança
Nos expulsa da terra prometida.

Antes sofrer a raiva e o sarcasmo,
Antes o olhar que peca, a mão que rouba,
O gesto que estrangula, a voz que grita.

Antes viver do que morrer no pasmo
Do nada que nos surge e nos devora,
Do monstro que inventámos e nos fita.

Fonte:

Ary dos Santos (1937 – 1984)


Poeta português, natural de Lisboa. Saiu de casa aos 16 anos, exercendo várias atividades como meio de subsistência. 

Revelando-se como poeta com a obra Asas (1953), publicou, em 1963, o livro Liturgia de Sangue, a que se seguiram Azul Existe, Tempo de Lenda das Amendoeiras e Adereços, Endereços (todos de 1965). Em 1969, colaborou na campanha da Comissão Democrática Eleitoral e, mais tarde, filiou-se no Partido Comunista Português, tendo tido uma intervenção politizada, mas muito pessoal. 


Ficou sobretudo conhecido como autor de poemas para canções do Concurso da Canção da RTP. Os seus temas «Desfolhada» e «Tourada» saíram ambos vencedores.

Em 1971, foi atribuído a «Meu Amor, Meu Amor», também da sua autoria, o grande prémio da Canção Discográfica.

Declamador, gravou os discos «Ary Por Si Próprio» (1970), «Poesia Política» (1974), «Bandeira Comunista» (1977) e «Ary por Ary» (1979), entre outros.

Publicou ainda os volumes Insofrimento In Sofrimento (1969), Fotos-Grafias (1971), Resumo (1973), As Portas que Abril Abriu (1975), O Sangue das Palavras (1979) e 20 Anos de Poesia (1983).

Em 1994, foi editada Obra Poética, uma colectânea das suas obras. 


Personalidade entusiasta e irreverente, muitos dos seus textos têm um forte tom satírico e até panfletário, anticonvencional, contribuindo decisivamente para a abertura de novas possibilidades para a música popular portuguesa. Deixou cerca de 600 textos destinados a canções.

Fonte:

Wagner Marques Lopes (Rio + 20) 5

Trova de Homenagem à Abertura do Rio +20

Luís Cláudio Ferreira Silva e Marisa Corrêa Silva (A Personagem Feminina em Saramago)


RESUMO: Durante séculos a mulher foi vista como ―o outro‖, contra o qual o homem impunha seu poder, devendo ser subserviente nas sociedades patriarcais e detentoras do poder, o que descreve a nossa e as sociedades de modelo eurocêntrico em geral. Simone de Beauvoir, em Segundo Sexo, teoriza sobre as origens desse fenômeno, numa obra fundamental para entender a situação feminina. E sua estereotipação se transfere também para o campo literário, onde podemos ver personagens femininas que são dominadas pelas prerrogativas masculinas. Far-se-á uma pequena explanação dessas representações femininas no campo literário. Em seguida, focaremos três romances de José Saramago, Ensaio Sobre a Cegueira, Jangada de Pedra e Memorial do Convento, centrando o foco em personagens que, no universo desse autor, são representadas de forma pouco convencional em seus fazeres e poderes e saber se elas mantém a imagem cristalizada de mulher ou se, ao contrário, elas rompem com tais estereótipos.
PALAVRAS-CHAVE: Crítica Feminista, Personagem Feminina, Gênero, José Saramago.

1 - A condição feminina e crítica feminista

É comum mesmo em uma época que se auto-intitula moderna ouvir frases como ― lugar de mulher é na cozinha‖, ―ser mãe é padecer no paraíso‖, ―tem coisas que só os homens podem fazer‖ etc. O rompimento de muitas barreiras nos campos econômico, tecnológico e medicinal – só para citar alguns – parece não ter tido muito reflexo no que tange à condição feminina.

Claro está que nos tempos atuais as mulheres conseguiram uma certa independência financeira: hoje podem trabalhar, serem bem remuneradas e serem as responsáveis por manter financeiramente um lar. Contudo, há um eco que não cessa de incomodar os ouvidos, herança de um legado patriarcal que assolou as mulheres durante séculos. A mulher sempre foi tida como ―o outro‖ e ainda o é.

Há tempos que a mulher luta pela melhoria de suas condições, e por muito tempo não conseguiram muito avanço. De fato, a questão feminista passou a ter uma voz - talvez ―rouca‖, no entanto uma voz - nos últimos dois séculos. Vem em busca do direito de igualdade de remuneração salarial, direto a voto, entre outros. na segunda metade do século XIX o feminismo político começou a se organizar como movimento, mais especificamente na Inglaterra e nos Estados Unidos. Através de documentos e petições, esse movimento foi em busca da igualdade legislativa, ou seja, do voto, já que o mesmo significava a maior bandeira feminista, pois, a partir dele, outros objetivos poderiam ser alcançados. Contudo, foi exatamente nesta época que, na Inglaterra, durante a Era Vitoriana, a mulher foi majoritariamente discriminada, como se vê nas palavras de Zolin:

A mulher que tentasse usar seu intelecto, ao invés de explorar sua delicadeza, compreensão, submissão, afeição ao lar, inocência e ausência de ambição, estaria violando a ordem natural das coisas, bem como a tradição religiosa [...] a condição de subjugada da mulher deve ser tomada como sendo de vontade divina (ZOLIN in BONICCI & ZOLIN, p. 164).

Vê-se que se utilizou ao longo da história, e porque não dizer, utiliza-se até os dias de hoje, vários meios para manter a mulher como submissa, e um dos mais fortes é a tradição religiosa, que ―obriga‖ a mulher a manter-se como subjugada em relação ao sexo masculino dominante. Segundo Pierre Bourdieu, o estado e o clero seriam os responsáveis pela perpetuação desses valores, como ele diz em seu livro A Dominação Masculina (2005):

Teríamos que levar em consideração o papel do estado, que veio ratificar e reforçar as prescrições e proscrições do patriarcado privado [...] Sem falar no caso extremo dos estados paternalistas, realizações acabadas da visão ultraconservadora que faz da família patriarcal o principio e o modelo da ordem social como moral, fundamentada na preeminência absoluta dos homens em relação às mulheres [...] (BOURDIEU, 2005, p. 105).

A perpetuação de todos esses valores foi feita por meio de fortes estruturas, que, por conta de seus próprios interesses fixaram a mulher como submissa e inferior. Tanto a sociedade quanto a igreja, fixavam suas justificavas em um ponto principal: família. Segundo o autor, essas instituições pregavam a ―pureza‖ feminina em prol da constituição da família. Uma mulher revolucionária, que fugisse aos padrões, tanto de esposa fiel quanto na utilização de trajes mais ousados atingiria a moral e os bons costumes, não sendo apta, assim, a constituir família.

É, sem dúvida, à família que cabe o papel principal na reprodução da dominação e da visão masculinas; é na família que se impõe a experiência precoce da divisão sexual do trabalho e da representação legítima dessa divisão [...] Quanto à Igreja, marcada pelo antifeminismo profundo de um clero pronto a condenar todas as faltas femininas à decência, sobretudo em matéria de trajes, e a reproduzir, do alto de sua sabedoria, uma visão pessimista das mulheres e da feminilidade (BOURDIEU, 2005, p. 103).

Em outras palavras, perpetuando a família baseada na religião, perpetuava-se, então, a submissão feminina. Inclusive criam-se mitos. Vê-se o exemplo da gênese bíblica judaico/cristã que conta o nascimento de Eva, a primeira mulher, a partir de uma parte da costela de Adão, seu homem. Ela não foi criada juntamente com Adão, foi moldada a partir de uma parte do seu corpo. Deus não a criou por sua vontade simplesmente, mas por ver Adão solitário e triste, ou seja, criou-a com um único propósito: destiná-la ao homem.

Nem só sua criação é um mito de subserviência, mas também sua atitude que causou a expulsão do paraíso é também um mito que a enquadra como a megera, algo que vêm das trevas para afastar o homem de seu contato com Deus. Ao comer a maçã e a ―ludibriar‖ o homem para que esse também comesse do fruto, Eva passa a ser a culpada do desligamento com o divino. Além de serva, ela é aquela que também não se pode confiar, que tem pensamentos divergentes, que leva o homem para longe do seu verdadeiro caminho.

Simone de Beauvoir, grande referência na crítica feminista diz que nas sociedades mais primitivas, o homem tinha que sair à caça, visto que a mulher tinha que cuidar da prole. Sua inferioridade física em relação aos homens, que tinham que empenhar pedras e armas, pode até ter ajudado na construção da dicotomia de gênero, mas não foi um dos principais fatores, já que suas tarefas domésticas – fabricação de vasilhames, tecelagem, jardinagem e colheita – eram de fundamental importância na vida econômica dessas sociedades.

Porém, quando um povo passou a conquistar outro, a fazer escravos, a se impor em relação a outras tribos é que a mulher sucumbe. Ao menos é o que afirma Beauvoir em seus estudos:

Um trabalho intensivo é exigido para desbravar florestas, tornar os campos produtivos. O homem recorre, então, ao serviço de outros homens que reduz à escravidão. A propriedade privada aparece: senhor dos escravos e da terra, o homem torna-se também proprietário da mulher. Nisso consiste a grande derrota do sexo feminino (BEAUVOIR, 1949, pg. 74).

Sua submissão, segundo Beauvoir, se inicia, então, com o advento da posse e da propriedade privada. Ela já não é mais aquela com quem se divide igualmente o trabalho. Mas se torna também posse do conquistador, escrava do dominador. Anteriormente, o outro, o ser contra o qual o homem de sua tribo se impunha era um mero animal que serviria de alimento ou os outros homens de outras tribos quando essas se punham em batalha. A partir do momento em que o conceito de posse emerge, ela passa a ser o outro contra o qual o homem se impõe. Lá fora do lar, ele se impõe na guerra para suas conquistas, e essa imposição reflete dentro do lar, relegando a mulher ao seu papel de objeto-posse. A partir daí o homem reivindica a colheita, bem como os filhos: é o aparecimento da sociedade patriarcal e detentora do poder baseada na propriedade privada. Quando casada, liberta-se do pai, mas passa então a ser propriedade do marido, não tem voz, não faz suas leis, não impõe seus pensamentos.

Diz-se que a mulher acaba por tornar-se inconscientemente submissa por várias razões. Uma delas é sua passividade na relação sexual. Ela espera, passiva, a entrada ―triunfante‖ do homem, o ser ativo na relação. Logo, pode-se entender que possuir um pênis é possuir o poder dentro das relações. Se o homem impõe-se socialmente, intimamente o instrumento que o leva a permanecer com esse poder é o falo. Lê-se Beauvoir ―O homem exalta o falo na medida em que o apreende como transcendência e atividade, como modo de apropriação do outro‖ (IBIDEM, 205).

2 - A mulher na literatura

A mulher também ficou, por longas décadas e séculos, com um papel secundário nas obras literárias. Aos homens eram dedicadas as principais personagens, as discussões, aventuras e reflexões. Lucia Zolin discute a respeito do estereótipo feminino nas obras literárias. Segundo ela, nas narrativas de autores masculinos, tudo tem uma perspectiva e um direcionamento totalmente masculinos, como se todos os seus leitores também o fossem. Logo, as personagens femininas ficam deixadas em um segundo plano, seguindo paradigmas de estereótipos e papéis.

[...] as críticas feministas mostram como é recorrente o fato de as obras literárias canônicas representarem a mulher a partir de repetições de estereótipos culturais, como, por exemplo, o da mulher sedutora, perigosa e imoral, o da mulher como megera, o da mulher indefesa e incapaz, e entre outros, o da mulher como anjo capaz de se sacrificar pelos que a cercam. (ZOLIN, p. 170).

Podemos enquadrar, segundo as definições dadas acima, algumas das personagens mais importantes das Literaturas Brasileira e Portuguesa. A mulher descrita somente como corpo, feita para o sexo, aquela dedicada aos delírios da carne, sedutora e perigosa pode ser representada pela personagem. Lúcia do romance Lucíola de José de Alencar.

Lúcia saltava sobre a mesa. Arrancando uma palma de um dos jarros de flores, trançou–a nos cabelos, coroando–se de verbena, como as virgens gregas. Depois agitando as longas tranças negras, que se enroscaram quais serpes vivas, retraiu os rins num requebro sensual, arqueou os braços e começou a imitar uma a uma as lascivas pinturas; mas a imitar com a posição, com o gesto, com a sensação do gozo voluptuoso que lhe estremecia o corpo (ALENCAR, 1985, p. 42-43).

Vemos também muito fortemente na literatura o estereótipo de mulher pura, incapaz de maldade, sendo sempre representada com adjetivos alvos, elevada ao estado de anjo ou divindade:

Descansar nesses teus braços Fora angélica ventura: Fora morrer — nos teus lábios Aspirar tua alma pura! Fora ser Deus dar-te um beijo Na divina formosura! (AZEVEDO, 1996, p. 51)

Como a mulher que vive para o trabalho, servindo o homem, podemos ver Bertoleza, de O Cortiço. Sofrida, sem ter a quem recorrer, vê como único caminho trabalhar sol a sol para João Romão, português que lhe mandava e desmandava.

Como sempre, era a primeira a erguer-se e a ultima a deitar-se; de manhã escamando peixe, à noite vendendo-o à porta, para descansar da trabalheira grossa das horas de sol; sempre sem domingo nem dia santo, sem tempo para cuidar de si, feia, gasta, imunda, repugnante, com o coração eternamente emprenhado de desgostos que nunca vinham à luz. Afinal, convencendo-se de que ela, sem ter ainda morrido, já não vivia para ninguém, nem tampouco para si, desabou num fundo entorpecimento apático, estagnado como um charco podre que causa nojo (AZEVEDO, 1997, p. 133).

Resumidamente, a mulher ou é vista como angelical, submissa e fiel ou é megera, objeto de sexo e semeadora da discórdia. É claro no exemplo a seguir, retirado da obra Inocência, de Visconde de Taunay:

Esta obrigação de casar as mulheres é o diabo!.. Se não tomam estado, ficam juradas e fanadinhas...; se casam podem cair nas mãos de algum marido malvado... E depois, as histórias! Ih meu Deus, mulheres numa casa, é coisa de meter medo... (TAUNAY, 1998, p. 27).

Ou seja, há certo modelo de mulher e ―feminilidade‖, que se traduz quase como ―passividade‖, ou mesmo ―sexualidade‖ ou é demonizada como no trecho acima. São dois pólos opostos que as representam, estereotipando-se nos dois, petrificando-a em uma imagem inautêntica.

A mulher representada na literatura, entrando num circuito, produzindo efeitos de leitura, muitas vezes acaba por se tornar um estereótipo que circula como verdade feminina. Presa de representações confunde significante e significado e busca estabelecer uma continuidade do signo com a realidade (BRANDÃO, 2006, p. 33).

3 - A mulher em Saramago

As narrativas não foram escolhidas por acaso. Há nelas personagens femininas que são marcantes por sua força de atuação. Mulher do Médico, de Ensaio sobre a Cegueira, sacrifica-se, logo no início da obra, em prol do marido. Ela o acompanha até ao manicômio onde os cegos estão sendo alojados, fingindo estar também cega para, assim, estar junto dele. A partir dessa atitude, outros fatos importantes se desencadeiam e tornam sua participação na fábula de extrema importância. A sua imunidade acaba se tornando um peso para ela mesma. Enquanto os outros estão cegos e jogados à barbárie, ela, com os seus olhos literalmente abertos, acaba por testemunhar toda a decadência humana, física e moral. No entanto, ela não se entrega, sacrifica-se novamente, desta vez em prol dos cegos de sua camarata: reivindica medicamentos para os feridos, demanda mais comida para a ala que passa fome, dá banho nas outras mulheres e ajuda os feridos.

Sua pureza, ou se preferirmos, sua não altivez, faz com que ela sequer considere a hipótese de tirar proveito da visão intacta, por exemplo, pegando mais comida para si. Ela compartilha os horrores da situação, seguindo com outras mulheres voluntárias até a ala vizinha para servirem, com seus corpos, como moeda de troca por comida para os habitantes da sua ala. E essa ―superioridade‖ que ela tem sobre os outros, ou seja, o fato de enxergar em meio a cegos, ao invés de trazer vantagens, leva-a ao perigo. Após assassinar com uma tesourada o líder da camarata que fazia das mulheres objeto de estupro e/ou prostituição, ela correu o risco de ser entregue por sua própria ala ao covil dos lobos da camarata três. Correu o risco, também, de se tornar escrava dos próprios cegos, guiando-os aos banheiros, lavando suas roupas, etc. Portanto, sua imunidade, ao mesmo tempo em que fortalece sua condição de mulher-sujeito, que se coloca como uma líder, também a coloca em perigo.

Sua força de tutora dos cegos leva-a ao encontro do abuso, recordando-nos de uma figura da mitologia celta: o rei casado com a terra, soberano cuja vida seria oferecida em sacrifício na eventualidade de seca e fome. O ditado ―em terra de cego, quem tem um olho é rei‖ é assumido por ela, mas não no sentido que normalmente se imagina: ser rei nesse contexto significa responsabilidade, cumplicidade e sacrifício, em vez de vantagens, imunidade e ócio.

Tentando fazer uma leitura e tentando encaixá-la nos estereótipos femininos encontrados na literatura escrita por homens, ela bem se aproxima daquela cuja função é se anular perante aos outros, sendo pura e compreensiva (mesmo diante da traição do marido com a amiga), já que ela realmente se sacrifica pelos outros. Porém, ela é uma personagem que foge desses estereótipos. A Mulher do Médico age, faz com que as coisas aconteçam, fortalece-se e lidera todos em meio a uma sociedade patriarcal e imunda. Ela se rebela, enfrenta o perigo ao entrar na camarata dos bandidos para assassinar seu líder. Vê-se que sua imunidade não é a razão que a faz líder, apenas reforça sua liderança dentro do manicômio e fora dele. Desde o início da obra, pode-se perceber sua determinação e convicção, ao se proclamar cega, mesmo não estando cega verdadeiramente, para acompanhar o marido até o manicômio.

Blimunda, protagonista de Memorial do Convento é filha de uma condenada à fogueira, ela conhece Baltazar justamente durante a execução de sua mãe. A sua primeira manifestação de independência ocorre aí: sem conhecê-lo, leva-o para morar consigo.

Nota-se, também, que no casal Baltazar/Blimunda há uma igualdade de papéis. Não há, entre eles, dominador e dominado. Ao contrário, no casal da nobreza, ou seja, na relação entre o Rei e a Rainha, fica evidente a condição da mulher em relação ao patriarca: a soberana serve apenas para a reprodução; em outras palavras, para dar um herdeiro varão ao trono. A esterilidade da soberana pode desgraçá-la, uma vez que transferiria a coroa para um parente próximo do rei. Em meio à nobreza, a relação de poder existente na esfera social se transfere para a esfera matrimonial. Na pobreza, percebe-se, como dito acima, que o casal se coloca no mesmo nível hierárquico: outro ponto importante na leitura de Blimunda. Vê-se que nas classes populares a mulher tem maior liberdade e nem mesmo a virgindade, dentro dessas classes, é considerada um bem tão precioso. Essa liberdade de ação é bem explorada por Saramago, em contraposição à mulher anulada socialmente e sem força de ação, ou seja, a Rainha. Enquanto uma leva um homem para morar consigo e estabelece dentro do seu relacionamento uma igualdade hierárquica de papéis, a outra é anulada pela configuração de poder existente dentro do casamento entre nobres.

Por força de sua ―estranheza‖, ou seja, seu poder de visão (Blimunda podia ver as pessoas por dentro, tanto seu interior físico quanto suas vontades, se estivesse em jejum) ela se torna imprescindível para o vôo da Passarola. . Ora, se o vôo pode ser lido, no romance, como metáfora da liberdade, o papel de Blimunda como a única personagem que pode reunir os elementos (vontades) imponderáveis, etéreos, que serão necessários na engenharia renascentista dessa liberdade, ganha um significado inequívoco.

Depois do sumiço de seu companheiro, que fez um vôo com a Passarola e nunca mais foi visto, Blimunda peregrina todo o chão de Portugal em busca de seu amado. Procura-o por nove anos, indo de terra em terra, povoado em povoado, cidade em cidade. Tal atitude poderia ser considerada, por um lado, como uma atitude de submissão e fidelidade ao seu marido; por outro, pode-se considerar essa posição de Blimunda como força de mulher-sujeito, por ser fiel a si, ao seu amor, aos seus princípios, enfrentando as convenções sociais de sua época, recebendo o rótulo de louca que vem não se sabe de onde e vai não se sabe para onde. Chega até mesmo a enfrentar um apedrejamento nessa sua peregrinação. Contudo, ela não esmorece, vai até o fim, e encontra seu amado a arder na fogueira da Santa Inquisição.

Para finalizar a respeito de Blimunda, ela também não se encaixa nos paradigmas preconceituosos enraizados na literatura. De indefesa Blimunda nada tem. Como classificar como indefesa alguém que, ao sofrer tentativa de estupro por um frade, tem força para matá-lo e fugir. Megera ela é tampouco. Sabe-se que Blimunda, na busca por Baltazar, é perseguida por esse frade, e só comete o crime em legítima defesa. Sua busca incansável por seu amor e a resistência ao apedrejamento mostram sua força, a de uma mulher que consegue se destacar em um universo falocêntrico e patriarcal, fugindo aos padrões de representação feminina.

Para ambas as personagens, os efeitos e acontecimentos inexplicáveis ajudam no fortalecimento de suas personalidades. Porém, tais fenômenos apenas acrescentam força à já firme personalidade dessas mulheres, são apenas uma força que as leva emergirem de um mar dominado pelo masculino. Tanto a Mulher do Médico quanto Blimunda fogem dos estereótipos femininos arraigados na Literatura. Em se tratando da primeira, desde o início da obra ela toma sua posição de líder e enfrenta todos os problemas que lhe atravessam o caminho. Quando a situação está se encaminhando para uma dominação total, tanto moral e física, por parte dos bandidos da ala três, ela toma uma decisão: assassinar seu líder. E o faz apesar de sua consciência acusá-la de que acabara de matar um homem. Sua ―não altivez‖ em não se aproveitar da sua imunidade para tornar-se uma tirana também reforça seu caráter. É mulher que atua em meio a uma sociedade onde os homens ditam as regras.

Em Jangada de Pedra, livro do mesmo escritor, Joana Carda, que acabara de perder do marido, encontra quatro pessoas com as quais se passaram fenômenos inexplicáveis durante o desprendimento da Península Ibérica do resto da Europa. Joana Carda é única figura feminina em meio a três homens, e mesmo assim ela se sobressai tomando atitudes, dizendo coisas que só uma mulher de forte caráter pode fazer. Ao se apaixonar por José Anaiço, Carda (que curiosamente significa ―um tipo de máquina que desembaraça as fibras têxteis‖ e ao mesmo tempo ―máquina que dilacera carnes‖) não hesita, toma a atitude de beijá-lo, mesmo correndo o risco de ser considerada fútil perante aos outros:

Disse Joana adeus até amanhã, e no último instante, quando já tinha um pé no chão, virou-se para trás e beijou José Anaiço, na boca, pois então, não esse disfarce de face ou comissura, foram dois relâmpagos, um de rapidez, outro de choque, mas deste prolongaram-se o efeito, o que não seria o contato dos lábios, tão doce, se tivesse prolongado (SARAMAGO, 2006: 134 - 135).

Se a atitude de Joana Carda fosse atribuída a um homem, este estaria seguindo a ordem natural das coisas. Entretanto, atribuída a uma mulher, essa atitude poderia ser vista com ―maus olhos‖. Mas Carda não teme tais preconceitos, sua vida já estava desintegrada com a perda do casamento, ela arrisca amar e não se arrepende. Toma outras iniciativas como aquela que quando se estava por decidir quem dormiria aqui ou ali na casa de Joaquim Sassa, tendo apenas uma cama de casal, Joana Carda decide e põe fim ao impasse:

Mas dois minutos ainda não tinha passado e aí estava Joana Carda a dizer em voz clara, Nós ficamos juntos, em verdade está o mundo perdido se as mulheres tomam iniciativas deste alcance, antigamente havia regras [..] mas nunca por nunca ser este despautério, esta falta de respeito diante de um homem de idade, e ainda dizem que as andaluzas têm o sangue quente, vejam esta portuguesa, a Pedro Orce que aqui vai nunca nenhuma disse assim cara a cara, Nós ficamos juntos (SARAMAGO, 2006: 148, 149).

Este irônico comentário do narrador só reafirma sua posição de mulher-sujeito, definição dada pela crítica feminista àquela personagem que age e toma decisões no universo patriarcal e detentora do poder. Joana Carda decide passar a noite com José Anaiço. Isto não a torna vulgar, e em muitos pontos da obra vê-se em Joana Carda uma mulher que, apesar do sofrimento, é decidida e se mostra, por vezes, caridosa e de bom coração. O próprio narrador afirma seu brio, vê que Joana Carda é uma mulher que decide reagir, que não espera pelos outros. Vê-se o que ele pensa da personagem no trecho em que os quatro amigos estão ficando sem dinheiro e se preocupam em como consegui-lo:

Mas talvez não venha a ser preciso chegar a tais extremos de ilegalidade, aqui no Porto irá também José Anaiço à agência do banco onde guarda as economias, Pedro Orce trouxe todas as suas pesetas, de Joana Carda é que nada sabemos quanto ao particular dos recursos, pelo menos já vimos que não parece mulher para viver de caridades ou expensas de macho (SARAMAGO, 2006: 152).

Joana Carda é daquelas pessoas que não esperam, já sendo redundante, agem. No trecho em que o cão aparece, é ela que entende que o cão quer que eles o sigam. E nas indefinições de ir ou não com ele, ela decreta: Estou pronta a ir para onde ele nos levar, se foi para isso que veio, quando chegarmos ao destino saberemos (Ibidem: 133). Ela torna-se, pode-se assim interpretar, um ícone a ser seguido. Sua liberdade e determinação a levam ao encontro dos três amigos, e a fazem decidir seguir viagem com eles, atitude de extremo enfrentamento em se tratando de uma sociedade patriarcal e detentora do poder. Isso se torna claro quando, ao regressar a casa dos parentes para passar a noite, Joana Carda, no entrar da noite, conta que decidira ir viajar com os três homens:

[...] Quando todos já dormirem na Figueira da Foz, ainda duas mulheres estarão a conversar numa casa de Ereira, no segredo da noite, Quem me dera ir contigo, diz a prima de Joana, casada e mal-maridada (SARAMAGO, 2006: 135).

A prima, que tem como impedimento para uma viagem deste tipo o mau casamento, e que provavelmente não se separa devido aos valores da sociedade patriarcal, lança em Joana, desquitada e valente, seus anseios, eis a razão do: ―Quem me dera ir contigo‖.

4 - Considerações finais

Em guisa de conclusão, todas as personagens analisadas contribuem, através de suas atitudes, para uma desconstrução dos estereótipos femininos mais conhecidos (a megera, a santa e sedutora/perigosa), contribuindo também para uma desconstrução da ideologia de diferença de gêneros: a dicotomia homem/mulher, em que um sempre é dominante e o outro dominado. É importante, ao fim, frisar que não há um ―super-heroísmo‖ nas mesmas, e nem esse é o norte da crítica feminista. Elas sofrem, passam por tribulações, e são pessoas absolutamente comuns, mas com uma diferença: agem. O que se quer é mostrar mulheres normais que podem, sim, ser ativas, tomarem decisões e ter um nível de igualdade em relação aos homens. Nota-se nas três personagens que elas dividem os papéis com seus companheiros, tomando decisões, participando ativamente da fábula.

Quanto à Blimunda, seus poderes a fortalecem como mulher que atua, porém, mesmo sem eles, ela continua sendo agente, tomando iniciativas sempre que mudanças sejam necessárias, tomando decisões quando os outros não fazem. Ela também não se submete à dominação masculina e detentora do poder, adota uma postura, juntamente com Baltazar, de igualdade dentro de um ―casamento‖. Vê-se uma nítida diferença de valores em comparação com o casal da nobreza, em que se tem o Rei como centro e dominador e a Rainha como mero objeto para reprodução e com vontades e atuações praticamente nulos. Em se tratando de Blimunda, sua independência contribui para sua força de ação e realização de suas vontades.

Entende-se, por fim, que a Mulher do Médico contém muito dos aspectos que tanto a crítica feminista reivindica: uma igualdade de papéis entre homem/mulher, uma mulher com características fortes e força de mudança, que seja determinada, espirituosa e líder e mesmo assim continue sendo uma mulher, com todas as suas peculiaridades femininas. Ela não pode ser julgada como indefesa ou pacífica só porque ―entende‖ a traição do marido, bem como não há nada de mulher megera ou perigosa só pelo assassinato que ela cometeu. Outras características dizem justamente o contrário: a força de lutar por pessoas que não conhece, enfrentando situações perigosas, entrando no covil do inimigo e assassinando o líder rival. Pode-se dizer que a personagem Mulher do Médico é um exemplo para a desconstrução da dicotomia que tanto a crítica feminista luta para desfazer.

E sobre Joana Carda, coloca-se aqui a fala do narrador relatando o espanto dos homens em relação à inteligência e força desta personagem: ―Vê-se na cara de José Anaiço e de Joaquim Sassa que vão desorientados, a mulher que desceu à cidade de pau a proclamar impossíveis actos de agrimensora saiu-lhes filósofa nos campos do Mondego‖ (SARAMAGO, 2006: 127).

Referências bibliográficas
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SARAMAGO, José. Ensaio Sobre a Cegueira. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
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ZOLIN, Lucia Osana. Desconstruindo a Opressão – A Imagem Feminina em a República dos Sonhos de Nélida Piñon. Maringá: EDUEM, 2003.
ZOLIN, Lucia Osana. Crítica Feminista. In: BONICCI, Thomas & ZOLIN, Lucia Osana. Teoria Literária: Abordagens Histórias e Tendências Contemporâneas. Maringá, EDUEM, 2004.

Fonte:
II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: 06 a 08 de outubro de 2010 Diversidade, Ensino e Linguagem UNIOESTE - Cascavel / PR