sábado, 29 de janeiro de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.110)


Uma Trova Nacional

Num pesadelo bem chato,
o infeliz grita: “socorro!”
Sonhava que era um gato
e a sua sogra... um cachorro!
(ÉLBEA PRISCILA SILVA/SP)

Uma Trova Potiguar

Sem querer ser mandingueiro,
nem que o corpo não se abra;
respeito o pai de chiqueiro
que manda em tudo que é cabra!
(MARCOS MEDEIROS/RN)

Uma Trova Premiada

1993 > Nova Friburgo/RJ
Tema > “LIVRE” > Menção Honrosa

Com sotaque nordestino
e usando linguagem chula,
grita o ladrão: “Seu menino,
mãos pra riba e não se bula!”
(ALOÍSIO GENTIL PIMENTA/MG)

Simplesmente Poesia

MOTE:
Mulher perto dos setenta,
Já não tem gosto de nada.

GLOSA:
Ela mesma se lamenta
e a cada dia piora,
por tudo, lamenta e chora
Mulher perto dos setenta;
nem o marido aguenta
porque só vive amuada,
fria, nervosa, apagada,
isto aí não é fofoca;
é como comer pipoca...
Já não tem gosto de nada.
(AUGUSTO MACEDO/RN)
(Mulherada, não xinguem meu irmão, Ele já está no Andar de cima! - Ademar Macedo)

Uma Trova de Ademar

O que a mulher não entende
é o seu marido na cama;
seu fogo nunca se acende...
Enquanto ela vive em chama!!!
(ADEMAR MACEDO/RN)

...E Suas Trovas Ficaram

O dentista colocou
nos dentes de Guiomar,
uma ponte e ela pensou:
- deve ser pra dor passar!...
(JOSÉ M. MACHADO ARAUJO/RJ)

Estrofe do Dia

Para montar o balanço
do que já fiz e não faço,
eis o meu novo compasso:
não fumo, não bebo, danço;
desse jeito eu não me canso
quando a velhice vier;
só meto minha colher
naquele prato pequeno...
mulher demais é veneno,
só quero minha mulher.
(JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN)

Soneto do Dia

Renata Paccola/SP –
AZAR

Certo dia, acordei de mau humor –
resquício de uma noite mal dormida.
Peguei o carro, e então fundiu o motor,
Segui para o metrô, enfurecida.

Tentei continuar com minha lida,
mas fiquei presa num elevador.
Neste compartimento sem saída,
passei horas de angústia e terror,

e saí sob o som de bate-estaca.
Depois, no meio de um supermercado,
senti a dor de um burro quando empaca.

Foi aí que vi, quase ao meu lado,
irônicos dizeres numa placa:
“Sorria. Você está sendo filmado!”

Fonte:
Ademar Macedo

Ederson Cardoso de Lima (Livro de Trovas)


Cigana e bela mulher...
Dessa romance eu me ufano.
- Não vive um amor qualquer,
quem vive um amor cigano!

Em cada canto da mente,
o vulto dela flutua!
Não é passado, é presente,
o meu amor continua!

Eu sou quem anula planos
(os grandes planos, talvez).
Rainha dos desenganos,
o meu nome é timidez!

Grita para a garçonete,
um homem simples do povo:
- Vou querer um omelete...
e traga também um ovo!

Imensa expressão na vida,
a renúncia pode ter:
- Quanto mais nobre e doída,
mais nos pode engrandecer!

Já de "porre" um ladrão bronco
cai no sono em casa alheia,
e, traído pelo ronco,
foi roncar lá na cadeia...

Lá, num canto do planeta,
é o siri que “ bota banca” .
O país é tão “careta”
que se chama Siri-Lanca...

Nessa angústia desmedida,
ficou mais do que provado:
eu só me encontro na vida,
se me encontrar ao seu lado!

Nos meus sonhos de guri,
tudo levei de vencida,
mas esse encanto eu perdi
pois hoje apanho da vida!

O café - fonte de renda -
traz-me o tempo de meus pais:
Fui menino da fazenda
no Brasil dos cafezais!

Os pensamentos dispersos
agora tomaram jeito,
pois a Musa de meus versos
divide comigo o leito!

Quem meditar por instantes,
certos conceitos refaz:
- O mais caro dos brilhantes
não vale o brilho da paz!

"Quem sabe ela quer voltar..."
Meu coração não se emenda,
pois não consegue riscar
seu nome de minha agenda!

Somente a troco da “bóia”
trabalhava o comilão.
E foi com essa tramóia
que quebrou o seu patrão.

Sua lira foi – em suma –
de romantismo repleta.
Hoje uma orquídea perfuma,
esse ocaso do poeta!

- Vá com Deus, "bebum" amigo...
E ele, em tropeço, ao andar,:
- Deus, tu podes vir comigo,
mas não precisa empurrar!

Folclore, Superstição, Lendas e Histórias (Aves do Brasil: Japim)


O Castigo do Japim

O japim é um lindo passarinho. Sua penas são pretas e amarelas. É também chamado de xexéu e joão-conguinho. E, - coisa curiosa – não tem canto próprio. Vive a imitar o canto de outros pássaros. Os índios contam, sobre o japim a seguinte história:

Este passarinho vivia no céu, cantando para Tupã. Quando o chefe dos deuses queria dormir, chamava o japim e ele cantava até que o seu senhor dormisse.

Certa vez, os índios ficaram muito triste, por causa de uma peste terrível que havia atacado as tribos. Resolveram, então, implorar a Tupã que os levasse para o céu, onde não há doenças nem tristezas. É claro que não foram atendidos. Mas Tupã enviou o japim à terra para os consolar.

Com seu canto maravilhoso, o japim expulsou a peste e fez desaparecer as tristezas dos índios. Estes voltaram ao trabalho e ficaram de novo, tranqüilos e felizes. Por isso, pediram a Tupã que lhes desse o japim. Desta vez, o chefe dos deuses os atendeu.

O japim ficou, então, muito orgulhoso. Julgou-se o dono da floresta. E passou a imitar o canto dos outros pássaros por zombaria. Resolveram estes queixar-se a Tupã.

O deus dos índios mandou chamar o japim e censurou-o severamente. Mas o danado do passarinho não se emendou. E continuou a imitar o canto dos outros pássaros.

Tupã ficou indignado e disse para o japim:

- De hoje em diante, perderás o teu canto e só poderás imitar o cantos de outras aves. Além disso, todos os pássaros hão de te odiar e de te perseguir.

E foi o que aconteceu. O japim passou a ser atacado pelas outras aves, que lhe destruíram o ninho e os filhotes. Resolveu então o japim, pedir auxílio às vespas. Estas ficaram com pena do pássaro e disseram:

- Não te aflijas, amigo japim. Farás sempre o teu ninho perto de nossas casas, e coitado daquele que se atrever a destruí-lo. Nós os mataremos com nossas ferroadas.

E, desde então, o japim constrói o seu ninho junto da casa das vespas. Ele perdeu seu canto, mas pode criar seus pássaros.

Fontes:
SANTOS, Teobaldo Miranda. Lendas e mitos do Brasil. 9ª Ed., São Paulo, Ed. Nacional, 1985.

Machado de Assis (Análise dos Contos de “Várias Histórias”: 7. Trio em Lá Menor)


Análise realizada por Maria Inês Werlang Ghisleni (Mestre em Letras pela Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC)) , sob o título Machado de Assis e a Música: Uma Análise do Conto “Trio em Lá Menor”
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O conto se encontra em http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/03/machado-de-assis-trio-em-la-menor.html
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A TEORIA MUSICAL NO CONTO “TRIO EM LÁ MENOR”

No conto “Trio em lá menor”, Machado de Assis utiliza elementos da teoria musical no título, subtítulos e em toda a seqüência narrativa, relacionando a linguagem musical ao significado do próprio conto. Percebe-se ainda o intuito do autor de traduzir o que se passa no interior das personagens nas diferentes partes do texto através da música.

Segundo Kiefer (1987,) nas escalas musicais, há tons maiores e tons menores. Os tons maiores, como, por exemplo, lá maior (Lá M) ou dó maior (Dó M) transmitem alegria, júbilo, são festivos, cheios, harmônicos. Já os tons menores, como lá menor (Lá m) ou dó menor (Dó m), são tristes e traduzem sentimentos de melancolia e tristeza. Com o título “Trio em lá menor”, Machado de Assis quer nos adiantar a informação de que o conto vai tratar de uma história cujo desfecho não será feliz. Para o leitor menos avisado, poderá parecer que não há relação entre o texto e as expressões da teoria musical que Machado usou em todo o percurso da sua narrativa. Entretanto, a cada ocorrência de um desses signos, corresponde um sentido no desenrolar das ações. O título e os subtítulos são marcadores de significado musical que direcionam o pensamento do leitor para o que vai acontecer a seguir.

As expressões musicais presentes no texto nos apontam características da personalidade e também dos sentimentos de Maria Regina, protagonista da história, ilustrando seu estado de espírito em cada um dos momentos da seqüência narrativa.

“Trio em lá menor” narra o que poderia ter sido uma história de amor, mas não chegou a se concretizar. Maria Regina amava dois homens ao mesmo tempo: Maciel com 27 anos e Miranda, de 50 anos. Com esse cenário, surge o triângulo amoroso, o que já se poderia imaginar a partir das idéias que o título sugere.

Ao levarmos em consideração a teoria musical da qual Machado magistralmente se serve, poderemos antever que esse será um conto com um triângulo amoroso marcado pela tristeza, cujo final será, possivelmente, também infeliz.

ADAGIO CANTABILE

Machado introduziu a primeira parte do conto com o subtítulo de Adagio cantabile. Nessa primeira parte, o problema é apresentado e, após a visita dos dois homens que estavam enamorados por ela, Maria Regina sozinha, em seu quarto, põe-se a pensar em ambos. Há para este cenário um fundo musical, cantarolado pela personagem enquanto reconstitui, de memória, cada palavra da conversa ocorrida. É a melodia da sonata por ela executada ao piano momentos antes na sala, durante a visita.

Em linguagem musical, conforme Cosme (1959), Adagio refere-se a um andamento lento. Andamento é o grau de velocidade com que um trecho musical é executado. Uma composição pode conter várias partes que são chamadas de movimentos. Cada um poderá ser escrito para uma velocidade diferente. Os andamentos podem ser lentos, moderados ou rápidos. Dentro da sua categoria, Adagio é o menos lento, já próximo ao moderado. A primeira parte de uma música sempre mostra o tema, isto é, a melodia que vai ser desenvolvida a seguir. Por exemplo: a introdução, em música, é um movimento não muito longo, que costuma apresentar variações sobre o fraseado melódico que a peça contém no seu corpo principal.

Na primeira parte, portanto, aparece uma pequena amostra do tema. É o caso do Adagio cantabile no conto “Trio em lá menor”. Segundo Kiefer (1987), outra característica do Adagio é que permite ornamentos. Em música, ornamentos são sons extras com o objetivo de embelezar sem, no entanto, modificar ou se sobrepor ao tema melódico.

Esses significados de Adagio para a música podem ser aplicados para explicar essa primeira parte do conto. Sendo Adagio cantabile, o subtítulo significa um andamento lento que pode ser cantado, isto é, o tema deve ser interpretado como se estivesse sendo cantado. O fraseado melódico é executado com esse espírito para causar essa mesma sensação em quem ouve. Fica nítido para quem escuta que a música ainda não terminou. Não contém som conclusivo. É um movimento para o qual haverá seqüência. Poder-se-ia dizer que haverá solução. De acordo com Harnouncourt (1990), na música, essa solução chama-se resolução, que é o som que finaliza.

Ao ler a primeira parte descobrem-se pistas do que vai ser tratado. Tal como na música, são apresentadas pinceladas sobre o assunto principal do conto. Como no Adagio cantabile, os eventos surgem um tanto lentos, mas carregados de sentimentos como se estivessem sendo cantabile. A história começa enfeitada por detalhes de beleza da personagem e dos seus sentimentos de amor, respeito e busca da perfeição. Já que também o Adagio pode conter floreios, essa é uma relação direta com a apresentação do triângulo amoroso nesse início do conto: ressaltando o que é bom e belo.

ALLEGRO MA NON TROPPO

Na segunda parte do conto, chamada de Allegro ma non troppo, inicia o desenvolvimento da história. Há um fato envolvendo um dos homens. Maciel arrisca sua vida jogando-se na frente dos cavalos de uma carruagem para salvar um menino que imprudentemente atravessara a rua. Na carruagem, estão Maria Regina e sua avó. A tragédia é evitada, com ferimentos inexpressivos para ambos: vítima e salvador. A partir desse episódio, são ressaltados atributos positivos da personalidade do novo herói, Maciel. Maria Regina reconhece nele tantas qualidades que chega a se perguntar onde arranjaria melhor noivo.

Nessa segunda parte não aparece Miranda e nem Maria Regina menciona ter lembrado dele. Esse fato inclina o leitor a pensar que ela poderia ter se decidido a escolher Maciel, colocando fim ao triângulo amoroso, já predizendo um clássico final feliz, mas tal não acontece.

Analisando pela teoria musical, podemos referir dois significados. O primeiro seria em relação ao andamento dos eventos no conto. Allegro é um andamento rápido. Essa segunda parte chama-se Allegro ma non troppo, isto é, rápido, mas não muito. O desenrolar das ações acontece exatamente como a música descreve esse andamento. O fato concreto, ou seja, o salvamento protagonizado por Maciel, ocorre no início e logo Maria Regina devota-lhe profunda admiração.

Em seguida, transfere indevidamente seu deslumbramento pela atitude do rapaz para os sentimentos que nutria por ele, confundindo o próprio coração. Tal falta de discernimento deixa o leitor em dúvida sobre o futuro do triângulo amoroso.

A direção dos acontecimentos, no relato de Machado, aponta para um lado, vai mais rápido do que no Adagio, que é a primeira parte, mas não com muita velocidade. Em seguida, no final desse segmento, ficamos com uma concreta sensação de que os fatos não estão se encaminhando para a resolução do problema.

O segundo significado, de acordo com Wisnik (2004), o qual também pode ser relacionado com a música é a alegria no real sentido da palavra. Allegro ma non troppo começa com um ato heróico. A mocinha fica feliz, como que inebriada pela coragem do seu herói e, na seqüência, há demonstrações de contentamento. Em cada acontecimento, ela vai sendo tomada por uma satisfação comparável à alegria. Tal sentimento, porém, não é consistente, o que pode ser referido ao significado de ma non troppo porque, já no início da parte seguinte, seu encantamento por Maciel vai enfraquecendo até tornar-se insuficiente.

ALLEGRO APPASSIONATO

Allegro appassionato, terceira parte do texto, é a continuação da visita que Maciel estava fazendo a Maria Regina na noite do mesmo dia do salvamento. A conversa entre Maciel e a avó sobre futilidades corre solta e os sentimentos de Maria Regina vão passando de interesse para indiferença pelo rapaz. Ela tentava se prender na admiração ao belo gesto dele, mas tudo era insuficiente. Logo se descobria entediada de sua presença. Recorria, então, a um singular expediente: criava um personagem que existia só na sua imaginação. Construía uma combinação entre o presente (Maciel, na sua frente) e o ausente (Miranda que não a estava visitando naquele momento). Olhava para um, escutando o outro, de memória. Sua imaginação era tão eficaz que ela conseguiu, por algum tempo, contemplar uma criatura perfeita e única, porém inexistente, pela qual se via completamente apaixonada. Sua paixão era por uma pessoa ficcional.

Mais tarde, quando chegou Miranda, o seu segundo enamorado, Maciel se retirou. Maria Regina, então, na ordem inversa recorreu ao mesmo artifício. Voltou a construir na sua imaginação a complementação de um pelo outro. Na sua frente agora estava Miranda, que, embebido, a escutava na execução de uma sonata ao piano. Nele encontrava a expressão de uma porção de idéias que dentro dela lutavam vagamente sem forma. Tinham o mesmo gosto artístico: amavam a música. Ao contemplá-lo, sentiu nele uma expressão de pedra e fel.

Lembrava-se, então, do Maciel franco, meigo e bom. E, no seu pensamento, um ser irreal tomava forma, mais uma vez, reunindo o que a encantava em cada um deles.

Voltando-se para a interpretação através do que a música apresenta, Allegro appassionato, conforme Kiefer (1987) e Cosme (1959), é um andamento de certa velocidade, mas com claro tom apaixonado. Traduz paixão, move-se pela paixão. É executada apaixonadamente. A paixão é marca forte capaz de transmitir e despertar esse sentimento em quem a ouve.

Enquanto Maria Regina tocava ao piano a sonata ouvida por Miranda, ia formulando mentalmente a figura que amava: juntava este (Miranda) com o outro (Maciel). Amava as idéias e gostos do Miranda com a imagem e a bondade de Maciel. Estava apaixonada por esse terceiro homem, que ela não conhecia. Ele representava o objeto da sua espera e motivo da sua indecisão.

Com o fragmento “... e a música ia ajudando a ficção, indecisa a princípio, mas logo viva e acabada“ (p.135), confirma-se a intenção de Machado em se servir da teoria musical para explicar o conto como um todo, cada uma das partes separadamente e, dentro delas, os eventos que vão se entrelaçando rumo ao final do texto ou em busca de solução.

MINUETO

Minueto, a quarta parte do conto “Trio em lá menor”, inicia com incerteza de tempo transcorrido e reconhecimento da insuficiência individual dos dois homens. A indecisão de Maria Regina aborreceu-os até que, perdidas as esperanças, saíram para nunca mais. Após várias noites transcorridas, quando se convenceu de que estava tudo acabado, Maria
Regina foi até a janela observar os astros. Procurou no céu a confirmação de uma notícia lida no jornal, informando haver estrelas duplas que parecem ser um só astro. Não encontrando no firmamento o que buscava, procurou dentro de si mesma, fechando os olhos. Ao penetrar em seu interior, viu ali dentro a estrela dupla e única. Separadas, valiam bastante, juntas, davam um astro esplêndido. Ela queria o astro esplêndido. Ao abrir os olhos, percebeu a imensa distância que a separava do céu. E se desesperou porque teve consciência da impossibilidade de alcançar o astro escolhido. Notou que estava visualizando fora de si os astros que edificara em sua mente, então deitou e dormiu. Em seu íntimo, transitavam sentimentos de insaciedade, ambição, não contentamento e exigência de perfeição. Maria Regina sonha. No seu sonho, voa na direção de uma bela estrela dupla. O astro desdobra-se e ela fica vagando entre as duas porções em busca do sentimento de satisfação. Foi então que surgiram do abismo palavras incompreensíveis para ela, mas não para o leitor.

A voz disse que a pena de Maria Regina seria oscilar, por toda a eternidade, entre dois astros incompletos. No mesmo instante, a voz afirma que a eterna busca da personagem será sempre acompanhada pelo som da sonata do absoluto: lá, lá, lá... . O leitor entende que as palavras que a protagonista ouviu em sonhos reforçam a idéia do triângulo amoroso na sua vida. Ou ela não encontra o que idealiza ou então não se satisfaz com os valores de um único personagem, não conseguindo assumir uma escolha. Persiste, portanto, a insatisfação que gera o triângulo, antes caracterizado pelos dois homens e agora concretizado na busca por duas estrelas.

Continua, porém, na vida de Maria Regina a constante companhia da música que, nesse momento, é registrada pelo fundo musical proveniente da “velha sonata do absoluto: lá, lá, lá” (p.138).

Ao dizer velha, Machado quer se referir à sonata que a personagem central costumava tocar ao piano desde o início do texto. Ao referir-se a essa composição como “absoluto”, o autor quer defini-la como completa, perfeita, significando que, embora a vida das personagens possa ter tomado um rumo sem final feliz, o mesmo não acontece com a música cujo final repousa sobre um som harmônico.

Tentando entender essa quarta parte pela teoria musical, precisamos lembrar que Minueto é uma peça composta em compasso de três por quatro ao qual chamamos ternário. Conforme Cosme (1959), surgiu em 1650 e serviu para acompanhar uma dança francesa de mesmo nome na corte do rei Luís XIV. É importante registrar que há outra composição musical em compasso de três tempos chamada valsa. Embora possua certa semelhança, há características que a diferenciam do Minueto, sendo que a valsa popularizou-se através dos tempos, ficando conhecida, especialmente, como composição musical de três tempos para dança de salão.

Os episódios aqui relatados mostram eventos marcados por três personagens. Há uma tentativa de solucionar o problema do triângulo amoroso na segunda parte (Allegro ma non troppo), porém, nas seqüências descritas, percebe-se que tal situação é insolúvel já que a possibilidade de resolvê-lo é ficção: foi edificada no plano da imaginação. Quando dois personagens saem da história finalmente se desfaz o triângulo amoroso e Maria Regina continua sua busca. Duas estrelas tornam-se seus dois objetos de interesse. A personagem passa a se movimentar de uma para outra sem conseguir sentir satisfação com uma ou outra. Há, portanto, a manutenção de uma situação em que três elementos estão novamente em jogo.

Podemos relacionar tais fatos com os três tempos da composição chamada Minueto. Do início ao fim da peça, as notas se sucedem sempre obedecendo ao compasso ternário. Exatamente como no conto. Inicialmente com três personagens e, no final, com Maria Regina entre dois astros, os eventos vão seguindo seu percurso, mantendo o ritmo de três tempos como acontece com as notas musicais nos tempos do Minueto.

É importante também mencionar que Minueto é uma composição musical completa e não um andamento da música como são as outras partes do conto. Da mesma forma, Machado, na quarta parte do conto, não se refere a um andamento do romance, pois extinguiu-se. Fala, porém, da vida de Maria Regina, que se move entre dois objetivos. Aborda o tema da eternidade, afirmando que, para a personagem exigente de perfeição e incapaz de sentir satisfação, o ritmo da vida será sempre de três tempos tal qual o Minueto. Na dança de mesmo nome, os pares se deslocam em movimentos variados. Tomam direções diversas, ora para um lado, ora para outro e a dança, como os dias, as semanas e a vida, vai transcorrendo. O som da música acompanha todos os movimentos da dança.

Assim também ocorre no texto de Machado de Assis. Durante todo o conto há a presença da música no enredo, todas as vezes em que a personagem executa a sonata ao piano. E, em outros momentos, a sonata aparece como pano de fundo enquanto a protagonista relembra fatos e conversas. No final do conto, há o registro de que a sonata do absoluto é um fundo musical permanente para a vida daquela que, não conseguindo satisfazer-se com o que encontrou de bom num ponto, continua a oscilar entre dois objetos. A única companhia absoluta, completa que lhe restou foi a da sonata.

Machado de Assis se serve da teoria musical com muita propriedade e não por acaso usa a sonata para sugerir perfeição, porque sonata é uma composição musical em três ou quatro movimentos destinada a um instrumento de teclado. Suas diferentes partes têm começo, meio e fim, revelando-se completa. Movimentos são cada uma das partes que compõe a sonata. Os movimentos são escritos em diferentes andamentos, pois, dentro do mesmo tema, cada um deles tem algo diferente a comunicar. Formam um conjunto harmoniosamente belo, completo, perfeito e absoluto. O som da sonata, sempre presente no pano de fundo, complementa o clima significativo dos eventos.

Também no conto “Trio em lá menor”, as partes são individuais, com características próprias. Juntas formam, como na sonata, um todo completo, com início, desenvolvimento e fim.

Diante de tudo o que foi descrito pode-se dizer que não foi acidentalmente que Machado utilizou a linguagem musical para descrever o conto. Ficou demonstrado que o autor era profundo conhecedor da teoria musical, pois a música referendou o significado de cada uma das partes do conto em particular. Esteve presente no decorrer de toda a narrativa, deixando marcada sua função em todos os momentos. E, mais especialmente, quando a personagem principal colocava-se em silêncio para recordar. Nesses momentos as palavras calavam, mas o som musical continuava a ser escutado por Maria Regina como acompanhamento para seus pensamentos, acrescentando-lhes maior significância. Essa é uma amostra da intensa ligação de Machado e das suas personagens com a música e, nesse conto, com a sonata, em particular.

CONCLUSÃO

No título “Trio em lá menor”, e em todo o desenrolar dos acontecimentos percebe-se claramente que a teoria musical, permeia os eventos, agregando significado ao desenrolar da trama e oferece ao leitor uma oportunidade extra de conhecimento, que o torna capaz de melhor entender a personalidade que o autor pretende para a personagem central de sua obra. A narrativa assume uma maior significância, não ficando limitada ao enredo em si, pois desvenda muito mais do que os simples fatos. O leitor, ao enxergar através do véu, que é o texto de Machado, abre um leque de interpretações e descobre a música.

“Trio em lá menor” é mais uma obra machadiana em que o autor se releva como grande analista da alma humana. Pouco importam as circunstâncias que envolvem a protagonista, a não ser para perscrutar o que se passa em seu íntimo. A ânsia de perfeição que Maria Regina busca em seus namorados reflete a intenção de Machado em mostrar que a criatura humana jamais vai alcançar seus intentos, ficando irremediavelmente só, nesse caso, com sua música. Revela uma visão da vida, em as pessoas da sociedade de sua época têm ambições desmedidas em busca da perfeição numa sociedade imperfeita.

Ao utilizar-se da música como complemento do texto, Machado revelou seu profundo conhecimento e admiração por ela. Em cada momento em que se percebeu a presença da música entrelaçada ao conto, ela colaborou para que o leitor sentisse maior prazer na leitura. A música vai além dos limites que as palavras impõem. Seu entendimento é amplo e, principalmente, subjetivo, outra marca machadiana.

REFERÊNCIAS
ASSIS, Machado de. Trio em lá menor. In:__. Várias histórias. São Paulo: Mérito, 1961, p.125-
138.
COSME, Luís. Introdução à música. 2. ed. porto Alegre: Globo. 1959.
HARNONCOURT, Nikolaus. O discurso dos sons. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990.
KIEFER, Bruno. Elementos da linguagem musical. 5. ed. Porto Alegre: Movimento, 1987.
TOMÁS, Lia. Ouvir o lógos: música e filosofia. São Paulo: UNESP, 2002.
WISNIK, José Miguel. O som e o sentido. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
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Continua… análise do conto 8. Adão e Eva
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Fonte:
Santa Cruz do Sul, v. 33 n especial, p. 88-98, jul., 2008. http://online.unisc.br/seer/index.php/signo/index

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Fonte:
Movimento União Cultural http://uniaocultural.blogspot.com/

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Machado de Assis (Análise dos Contos de “Várias Histórias”: 6. A Causa Secreta)


Análise realizada pelo Prof. Bartolomeu Amâncio da Silva. Bacharel em Letras, pela USP, professor de literatura da rede Objetivo (colégios e cursos pré-vestibular).
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O conto pode ser obtido em http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/01/machado-de-assis-causa-secreta.html

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O conto A Causa Secreta é um dos mais fortes de Machado de Assis. Sua estrutura narrativa lembra um pouco a de A Cartomante, com início abrupto, flashback e retomada do eixo em direção ao desfecho. Machado faz talvez um de seus melhores "desenhos psicológicos". Revela-nos a personalidade de um sádico, capaz de realizar "boas ações" desde que estas lhe permitam o exercício de seu prazer. A descrição da tortura a que submete um rato é página antológica na literatura brasileira.

Em 3ª pessoa, o narrador onisciente constitui uma notável caracterização psicológica em que revela, ao fazer o estudo do personagem Fortunato, o ápice do prazer que é conseguido na contemplação da desgraça alheia. O motivo do conto é explicar o verdadeiro sentido do termo "sadismo". Conta a estória de dois homens que, após um salvar a vida do outro e passar-se algum tempo, tornam-se sócios. Mas pouco a pouco um deles vai demonstrando tendências sádicas, torturando animais, fato que atordoa a esposa. Quando ela morre, Fortunato, o sádico, presencia o amigo beijar a testa da mulher e derreter-se em choro, saboreando o momento de dor do amigo que lhe traía.

Um conto naturalista. Ainda que a ambientação seja burguesa, os personagens parecem ratos de laboratório, uma analogia bastante explorada pelo autor na cena mais forte do texto em que o personagem Fortunato tortura um rato, cortando-lhe as patas lentamente, revelando todo o sadismo (patologia) que até então estivera oculto de todos, inclusive dos leitores.

A análise do conto A Causa Secreta, mostra que na perfeita normalidade social de Fortunato - um senhor rico, casado e de meia-idade, que demonstra interesse pelo sofrimento, socorrendo feridos e velando doentes - reside, na verdade, um sádico, que transformou a mulher e o amigo num par amoroso inibido pelo escrúpulo. Este escrúpulo, que gera o sofrimento do par, é a causa secreta do prazer de Fortunato e de sua atitude de manipulação de que o rato, no conto, é símbolo (Garcia, o protagonista, estaca perante a representação do horror. Fascinado perante o gesto frio de Fortunato, Garcia não faz sequer um gesto. Apenas contempla o sócio torturar lentamente um rato. Cortes meticulosos, pata a pata, precediam a queima do mesmo no fogo. O lento ritual prolongava o prazer. O narrador não subsume a cena em poucas palavras, mostrando-a por inteiro ao leitor).

Assim, de um narrador onisciente, nos principia o relato de um triângulo amoroso, trama comum a diversas ficções machadianas, enriquecida aqui de uma novidade incomum nas demais, o sadismo.

Em A Causa Secreta, Machado faz talvez um de seus melhores "desenhos psicológicos". Revela- nos a personalidade de uma pessoa, capaz de realizar "boas ações" desde que estas lhe permitam o exercício de seu prazer.

Começa-se com a informação de três pessoas, uma calma (Fortunato), outra intrigada (Garcia) e ainda uma terceira, tensa (Maria Luísa). Garcia havia visto pela primeira vez Fortunato durante a apresentação de uma peça de teatro, um “dramalhão cosido a facadas”. Este dava uma atenção especial às cenas, quase como se se deliciasse. Vai embora justo quando a obra entra em sua segunda parte, mais leve e alegre.

Mais tarde, Garcia volta a vê-lo quando do episódio de um esfaqueado, para o qual Fortunato dedica atenção especial durante o seu estágio crítico, tornando-se frio, indiferente quando a vítima melhora. Fica, portanto, seduzido pelo mistério sobre a explicação, a causa secreta de um comportamento estranho (não se deve esquecer que a postura de Garcia assemelha-se, guardadas as devidas proporções (já que não é dotado de onisciência), aos santos de Entre Santos, pois é dotado da capacidade de prestar atenção à personalidade humana. É, pois, quase um alter ego de Machado de Assis).

Tempos depois, passam a se encontrar constantemente no mesmo transporte, o que solidifica uma amizade. É a oportunidade para que o homem misterioso convide o amigo para conhecer casa e esposa. Estreitada a relação, duas conseqüências surgem daí. A primeira é a identificação entre Garcia e Maria Luísa, mulher do amigo. A sorte é que não se desenvolve nada mais do que isso. A segunda é a clínica que os dois homens vão abrir em sociedade. Nela, Fortunato vai-se destacar como um médico atencioso, principalmente para os doentes que se encontram no pior estágio de sofrimento.

E para aprimorar suas técnicas, pelo menos é o que confessa à cônjuge, o personagem dedica-se a dissecar animais. Chocada com o sofrimento dos bichos, Maria Luísa pede intervenção a Garcia, que faz com que Fortunato não praticasse mais tal ato, pelo menos, ao que parece, na clínica, tão perto da esposa.

A narrativa torna-se mais crítica quando Fortunato é flagrado vingando-se de um rato que supostamente teria roído documentos importantes: de forma paciente vai cortando as patas e rabo do bicho e aproximando do fogo, com cuidado para que o animal não morresse de imediato, possibilitando, assim, o prosseguimento do castigo. Maria Luísa havia pedido para Garcia interromper aquela cena, que foi a que justamente provocou o início do conto. A partir daí, encaminhamo-nos para o desfecho.

A mulher desenvolve tuberculose. É quando seu marido dedica-lhe atenção especial, extremada no momento terminal, ao qual ela não resiste. O final do texto é crucial para a total compreensão da história. Velando o corpo fica Garcia, enquanto Fortunato dorme. Em certa hora da noite, este acorda e vai até o local onde está a defunta. Vê Garcia dando um beijo naquela que amou. Ia dar um segundo beijo, mas não agüentou, entregando-se às lágrimas. Fortunato, ao invés de ficar indignado com a possibilidade de triângulo amoroso, aproveitou aquela dor “deliciosamente longa”. Descobre-se, assim, o seu caráter sádico.

É interessante notar como o autor deslinda aqui um comportamento doentio que norteia ações que aos olhos da sociedade podem parecer da mais completa bondade e dedicação ao próximo. É uma temática muito comum em Machado de Assis a idéia de que a aparência opõe-se radicalmente à essência.
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Continua… análise do conto 7. Trio em Lá Menor
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Fonte:
http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/v/varias_historias

Associação Poetas na Praça (Convite para 14 de Março, em Salvador/BA)


Convite

Associação Poetas na Praça, convida para o grandioso evento, o 14 de Março, DIA NACIONAL DA POESIA, em homenagem ao 164º. Aniversario de nascimento do poeta Castro Alves.

Já há décadas realizamos com poetas do país e vindos de outros paises. Possibilitando o intercambio cultural vivo, trocando informações do que é de novo da nova linguagem poética.

Programação Dia 14 de Março

Local – Praça Nacional da poesia, Salvador, Bahia, Brasil

10 H : Abertura - Exposição de artes plástica

10:15 CRIANÇARTE (trabalhos pedagógicos com crianças , Pintura criação livre

11 H Recital dos Poetas na Praça e Lançamentos de livros de poetas convidados

13 H Distribuição do Poster e Biografia de Castro Alves

Lançamento da Coletânea dos Poetas na Praça em Homenagem a Castro Alves,

15 H Show Musical

16 H Show Folclórico

17 H Recital aberto

Sede – Rua Carmosina, 17, Barros Reis, Salvador, Bahia, Brasil
Tel. 5571 88042608
http://www.poetapedrocezar.com/ poetasnapraca@hotmail.com

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.109)


Uma Trova Nacional

Quando a noite vem chegando,
no peito bate a saudade,
sirvo o vinho e vou sonhando
com o amor da mocidade.
(CARMEN PIO/RS)

Uma Trova Potiguar

Já não há nenhum respeito
por nós, os seres humanos!
A violência é o conceito
ideal para os insanos.
(ROSA REGIS/RN)

Uma Trova Premiada

2008 > Bandeirantes/PR
Tema > AUDÁCIA > Menção Especial

Tem, do herói, santo ou profeta
– em meio às guerras e a dor –
a mesma audácia, o poeta
que teima em falar de amor!
(THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA/SP)

Simplesmente Poesia

– Solano Trindade/PE –
VOU PRA TERRA DE IRACEMA

Vou pra terra de Iracema,
amanhã – se Deus quiser,
dizem que a terra é bonita,
como olhar de mulher...

Vou pra terra de Iracema
vou mimbora pro Ceará
meu coração quer que eu siga
a minh’alma quer que eu vá...

Uma Trova de Ademar

Todinho, suco e licor,
ou qualquer outra iguaria,
jamais se iguala ao sabor
do “café que mãe fazia”!
(ADEMAR MACEDO/RN)

...E Suas Trovas Ficaram

Desconfio que a Saudade
não gosta de ti, meu bem.
- Quando tu vens ela vai...
Quando tu vais ela vem...
(LUIZ OTÁVIO/RJ)

Estrofe do Dia

Meu amor que não tem fim
reside num grande abrigo,
de noite sonha comigo
de dia escreve pra mim,
no meio do seu jardim
tem uma rosa amarela,
quando o vento toca nela
as pétalas caem a metade;
nasceu um pé de saudade
no jardim da casa dela.
(LOURO BRANCO/CE)

Soneto do Dia

– Francisco Macedo/RN –
... VOLTA JESUS!

Jesus Cristo Voltai! Eu pediria,
e de novo calçai Tua alpercata,
usai, mais uma vez, Tua chibata,
pregai mais uma vez Tua homilia!

Os “vendilhões do Templo”, de hoje em dia,
vendem fé como quem vende batata,
banalizam milagre com bravata,
misto de fanatismo e hipocrisia.

Vê como usam o teu Santo Evangelho,
que na igreja de alguns, torna-se velho,
desvirtuado da grande missão.

Esta “raça de víboras” muito erra,
e conseguem jogar hoje por terra,
dois mil anos da Tua pregação!

Fonte:
Ademar Macedo

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Dodora Galinari (Trovas)


No calor do seu abraço,
se é inverno... não importa;
que o frio, num embaraço,
vai saindo e fecha a porta!

O lago, num doce amplexo,
como prova de paixão,
criou, da lua... o reflexo
em forma de coração!

Meu coração é uma rua -
bem fechada, já se vê -
por onde transita... nua,
a lembrança de você.

Retire a noite do olhar...
deixe o dia amanhecer
- toda alvorada ao chegar,
alegra o nosso viver.

Cupido entrou em descrença...
O AMOR, sofrendo sem fala...
- eu fingindo indiferença
você... negando notá-la.

Enquanto existir criança
e seu olhar de inocência,
pode-se ter esperança
de um mundo sem violência.

De costas, nessa apatia,
ficaste ao me ver voltar;
mas, pelo espelho, eu bem via
um brilho no teu olhar!

As montanhas, de mãos dadas
enfeitam nosso horizonte...
São princesas encantadas,
que os astros beijam na fronte!

Fonte:
UBT Nacional

Dodora Galinari


Dodora Galinari - nome literário e artístico de Maria Auxiliadora Galinari Nascimento - é membro da UBT-seção Belo Horizonte,onde reside.

Psicóloga. Pós-graduada em Pedagogia. Tem 30 anos de experiência na área da Educação: Magistério,do Ensino Fundamental ao Superior; Supervisão e Inspeção Escolar; Direção de Escola de Ensino Médio;Especialização em Superdotação.

Na chamada Melhor Idade,dedica-se às Artes cênicas como Atriz,Manequim,Modelo Fotográfico.

Natural de Dom Silvério/MG.

Desde adolescente,estudando interna em Ponte Nova/MG,diversas vezes foi premiada por seus trabalhos literários,tendo sido a 1" Presidente do Grêmio literário Pio XII - fundado na época.

Em meados de 2003,iniciou-se na UBT/BH e,na sua primeira participação em Concurso Interno obteve o 6º lugar – 2004. Em 2005 e 2006,sucessivamente,obteve o 1º lugar Anual-Concursos Internos, Novos Trovadores.

Ao término de 2006, classificada em Concurso Nacional/lnternacional, passou para a categoria Veteranos.

Outros Prêmios:
. 2004: Conc. interno Anual-Medalha de Bronze;
. 2005: Conc. Crueilandia-Menção Honrosa ;
Conc. Hum/BH-3º lugar;
Comunidade Luso-Brasileira-Menção Honrosa;
. 2006: Concurso Hum/BH-3º lugar;
Concurso Nac/lnternac. Pindamonhangaba-Menção Especial;
Concurso Nac/lnternac. Cidade Belo Horizonte-Menção Especial;
. 2007: Concurso Hurn/BH-2º lugar;
Conc. Internos/BH-Menção Especial ;
. 2008: Concurso Nac/lnternac. Univerti-Menção Especial;
Concurso lnterno BH-Menção Especial;
2009: Concurso Intersedes Cidade BH-Menção Honrosa;
Concurso Hurn/BH-Vencedor;
Concurso Interno/BH-Medalha

Participação:

Coletâneas de Trovas, UBT/BH:
2004:"Caleidoscópio";
2006:"Rosas de Cristal";
2008:"Mosaico de Trovas".

Coletânea - Coordenação Paulo Viotti: 2009/10:"Mineirices e Mineiridades".

Dodora Galinari é a atual Vice-Presidente de Administração da UBT - seção Belo Horizonte (biênio 2009/2010).

Fonte:
UBT Nacional

Folclore, Superstição, Lendas e Histórias (Aves do Brasil: Gavião)


A Tartaruga e o Gavião

Contam que, nos tempos primitivos, uma tartaruga matara um gavião, que deixou mulher e um filho pequeno. Sempre que o filho ia caçar camaleões, achava penas de pássaros. Chegando em casa perguntou à sua mãe:

- De quem são as penas que acho sempre no mato, quando vou caçar?

- Meu filho, são de teu pai, que morreu.

Calou-se ele e concentrou-se. Cresceu e estava quase moço.

Um dia foi caçar e encontrou umas tartaruguinhas. Estas disseram-lhe:

- Vamos nos banhar?

Ele disse:

- Vamos.

Dizem que se banharam e no banho, ele queria pegá-las com as unhas. Então elas disseram-lhe:

- Por isso minha avó matou teu pai.

– Agora sei quem verdadeiramente matou meu pai.

Cresceu e, quando já grande disse:

- Vou experimentar minhas forças.

Dizem que experimentou-as no grelo do meriti. Chegou e meteu as unhas para o arrancar. Experimentou, puxou e não o arrancou. Disse:

- Não tenho ainda forças.

Foi outra vez experimentá-las. Então arrancou o grelo e disse:

- Agora já tenho força. Agora vou deveras vingar meu defunto pai. Esperarei a saída da avó das tartarugas.

Dizem que um dia, aquela espalhou paracá em cima de uma esteira. Houve depois chuva com vento, e ela disse às netas:

- Vocês vão ajuntar para recolher da chuva o paracá.

As tartaruguinhas não foram, por ser aquele pesado, e por isso chamaram:

- Minha avó, venha ajudar-nos.

A avó subiu e foi ajudar as netas.

O gavião estava vigiando e, vendo-a sair, saltou-lhe em cima e a carregou para um galho de piquiá.

Então a velha tartaruga disse ao gavião:

- Como vou morrer agora, manda chamar teus parentes para que venham me ver morrer.

Vieram, então, todos os parentes do gavião. Chegaram todos os pássaros e ajudaram a matar a velha tartaruga. Os pássaros que a mataram ficaram sarapintados. Outros ficaram vermelhos. Aqueles que beliscaram o casco ficaram com o bico preto; outros que beliscaram o fígado ficaram verdes.

Assim acabaram as tartarugas assassinas; assim se acabaram.

Desde então os pássaros ficaram pintados.

Fontes:
Barbosa Rodrigues. Revista Selva. Rio de Janeiro, nº 1, setembro de 1946. In MELO, Anísio (org.). Estórias e lendas da Amazônia. São Paulo, Livraria Literat Editora, 1962. Antologia ilustrada do folclore brasileiro. Disponível em Jangada Brasil.

Frederico Augusto Garcia Fernandes* (Saci, Curupira, Mãozão e João Galafoice:



*UNESP-FCL/Assis

Começamos esta comunicação, contando um mito pantaneiro, em que a oposição “civilização X natureza” faz-se presente:

História de mãozão, essas coisas? É, essas história aí é braba, né? Quer dizer, eu nunca vi, eu conheço pessoas que já foram envolvidas nesse tipo de coisa, né? E cê quando lembra pra ele, ele puxa outra conversa, sai de perto, não quer responder, né?

Esse rapaz que ficou vinte e um dia na posse, diz que é do mãozão, né? Mas onde tinha a batida dele, tinha batida duma anta. O dia que pegaram ele, tiveram que laçar ele à moda gado. Ele correu. O pessoal diz que não viu ele, quem tava junto, né? Só via esse cara que tinha uma oração, esse tal de Parentão. Ele foi que laçou o guri. Só ele que viu, o pessoal só via a anta. E representava ele.

Então, ele falava assim pra algumas pessoa, diz que ele comia fruta. Uma pessoa que trazia as fruta pra ele comer e deixava a bóia dele, ele dormia e levava ele lá em cima, na forquilha de um pau, rodeava ele lá. A única coisa que ele contava, né? No mais, ele não falava nada.”


Silvério, o nosso contador, vai juntando elementos da tradição pantaneira num único relato, de modo a criar uma forma simples (no caso, o mito). Em outros termos, ele amalgama elementos da tradição (como o mãozão, o vaqueiro Parentão, rapto do garoto), representando valores e crenças, pessoais e compartilhadas com a comunidade pantaneira. O interessante é que seu relato é amplo, no sentido de que é possível efetuar vários cortes temáticos, porém ao mesmo tempo conciso, quando estamos tratando da linguagem em si. A performance é marcada pela “rapidez”, aspecto peculiar à literatura manifestada pela voz. Ítalo Calvino (1993) observa

A técnica da narração oral na tradição popular obedece a critérios de funcionalidade: negligencia os detalhes inúteis mas insiste nas repetições, por exemplo quando a história apresenta uma série de obstáculos a superar. O prazer infantil de ouvir histórias reside igualmente na espera dessas repetições, frases, fórmulas.”

Os “detalhes inúteis” dizem respeito a citações redundantes, descrições com pormenores irrelevantes, aspectos externos à trama, que em nada poderiam mudar o seu sentido. Não à parte, Ítalo Calvino menciona as repetições, que dizem respeito às fórmulas rimadas, comuns aos contos populares, mas que também são recorrentes em temas, situações e motivos. Estas últimas não são encontradas no relato de Silvério, ao passo que a “rapidez” em sua fala é marcante. Existe uma diversidade (pluralidade de assuntos) em torno de uma unidade, no caso, o relato conciso. Tal pluralidade é decorrente de variantes de outras histórias do universo pantaneiro, com as quais Silvério vai compor seu relato.

De fato, a manifestação dessas variantes não se dá somente dentro de um único universo. Os mitos na cultura popular espalham-se, misturam-se, preservam alguns sentidos e significados, alteram imagens. Primeiro porque uma dada cultura (como, por exemplo, a pantaneira) não é fechada em si, está em intermitente diálogo e intercâmbio com outras representações de mundo; segundo porque há casos de culturas muito distantes, sem nenhum contato, terem mitos muito semelhantes. Lévi-Strauss cataloga diversos temas que se repetem em pontos eqüidistantes:

Ao propor esta visão sincrética, não pretendo provar que um mito ou um conjunto de mitos ter-se-ia difundido de um hemisfério para o outro. O espírito, quando elabora os mitos, se entrega a um automatismo que, desde que se lhe forneça um motivo inicial, qualquer que seja a sua proveniência, efetua todas as suas transformações em seqüência. Basta um mesmo germe cá e lá para que surjam conteúdos míticos talvez muito diferentes quando olhados superficialmente, mas entre cujas estruturas a análise revela relações invariantes.” (LÉVI-STRAUSS, 1993, p. 81-82.)

A criação de um mito não se trata de uma idiossincrasia, mas de uma resposta dada pelo contador aos anseios coletivos. No terreno das inquietações, problematizações ou símbolos mais ou menos comuns a todos, manifesta-se uma contigüidade. É o que acontece, por exemplo, com o caso do menino que ficou na posse de uma anta. Em História de lince, Lévi-Strauss analisa o caso do menino em poder de um mocho e vai percebê-lo como uma estrutura menor, ligada ao conjunto de histórias do mito de lince. A proximidade entre esses relatos, com estruturas semelhantes e aspectos mais ou menos comuns em relação ao meio primitivo, ainda são incógnitas. Se, a coincidência do caso lince com o do menino e a anta é difícil de ser explicada, pois faltam muitos dados; podemos contemplar, no plano literário erudito, uma fonte de inspiração do escritor com base na narrativa popular/primitiva.

Num estudo sobre as fábulas, na tese de livre-docência de Maria Lúcia Goés, perceberemos, entre outras coisas, como o popular/primitivo é assimilado pela literatura infantil. O escopo da pesquisadora recai sobre os animais, refletindo sobre como o escritor apresenta uma releitura das fábulas em “objeto novo”, isto é, a história percebida no plano das ilustrações e da narrativa compondo um único objeto, o livro. Maria Lúcia Góes vai classificar estas histórias de “Fábula Moderna”, em que se apresentam duas sub-categorias: “Estórias de animais” e “Estórias de animais em resgate de Formas”. No primeiro caso, o livro resulta de uma “Matriz-Fábula”, cujas personagens principais são animais, podendo ou não manifestar os secundários ou coadjuvantes (seres humanos ou sobrenaturais). Já, a respeito das “Estórias de animais em resgate de Formas”, opera-se a paródia ou paráfrase e suas sub-classes (apropriação e estilização). Elas dizem respeito a “formas novas e diferentes de ler o convencional: processos de liberação do discurso.” (GOÉS, 1994. p. 154)

Nosso objetivo ao falar da “Fábula Moderna” é de mostrar como a linguagem passa por uma reelaboração, tornando-se “forma artística”, no conceito jolliniano. Voltando ao mito, ele traz uma diferença essencial quanto à fábula: a atitude daquele é de verdade, ao passo que esta é de ficção. Entretanto, olhando mais detidamente, o mito traz certa semelhança com a fábula, na medida em que propicia um enredo de aventuras, não sendo exímio de uma moralidade e/ou lição sapiencial. Retomando Maria Lúcia Goés (1993, p.103): “a criação do mito supõe dois momentos:1º) animação de todas as coisas, como também acontece na vida da criança; 2º) a qualificação – aqui as histórias começam a aparecer (invenção novelesca) sob forma de aventuras.”

Decorre daí, que o mito e a fábula podem possuir estruturas narrativas próximas, ao passo que nos falam em uma linguagem simbólica, sendo cercados por uma trama. Tanto um como outro não estão isentos da adaptação do discurso em “objeto novo”. Desse modo, se o mito apresenta invariantes em culturas diferentes, porém com a essência primitiva ou popular, ele também pode ser reelaborado numa forma artística, em que as ilustrações vão assumir o mesmo relevo da própria linguagem verbal. Para a percepção de uma outra atualização da forma mítica, diferente da de G.O. e de Silvério, escolhemos o livro O saci e o curupira, de Joel Rufino dos Santos(1984), para ser analisado.

A história, em prosa, faz referência a três mitos: o saci, o curupira e João Galofoice, sendo o último ligado ao universo infantil, responsável pelo rapto de crianças desobedientes e mal comportadas. A “rapidez”, como no relato de Silvério, faz-se presente, compondo uma trama curta, sem divagações, em que os pormenores são enfatizados no plano pictórico. O ilustrador, nesse sentido, dá os detalhes dos espaços e formas às personagens, fazendo um contraste entre cores vivas (amarelo, vermelho, laranja, entre outras) e escuras (roxo e preto) ou tons pastéis, com a finalidade de marcar quadros e situações. Tal contraste desempenha função importante, uma vez que os ambientes estão restritos à casa de um caçador e à mata, sendo que as situações se repetem inúmeras vezes nesses espaços, com a modificação apenas de uma personagem. Dessa maneira, ele alerta o leitor para a mudança do tempo e de situação na narrativa, enaltecendo ainda mais a repetição da ação.

Retomando a citação de Ítalo Calvino (supra, p. 18), a repetição é responsável por boa parte do frenesi no ouvinte mirim, por causar uma expectativa da qual ele já supõe conhecer a resposta. Ela provoca, assim, uma empatia, na qual o escritor/contador convida o leitor/ouvinte a participar da construção de sua obra, envolvendo-o em situações já conhecidas, levando-o à assimilação da mensagem de maneira mais eficaz e fornecendo condições para que o mesmo leitor/ouvinte chegue ao desfecho antes de ele se concretizar, porque já assimilou a moral.

Assim, na página 2 do livro lemos:

Era uma vez um homem muito pobre” (cores vivas, mostra a penumbra de um homem saindo com uma espingarda, com o desenho de sua casa ao lado e o sol iluminando ao fundo).

e na seguinte:

Ele saía para caçar de dia, voltava sem nada. Aí resolveu experimentar de noite.” (cores escuras, repete-se a mesma imagem anterior, com exceção do sol que foi trocado pela lua e da posição da arma do caçador).

A repetição de imagens com tons diferentes será recorrente no livro, bem como da história em si. Indo direto ao tema, notaremos que ao abrir o livro, o escritor já procura inserir o leitor num universo do faz-de-conta. “Era uma vez” (página 2 do livro) é uma fórmula muito comum nos contos populares, capaz de alertar o ouvinte/leitor para uma ficção, ou melhor, um universo de fantasia do qual ele começa a fazer parte. Os mitos geralmente não se iniciam com tal fórmula, tendo em vista que o contador procura conferir a eles veracidade. Então, não é de um acontecimento verídico que o autor quer tratar, mas nos é feito um convite à fantasia, é o mundo do faz-de-conta que foi acionado, para que seja contada a história.

Em seguida, temos o caçador saindo à noite, pois não arruma alimento durante o dia. Na mata, ele encontra o saci e o diálogo é este:

“‑ Quem que lhe deu ordem pra caçar a esta hora?
‑ Ninguém – disse o homem, tremendo. – Mas é que sou muito pobre e não arrumo caça de dia.
‑ Gostei de você – falou o saci. – Você tem fumo?

O matuto deu fumo pro cachimbo do negrinho.
‑ Vamos fazer um trato – disse ele, baforando. Se você me trouxer fumo toda noite, eu lhe arrumo caça
.” (p. 6-11).

Numa comparação entre esta história e o mito do mãozão temos: saci é o dono da mata, como o mãozão, o caçador transgride o espaço do mito. O mito, ao contrário do mãozão, propõe uma relação de troca: alimento pelo fumo, estabelecendo uma situação de harmonia entre o homem (que depende da caça para sobreviver) e a natureza (representada pelo saci, que é atendido ao receber o fumo para seu cachimbo). Os dois ficam em harmonia: o homem com a caça e o saci com o fumo.

Tudo ia bem, até que um dia o fumo do caçador acabou e sua mulher, Maria Gomes, lhe sugeriu lograr o saci, dando, no lugar, estrume seco. O resultado é que o saci desapareceu e nunca mais trouxe caça. Por isso, volta a situação de penúria do caçador, encontrada no início da história. Reinstala-se o distúrbio entre o homem e a natureza, na qual, não conseguindo alimento, fica impossibilitada a sobrevivência daquele. Nas páginas seguintes, é a natureza que vai ao encontro do homem, representada pelo curupira:

Tornaram a bater. O homem se levantou para espiar pelo cantinho da janela. Era o curupira.
‑ O senhor não tem aí um pouquinho de pólvora? – perguntou o menino de calcanhar virado. Mas perguntou baixinho.
‑ Tenho e não tenho – respondeu o homem, maluco pra fazer comércio.
‑ Se o senhor me arrumar um pouco de pólvora – disse o curupira – cada noite lhe trago uma caça como essa. Só peço uma coisa: sua mulher não pode saber que sou eu
.” (p.20-23).

Novamente, com o curupira, é estabelecida a harmonia homem/natureza, a partir de uma outra relação de troca: caça pela pólvora. Só que o novo contrato foi também rompido, pois a situação imposta pelo curupira, de que o caçador deveria manter segredo para sua mulher, não se cumpriu. A repetição da situação, além de provocar a empatia no leitor, traz um norma ética, com um fundo moral: não devemos enganar a quem nos faz bem. Recorrendo à Maria Lúcia Goés (1993, p.80), notaremos uma aproximação desta história com a fábula ética, uma vez que tanto uma como a outra: “induz a um aprendizado quanto ao comportamento individual, o ser no mundo [...]”

A história de Joel Rufino dos Santos enfatiza, por sua vez, com as repetições, uma conduta humana abusiva, pois o homem deveria ter respeitado o acordo com os mitos (saci e curupira), sua moralidade reside num aprendizado ético, do ser frente a ações e situações do mundo, de como ele deveria ter se comportado para não romper a situação de equilíbrio com a natureza.

O desfecho é a briga entre o caçador e sua esposa, com os dois deixando a casa. A penúltima imagem mostra a penumbra do homem saindo pelo lado esquerdo e a mulher, na página ao lado, pelo direito, ao centro está a casa (ocupando as duas páginas). O trecho é este:

Tanto brigaram, que um saiu prum lado e outro pro outro.
O homem se chama João Galafoice. E está sempre de surrão às costas. Tem gente que acredita que é pra esconder criança. Bobagem. É um montão de fumo pra trocar com o saci. Só que o saci não aparece pra ele , não
.” (SANTOS, 1984, p.30-31)

Ocorre aí a inserção de João Galafoice (CASCUDO, 1972. p. 482), até antes velado. Todavia, a apresentação do narrador tende a abrandar e até eliminar o temor infantil, pois ele confere uma outra função ao surrão do João Galafoice: a de levar fumo para o saci e não para esconder crianças. O objetivo do escritor começa a se clarear: dissipar o medo do leitor, sugerindo uma nova função para o mito.

No último trecho do livro, isso fica mais latente:

A mulher se chama Maria Gomes. Tá sempre de cabelo despenteado, anda que anda por aí. Maria Gomes espia o calcanhar de tudo quanto é menino, mas não precisa ter medo, não. Tá só procurando o curupira pra pedir desculpa.” (imagem centrada na face de uma mulher de cabelos vermelhos e volumosos, despenteada, olhos arregalados).

Maria Gomes é personagem muito comum nos contos maravilhosos (CASCUDO, 1997. p. 47-51). Geralmente, ela é a menina que, abandonada pelo pai, encontra um príncipe encantado (em forma de cavalo branco), demonstra obediência e lealdade a ele; e por fim, quebra o feitiço e casa-se com o príncipe. A identificação da história de Joel Rufino dos Santos com o conto “Maria Gomes” é mínima e os aspectos opostos são mais latentes.

Tais fatos nos levam à conclusão de que Joel Rufino dos Santos intenta demonstrar a ineficácia do medo, tendo em vista a descrição de Maria Gomes, assustadora na imagem, porém inofensiva, conforme a linguagem verbal.

Assim, ele reveste os mitos de uma nova roupagem, até o saci e o curupira são amigáveis e prestativos, sendo que a ilustração colabora com tais aspectos. Com isso, o autor passa duas mensagens: devemos ser sinceros nas relações, o que equivale num plano mais profundo a respeitar a natureza (uma vez que o saci e o curupira são representantes dela), e, por fim, não devemos nos assustar com os mitos que, na tradição popular, geralmente são deflagradores do medo infantil.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SANTOS, J. R. dos. O saci e o curupira. il . Zeflávio Teixeira. São Paulo: Ática, 1984.
Fonte Oral
ENTREVISTA Silvério Gonçalves Narciso (filme-vídeo). Produção: Eudes F. Leite & Frederico A. G. Fernandes. Corumbá: Ceuc/UFMS, 1996. 90min (aprox.), color., son., VHSc.

Fonte:
XIII Seminario do CELLIP (Centro de Estudos Linguísticos e Literários do Paraná) – Campo Mourão, 1999 (CD-Rom)

Arcádia de Minas Gerais (Convite aos Membros do Clube Brasileiro da Língua Portuguesa BH MG)

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Machado de Assis (Análise dos Contos de “Várias Histórias”: 5. A Desejada das Gentes)


Análise realizada por Cristiane Teixeira de Amorim, sob o título Máscaras do Desejo em “A Desejada das Gentes”, De Machado De Assis
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O conto na íntegra se encontra em http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/10/machado-de-assis-desejada-das-gentes.html
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O conto “A desejada das gentes” foi publicado pela primeira vez em 1886. Em 1896, passa a integrar a coletânea Várias histórias.

A narrativa sustenta-se sobre um diálogo no qual um dos personagens, o Conselheiro, assume tom memorialista e nostálgico ao expor, para o amigo, seu passado – reminiscências do ano em que conhecera Quintília (1855) ao ano de sua morte (1859) – em uma seqüência quase integralmente cronológica (não fosse a referência inicial à própria morte), intercalada com reflexões, sobre fatos e comportamentos apresentados, provenientes do distanciamento temporal.

O texto deixa entrever que o diálogo já havia iniciado antes da narrativa, como se o autor tivesse feito um corte seletivo na conversa entre amigos – tipo de recurso recorrente na estética literária contemporânea.

A primeira “fala” pertence ao interlocutor que manifesta uma crítica ao estilo romanesco do Conselheiro: “Ah! Conselheiro, aí começa a falar em versos.” (p. 125). A nuance de teor sentimentalista se mantém na réplica: “Todos os homens devem ter uma lira no coração.” (p. 125). Em seguida, as razões para os “versos” e para a “lira no coração” são expostas. O espaço exterior exuma o passado; traz à tona não o real que jaz noutro tempo, mas a representação deste real, contraditoriamente assassinado e ressuscitado (embora nasça outro) no processo de rememoração. Durante o passeio pela Glória, o Conselheiro faz reviver a exuberante Quintília, ou melhor, sua imagem representativa, distanciada do real (que, em verdade, sob quaisquer circunstâncias, jamais é plenamente apreensível), embora mantenha com o mesmo certo grau de parentesco. Ela faz jus ao epíteto de deusa, ao se imortalizar através da memória, ainda que esta tenha sido orientada pela “lira que ressoa” e pela “imaginação” (p. 125).

O outeiro é apontado e, diante dele, há uma casa. A casa onde, o texto sugere, morou a “desejada das gentes”. A ironia machadiana se aproveita dos espaços. Aquela que nunca ambicionou se casar e com a qual todos cobiçavam se unir em matrimônio residia diante do altar.

O Conselheiro, ainda em réplica à fala inicial do interlocutor, questiona: “Sabe por que é que lhe pareço poeta, apesar das ordenações do Reino e dos cabelos grisalhos?” (p.125). A pergunta suscita algumas inferências: ao mencionar que o personagem possui cabelos grisalhos, o texto presta indiretamente a informação que um longo tempo se passara entre o presente do enunciado e o presente da enunciação, considerando que ele era mais novo que Quintília e que ela morrera com trinta e três ou trinta e quatro anos. O “parecer poeta”, o “falar em verso” e a “lira no coração” compõem uma tríade inicial que situa o personagem no âmbito da estética romântica. Ao mesmo tempo, o Conselheiro crê que as “ordenações do Reino” e os “cabelos grisalhos” constituem empecilhos para tais acessos romanescos.

O poeta, portanto, deveria ser jovem e não possuir nenhuma ligação com o sentido prático da existência. O autor inicia o processo de construção de seus personagens elásticos, que ocupam todas as esferas e a elas se contrapõem. No decorrer da narrativa, o interlocutor faz duas interrupções à fala do Conselheiro para criticar seu tom romantizado que será, através desta oposição e das reminiscências do discurso e do comportamento de Quintília, freqüentemente corroído. O ridículo se aproxima do Conselheiro e o riso que brota dos lábios da “desejada das gentes” parece estampado na face machadiana.

É tentador apontar a morte da estética romântica na produção da segunda fase do “bruxo do Cosme Velho”. Seria, no entanto, uma abordagem equivocada. Ela não sucumbe, ainda que se mantenha apenas para fazer contraponto a uma nova maneira de o homem ver o mundo e de se ver diante do mundo. Valentim Faciolli ao abordar, na análise do texto machadiano, “as formas artísticas”, afirma que elas são “capazes de captar o movimento social de forma contínua: a decomposição das formas velhas e, no interior destas, o nascimento das novas, com a convivência delas em tensão permanente, como movimento de contradições, dialético.” (1982, p. 39). Embora não se refira diretamente a questão aqui exposta, o autor parece corroborar a tese de que Machado não aniquila nenhuma fonte, abastece-se em todas, mesmo que tenha o aparente intuito de negá-las. Nada morre no texto machadiano; tudo vive em tensão permanente.

Ainda no início do diálogo, surgem as primeiras caracterizações de Quintília: “divina”, “linda”, “a mais bela”, “magra”, “alta”. Uma mulher que reúne atrativos que a tornam objeto de desejo. Seu nome, contudo, sugere a impossibilidade de apreensão deste objeto: o parônimo “quintilha” significa, de acordo com o Aurélio, “estrofe de cinco versos” e tem origem na combinação etimológica “quinto + ilha”, indicando, portanto, algo cercado e simultaneamente isolado. O termo “quintilho” oferece também sua contribuição: “Erva ornamental (...) de (...) flores solitárias e (...) vistosas”. A imagem do belo desabitado que brota das nomenclaturas parece autenticar a visão da personagem apresentada no decorrer do conto.

O anúncio da morte da “desejada das gentes” é feito no princípio da narrativa. Morreu em 20 de abril de 1859, durante a estação em que as flores perecem. O Conselheiro, que a conhecera em 1855, quanto ela tinha então trinta anos, faz questão de frisar que “não os parecia”. Relembra, posteriormente, que uma amiga de Quintília dizia que ela “não passava dos vinte e sete”, apenas para “diminuir-se a si própria” (p.125), já que ambas nasceram na mesma data. Inicia-se com sutileza o jogo machadiano de aparência versos essência: atitudes de feições inocentes (ou beneméritas) mascaram sempre o egocentrismo humano. O que está por traz das ações e das palavras, o não-dito, o não-confessado surge pelos espaços que a dissimulação não consegue encobrir: os personagens sempre arrastam uma barra de algodão.

O Conselheiro dá continuidade à descrição de Quintília:
(...) tinha os olhos, como eu então dizia, que pareciam cortados da capa da última noite, mas apesar de noturnos, sem mistérios nem abismos. A voz era brandíssima, um tanto apaulistada, a boca larga, e os dentes, quando ela simplesmente falava, davam-lhe a boca um ar de riso. Ria também, e foram os risos dela, de parceria com os olhos, que me doeram muito durante certo tempo. A “desejada das gentes” é inapreensível. Primeiro, porque as informações sobre ela são fornecidas através da memória, da imagem representativa e dos interesses daquele que conduz a narrativa. Segundo, porque a oposição de Quintília aos ideais femininos de sua época – que a torna fascinante em razão do distanciamento do comportamento comum – não é esclarecida ao logo do conto. No século XIX, as mulheres se casavam jovens e consideravam o casamento projeto central de vida. Permanecer solteira era motivo de infinitas tristezas, como esclarece Ingrid Stein em sua obra Figuras femininas em Machado de Assis: “O casamento representava, no quadro da época, a aspiração modelar da maior parte das moças. (...) As moças casavam muito cedo, com treze ou catorze anos. Se entrassem na casa dos vinte sem pretendente já podiam ser consideradas ‘solteironas’.” (1984, p. 31). Verifica-se, portanto, dois posicionamentos antagônicos em relação ao período: Quintília não quer se casar e os homens desejam se unir em matrimônio a uma mulher que já passara dos trinta anos!

A descrição dos olhos da personagem encerra a seguinte questão: Como possui olhos sem mistérios a mulher que constitui um enigma? Parece certo afirmar que a visão do Conselheiro é equivocada, já que ele declara em seguida: “Tanto não os tinha (mistérios) que cheguei ao ponto de supor que eram as portas abertas do castelo (...)” (p. 126). Quintília nunca “abriu as portas” a seu pretendente.

Seu olhar, misterioso ou não, encobria uma personalidade inatingível. O que desejava Machado: chacotear seu “narrador” ou sugerir nas entrelinhas que os olhos não são dignos de confiabilidade? Facioli, ao analisar a problemática do ponto de vista no texto machadiano, conclui:

(...) o próprio narrador é contestado continuamente em sua versão dos “fatos” narrados, sendo desmistificado pelos outros ou por seu próprio discurso. A verdade do texto é uma questão de ponto de vista e, portanto, sempre determinada pelos “interesses em jogo”.

O leitor estará diante dos movimentos de uma verdade sempre ambígua e instável. (Facioli, 1982, p. 40-1)

Em seguida, a descrição se foca no “ar de riso” da “desejada das gentes” que confere a sua face um tom permanentemente irônico. Quintília ri diante do discurso romântico do Conselheiro. Seu riso é pontiagudo e se dirige não apenas ao personagem, mas ao leitor habituado às paixões romanescas. Os demais leitores Machado convida a rir também. Não um riso frouxo, intenso, incontido, e sim um sutil e cáustico distender de lábios.

O Conselheiro passa a explicitar a origem de seu desejo. Ela era bela, mas não fora a beleza o chamariz da vontade. O interesse é despertado apenas quando ouve “um grupo de moços que falavam dela, como de uma fortaleza inexpugnável” (p. 126). Quintília se torna objeto de conquista valorizado pelo desejo do Outro e pela dificuldade de apreensão do próprio objeto.

Camille Dumouliè, professor de Literatura Comparada na Universidade de Paris X-Nanterre, em sua obra O desejo, reúne autores ao longo da filosofia e da psicanálise que tentaram compreender o universo deste afeto. Ao apresentar a contribuição lacaniana, assinala, tendo como foco o “seio da mulher”: Para se tornar causa do desejo, é necessário que tenha sido objeto do desejo de Outro, visto que, segundo a fórmula de Lacan, o desejo do homem é o desejo do Outro (2005, p. 110).

Embora a psicanálise alcance a concepção de desejo intrínseca no conto, a raiz deste tipo de aspiração possui um viés mais schopenhauriano e, por conseguinte, mais machadiano. Querer o que o Outro deseja centra-se não na mimese, mas na vaidade. Ao alcançar o que todos almejam, ganha-se a admiração (ou a idolatria) dos olhos da opinião. A vaidade mascarada por outros sentimentos é recorrente na obra de Machado e não são poucos os críticos que apontam a influência da doutrina do filósofo alemão. Ambos ambicionavam dissecar a alma humana e acreditavam nas aparências que camuflam verdades:

No trato humano, as pessoas fazem como a Lua e os corcundas, isto é, mostram apenas a metade; e cada um é dotado do talento inato de compor o rosto com habilidade mímica, de modo a parecer rigorosamente aquilo que devera ser; e como a máscara é feita adrede para ele, assenta-lhe tão bem, que a ilusão é completa. (Schopenhauer, 1956, p. 179)

A “cena” do grupo de moços que, feridos em seu orgulho, apontavam, sem pudor, razões para as negativas de Quintília diante de tantas propostas, se passa “entre dois atos dos Puritanos”. Machado mantém o tom irônico ao aproximar literariamente a malícia da pureza moral.

O Conselheiro e o amigo advogado João Nóbrega, que já conheciam a “desejada das gentes” e a consideravam belíssima, mas nunca pensaram em namorá-la, decidem, calcados no desejo do Outro e na dificuldade de apreensão do objeto (ela era a “fortaleza inexpugnável”), conquistá-la. Fazem, então, uma aposta e Nóbrega lembra que Quintília não era apenas bela. Era rica. Nenhum traço romântico, portanto, os impulsiona à aventura.

Um fato novo muda o rumo dos acontecimentos: os amigos, “violentamente enfeitiçados” pela “desejada das gentes”, perdem o controle da situação. A espécie é, então, responsabilizada: “(...) o homem põe e a espécie dispõe” (p. 127). Essa concepção, nitidamente schopenhauriana, coloca a Vontade da espécie, que visa sua perpetuação através da reprodução dos seres, sobreposta à vontade do indivíduo. De acordo com o filósofo, o amor constitui um “ardil da natureza” para obter seu único fim: “a combinação da próxima geração” (Schopenhauer, 1969, p. 16). Independente de a teoria alemã surgir no conto para ser reverenciada ou depreciada, o desejo nova mente aparece dissimulado. Os sentimentos dos personagens por Quintília espelham, nesta abordagem, a Vontade da espécie.

O Conselheiro e João Nóbrega se desentendem ao se tornarem rivais. A disputa pelo mesmo objeto (a “ação comum”) conduz à separação. O “narrador” afirma que “ou por desengano verbal que ela (Quintília) lhe desse, ou por desespero de vencer” (p. 127), o ex-amigo desistira da disputa. A utilização de orações alternativas põe em xeque as causas apresentadas. Em seguida, o Conselheiro assevera que Nóbrega morrera “apaixonado como um simples Werther”. (p. 127). O exagero próprio do estilo romântico é criticado na réplica do interlocutor: “Menos a pistola.” O “narrador” desconhece os motivos que levaram ao afastamento do advogado; apenas suposições são apresentadas. No texto, também não há nenhum indício de manutenção do contato entre estes personagens. Aparentemente a tendência romanesca do Conselheiro o induz a acreditar que Nóbrega falecera em decorrência do veneno exalado do amor de Quintília.

O desejo, pouco a pouco, ganha outra face. Ele já não é apenas desejo do Outro, mas o desejo narcísico de ser desejado (o desejo pelo desejo do Outro). A vaidade se mantém como a mola propulsora das vontades. Dumoulié, ao abordar esta questão, cita o pensamento de Hegel segundo Kojève:
(...) na relação entre o homem e a mulher, por exemplo, o Desejo só é humano se um deseja não o corpo, mas o Desejo do outro, se quer “possuir” ou “assimilar” o Desejo tomado enquanto Desejo, ou seja, se quer ser “desejado” ou “amado” ou então ainda: “reconhecido” no seu valor humano (...). (Hegel apud Dumoulié, 2005, p.125)

O Conselheiro afirma que “Quintília não deixava ninguém estar só em campo.” (p.128). A sentença faria o interlocutor (e o leitor) desconfiar de que “a desejada das gentes” saboreava seu lugar de “objeto de desejo”. Para evitar essa acepção, ele apressa-se por dizer:
“não digo por ela, mas pelos outros”. A imagem de sedutora mordaz rui para dar lugar a da mulher justa e piedosa. Em seguida, conclui a descrição: “(...) tinha essa espécie de olhos derramados que não foram feitos para homens ciumentos.” (p.128). O que significaria “olhos derramados” senão os que se projetam sobre o Outro, os que se alastram até tudo abarcar? Machado criou mais uma de suas personagens enigmáticas, que o “narrador” se esforça por decifrar inutilmente porque prisioneiro de seu próprio olhar. Ao leitor, resta um ponto de vista oscilatório, frágil, duvidoso. Quintília se deleitava com o desejo que incitava ou era apenas uma mulher bela a se esquivar com gentileza da cobiça alheia?

O lugar daquele que deseja é expresso por uma “voz” nada confiável, embora permita vislumbrar, pelas fendas na máscara, parte do que se encontra camuflado. A estética machadiana se assemelha a uma capa repleta de pequenos orifícios por onde escapam verdades” que os personagens ambicionavam encobrir. A narrativa se estrutura em discursos sobrepostos: o primeiro propositalmente falho, porque deixa entrever, mesmo que de forma precária, o subjacente que se ansiava por manter à sombra.

Mas quanto à nebulosa Quintília? Ela não tem “voz” e sua constituição ao longo do texto, como já referido, parte da imagem representativa do Conselheiro. Curiosamente a obra de Dumoulié, O desejo, também não aborda o tema sob a perspectiva do desejado, mas daquele que deseja, constituindo uma lacuna no entendimento desta relação.

O “narrador” sente ciúmes de sua “amada”. É tomado, portanto, por outro tipo de aspiração: o desejo de exclusividade. Ele não quer apenas que ela o deseje; ele quer que ela não deseje mais ninguém. Quintília, procurando se desvencilhar de seus pretendentes, faz uso, de acordo com o Conselheiro, da opinião contrária (e interesseira) do tio ao seu casamento. As ações dos personagens estão sempre voltadas para benefício próprio. Vale ressaltar que o Conselheiro se espanta com o fato de “uma pessoa tão amiga de bailes e passeios, de valsar e rir, fosse (...) tão severa e grave.” (p. 128). O trecho faz crer que Quintília, embora corrobore com o estereotipo da mulher da Corte, dada às futilidades e trivialidades sociais, possui uma essência contrária à aparência.

Pouco a pouco o estilo romantizado toma conta do “narrador”. Ele teme se declarar e escreve cartas que não envia. Seu pai morre e, em seguida, o tio da “desejada das gentes” adoece. O Conselheiro, então, vislumbra a felicidade frente à iminência da morte: “(...)a afeição principal ia-se embora e nessa transição da vida presente à vida ulterior podia eu alcançar o que desejava.” (p.129). Machado brinca sarcasticamente com o leitor: quando este se torna complacente com a angústia do personagem diante do desejo por Quintília, é posto frente a frente com a sordidez humana. No texto machadiano, bem e mal não constituem absolutos; encontram-se liquefeitos no íntimo dos seres.

Enfim, o Conselheiro decide pedir Quintília em casamento. O tom melodramático do “narrador” contrasta com a réplica seca da “desejada das gentes”: “Casar pra quê?” (p.129). Diante de uma reposta carregada de sentimentalismo exacerbado, ela ri. Quintília mais uma vez ri do ideário romântico. Após o relato da briga entre os amigos advogados, ela pergunta: “Mas então é um delírio?” (p.130). Posteriormente, ele declara que ela o olhava “como se olha para uma pessoa cujas faculdades pareciam transtornadas.” (p. 130). A obsessão, a idéia fixa, recorrente na ficção machadiana, invade os personagens e os conduz ao desvario. Como assinala Brás Cubas “(...) é ela a que faz os varões fortes e os doudos.” (Assis, 2001, p. 23).

Quintília jura que jamais se casará e o Conselheiro conclui: “Éramos dois sócios, que entravam no comércio da vida com diferente capital: eu, tudo o que possuía; ela, quase um óbulo.” (p.130). Aquele que deseja se mostra, portanto, obcecado pelo objeto a ponto de por ele se sacrificar.

A “desejada das gentes” adoece e, com a proximidade, o “amigo” encontra uma chave para a compreensão de sua alma: “escutando as suas leituras vi que os livros puramente amorosos achava-os incompreensíveis, e, se as paixões aí eram violentas, largava-os com tédio.” (p. 131). Quintília assume definitivamente uma postura anti-romântica, tornando-se personagem-símbolo da consolidação de uma nova estética.

Diante da finitude, ela se mostra “enérgica”; não há lágrimas ou lamentos. Casa-se com o Conselheiro à beira da morte. Ele a abraça “pela primeira vez feita cadáver”. (p. 132). O desejo deseja sua própria morte na aquisição, na conquista, na absorção do objeto, todavia a morte do objeto não configura a morte do desejo. Ao analisar o amor cortês, Dumoulié conclui que ele “se fundamenta sobre o mesmo princípio ascético que renuncia ao prazer e constrói uma forma de gerenciamento cujo fim é manter no mais alto grau a intensidade do desejo, eternizá-lo.” (Op. cit., p. 179). Quintília, portanto, fora mordaz com seu “amigo” de traços romanescos, ao presenteá-lo com um desfecho típico de romance-romântico. A partir desta concepção, pode-se compreender a combinação translógica dos epítetos “monstro” e “divino” com os quais o Conselheiro define a “desejada das gentes”.

Por outro ângulo, é possível vislumbrar a vertente schopenhauriana: o “narrador” viveu uma busca incessante que desemboca no encontro com o nada. Percorreu, portanto, a trajetória em direção à ilusão, a que todo desejo conduz, própria de todas as existências.

No conto, o desejo (ou o amor) perde a aura idealizada dos românticos e ganha agentes motivadores de feições pouco nobres. Dumoulié cita o ensaio de Girard Mentira romântica e verdade romanesca que corrobora o ponto de vista apresentado:
Nesse estudo analisa as obras de uma série de romancistas “realistas” que mostram claramente a ilusão da mentira romântica de um desejo autônomo, direto e livre por um objeto ao qual o ego atribui valor intrínseco, e revelaram a verdade do “desejo triangular”. Este último supõe a existência de um rival, de um modelo, de um obstáculo, que dá o valor a um objeto e o torna uma coisa desejável. (Dumoulié, Op. cit., p. 216)

Quintília é incontestavelmente bela e “o belo é a armadilha do desejo por excelência.” (Dumoulié, ibid., p.106). Possuir o belo significa saborear a inveja nos olhos da opinião. Todavia, a cobiça possui outros estímulos. Além de rica, a “desejada das gentes” não quer se casar. As freqüentes negativas constituem o tal obstáculo “que dá valor a um objeto”. Por outro lado, o desejo acirrado pelo desejo do Outro (deseja-se o que o Outro deseja) faz com que o número de candidatos mantenha curva ascendente. O Conselheiro, ao ambicionar o amor de Quintília, deixa entrever que o desejo também se fundamenta no desejo de ser desejado, porque “é sempre a si mesmo que se ama no amor.” (Id., ibid., p. 192). Todas as causas têm raízes, portanto, na vaidade como avalia Chamfort: Tire o amor próprio do amor e bem pouco há de restar. Uma vez purgado de vaidade, é um convalescente enfraquecido, que se arrasta com dificuldade. (Id., ibid., p. 189). A costura de todos esses elementos dá corpo a uma imagem distanciada do real e, por conseguinte, representativa do objeto: A realização do desejo não é portanto a posse de um objeto real, mas a reprodução alucinatória de uma percepção cuja imagem mnésica é de novo investida. Estamos precisamente, com o desejo, no mundo como representação: nunca temos uma relação direta com o real, (...) mas sempre com representações de afetos, ou até com representações de representações. (Dumoulié, op. Cit,, p.120)

Na estética machadiana, nada é o que parece, há sempre algo camuflado que requer um leitor atento a cada sutil movimento da narrativa para não ser lançado ao chão ou, ao menos, um leitor disposto a se levantar diante das quedas quase inevitáveis. A percepção das verdades (prováveis) surge do estranhamento provocado por expectativas frustradas. É esse estranhamento que incita o tatear textual. Machado, assim como a bela Quintília, atravessa os séculos sem se deixar apreender. O terreno é o das possibilidades de leitura limitadas pelo olhar e pela linguagem: “prisioneiros da linguagem e do nosso sistema de interpretações, ou de representações, vemo-nos obrigados a (...) projetar sobre ele noções que são próprias de nossa vida e de nossa experiência.” (Id., ibid., p.155).

O real não reside, portanto, atrás da máscara; ele é, em verdade, a própria máscara.

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Continua… análise do conto 6.“A Causa Secreta”
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Fonte:
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