segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Machado de Assis (Análise dos Contos de “Várias Histórias”: 2. Entre Santos)


analise realizada pelo Prof. Bartolomeu Amâncio da Silva. Bacharelado em Letras, pela USP , professor de literatura da rede Objetivo (colégios e cursos pré-vestibular).
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O conto Entre Santos, de Machado de Assis, trata-se de uma narrativa dentro de outra narrativa, que em determinado momento dá caminho para mais outra. Um discreto narrador em terceira pessoa abre, já no primeiro parágrafo, espaço para um narrador em primeira pessoa, testemunha de um acontecimento surpreendente.

Enquanto era capelão na igreja de São Francisco de Paula, pôde surpreender, numa noite, o diálogo entre santos que durante o dia eram estátuas no templo. Discutiam o caráter humano, deslindado nas pessoas que vinham rezar diante deles. S. João Batista e S. Francisco de Paula eram os autores dos comentários mais ácidos em relação ao gênero humano. Um deles faz questão de lembrar uma adúltera que vinha pedir ajuda para se afastar de tal relacionamento, mas que, enquanto orava, rememorava momentos ardorosos, o que diminuía a fé a ponto de fazê-la abandonar o recinto sem nem mesmo completar seu pedido. Tudo isso se contrapõe aos comentários de São Francisco de Sales.

Para reforçar a sua teoria de que não se deve perder a esperança no ser humano, conta a história de um avaro que cai no desespero quando sua esposa desenvolve erisipela (doença que se manifesta pela inflamação da pele). Apesar de o pensamento corrente de que a sua agonia seria provocada pelo receio de despesas funerárias, na verdade é movido por amor. E para conseguir a graça da salvação, pede a intermediação do narrador divino, oferecendo em troca uma perna de cera. No entanto, seu raciocínio rápido se transfere para a idéia da moeda que iria custar tal artefato. Passa então a pensar em pagar em espécie mesmo. Mas, sovina como era, tal contribuição seria por demais custosa. Apesar disso, é uma opinião que não chega a formular por completo, deixando-a no limbo de sua mente. Até que salta para um postulado um tanto cômodo: acredita, iludindo-se convenientemente, que o espiritual é mais importante do que o material, por isso se propõe a, no lugar da moeda, rezar 300 padres-nossos. Nesse ponto, o seu caráter materialista entranha-se com o espiritualista, pois imagina ser muito mais lucrativo rezar 300 padres-nossos e 300 ave-marias. De 300 passa para 1000, mas, ao invés de expressar e, portanto, efetuar sua promessa, perde-se, maravilhado, diante de cifra tão alta.

Note nesse conto o esquema da narrativa. Um narrador lembra uma história que foi contada por um padre e que acaba relatando a história narrada por um santo. Essa trama dentro de trama lembra um outro tipo de texto que também usava esse mesmo procedimento e que também apresentava histórias mirabolantes: As Mil e Uma Noites.

Repare também a postura dos santos, que se assemelha à de Machado de Assis, na medida em que são devassadores da alma humana. Tal atividade inspira ou o descrédito próximo da impaciência diante de nossas fraquezas, assim como uma atitude de tolerância misturada com esperança. Pode-se acreditar que Machado tenha, em sua carreira, assumido um pouco das duas. Finalmente, observe como o conto consegue apresentar o caráter dilemático da mente humana pela maneira como o avaro lida com sua promessa. Mostra extremo materialismo ao entregar-se ao fervor espiritualista, conseguindo, talvez cínica, talvez inconscientemente, conciliar esses opostos.
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Continua… análise do conto "Uns Braços"
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Fonte:
http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/v/varias_historias

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