quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Luis Fernando Verissimo (Vitor e seu Irmão)



Não era prevenção. A professora tinha o cuidado de tratar todos os seus alunos da mesma maneira.

Pelo menos, se esforçava para isto. Mas, com o Vitor, ela sempre estava com um pé atrás. O Vitinho era um caso à parte.

— Qual é a população do Brasil?

Um aluno levantou a mão e leu a resposta que estava no livro.

— Cento e vinte milhões.

O Vitor levantou a mão. A professora sentiu um vazio na barriga. Lá vinha ele.

— O que é, Vitinho?
— Cento e vinte e um milhões. (*)
— Por que, Vitinho?
— Minha mãe teve um filho esta semana.

Uma risadinha correu pela sala, mas o Vitor ficou sério. Estava sempre sério.

— Quantos filhos a sua mãe teve, Vitor?
— Até agora?
— Não, desta vez.
— Um. Mas dos grandes.

Outra risadinha, como marola na superfície de um lago.

— Então não são cento e vinte e um milhões. São cento e vinte milhões e um.

E a professora escreveu o número no quadro-negro. Depois apontou para o um no fim do número e disse:

— Este aqui é o seu irmãozinho, Vitor.

Depois, antes mesmo do Vitor falar, ela se deu conta de como aquele um parecia solitário, no fim de tantos zeros.

— Coitadinho do meu ermão.
— Irmão, Vitor. E é claro que este número não é exato. Tem gente nascendo e morrendo a todo momento...
— Lá no hospital tava cheio de crianças. Será que já contaram?
— Não sei, Vitor, eu...
— Bota mais uns dois ou três pra acompanhá meu ermão, tia.

Ela teve que rir junto com os outros.

— Você, hein, Vitinho? Com você eu tenho que ficar sempre com um pé atrás.
— Cuidado pra não caí pra frente, tia.
— Chega, Vitor!

Outro caso era o da Alicinha, que se espantava com tudo. Era só a professora dizer, por exemplo, que a capital do Brasil era Brasília e a Alicinha arregalava os olhos e exclamava:

— Brasília?!
— É, Alice. Por quê?
— Nada.

Depois ficava com aquela cara de que só ela era certa no mundo de loucos, onde se viu a capital do Brasil ser Brasília, mas era melhor deixar pra lá. Um dia a professora disse que o Brasil tinha 8.000 km de costa marinha e ficou esperando a reação da Alicinha.

Nada.

— O Brasil é banhado pelo oceano Atlântico.
— Atlântico?!
— É, Alice.
— Desde quando?
— Desde sempre, Alice.
— Eu, hein?

"Eu, hein" era mortal. "Eu, hein" era de matar, mas a professora precisava se controlar. Entre o Vitinho e a Alicinha ainda acabaria louca.

(*) É claro que este livro foi escrito há alguns anos. Hoje são mais de cento e sessenta milhões.

Fonte:
VERISSIMO, Luis Fernando. O Santinho. Ed. Objetiva, 2002.

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