RESUMO: Este artigo se propõe a revisar o processo da formação da identidade do negro: da subalternidade à luta pelo reconhecimento, na esfera histórica e literária. Na obra de Solano Trindade, o poeta cede sua voz ao oprimido (o homem negro ou branco) para denunciar as injustiças sociais. O discurso de Trindade convida o leitor a uma revisão da condição do negro e, ao ressaltar o caráter humano em sua poética, questiona as imagens fixas, revestidas por estereótipos que estigmatizam. A obra deste poeta se propõe, pois, a uma (re)leitura das imagens impingidas ao negro na diáspora, confrontando-se com valores morais, políticos e sociais da elite, no intuito de reconhecer o caráter humano do negro.
PALAVRAS-CHAVE: poesia, negro, humanização.
Na produção literária brasileira, apesar da referência ao negro, é comum encontrar sua imagem marcada por preconceitos e estereótipos construídos numa tentativa de apagar sua representatividade cultural. E hoje, em pleno século XXI, as discussões em torno de medidas compensatórias para sanar as consequências comprovam o resultado desastroso desta lógica. Ou seja, embora o Brasil traga marcas de várias etnias, nota-se que o cânone literário fez sua opção pelo modelo europeu durante um longo tempo. Nesta opção, reconhece-se a tentativa de dominar o caráter humano do negro, retratando-o pelo crivo da inferioridade, a partir da lógica maniqueista que ora o apresenta como dócil, ora como selvagem e quase sempre zoomorfizado.
Portanto, muitas foram as formas de violências pelas quais o negro foi submetido. A sua verdadeira humanidade foi, aos poucos, sendo substituída por imagens que, com o passar do tempo, alicerçaram-se na cultura nacional. Imagens estas que refletiam as ideologias adotadas e cobravam do “sujeito brasileiro” uma “boa aparência”, isto é, assimilação dos modelos da sociedade branca europeia. Assim sendo, justifica-se a exclusão do negro, denunciada no poema “Civilização Branca”, de Solano Trindade:
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PALAVRAS-CHAVE: poesia, negro, humanização.
Na produção literária brasileira, apesar da referência ao negro, é comum encontrar sua imagem marcada por preconceitos e estereótipos construídos numa tentativa de apagar sua representatividade cultural. E hoje, em pleno século XXI, as discussões em torno de medidas compensatórias para sanar as consequências comprovam o resultado desastroso desta lógica. Ou seja, embora o Brasil traga marcas de várias etnias, nota-se que o cânone literário fez sua opção pelo modelo europeu durante um longo tempo. Nesta opção, reconhece-se a tentativa de dominar o caráter humano do negro, retratando-o pelo crivo da inferioridade, a partir da lógica maniqueista que ora o apresenta como dócil, ora como selvagem e quase sempre zoomorfizado.
Portanto, muitas foram as formas de violências pelas quais o negro foi submetido. A sua verdadeira humanidade foi, aos poucos, sendo substituída por imagens que, com o passar do tempo, alicerçaram-se na cultura nacional. Imagens estas que refletiam as ideologias adotadas e cobravam do “sujeito brasileiro” uma “boa aparência”, isto é, assimilação dos modelos da sociedade branca europeia. Assim sendo, justifica-se a exclusão do negro, denunciada no poema “Civilização Branca”, de Solano Trindade:
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Lincharam um homem
entre os arranha-céus
(li num jornal)
procurei o crime do homem
o crime não estava no homem
estava na cor de sua epiderme...
(Trindade 1961: 37)
A ideologia branca, ao longo da história, tentou enfraquecer a participação do negro na vida social, por isso o poeta busca um verbo forte (lincharam) para definir a violência contra este homem que figura em seu poema. A “boa aparência” cobrada pela época representava o oposto da negrura da pele, dos cabelos pixains, do nariz achatado... Diante desta questão de “aparência”, observa-se que, embora a cultura negra seja, hoje, visível, tolerada, respeitada e integrada nos símbolos constitutivos da cultura nacional, os homens e as mulheres negras, produtores dessa cultura são “invisibilizados”, “linchados”.
Desta forma, diante da civilização branca, Trindade reconhece que a passagem de ser “o outro” apagado, para um “Eu”, requeria o resgate da experiência histórica do ser negro. Assim, ele utiliza a poesia como arma contra as opressões e marginalização social. Mantém um diálogo com a sociedade atual e se insere numa produção que busca incluir as classes marginalizadas.
A palavra foi a arma de Solano Trindade contra a opressão de seu tempo. No poema “Canto de Palmares” ele relata uma batalha onde muitos de seus irmãos foram mortos, mas o poema, arma do eu lírico, permaneceu. E ao revelar “meu poema é cantado através dos séculos/ minha musa esclarece a consciência” percebe-se ainda mais o poder da palavra que pode agir na consciência, como agiu na consciência dos mais jovens como Cuti, Oubi, Adão Ventura etc, que continuaram o canto simples de Trindade.
Através da poesia negra, em que a palavra poética configura-se como arma contra a opressão, pode-se reconhecer a resistência do escritor afro-descendente contra as formas de descriminação racial. Na obra de Solano Trindade, por exemplo, há a cobrança por um reconhecimento, na tentativa de visibilizar e re-apresentar esta categoria marginalizada. A escrita negra faz exatamente isto: rasura a identidade mumificada pela negação e faz emergir um “eu” que reivindica sua voz e seu lugar de agente de/no processo histórico.
Ter consciência de si mesmo é o processo necessário para que o negro efetivamente construa sua identidade. Ou seja, através da conscientização o afro-descendente pode negar os símbolos de estereotipias que foram anexadas a sua real imagem. Na poética é possível verificar o comprometimento do “eu” negro com sua própria identidade como pessoa, aceitando-se e assumindo a própria cor.
Solano Trindade, em diversos momentos, faz menção à tentativa da literatura canônica de “dilaceração” da produção do autor afro-brasileiro. A presença do opressor é, desta forma, constante em “Canto dos Palmares” e as armas são diversas: dinheiro, flechas, os ideais de escravagismo, o sadismo... Mas, a arte poética mostra-se superior a estas formas coercitivas: “...eu os faço correr”. O sangue foi derramado, amadas foram mortas, canta o eu lírico. No entanto, ressalta-se por diversas vezes “Ainda sou poeta e meu poema/ levanta os meus irmãos”. Reiterando, a resistência é marca constante na obra deste poeta pernambucano.
A poesia configura-se como uma oportunidade histórica para se aclamar a negritude, uma negritude que resistiu às diversas formas de coerção, e que agora, incendeia-se para o mundo, consumindo as imagens de negro mau, primitivo, submisso, invisível... Fica no leitor a visão de uma uma brecha por onde o afro-descendente pode atravessar e mostrar-se ao mundo, obrigar-se a ser visto e ouvido: a poesia. A obra de Trindade adquire este sentido e o eu lírico busca transformar o seu status social através do discurso poético. Roger Toumson, em “La littérature antillaise d’expression française”, define essa crise da consciência do sujeito dominado que exige a voz da seguinte forma: “Sua enunciação tem por objetivo arrancá-lo do nada em que a opressão o manteve por tão longo tempo, testemunhar sua presença no mundo e sua verdadeira experiência da história. Polêmico, o discurso afro-antilhano se propõe a restabelecer uma verdade até então deliberadamente abafada” (Bernd 1988: 29).
O olhar do eu lírico nas poesias de Trindade, assim, reconstrói a trajetória do homem, apreendendo um outro sentido nas “mercadorias humanas” trazidas da África, como se pode verificar no poema abaixo:
Lá vem o navio negreiro
Lá vem sobre o mar
Lá vem o navio negreiro
Vamos minha gente olhar...
Lá vem o navio negreiro
Por água brasiliana
Lá vem o navio negreiro
Trazendo carga humana...
Lá vem o navio negreiro
Cheio de melancolia
Lá vem o navio negreiro
Cheinho de poesia...
Lá vem o navio negreiro
Com carga de resistência
Lá vem o navio negreiro
Cheinho de inteligência...
(Trindade 1961: 44)
O poeta inicia uma luta pelo reconhecimento da história dos marginalizados, no entanto, convoca o povo para que se junte a ele, para que redescubra as verdades sufocadas pelo preconceito. Para isso, mergulha sem medo no passado histórico e encontra neste mergulho não múmias marcadas pelas ferrugens de um cárcere, ou por pedras de muralhas, mas o ser humano. E ao buscar o humano, ao invés de carga ou mercadoria a ser vendida, o poeta denuncia uma situação política e social que ainda não fora extinta: o afro-descendente continua psicológica e economicamente escravo, oprimido, sem chances reais de alcançar melhores condições de existência humana. Desta forma, é necessário retornar ao passado, visualizar o navio negreiro e perceber o que está contido neste símbolo que até então marcara a dor, o desenraizamento, o apagamento. E a primeira descoberta de Trindade é que neste navio havia carga humana: “Lá vem o navio negreiro/ Trazendo carga humana”. No entanto, o adjetivo “carga” é utilizado com um sentindo deliberadamente pejorativo, referindo-se à condição do transporte de escravo. Por isso, ele convoca todos para que olhem o navio, que redescubram o conteúdo destas embarcações: o negro e sua possível humanidade.
Logo à primeira leitura, o poema chama a atenção para o aspecto visual. A figura do navio negreiro se impõe ao leitor desde o início, como um objeto que deve ser observado: “Vamos minha gente olhar....” Ele é visualizado durante todo o poema, situado no espaço, apresentado por sua função geral (trazer carga humana), o interior do meio de transporte (“cheio de melancolia/ cheio de poesia”) e o interior de seus passageiros: a resistência e a inteligência.
A primeira referência do poeta em relação ao navio é o seu aspecto externo. Através deste ponto de vista destaca-se, no navio, a função de transporte de escravos; em seguida, é captado seu interior e os seres nele transportados. Sobressai a integração dos diferentes ângulos deste mesmo objeto, que se une numa idéia geral de resistência e inteligência. A última palavra, que finaliza o poema harmoniza-se com o vocábulo resistência. A inteligência é símbolo do homem que pensa, que resiste à condição de besta de carga. Por isso, a ausência de ponto final no poema é significativa para demonstrar uma luta iniciada, deixando uma ideia de continuidade.
O efeito geral do poema é de um quadro, mas um quadro que se movimenta de acordo como o olhar do poeta conduzindo o do leitor. Desta forma, é compreensível a insistência nos fonemas [m] e [n] devido o valor expressivo que possuem dentro do poema. Ao reiterar estes fonemas, assim como a frase “Lá vem o navio negreiro”, realiza uma operação ondeante que aproxima o movimento do poema ao movimento do mar. A repetição insiste no retorno, no olhar novamente. Mas, além disso, insiste no prosseguir, num novo passo, ou numa nova visão sobre o objeto que apresenta conteúdos que se diferenciam a cada olhar: carga humana, melancolia, poesia, resistência e inteligência. Cada novo verso equivale a um retorno, a uma retomada do olhar a partir de um ângulo novo sobre o mesmo navio, justapondo-se as faces deste objeto como um recomeço sempre nascente da percepção, até completar-se a imagem real do objeto: um navio que transporta pessoas que sofrem, sentem, se indignam e agem com discernimento.
Nota-se, pois, uma atração do apelo musical que parece vir do mar, do marulho das águas, do som sempre recomeçado das ondas, cujo movimento repetitivo vem representado pela reiteração do verso “Lá vem o navio negreiro”. Além disso, não se pode deixar de perceber a relação entre a música e a poesia, assim como o seu vínculo com a natureza, com a simplicidade.
O paralelismo traz de volta a frase de convocação, ao lado dos outros versos, todos livres, sem qualquer pontuação a não ser o ponto final da quadra. Esta liberdade permite classificar as quadras, do ponto de vista sintático, como uma construção paratática, ou seja, é composta por orações coordenadas absolutas, livres, sem qualquer vínculo conjuntivo ou mesmo sinal de pontuação.
O ritmo, apoiado pela construção paralelística, vincula os versos fazendo ondular, ao mesmo tempo, as ondas do mar e a subjetividade do sujeito que olha, mas, retoma o olhar, no desejo de partilhar a sua visão. As construções verbais, feitas com palavras corriqueiras e repetitivas, em ritmo encantatório, servem para mobilizar alguns elementos temáticos. São motivos tomados do espaço natural (o mar, a água) ou da interioridade humana (melancolia, resistência, inteligência).
A mobilidade fortifica o ritmo que, no poema, passa a ideia de retorno à origem (o verso e a unidade rítmica é uma forma de voltar). Ao mesmo tempo, o navio avança (sempre mais próximo do receptor, desnudando-se, mostrando-se internamente). Com um ritmo tão marcado, tão repisado, o poema parece preparar o leitor para uma dissolução da consciência.
Isto faz com que o poema se assemelhe a certas formas de músicas primitivas, de rítmica rebatida e incisiva, como é o caso, por exemplo, da música dos cultos afro-brasileiros e/ou da poesia lírica medieval. Verifica-se, no poema, a mesma força hipnótica da música popular. No movimento incessante do navio negreiro, um novo ponto de vista vai se revelando. O navio negreiro que se movimenta por águas brasileiras traz sim o sofrimento, a dor, a melancolia; mas, nesse passado de revolta, de exploração, de desaculturação, o poeta encontra a fonte de uma poesia de denúncia: denúncia de um passado de violência, denúncia de um presente de repressão camuflada.
Neste poema que imita o movimento do mar (retorno e avanço) o eu lírico retorna à época de tráfico de escravos. É o retorno necessário para a fonte da poesia e para sugerir um re-olhar. O navio negreiro não representa apenas a embarcação de transporte de carga para o trabalho escravo, perpetuando uma história de humilhação. Se olhado novamente, pode-se reconhecer no navio negreiro o expoente de resistência. O eu lírico, assim, convoca “sua gente” a se auto-reciclar, a se autodescobrir. E deste descobrimento, percebe-se que o navio negreiro trazia uma carga “cheinha de inteligência”, cheinha de história a ser contada, a ser retomada. No entanto, a inteligência a que se refere o eu lírico não é a inteligência racionalista e unilateral, mas, a inteligência ancorada em outros saberes e registros. A prova é que a história é para ser contada e não para ser imposta por leis da grafia.
A poética de Solano Trindade, como se pode perceber, torna-se uma convocação contra as diversas formas de opressão sofridas pelo afro-descendente. Além disso, expressa um convite para o ingresso a um outro universo de sentido, outra forma de apreender, significar e organizar o espaço/mundo. Em sua obra, busca o re-conhecimento do negro e propõe um olhar novamente. Para alcançar este re-conhecimento explicita a diferença entre cada pessoa. Uma diferença expressa nas palavras de Fanon: “Por que não a tentativa simples de tocar o outro, de sentir o outro, de explicar o outro a mim mesmo?... Na conclusão deste estudo, quero que o mundo reconheça, comigo, a porta aberta de cada consciência” (1983: 177).
Nas palavras acima se observa a despersonalização imposta pelo sistema colonial, fechado em seu narcisismo, reconhecendo apenas a sua imagem e negando o diferente. É preciso, no entanto, re-olhar o “outro” que se apresenta como o diferente, que mostra sua subjetividade. Ao olhar novamente o “outro”, pode-se reconhecer “a porta aberta de cada consciência”, a individualidade de cada agente social que detém um saber resultante de uma experiência. O poema aponta para a necessidade de olhar novamente a história desse povo tantas vezes ignorado e que tem muito a revelar. Por isso, em outro poema, “Canto da América”, o poeta pede que a América cante a verdadeira história, não a versão da supremacia de uns em detrimento dos outros, mas sim, o canto da liberdade.
Desta forma, reconhece-se, na obra de Solano Trindade, a resistência às formas de marginalização, valorizando a voz negra e, ao mesmo tempo, identificando-se com os oprimidos, sejam negros ou brancos. Este aspecto da poesia de Trindade pode ser reconhecido no poema “Cantiga”, onde é possível verificar a necessidade de o negro identificar-se com a Negritude a fim de dar valor a si mesmo e à sua produção cultural. Pois, a negritude – como tomada de consciência da descriminação e a busca de uma identidade negra - permite que o negro volte a ter orgulho do patrimônio africano que foi perdido no transporte para a América. Desta forma, no poema, ele assume com orgulho: “Negro bom que sou / que bom / Como noite sem lua sou / Negro bom! / ...que bom!”. O eu lírico sente-se feliz em ser negro e encontra o lado positivo dessa negritude, assumindo-se plenamente, como uma noite sem lua, totalmente escura, mas cuja presença ou ausência já não pode ser ignorada.
No desejo de transmitir as mensagens escondidas, ignoradas pela mentalidade vigente, forma-se a alma de poeta social. Assim, é com orgulho que ele também assumirá: “Poeta e negro sou”. Num processo de pleno acolhimento de si mesmo, o eu lírico reconhece-se como poeta, mas como um poeta negro, que não tem vergonha de enunciar-se como tal. Há, porém,uma procura de não se fechar em si mesmo e, por isso, a voz no poema declara que qualquer cor serve para a sua obra poética, para o assumir-se como pessoa capaz de amar o outro independente da cor da pele. Assim, de forma prognóstica o eu lírico conta que num mundo de igualdade, a cor não terá importância, não diferenciará as pessoas e nele servirá, portanto, qualquer cor. E quando este tempo chegar: “Que bom! / ... que bom!”
Há no poema um efeito admirável, pois Trindade aproveita-se dos valores fônicos, criando uma orquestração onomatopeica que traduz o som do batuque e simboliza também a intensidade do desejo do eu lírico em ver os homens unidos, ao mesmo tempo em que aponta para um fluxo vital de recuperação, recriação e reinterpretação de valores fundamentais para a afirmação da individualidade e da coletividade do afro-descendente.
Desenham-se contornos mais coerentes com as verdadeiras raízes históricas e culturais do Brasil. O negro passa por um processo em que ele descobre a própria história perdida e, nesta história, logrou preservar, reelaborar e sustentar sua cultura e desdobrar a herança africana. Com isso, Trindade restabelece em suas poesias uma identidade humanizada. É necessário, desta forma, reconhecer a particularidade de cada cultura, pois, ela faz parte do processo de afirmação do ser humano como agente social no mundo. Desta forma, o poeta imprime ao longo de sua obra o desejo de um projeto integrador de todas as culturas, sem perder de vista o reconhecimento da particularidade de assumir-se, como fica evidente no poema “Sou negro”.
Nesse poema, ele se refere à História, mas do ponto de vista de quem recupera a escravidão como condição de vida e não através da visão do senhor de engenho. É preciso destacar, igualmente, o valor da oralidade na literatura trindadiana: “Contaram-me que meus avós vieram de Loanda/ como mercadoria de baixo preço”. É a herança africana que não se perdeu totalmente.
O poeta, assim sendo, conta a história de seu povo, que também é sua: ele é negro, é descendente de africanos e herdeiro do som dos “tambores/ atabaques, gonguês e agogôs”. Todos estes instrumentos ligando o negro-escravo à sua terra origem, a África. O ritmo do tambor, ritmo de vida, torna mais estrondosa a voz de Trindade proporcionando um som forte, já que a obra do poeta deve alcançar outros ouvidos. O som dos instrumentos que ficam na alma do poeta atravessa o espaço, leva a mensagem de união entre os povos, o ritmo da fraternidade.
Pode-se perceber, ainda, que o eu lírico relata sobre a exportação forçada de homens para serem escravos, vendidos como mercadoria. O trabalho do negro para enriquecimento do senhor novo também não é esquecido: “plantaram cana pra senhor de engenho novo”. Mas, apesar de toda exploração humana, apesar de distantes do país de origem, os negros fundaram o primeiro Maracatu, uma dança dramática afrobrasileira.
O ritmo novo do povo negro resistiria em terra brasileira.
No avô, o eu poético destaca o reconhecimento da não alienação do homem negro, refutando a ideia de escravos totalmente submissos e até felizes em servir. De certa forma, o estereótipo do pai João foi construído na tentativa de encobrir esta luta negra pela liberdade. Mas Trindade une a imagem do avô à imagem de Zumbi, referencial de conscientização e resistência.
Sabe-se que a mulher negra e escrava, no período colonial, foi símbolo do mais baixo nível de poder e vontade própria. No entanto, a avó retratada pelo eu lírico também desmente esta visão de submissão. Sua atuação na guerra dos Malês, obscurecida pela oficialidade vigente, é exemplar para se perceber o papel de mulher consciente, guerreira, altiva, sofrida, e que nem todas as mulheres negras foram mucamas passivas.
Com uma história de luta, de resistência, de exemplos a serem seguidos, na alma do eu lírico fica não a marca do escravo, para sempre escravo, mas elementos simbólicos de sua origem, de sua identidade como homem negro: “o samba, o batuque e o desejo de libertação”.
No poema “Sou Negro” é possível perceber como o eu lírico rejeita a idéia de um negro servil, mas destaca e deposita na imagem dos avós o empenho em conquistar a humanização, a identidade apagada pela história, o desejo de serem livres. Através do conhecimento do passado o negro conhece a si mesmo e a sua cultura e, por isso, a cor da pele deixa de ser motivo de desonra e ele pode assumir com “Orgulho”:
Sou filho de escravo
Tronco
senzala
chicote
gritos
choros
gemidos
Sou filho de escravo
(Trindade 1961: 43)
Bernd afirma que a marca registrada da poesia de Solano Trindade é a “obsessão da reconstituição histórica” (1988: 89). Esta reconstituição do passado negro do ponto de vista de quem sofreu os efeitos da História tornou-se uma importante ferramenta para a sua produção, ao mesmo tempo que trazia o propósito de, ressignificando a História, valorizar aqueles a quem foram impostas as mais duras experiências. Através da reconstituição do passado, este homem passaria a ter um “espelho” no qual ele poderia reconhecer a sua cultura, assumindo um orgulho pelo passado africano que se perdeu com a chegada na América. A história de escravidão, desta forma, não o envergonha mais, ao contrário serve-lhe como arsenal de experiências e ele aprende, afinal, a se olhar como sujeito e reconstrói-se como homem. Assim, pode-se entender o reconhecimento: sou filho de escravo, fui violentado humana e historicamente, mas a humanização resistiu em mim e querendo ou não, faço parte desta sociedade. O eu poético primeiramente olha para si próprio e é este olhar que permite a identificação com a cultura, com a etnia e, por fim, com o continente em que está inserido.
Pode-se verificar, no projeto de Trindade, a necessidade de aceitação da participação histórica de todas as culturas, ou seja, a luta pelo fim do maniqueismo branco/negro, num processo essencial para o reconhecimento do Ser Humano que existe em cada ser. Teve, no entanto, que passar pelo olhar europeu sobre as culturas africanas para redescobrir-se e, a partir daí, com voz poética, recusar ser um tipo, para ser negro e homem. O resultado deste processo de reconhecimento pode ser notado em seu poema “Negros”:
Negros que escravizam
e vendem negro na África
não são meus irmãos
negros senhores na América
a serviço do capital
não são meus irmãos
negros opressores
em qualquer parte do mundo
não são meus irmãos
Só os negros oprimidos
escravizados
em luta pela liberdade
são meus irmãos
Para estes tenho um poema grande como o Nilo.
(Trindade 1981: 15)
A escolha do tema negro, além de encontrar-se em consonância com os ideais que o poeta defendeu, é um dos exemplos mais explícitos do processo de desumanização que se delineia ao longo da história oficial.
Na primeira estrofe do poema, com uma economia de recursos irretocável, o eu lírico traz para a sua poesia o passado. Assim, os dois primeiros versos dão conta de três séculos de escravidão na América. Há que se destacar que os dois verbos que indicam esse processo de exploração da força física do outro – “escravizam” e “vendem” – apontam como sujeitos os próprios negros. Fica evidente já nesta primeira estrofe a lucidez e o olhar isento do poeta quando identifica alguns negros com o senhor de escravos; negros servindo um sistema que, ao escravizar, desumanizou e transformou o homem negro em mercadoria a ser vendida e explorada.
Na segunda estrofe há um passado mais recente. O colonialismo cede lugar a outro tipo de exploração humana: o capitalismo. Os agentes são os mesmos: negros. Não se enfoca, porém, o negro operário, mas sim “negros senhores na América”. A crítica que se pode abstrair é que os próprios negros serviram a mercantilização do homem, favorecendo a exploração do trabalho humano a preços baixos. A desumanidade do sistema colonial é substituída pela desumanidade do sistema capitalista.
Na estrofe que se segue, o poeta sai do particular para alcançar uma visão universal da exploração e da opressão sócio-política do trabalhador. Através desta estrofe, há uma ligação de indivíduos oprimidos em qualquer parte do mundo. Os opressores novamente são alguns negros.
Ao longo das três primeiras estrofes, o poeta desmistifica a visão do negro vitimizado, identificando o negro ao senhor, ao capitalista e ao opressor. No entanto, ao final destas estrofes, a voz do eu lírico negará esses negros: “Não são meus irmãos”. É o gesto de recusa que se repete diante dos negros que servem às diversas formas de exploração. Tem-se, pois, ao final destas estrofes uma expressão direta e indignada.
O projeto de Solano Trindade consiste no amor incondicional pelo povo e pela vida, e na confiança no progresso da humanidade. Assim sendo, há no poeta uma íntima adesão aos problemas próprios de sua época, criticando a desumanidade da vida capitalista.
Em “Negros”, o poeta condena algumas atitudes individualistas que impedem o ser humano de se identificar consigo mesmo e com os outros. O poema é ordenado de modo a revelar a relação entre opressores e oprimidos, como consequência óbvia da superioridade de força de uns sobre os outros. No entanto, faz-se necessário replicar com uma indignação genuína: “Não são meus irmãos”. O eu lírico propõe uma ruptura com todos os negros que operam no nível da opressão humana, separando os negros (senhor, capitalista, explorador), dos negros (escravo, operário, explorado).
A quarta estrofe é iniciada com o advérbio “só”, com a finalidade de delimitar a relação com os homens negros do mundo, mas moldando esta relação de acordo com as as convicções marxistas do eu lírico: “só os negros oprimidos/ escravizados” que, como ele compartilham o mesmo ideal de liberdade, são seus irmãos. Esta identificação pode ser notada no uso do artigo “o” com um valor afetivo, aproximando o eu lírico destes negros que representam seu projeto de irmandade. Este desejo de que todos os homens sejam livres fica expresso no terceiro verso da quarta estrofe: “em luta pela liberdade”.
A liberdade que o poeta expressa vai além da condição de não ser mais escravo no sistema colonial. A liberdade expressa no poema é o uso dos direitos de homem livre e, principalmente, a condição de igualdade. No último verso da quarta estrofe, porém, a ideia de recusa expressa no advérbio “não” desaparece e o eu lírico reconhece os oprimidos e escravizados: “São meus irmãos”.
Esta identificação com o oprimido constitui uma das bases temáticas de Trindade, afastando-se momentaneamente do foco de afirmação do “ser negro”, a fim de buscar matizes universais. A opressão, desta forma, é o denominador comum de luta para os homens, brancos ou negros. E para estes homens, ligados ao eu lírico por um laço de irmandade, há um presente, que é também uma arma, um poema grande como o Nilo, rio extremamente simbólico para os africanos.
Ao longo do poema, desmistifica-se o estereótipo sociológico. Mussa define o estereótipo sociológico como a observação do comportamento do negro em relação ao branco: o negro bom e o negro ruim (1989: 24). A relação é excludente, ou o negro é fiel, submisso, ou é selvagem, fujão, vingativo, perigoso para a sociedade. O estereótipo sociológico se configura com uma grande violência, pois retira do negro a humanidade, marmorizando-o em uma pedra de apenas uma dimensão, (ou bondade, ou maldade) esquecendo que o ser humano é um ser contraditório, complexo, e que traz em si ambos sentimentos. É esta a verdadeira dialética da realidade humana que o poeta apresenta no poema “Negros”.
A negação, (não são meus irmãos), encontrada ao longo do poema, torna-se essencial para a compreensão do processo de humanização: o espírito negador transcende a indiferença narcísica. Ao negar, o eu lírico, que se identifica com o excluído, impõe a identidade destes marginalizados, desestruturando a forma fixa de ser visto.
Através da leitura do poema fica patente que o negro não foi apenas vítima e que serviu ao opressor. Assim fazendo, o poeta descongela as estereotipias em que foi plasmada a figura do negro. Como bem expressa Lacan, o “outro é uma matriz de dupla entrada” (Bhabha 1998: 87). Ou seja, o ser humano é ambíguo, antagônico em seus desejos e, por isso, jamais homogeneizado, fixo.
A leitura do poema revela, pois, uma crítica à obsessiva reconstituição de uma identidade supostamente estável, fixa, imobilizada como uma fotografia. A dinamicidade complexa é que deveria constituir o jogo necessário para uma distinção entre alteridade e diferença, uma vez que a cultura pós-colonial supõe extirpar as raízes únicas e deixar aflorarem as estratégias alternativas de representação para articular as diferenças históricas e os valores em construção. Através da explicitação da diferença entre os negros (irmãos e não-irmãos), recupera-se uma ordem identitária de representações ethoetnoculturais que expressam uma matriz contaminada pelo processo de assimilação colonial, mas possibilitando a afirmação da alteridade na diferença, cujo paradigma foi aberto por Frantz Fanon, Aimé Césaire e Léopold Senghor, como resposta identitária étnica ao excludente universalismo colonialista.
Através do poema “Negros”, o poeta evidencia que é necessário visualizar a diferença, a identidade heterogênica, a fim de perceber o entre-lugar da subjetividade pós-colonial, em que se evidencia a permanência do outro, a falta, a perda, a não coincidência dos sujeitos. Ao apresentar o negro em sua diferença, o poeta explicita o fato de o próprio negro optar por sua subjetividade, ou seja, ele escolhe servir ao opressor ou unir-se ao negro oprimido. Essa opção é o caminho e o meio para que o Negro se manifeste como um ser humanizado, desvelando-se e opondo suas várias faces diante da imagem fixa, estereotipada. No poema o eu lírico rejeita o olhar maniqueísta presente nas estereotipias na qual o negro era a vítima, ou o negro bestial, o selvagem fadado à extinção. Desta maneira o projeto poético de Solano Trindade se concretiza, ou seja, ele concede a sua ARMA poética um caráter humanizador.
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entre os arranha-céus
(li num jornal)
procurei o crime do homem
o crime não estava no homem
estava na cor de sua epiderme...
(Trindade 1961: 37)
A ideologia branca, ao longo da história, tentou enfraquecer a participação do negro na vida social, por isso o poeta busca um verbo forte (lincharam) para definir a violência contra este homem que figura em seu poema. A “boa aparência” cobrada pela época representava o oposto da negrura da pele, dos cabelos pixains, do nariz achatado... Diante desta questão de “aparência”, observa-se que, embora a cultura negra seja, hoje, visível, tolerada, respeitada e integrada nos símbolos constitutivos da cultura nacional, os homens e as mulheres negras, produtores dessa cultura são “invisibilizados”, “linchados”.
Desta forma, diante da civilização branca, Trindade reconhece que a passagem de ser “o outro” apagado, para um “Eu”, requeria o resgate da experiência histórica do ser negro. Assim, ele utiliza a poesia como arma contra as opressões e marginalização social. Mantém um diálogo com a sociedade atual e se insere numa produção que busca incluir as classes marginalizadas.
A palavra foi a arma de Solano Trindade contra a opressão de seu tempo. No poema “Canto de Palmares” ele relata uma batalha onde muitos de seus irmãos foram mortos, mas o poema, arma do eu lírico, permaneceu. E ao revelar “meu poema é cantado através dos séculos/ minha musa esclarece a consciência” percebe-se ainda mais o poder da palavra que pode agir na consciência, como agiu na consciência dos mais jovens como Cuti, Oubi, Adão Ventura etc, que continuaram o canto simples de Trindade.
Através da poesia negra, em que a palavra poética configura-se como arma contra a opressão, pode-se reconhecer a resistência do escritor afro-descendente contra as formas de descriminação racial. Na obra de Solano Trindade, por exemplo, há a cobrança por um reconhecimento, na tentativa de visibilizar e re-apresentar esta categoria marginalizada. A escrita negra faz exatamente isto: rasura a identidade mumificada pela negação e faz emergir um “eu” que reivindica sua voz e seu lugar de agente de/no processo histórico.
Ter consciência de si mesmo é o processo necessário para que o negro efetivamente construa sua identidade. Ou seja, através da conscientização o afro-descendente pode negar os símbolos de estereotipias que foram anexadas a sua real imagem. Na poética é possível verificar o comprometimento do “eu” negro com sua própria identidade como pessoa, aceitando-se e assumindo a própria cor.
Solano Trindade, em diversos momentos, faz menção à tentativa da literatura canônica de “dilaceração” da produção do autor afro-brasileiro. A presença do opressor é, desta forma, constante em “Canto dos Palmares” e as armas são diversas: dinheiro, flechas, os ideais de escravagismo, o sadismo... Mas, a arte poética mostra-se superior a estas formas coercitivas: “...eu os faço correr”. O sangue foi derramado, amadas foram mortas, canta o eu lírico. No entanto, ressalta-se por diversas vezes “Ainda sou poeta e meu poema/ levanta os meus irmãos”. Reiterando, a resistência é marca constante na obra deste poeta pernambucano.
A poesia configura-se como uma oportunidade histórica para se aclamar a negritude, uma negritude que resistiu às diversas formas de coerção, e que agora, incendeia-se para o mundo, consumindo as imagens de negro mau, primitivo, submisso, invisível... Fica no leitor a visão de uma uma brecha por onde o afro-descendente pode atravessar e mostrar-se ao mundo, obrigar-se a ser visto e ouvido: a poesia. A obra de Trindade adquire este sentido e o eu lírico busca transformar o seu status social através do discurso poético. Roger Toumson, em “La littérature antillaise d’expression française”, define essa crise da consciência do sujeito dominado que exige a voz da seguinte forma: “Sua enunciação tem por objetivo arrancá-lo do nada em que a opressão o manteve por tão longo tempo, testemunhar sua presença no mundo e sua verdadeira experiência da história. Polêmico, o discurso afro-antilhano se propõe a restabelecer uma verdade até então deliberadamente abafada” (Bernd 1988: 29).
O olhar do eu lírico nas poesias de Trindade, assim, reconstrói a trajetória do homem, apreendendo um outro sentido nas “mercadorias humanas” trazidas da África, como se pode verificar no poema abaixo:
Lá vem o navio negreiro
Lá vem sobre o mar
Lá vem o navio negreiro
Vamos minha gente olhar...
Lá vem o navio negreiro
Por água brasiliana
Lá vem o navio negreiro
Trazendo carga humana...
Lá vem o navio negreiro
Cheio de melancolia
Lá vem o navio negreiro
Cheinho de poesia...
Lá vem o navio negreiro
Com carga de resistência
Lá vem o navio negreiro
Cheinho de inteligência...
(Trindade 1961: 44)
O poeta inicia uma luta pelo reconhecimento da história dos marginalizados, no entanto, convoca o povo para que se junte a ele, para que redescubra as verdades sufocadas pelo preconceito. Para isso, mergulha sem medo no passado histórico e encontra neste mergulho não múmias marcadas pelas ferrugens de um cárcere, ou por pedras de muralhas, mas o ser humano. E ao buscar o humano, ao invés de carga ou mercadoria a ser vendida, o poeta denuncia uma situação política e social que ainda não fora extinta: o afro-descendente continua psicológica e economicamente escravo, oprimido, sem chances reais de alcançar melhores condições de existência humana. Desta forma, é necessário retornar ao passado, visualizar o navio negreiro e perceber o que está contido neste símbolo que até então marcara a dor, o desenraizamento, o apagamento. E a primeira descoberta de Trindade é que neste navio havia carga humana: “Lá vem o navio negreiro/ Trazendo carga humana”. No entanto, o adjetivo “carga” é utilizado com um sentindo deliberadamente pejorativo, referindo-se à condição do transporte de escravo. Por isso, ele convoca todos para que olhem o navio, que redescubram o conteúdo destas embarcações: o negro e sua possível humanidade.
Logo à primeira leitura, o poema chama a atenção para o aspecto visual. A figura do navio negreiro se impõe ao leitor desde o início, como um objeto que deve ser observado: “Vamos minha gente olhar....” Ele é visualizado durante todo o poema, situado no espaço, apresentado por sua função geral (trazer carga humana), o interior do meio de transporte (“cheio de melancolia/ cheio de poesia”) e o interior de seus passageiros: a resistência e a inteligência.
A primeira referência do poeta em relação ao navio é o seu aspecto externo. Através deste ponto de vista destaca-se, no navio, a função de transporte de escravos; em seguida, é captado seu interior e os seres nele transportados. Sobressai a integração dos diferentes ângulos deste mesmo objeto, que se une numa idéia geral de resistência e inteligência. A última palavra, que finaliza o poema harmoniza-se com o vocábulo resistência. A inteligência é símbolo do homem que pensa, que resiste à condição de besta de carga. Por isso, a ausência de ponto final no poema é significativa para demonstrar uma luta iniciada, deixando uma ideia de continuidade.
O efeito geral do poema é de um quadro, mas um quadro que se movimenta de acordo como o olhar do poeta conduzindo o do leitor. Desta forma, é compreensível a insistência nos fonemas [m] e [n] devido o valor expressivo que possuem dentro do poema. Ao reiterar estes fonemas, assim como a frase “Lá vem o navio negreiro”, realiza uma operação ondeante que aproxima o movimento do poema ao movimento do mar. A repetição insiste no retorno, no olhar novamente. Mas, além disso, insiste no prosseguir, num novo passo, ou numa nova visão sobre o objeto que apresenta conteúdos que se diferenciam a cada olhar: carga humana, melancolia, poesia, resistência e inteligência. Cada novo verso equivale a um retorno, a uma retomada do olhar a partir de um ângulo novo sobre o mesmo navio, justapondo-se as faces deste objeto como um recomeço sempre nascente da percepção, até completar-se a imagem real do objeto: um navio que transporta pessoas que sofrem, sentem, se indignam e agem com discernimento.
Nota-se, pois, uma atração do apelo musical que parece vir do mar, do marulho das águas, do som sempre recomeçado das ondas, cujo movimento repetitivo vem representado pela reiteração do verso “Lá vem o navio negreiro”. Além disso, não se pode deixar de perceber a relação entre a música e a poesia, assim como o seu vínculo com a natureza, com a simplicidade.
O paralelismo traz de volta a frase de convocação, ao lado dos outros versos, todos livres, sem qualquer pontuação a não ser o ponto final da quadra. Esta liberdade permite classificar as quadras, do ponto de vista sintático, como uma construção paratática, ou seja, é composta por orações coordenadas absolutas, livres, sem qualquer vínculo conjuntivo ou mesmo sinal de pontuação.
O ritmo, apoiado pela construção paralelística, vincula os versos fazendo ondular, ao mesmo tempo, as ondas do mar e a subjetividade do sujeito que olha, mas, retoma o olhar, no desejo de partilhar a sua visão. As construções verbais, feitas com palavras corriqueiras e repetitivas, em ritmo encantatório, servem para mobilizar alguns elementos temáticos. São motivos tomados do espaço natural (o mar, a água) ou da interioridade humana (melancolia, resistência, inteligência).
A mobilidade fortifica o ritmo que, no poema, passa a ideia de retorno à origem (o verso e a unidade rítmica é uma forma de voltar). Ao mesmo tempo, o navio avança (sempre mais próximo do receptor, desnudando-se, mostrando-se internamente). Com um ritmo tão marcado, tão repisado, o poema parece preparar o leitor para uma dissolução da consciência.
Isto faz com que o poema se assemelhe a certas formas de músicas primitivas, de rítmica rebatida e incisiva, como é o caso, por exemplo, da música dos cultos afro-brasileiros e/ou da poesia lírica medieval. Verifica-se, no poema, a mesma força hipnótica da música popular. No movimento incessante do navio negreiro, um novo ponto de vista vai se revelando. O navio negreiro que se movimenta por águas brasileiras traz sim o sofrimento, a dor, a melancolia; mas, nesse passado de revolta, de exploração, de desaculturação, o poeta encontra a fonte de uma poesia de denúncia: denúncia de um passado de violência, denúncia de um presente de repressão camuflada.
Neste poema que imita o movimento do mar (retorno e avanço) o eu lírico retorna à época de tráfico de escravos. É o retorno necessário para a fonte da poesia e para sugerir um re-olhar. O navio negreiro não representa apenas a embarcação de transporte de carga para o trabalho escravo, perpetuando uma história de humilhação. Se olhado novamente, pode-se reconhecer no navio negreiro o expoente de resistência. O eu lírico, assim, convoca “sua gente” a se auto-reciclar, a se autodescobrir. E deste descobrimento, percebe-se que o navio negreiro trazia uma carga “cheinha de inteligência”, cheinha de história a ser contada, a ser retomada. No entanto, a inteligência a que se refere o eu lírico não é a inteligência racionalista e unilateral, mas, a inteligência ancorada em outros saberes e registros. A prova é que a história é para ser contada e não para ser imposta por leis da grafia.
A poética de Solano Trindade, como se pode perceber, torna-se uma convocação contra as diversas formas de opressão sofridas pelo afro-descendente. Além disso, expressa um convite para o ingresso a um outro universo de sentido, outra forma de apreender, significar e organizar o espaço/mundo. Em sua obra, busca o re-conhecimento do negro e propõe um olhar novamente. Para alcançar este re-conhecimento explicita a diferença entre cada pessoa. Uma diferença expressa nas palavras de Fanon: “Por que não a tentativa simples de tocar o outro, de sentir o outro, de explicar o outro a mim mesmo?... Na conclusão deste estudo, quero que o mundo reconheça, comigo, a porta aberta de cada consciência” (1983: 177).
Nas palavras acima se observa a despersonalização imposta pelo sistema colonial, fechado em seu narcisismo, reconhecendo apenas a sua imagem e negando o diferente. É preciso, no entanto, re-olhar o “outro” que se apresenta como o diferente, que mostra sua subjetividade. Ao olhar novamente o “outro”, pode-se reconhecer “a porta aberta de cada consciência”, a individualidade de cada agente social que detém um saber resultante de uma experiência. O poema aponta para a necessidade de olhar novamente a história desse povo tantas vezes ignorado e que tem muito a revelar. Por isso, em outro poema, “Canto da América”, o poeta pede que a América cante a verdadeira história, não a versão da supremacia de uns em detrimento dos outros, mas sim, o canto da liberdade.
Desta forma, reconhece-se, na obra de Solano Trindade, a resistência às formas de marginalização, valorizando a voz negra e, ao mesmo tempo, identificando-se com os oprimidos, sejam negros ou brancos. Este aspecto da poesia de Trindade pode ser reconhecido no poema “Cantiga”, onde é possível verificar a necessidade de o negro identificar-se com a Negritude a fim de dar valor a si mesmo e à sua produção cultural. Pois, a negritude – como tomada de consciência da descriminação e a busca de uma identidade negra - permite que o negro volte a ter orgulho do patrimônio africano que foi perdido no transporte para a América. Desta forma, no poema, ele assume com orgulho: “Negro bom que sou / que bom / Como noite sem lua sou / Negro bom! / ...que bom!”. O eu lírico sente-se feliz em ser negro e encontra o lado positivo dessa negritude, assumindo-se plenamente, como uma noite sem lua, totalmente escura, mas cuja presença ou ausência já não pode ser ignorada.
No desejo de transmitir as mensagens escondidas, ignoradas pela mentalidade vigente, forma-se a alma de poeta social. Assim, é com orgulho que ele também assumirá: “Poeta e negro sou”. Num processo de pleno acolhimento de si mesmo, o eu lírico reconhece-se como poeta, mas como um poeta negro, que não tem vergonha de enunciar-se como tal. Há, porém,uma procura de não se fechar em si mesmo e, por isso, a voz no poema declara que qualquer cor serve para a sua obra poética, para o assumir-se como pessoa capaz de amar o outro independente da cor da pele. Assim, de forma prognóstica o eu lírico conta que num mundo de igualdade, a cor não terá importância, não diferenciará as pessoas e nele servirá, portanto, qualquer cor. E quando este tempo chegar: “Que bom! / ... que bom!”
Há no poema um efeito admirável, pois Trindade aproveita-se dos valores fônicos, criando uma orquestração onomatopeica que traduz o som do batuque e simboliza também a intensidade do desejo do eu lírico em ver os homens unidos, ao mesmo tempo em que aponta para um fluxo vital de recuperação, recriação e reinterpretação de valores fundamentais para a afirmação da individualidade e da coletividade do afro-descendente.
Desenham-se contornos mais coerentes com as verdadeiras raízes históricas e culturais do Brasil. O negro passa por um processo em que ele descobre a própria história perdida e, nesta história, logrou preservar, reelaborar e sustentar sua cultura e desdobrar a herança africana. Com isso, Trindade restabelece em suas poesias uma identidade humanizada. É necessário, desta forma, reconhecer a particularidade de cada cultura, pois, ela faz parte do processo de afirmação do ser humano como agente social no mundo. Desta forma, o poeta imprime ao longo de sua obra o desejo de um projeto integrador de todas as culturas, sem perder de vista o reconhecimento da particularidade de assumir-se, como fica evidente no poema “Sou negro”.
Nesse poema, ele se refere à História, mas do ponto de vista de quem recupera a escravidão como condição de vida e não através da visão do senhor de engenho. É preciso destacar, igualmente, o valor da oralidade na literatura trindadiana: “Contaram-me que meus avós vieram de Loanda/ como mercadoria de baixo preço”. É a herança africana que não se perdeu totalmente.
O poeta, assim sendo, conta a história de seu povo, que também é sua: ele é negro, é descendente de africanos e herdeiro do som dos “tambores/ atabaques, gonguês e agogôs”. Todos estes instrumentos ligando o negro-escravo à sua terra origem, a África. O ritmo do tambor, ritmo de vida, torna mais estrondosa a voz de Trindade proporcionando um som forte, já que a obra do poeta deve alcançar outros ouvidos. O som dos instrumentos que ficam na alma do poeta atravessa o espaço, leva a mensagem de união entre os povos, o ritmo da fraternidade.
Pode-se perceber, ainda, que o eu lírico relata sobre a exportação forçada de homens para serem escravos, vendidos como mercadoria. O trabalho do negro para enriquecimento do senhor novo também não é esquecido: “plantaram cana pra senhor de engenho novo”. Mas, apesar de toda exploração humana, apesar de distantes do país de origem, os negros fundaram o primeiro Maracatu, uma dança dramática afrobrasileira.
O ritmo novo do povo negro resistiria em terra brasileira.
No avô, o eu poético destaca o reconhecimento da não alienação do homem negro, refutando a ideia de escravos totalmente submissos e até felizes em servir. De certa forma, o estereótipo do pai João foi construído na tentativa de encobrir esta luta negra pela liberdade. Mas Trindade une a imagem do avô à imagem de Zumbi, referencial de conscientização e resistência.
Sabe-se que a mulher negra e escrava, no período colonial, foi símbolo do mais baixo nível de poder e vontade própria. No entanto, a avó retratada pelo eu lírico também desmente esta visão de submissão. Sua atuação na guerra dos Malês, obscurecida pela oficialidade vigente, é exemplar para se perceber o papel de mulher consciente, guerreira, altiva, sofrida, e que nem todas as mulheres negras foram mucamas passivas.
Com uma história de luta, de resistência, de exemplos a serem seguidos, na alma do eu lírico fica não a marca do escravo, para sempre escravo, mas elementos simbólicos de sua origem, de sua identidade como homem negro: “o samba, o batuque e o desejo de libertação”.
No poema “Sou Negro” é possível perceber como o eu lírico rejeita a idéia de um negro servil, mas destaca e deposita na imagem dos avós o empenho em conquistar a humanização, a identidade apagada pela história, o desejo de serem livres. Através do conhecimento do passado o negro conhece a si mesmo e a sua cultura e, por isso, a cor da pele deixa de ser motivo de desonra e ele pode assumir com “Orgulho”:
Sou filho de escravo
Tronco
senzala
chicote
gritos
choros
gemidos
Sou filho de escravo
(Trindade 1961: 43)
Bernd afirma que a marca registrada da poesia de Solano Trindade é a “obsessão da reconstituição histórica” (1988: 89). Esta reconstituição do passado negro do ponto de vista de quem sofreu os efeitos da História tornou-se uma importante ferramenta para a sua produção, ao mesmo tempo que trazia o propósito de, ressignificando a História, valorizar aqueles a quem foram impostas as mais duras experiências. Através da reconstituição do passado, este homem passaria a ter um “espelho” no qual ele poderia reconhecer a sua cultura, assumindo um orgulho pelo passado africano que se perdeu com a chegada na América. A história de escravidão, desta forma, não o envergonha mais, ao contrário serve-lhe como arsenal de experiências e ele aprende, afinal, a se olhar como sujeito e reconstrói-se como homem. Assim, pode-se entender o reconhecimento: sou filho de escravo, fui violentado humana e historicamente, mas a humanização resistiu em mim e querendo ou não, faço parte desta sociedade. O eu poético primeiramente olha para si próprio e é este olhar que permite a identificação com a cultura, com a etnia e, por fim, com o continente em que está inserido.
Pode-se verificar, no projeto de Trindade, a necessidade de aceitação da participação histórica de todas as culturas, ou seja, a luta pelo fim do maniqueismo branco/negro, num processo essencial para o reconhecimento do Ser Humano que existe em cada ser. Teve, no entanto, que passar pelo olhar europeu sobre as culturas africanas para redescobrir-se e, a partir daí, com voz poética, recusar ser um tipo, para ser negro e homem. O resultado deste processo de reconhecimento pode ser notado em seu poema “Negros”:
Negros que escravizam
e vendem negro na África
não são meus irmãos
negros senhores na América
a serviço do capital
não são meus irmãos
negros opressores
em qualquer parte do mundo
não são meus irmãos
Só os negros oprimidos
escravizados
em luta pela liberdade
são meus irmãos
Para estes tenho um poema grande como o Nilo.
(Trindade 1981: 15)
A escolha do tema negro, além de encontrar-se em consonância com os ideais que o poeta defendeu, é um dos exemplos mais explícitos do processo de desumanização que se delineia ao longo da história oficial.
Na primeira estrofe do poema, com uma economia de recursos irretocável, o eu lírico traz para a sua poesia o passado. Assim, os dois primeiros versos dão conta de três séculos de escravidão na América. Há que se destacar que os dois verbos que indicam esse processo de exploração da força física do outro – “escravizam” e “vendem” – apontam como sujeitos os próprios negros. Fica evidente já nesta primeira estrofe a lucidez e o olhar isento do poeta quando identifica alguns negros com o senhor de escravos; negros servindo um sistema que, ao escravizar, desumanizou e transformou o homem negro em mercadoria a ser vendida e explorada.
Na segunda estrofe há um passado mais recente. O colonialismo cede lugar a outro tipo de exploração humana: o capitalismo. Os agentes são os mesmos: negros. Não se enfoca, porém, o negro operário, mas sim “negros senhores na América”. A crítica que se pode abstrair é que os próprios negros serviram a mercantilização do homem, favorecendo a exploração do trabalho humano a preços baixos. A desumanidade do sistema colonial é substituída pela desumanidade do sistema capitalista.
Na estrofe que se segue, o poeta sai do particular para alcançar uma visão universal da exploração e da opressão sócio-política do trabalhador. Através desta estrofe, há uma ligação de indivíduos oprimidos em qualquer parte do mundo. Os opressores novamente são alguns negros.
Ao longo das três primeiras estrofes, o poeta desmistifica a visão do negro vitimizado, identificando o negro ao senhor, ao capitalista e ao opressor. No entanto, ao final destas estrofes, a voz do eu lírico negará esses negros: “Não são meus irmãos”. É o gesto de recusa que se repete diante dos negros que servem às diversas formas de exploração. Tem-se, pois, ao final destas estrofes uma expressão direta e indignada.
O projeto de Solano Trindade consiste no amor incondicional pelo povo e pela vida, e na confiança no progresso da humanidade. Assim sendo, há no poeta uma íntima adesão aos problemas próprios de sua época, criticando a desumanidade da vida capitalista.
Em “Negros”, o poeta condena algumas atitudes individualistas que impedem o ser humano de se identificar consigo mesmo e com os outros. O poema é ordenado de modo a revelar a relação entre opressores e oprimidos, como consequência óbvia da superioridade de força de uns sobre os outros. No entanto, faz-se necessário replicar com uma indignação genuína: “Não são meus irmãos”. O eu lírico propõe uma ruptura com todos os negros que operam no nível da opressão humana, separando os negros (senhor, capitalista, explorador), dos negros (escravo, operário, explorado).
A quarta estrofe é iniciada com o advérbio “só”, com a finalidade de delimitar a relação com os homens negros do mundo, mas moldando esta relação de acordo com as as convicções marxistas do eu lírico: “só os negros oprimidos/ escravizados” que, como ele compartilham o mesmo ideal de liberdade, são seus irmãos. Esta identificação pode ser notada no uso do artigo “o” com um valor afetivo, aproximando o eu lírico destes negros que representam seu projeto de irmandade. Este desejo de que todos os homens sejam livres fica expresso no terceiro verso da quarta estrofe: “em luta pela liberdade”.
A liberdade que o poeta expressa vai além da condição de não ser mais escravo no sistema colonial. A liberdade expressa no poema é o uso dos direitos de homem livre e, principalmente, a condição de igualdade. No último verso da quarta estrofe, porém, a ideia de recusa expressa no advérbio “não” desaparece e o eu lírico reconhece os oprimidos e escravizados: “São meus irmãos”.
Esta identificação com o oprimido constitui uma das bases temáticas de Trindade, afastando-se momentaneamente do foco de afirmação do “ser negro”, a fim de buscar matizes universais. A opressão, desta forma, é o denominador comum de luta para os homens, brancos ou negros. E para estes homens, ligados ao eu lírico por um laço de irmandade, há um presente, que é também uma arma, um poema grande como o Nilo, rio extremamente simbólico para os africanos.
Ao longo do poema, desmistifica-se o estereótipo sociológico. Mussa define o estereótipo sociológico como a observação do comportamento do negro em relação ao branco: o negro bom e o negro ruim (1989: 24). A relação é excludente, ou o negro é fiel, submisso, ou é selvagem, fujão, vingativo, perigoso para a sociedade. O estereótipo sociológico se configura com uma grande violência, pois retira do negro a humanidade, marmorizando-o em uma pedra de apenas uma dimensão, (ou bondade, ou maldade) esquecendo que o ser humano é um ser contraditório, complexo, e que traz em si ambos sentimentos. É esta a verdadeira dialética da realidade humana que o poeta apresenta no poema “Negros”.
A negação, (não são meus irmãos), encontrada ao longo do poema, torna-se essencial para a compreensão do processo de humanização: o espírito negador transcende a indiferença narcísica. Ao negar, o eu lírico, que se identifica com o excluído, impõe a identidade destes marginalizados, desestruturando a forma fixa de ser visto.
Através da leitura do poema fica patente que o negro não foi apenas vítima e que serviu ao opressor. Assim fazendo, o poeta descongela as estereotipias em que foi plasmada a figura do negro. Como bem expressa Lacan, o “outro é uma matriz de dupla entrada” (Bhabha 1998: 87). Ou seja, o ser humano é ambíguo, antagônico em seus desejos e, por isso, jamais homogeneizado, fixo.
A leitura do poema revela, pois, uma crítica à obsessiva reconstituição de uma identidade supostamente estável, fixa, imobilizada como uma fotografia. A dinamicidade complexa é que deveria constituir o jogo necessário para uma distinção entre alteridade e diferença, uma vez que a cultura pós-colonial supõe extirpar as raízes únicas e deixar aflorarem as estratégias alternativas de representação para articular as diferenças históricas e os valores em construção. Através da explicitação da diferença entre os negros (irmãos e não-irmãos), recupera-se uma ordem identitária de representações ethoetnoculturais que expressam uma matriz contaminada pelo processo de assimilação colonial, mas possibilitando a afirmação da alteridade na diferença, cujo paradigma foi aberto por Frantz Fanon, Aimé Césaire e Léopold Senghor, como resposta identitária étnica ao excludente universalismo colonialista.
Através do poema “Negros”, o poeta evidencia que é necessário visualizar a diferença, a identidade heterogênica, a fim de perceber o entre-lugar da subjetividade pós-colonial, em que se evidencia a permanência do outro, a falta, a perda, a não coincidência dos sujeitos. Ao apresentar o negro em sua diferença, o poeta explicita o fato de o próprio negro optar por sua subjetividade, ou seja, ele escolhe servir ao opressor ou unir-se ao negro oprimido. Essa opção é o caminho e o meio para que o Negro se manifeste como um ser humanizado, desvelando-se e opondo suas várias faces diante da imagem fixa, estereotipada. No poema o eu lírico rejeita o olhar maniqueísta presente nas estereotipias na qual o negro era a vítima, ou o negro bestial, o selvagem fadado à extinção. Desta maneira o projeto poético de Solano Trindade se concretiza, ou seja, ele concede a sua ARMA poética um caráter humanizador.
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Obras citadas
ARAÚJO, Ari. 1986. “Por um pensamento negro-brasileiro; a reversibilidade do espelho”. Estudos afro-asiáticos (Rio de Janeiro) 12 (ago.): 63-79.
BERND, Zilá. 1988. Introdução à Literatura negra. São Paulo: Brasiliense.
BHABHA, Homi. 1998. O local da cultura. Tradução de Myrian Ávila et al. Belo Horizonte: Editora da UFMG.
FANON, Franz. 1983. Pele negra, máscara branca. Tradução de Adriano Caldas. Rio de Janeiro: Fator.
FONSECA, Maria Nazareth Soares, org. 2000. Brasil afro-brasileiro. Belo Horizonte: Autêntica.
GIACOMINI, Sônia Maria. 1988. Mulher e escrava: uma introdução histórica ao estudo da mulher negra no Brasil. Petrópolis: Vozes.
MUSSA, Alberto Baeta Neves. 1989. “Estereótipos de negro na literatura brasileira: sistema e motivação histórica”. Estudos Afro-asiáticos (Rio de Janeiro) 16 (jan.-jun.): 70-87.
TRINDADE, Solano. 1944. Poemas de uma vida simples. Rio de Janeiro: [s.e.].
——. 1961. Cantares ao meu povo. São Paulo: Fulgor, 1961.
——. 1988. Tem gente com fome e outros poemas. Rio de Janeiro: Departamento Geral da Imprensa Oficial, 1988.
Fontes:
Revista de Estudos Literários Terra roxa e outras terras. volume 17-A . Londrina; UEL, dez. 2009
ARAÚJO, Ari. 1986. “Por um pensamento negro-brasileiro; a reversibilidade do espelho”. Estudos afro-asiáticos (Rio de Janeiro) 12 (ago.): 63-79.
BERND, Zilá. 1988. Introdução à Literatura negra. São Paulo: Brasiliense.
BHABHA, Homi. 1998. O local da cultura. Tradução de Myrian Ávila et al. Belo Horizonte: Editora da UFMG.
FANON, Franz. 1983. Pele negra, máscara branca. Tradução de Adriano Caldas. Rio de Janeiro: Fator.
FONSECA, Maria Nazareth Soares, org. 2000. Brasil afro-brasileiro. Belo Horizonte: Autêntica.
GIACOMINI, Sônia Maria. 1988. Mulher e escrava: uma introdução histórica ao estudo da mulher negra no Brasil. Petrópolis: Vozes.
MUSSA, Alberto Baeta Neves. 1989. “Estereótipos de negro na literatura brasileira: sistema e motivação histórica”. Estudos Afro-asiáticos (Rio de Janeiro) 16 (jan.-jun.): 70-87.
TRINDADE, Solano. 1944. Poemas de uma vida simples. Rio de Janeiro: [s.e.].
——. 1961. Cantares ao meu povo. São Paulo: Fulgor, 1961.
——. 1988. Tem gente com fome e outros poemas. Rio de Janeiro: Departamento Geral da Imprensa Oficial, 1988.
Fontes:
Revista de Estudos Literários Terra roxa e outras terras. volume 17-A . Londrina; UEL, dez. 2009
Imagem = Rede Cultura
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