domingo, 23 de janeiro de 2011

Carlos Drummond de Andrade (Análise do Poema das Sete Faces)


Publicado em seu primeiro livro, Alguma poesia, de 1930, no Poema de sete faces, de Carlos Drummond de Andrade, o poeta retoma a passagem bíblica referente à morte de Cristo. Ele fala de vários assuntos: da infância, do desejo sexual desenfreado dos homens, questiona sobre o seu próprio eu e faz uma cobrança a Deus. Ele mostra de modo metafórico uma só realidade, a sua visão desesperançada diante do mundo. Ele se via injustiçado diante do mundo e do abandono de Deus, firmando com isso a fala do anjo: “vai ser gauche na vida”.

As “setes faces” do título são trabalhadas nas sete estrofes que compõem esse primeiro texto, que pode ser lido como um perfil autobiográfico do poeta, como indicia o uso do próprio nome no verso 3. Ou seja, trata do indivíduo desajustado, gauche (palavra em francês; lê-se 'gôx'), em desacerto com o mundo. O EU em conflito com o mundo. No poema são apresentados tanto seu discurso quanto sua gênese, numa estrutura marcada pela ambivalência: a cada estrofe intercalam-se harmonia e desarmonia, ainda que a linguagem pretenda-se impessoal e casual. O tom do poema é o do observador e sua poética nos é apresentada como a do incomunicável.

Nas sete estrofes do poema exibem as sete faces da poesia de Drummond, nos tons e nos temas: a conversa quase prosa, a fala, o ritmo exato, a prece, o retrato falado, a caricatura, o humor, a oralidade. E o indivisível indivíduo que se multiplica fraco e forte, tímido e “voyeur”, irônico e solidário, confidente e mineiramente arredio. Não por acaso, o poema foi escrito no dia de natal, em 1928, o que pode explicar o anjo embora torto e a invocação bíblica da 5ª estrofe. Algumas dessas sete faces podem ser facilmente reconhecidas ao longo de sua obra.

O poeta se via como “gauche”, “torto”, “canhestro”, em face de si e do mundo, ele não consegue se situar em um contexto social. O seu referencial é o seu próprio eu insatisfeito, buscando, desejando, retraindo-se. Por isso ele cobra: “Meu Deus, por que me abandonaste/ se sabias que não era Deus/ se sabias que era fraco”. Ele é esquecido por Deus e termina o poema “comovido como o Diabo”, depois de beber e de relembrar sua triste realidade. No entanto, antes de finalizar ele afirma que apesar de se chamar Raimundo que significa: “protetor, poderoso, sábio, indica uma pessoa que tende a se isolar, pois é muito rigorosa consigo mesma e supervaloriza as virtudes dos outros. Mas, quando se conscientiza da sua própria importância, torna-se capaz de dar apoio e conselhos valiosos a todo mundo”, só serviria para rimar com o mundo, não para solucionar seu problemas.

Dá para entrever Drummond, no que se refere ao momento histórico em que se situa o Poema de Sete Faces, como um poeta conflituado com o mundo, buscando na própria dialética existencial a explicação do sem-sentido da vida. Seu drama começa ao ser lançado nos adversidades do mundo sob as ordens de um “anjo torto”: anjo que representa as desarmonias entre o poeta gauche e o mundo. Para o gauche visualista, o mundo é um espetáculo que passa, assim como o bonde citado no poema, à revelia de qualquer indagação ou explicação. Na oscilação entre o real e o irreal, na busca entre essência e aparência é que a cena se movimenta.

O poeta gauche é um contemplador orgulhoso que se considera maior que o mundo num mesmo momento em que se vê quebrantado pela realidade, pelo dualismo do Eu menor que o Mundo, sente-se fraco e não vacila em apelar: “Meu Deus, porque me abandonaste”.

Fonte:
http://www.passeiweb.com/

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