domingo, 23 de janeiro de 2011

Lendas Indígenas



O guaraná para o homem civilizado significa apenas uma simples bebida. Muitos o chamam até de boke-moko. Mas para os índios do vale dos rios Andirá e Maués (AM), tinha valor de um precioso tesouro. Servia de alimento e remédio. Como o bago do guaraná é parecido com o olho humano, surgiu a lenda que correu de boca em boca por toda a região amazônica.

Outrora, vivia na selva um casal de índios muito estimado pela tribo. Apesar da felicidade que o unia, faltava-lhe um filho para ser completamente feliz. Tupã (Deus supremo) com pena, deu ao casal um menino que logo passou a ser adorado pelos indígenas.

Um dia, Jurupari, o invejoso gênio do mal, ao ver o indiozinho brincando com os animais, ficou furioso, transformando-se numa grande cobra. Os animais, quando o notaram, fugiram apavorados. O garoto continuou na floresta sem perceber a presença do invisível Jurupari que mordeu o menino, matando-o imediatamente.

A tribo ficou aos prantos. De repente, um raio interrompeu as lágrimas. Em seguida, fez-se silêncio. Só a mãe do pequeno entendera o sinal:

— Tupã deseja que plantemos os olhos do meu filho. Deles brotarão uma planta milagrosa que dará muitos frutos e nos farão felizes para sempre!

Os índios enterraram os olhos da criança. Pouco depois, surgia o guaraná. Guará, na língua indígena significa o que tem vida, gente; e ná, igual, semelhante. A palavra guaraná, assim traduzida, quer dizer bagos iguais a olho de gente.

Fenômenos da natureza sempre atraíram a atenção dos indígenas que procuraram dar, a seu modo, as mais diversas interpretações, surgindo, assim, inúmeras lendas.

Os índios Cauaiua-Parintins, do Vale do Rio Madeira, contam uma história ingênua sobre o aparecimento da noite, mostrando o alto grau imaginativo do silvícola brasileiro.

Um velho querendo dormir perguntou à coruja:

— Como é que a gente dorme?

A coruja respondeu-lhe que só ela conhecia a noite e se ele a quisesse teria de arranjar-lhe milho preto.

O velho trouxe o milho preto, colocou-o numa cabaça e levou à coruja.

Esta, ao recebê-la, tratou de tapar a boca da vasilha com barro e cantou:

Nós andamos a noite toda, caçando
E de dia dormimos
Tu já viste coruja de dia?
Mas tu dormirás durante a noite
Acordarás de madrugada
E trabalharás todo o dia.

Quando acabou de cantar a cabaça partiu e a noite apareceu.

Cinco Cauaiua-Parintins foram viajar por terras desconhecidas. Iam munidos de arco e flechas, um atrás do outro.

Ao chegarem à beira de um lago, pararam para descansar. Um deles resolveu separar-se do grupo para ver como era a noite. Armou a rede e dormiu profundamente. No dia seguinte, os companheiros foram chamá-lo e lá estava ele morto no fundo da rede.

Os companheiros falaram:

— Bem feito. E continuaram a viagem.

Mais adiante viram uma árvore alta e ouviram vozes de mulheres banhando-se no porto e o toque-toque de pica-pau, mordendo o tronco de uma árvore.

Um dos companheiros disse:

— Ninguém deve espiar as mulheres e os pica-paus. Vamos de cabeça baixa, em fila.

Um deles quis espiar o pica-pau e as mulheres. Os outros continuaram andando. De repente, a árvore grande caiu em cima do curioso.

Os companheiros ouviram os gritos, entendendo o que acontecera.

— Bem feito, comentaram.

E continuaram a viagem. Mais à frente, ouviram o inhambu cantar. Um deles falou:

— Ninguém deve espiar o inhambu cantar.

O homem foi espiar e acabou ficando doido. Andava desnorteado de um lado para o outro até que morreu. O corpo dele ficou seco e de baixo da pele lhe saía um pó esbranquiçado, como o que tem a pele do inhambu.

— Bem feito, concluíram os outros.

A essa altura só havia dois Cauaiua-Parintins. Eles andavam sem parar, durante todo o dia.

À tardinha um disse:

Vamos buscar bastante lenha para fazer uma boa fogueira para espantar os bichos que este lugar deve ter. Foram para o mato. Mas apenas um trouxe paus para a fogueira. O outro só apanhou ramos e gravetos. Não queria fogueira grande porque fazia muito calor e ele queria ver como eram os morcegos do local.

O outro deitou-se sozinho, bem perto de uma grande fogueira.

Mais tarde vieram muitos morcegos-grandes. Apagaram o fogo e chuparam o sangue do pescoço do curioso.

No dia seguinte, bem cedo, o companheiro foi chamar o amigo, encontrando-o morto. Então, voltou sozinho para sua maloca.

Para esses índios, os curiosos deveriam morrer.

Havia três irmãos: dois solteiros e um casado, contam os índios makuchys, do território de Rio Branco, atual Roraima. Daqueles dois, um era feio e o outro, bonito. O casado e o bonito não gostavam do feio, sendo que o segundo procurava a todo custo matar o irmão feio. Em determinada ocasião, aguçou um pau, apontou-o bem e depois de preparar um plano, chamou o feio.

— Meu mano, vamos apanhar urucu (substância de tinta) para pintar nosso corpo?

— Vamos, respondeu o outro.

Eles foram ao urucueiro e o bonito falou:

— Sobe para apanhar urucu para nós.

O feio subiu e o irmão matou-o com o pau. Cortou as pernas, deixou o cadáver e foi embora.

Logo depois chegava a cunhada.

— Como estás, meu cunhado?

— Como hei de estar? Bem.

— Como está o outro meu cunhado?

— Está lá fora, passeando.

— Ah! Pode ser.

A cunhada indo passear atrás da casa, achou o corpo com as pernas cortadas e separadas.

Em seguida, apareceu o irmão bonito.

— Para que me servem estas pernas cortadas? Para nada. Agora só estão boas para os peixes comerem.

O irmão pegou as pernas e as colocou no rio. Elas viraram surubim (peixe). O corpo ficou na terra, mas a alma subiu ao céu. Chegando lá transformou-se em estrela. O corpo ficou no centro e as pernas postas uma de cada lado. O irmão assassino, por sua vez, transformou-se na estrela Caiuanon (Vênus) e o irmão casa na estrela Itenha (Sírius). Ficaram os dois fronteiros ao irmão morto por castigo, a fim de serem obrigados a olharem sempre o irmão.

Assim nasceu Vênus e Sírius.

Segundo os índios Tucuna e Uitoto (AM), antigamente havia um moço forte e bonito naquela região. Sua tia preparava o urucu para pintar os tucunas nos dias de festa de Moça-Nova.

O sobrinho partia a lenha para a fogueira, onde a velha punha a panela para ferver urucu.

A velha estava sempre aborrecida, pedindo ao sobrinho cada vez mais lenha. Um dia o rapaz trouxe muita muirapiranga (madeira parecida com o pau-brasil) e para acabar com aquele trabalho pediu a tia que o deixasse beber todo o urucu.

A velha pensando que ele morreria disse:

— Bebe, bebe logo.

O rapaz bebeu e foi ficando vermelho como o urucu e a muirapiranga. Depois subiu ao céu, meteu-se entre as nuvens, transformando-se no Sol, o índio vermelho.

Fonte:
Quatro séculos de lendas. Revista Petrobras, Rio de Janeiro, setembro/outubro de 1972.
Disponível em Jangada Brasil. Revista Almanaque. Abril 2010 - Ano XII - nº 135.

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