Eu estava num centro comercial de Copacabana e era sábado, pouco depois do meio-dia. Às tantas, comecei a ouvir uma martelação de ensurdecer. O dono de uma lojinha de sapatos para senhoras chegou-se à porta, assustado:
- Que será isso?
E saiu pelo corredor a investigar. Caminhávamos na mesma direção e logo descobrimos que o ruído vinha de uma sala fechada, um curso de ginástica. Batiam desesperadamente na porta, lá dentro - com um haltere, no mínimo.
- Que está acontecendo? - o sapateiro gritou do lado de cá.
Uma voz chorosa de mulher explicou que a porta estava trancada, que ela não podia sair.
- Quede a chave? - berrou o homem.
- O professor levou - respondeu a voz.
- Que professor?
- O professor de ginástica.
- Espere que eu vou buscar o zelador- arrematou o homem, solícito.
E se voltou para mim :
- O senhor podia fazer o favor de procurar o zelador para soltar a mulher? Não posso abandonar a minha loja sem ninguém.
Não tive outro jeito senão sair à procura do zelador.
Era delicado e solícito, mas infelizmente não podia fazer nada: não tinha a chave da sala.
Voltei ao corredor, vencendo a tentação de cair fora de uma vez, deixar que a mulher se arranjasse. A bateção recomeçara, ela parecia disposta a botar a porta abaixo:
- Abre essa porta! Pelo amor de Deus!
- Calma, minha senhora - berrei do lado de cá: - Vamos ver se a gente dá um jeito.
No corredor ia-se juntando gente, e várias sugestões eram aventadas: abrir um buraco na parede, chamar o Corpo de Bombeiros, retirá-la pela janela.
- Deve ser uma mulher forte.
- Eu se fosse ela aproveitava e quebrava tudo lá dentro.
Pensei em transferir a alguém mais a tarefa que o sapateiro me confiara, não encontrei ninguém que parecesse disposto a aceitar a responsabilidade: todos se limitavam a fazer comentários jocosos, estavam é se divertindo com o incidente. De súbito me ocorreu perguntar à mulher o número de telefone do professor. Foi um custo fazê-la cantar de lá a resposta, algarismo por algarismo.
Saí para a rua à procura de um telefone - tive de andar um quarteirão inteiro até uma farmácia, onde fiquei aguardando na fila. Chegou afinal a minha vez. Atendeu-me uma voz de criança, certamente filha do professor. Que ainda não havia chegado em casa, pelo que pude entender:
- Escuta, meu benzinho, diga para o papai que tem uma mulher trancada na sala lá do curso dele, está me entendendo? Repete comigo : uma mulher trancada...
Não havendo mais nada a fazer, resolvi tomar o caminho de casa - mas a curiosidade me arrastou mais uma vez até ao centro comercial.
O interesse conquistara todo o andar, espalhava-se aos demais, ganhava a rua : gente se acotovelava diante do prédio, agora era uma multidão de verdade que acompanhava os acontecimentos :
- Por que não arrombam a porta de uma vez?
- O que a mulher está fazendo lá dentro?
- Dizem que ela está nua.
A palavra mágica correu logo entre a multidão : nua, uma mulher nua! E cada vez juntava mais gente, ameaçando interromper o tráfego :
- Mulher nua! Mulher nua! - gritavam os moleques.
Dois soldados da polícia militar, passaram correndo, cassetete em riste, sem saber para onde se dirigir. A multidão se abriu, precavidamente. Um homem de ar decidido pedia licença e ia entrando pelo centro comercial adentro, como quem vai resolver o problema. Devia ser algum comissário de polícia.
Era o professor, que comparecia com a chave. Em pouco a porta do curso de ginástica se abriu e a mulher saiu, ressabiada - completamente vestida. Era baixinha e meia gorda, estava mesmo precisando de ginástica.
Fontes:
SABINO, Fernando, Deixa o Alfredo Falar. RJ: Record, 1976.
Imagem = http://www.plinn.com.br/
- Que será isso?
E saiu pelo corredor a investigar. Caminhávamos na mesma direção e logo descobrimos que o ruído vinha de uma sala fechada, um curso de ginástica. Batiam desesperadamente na porta, lá dentro - com um haltere, no mínimo.
- Que está acontecendo? - o sapateiro gritou do lado de cá.
Uma voz chorosa de mulher explicou que a porta estava trancada, que ela não podia sair.
- Quede a chave? - berrou o homem.
- O professor levou - respondeu a voz.
- Que professor?
- O professor de ginástica.
- Espere que eu vou buscar o zelador- arrematou o homem, solícito.
E se voltou para mim :
- O senhor podia fazer o favor de procurar o zelador para soltar a mulher? Não posso abandonar a minha loja sem ninguém.
Não tive outro jeito senão sair à procura do zelador.
Era delicado e solícito, mas infelizmente não podia fazer nada: não tinha a chave da sala.
Voltei ao corredor, vencendo a tentação de cair fora de uma vez, deixar que a mulher se arranjasse. A bateção recomeçara, ela parecia disposta a botar a porta abaixo:
- Abre essa porta! Pelo amor de Deus!
- Calma, minha senhora - berrei do lado de cá: - Vamos ver se a gente dá um jeito.
No corredor ia-se juntando gente, e várias sugestões eram aventadas: abrir um buraco na parede, chamar o Corpo de Bombeiros, retirá-la pela janela.
- Deve ser uma mulher forte.
- Eu se fosse ela aproveitava e quebrava tudo lá dentro.
Pensei em transferir a alguém mais a tarefa que o sapateiro me confiara, não encontrei ninguém que parecesse disposto a aceitar a responsabilidade: todos se limitavam a fazer comentários jocosos, estavam é se divertindo com o incidente. De súbito me ocorreu perguntar à mulher o número de telefone do professor. Foi um custo fazê-la cantar de lá a resposta, algarismo por algarismo.
Saí para a rua à procura de um telefone - tive de andar um quarteirão inteiro até uma farmácia, onde fiquei aguardando na fila. Chegou afinal a minha vez. Atendeu-me uma voz de criança, certamente filha do professor. Que ainda não havia chegado em casa, pelo que pude entender:
- Escuta, meu benzinho, diga para o papai que tem uma mulher trancada na sala lá do curso dele, está me entendendo? Repete comigo : uma mulher trancada...
Não havendo mais nada a fazer, resolvi tomar o caminho de casa - mas a curiosidade me arrastou mais uma vez até ao centro comercial.
O interesse conquistara todo o andar, espalhava-se aos demais, ganhava a rua : gente se acotovelava diante do prédio, agora era uma multidão de verdade que acompanhava os acontecimentos :
- Por que não arrombam a porta de uma vez?
- O que a mulher está fazendo lá dentro?
- Dizem que ela está nua.
A palavra mágica correu logo entre a multidão : nua, uma mulher nua! E cada vez juntava mais gente, ameaçando interromper o tráfego :
- Mulher nua! Mulher nua! - gritavam os moleques.
Dois soldados da polícia militar, passaram correndo, cassetete em riste, sem saber para onde se dirigir. A multidão se abriu, precavidamente. Um homem de ar decidido pedia licença e ia entrando pelo centro comercial adentro, como quem vai resolver o problema. Devia ser algum comissário de polícia.
Era o professor, que comparecia com a chave. Em pouco a porta do curso de ginástica se abriu e a mulher saiu, ressabiada - completamente vestida. Era baixinha e meia gorda, estava mesmo precisando de ginástica.
Fontes:
SABINO, Fernando, Deixa o Alfredo Falar. RJ: Record, 1976.
Imagem = http://www.plinn.com.br/
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