domingo, 23 de janeiro de 2011

Fernando Sabino (A Mulher Vestida)



Eu estava num centro comercial de Copacabana e era sábado, pouco depois do meio-dia. Às tantas, comecei a ouvir uma martelação de ensurdecer. O dono de uma lojinha de sapatos para senhoras chegou-se à porta, assustado:

- Que será isso?

E saiu pelo corredor a investigar. Caminhávamos na mesma direção e logo descobrimos que o ruído vinha de uma sala fechada, um curso de ginástica. Batiam desesperadamente na porta, lá dentro - com um haltere, no mínimo.

- Que está acontecendo? - o sapateiro gritou do lado de cá.

Uma voz chorosa de mulher explicou que a porta estava trancada, que ela não podia sair.

- Quede a chave? - berrou o homem.

- O professor levou - respondeu a voz.

- Que professor?

- O professor de ginástica.

- Espere que eu vou buscar o zelador- arrematou o homem, solícito.

E se voltou para mim :

- O senhor podia fazer o favor de procurar o zelador para soltar a mulher? Não posso abandonar a minha loja sem ninguém.

Não tive outro jeito senão sair à procura do zelador.

Era delicado e solícito, mas infelizmente não podia fazer nada: não tinha a chave da sala.

Voltei ao corredor, vencendo a tentação de cair fora de uma vez, deixar que a mulher se arranjasse. A bateção recomeçara, ela parecia disposta a botar a porta abaixo:

- Abre essa porta! Pelo amor de Deus!

- Calma, minha senhora - berrei do lado de cá: - Vamos ver se a gente dá um jeito.

No corredor ia-se juntando gente, e várias sugestões eram aventadas: abrir um buraco na parede, chamar o Corpo de Bombeiros, retirá-la pela janela.

- Deve ser uma mulher forte.

- Eu se fosse ela aproveitava e quebrava tudo lá dentro.

Pensei em transferir a alguém mais a tarefa que o sapateiro me confiara, não encontrei ninguém que parecesse disposto a aceitar a responsabilidade: todos se limitavam a fazer comentários jocosos, estavam é se divertindo com o incidente. De súbito me ocorreu perguntar à mulher o número de telefone do professor. Foi um custo fazê-la cantar de lá a resposta, algarismo por algarismo.

Saí para a rua à procura de um telefone - tive de andar um quarteirão inteiro até uma farmácia, onde fiquei aguardando na fila. Chegou afinal a minha vez. Atendeu-me uma voz de criança, certamente filha do professor. Que ainda não havia chegado em casa, pelo que pude entender:

- Escuta, meu benzinho, diga para o papai que tem uma mulher trancada na sala lá do curso dele, está me entendendo? Repete comigo : uma mulher trancada...

Não havendo mais nada a fazer, resolvi tomar o caminho de casa - mas a curiosidade me arrastou mais uma vez até ao centro comercial.

O interesse conquistara todo o andar, espalhava-se aos demais, ganhava a rua : gente se acotovelava diante do prédio, agora era uma multidão de verdade que acompanhava os acontecimentos :

- Por que não arrombam a porta de uma vez?

- O que a mulher está fazendo lá dentro?

- Dizem que ela está nua.

A palavra mágica correu logo entre a multidão : nua, uma mulher nua! E cada vez juntava mais gente, ameaçando interromper o tráfego :

- Mulher nua! Mulher nua! - gritavam os moleques.

Dois soldados da polícia militar, passaram correndo, cassetete em riste, sem saber para onde se dirigir. A multidão se abriu, precavidamente. Um homem de ar decidido pedia licença e ia entrando pelo centro comercial adentro, como quem vai resolver o problema. Devia ser algum comissário de polícia.

Era o professor, que comparecia com a chave. Em pouco a porta do curso de ginástica se abriu e a mulher saiu, ressabiada - completamente vestida. Era baixinha e meia gorda, estava mesmo precisando de ginástica.

Fontes:
SABINO, Fernando, Deixa o Alfredo Falar. RJ: Record, 1976.
Imagem = http://www.plinn.com.br/

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