sábado, 8 de janeiro de 2011

Henrique Oliveira (O Bêbado e o Poeta)

Pintura a óleo, de Francisco Eduardo
- Faz tempo que não venho num espetáculo
- Tem leão?
- Acho que tem.
- Quer quebra-queixo?
- Quero.
- Chocolate quente também?
- Prefiro uma.
- O circo é um lugar sagrado. Você não pode beber aqui.
- Ué. Não é desrespeito beber da forma que eu bebo. Sabe disso.

A noite começava a chegar quando a fila se formava sob a gigante lona amarela e azul. O chão de terra batida era coberto pelo pó de serra. Um friozinho agradável aumentava a venda do tiozinho da barraca de chocolate quente. Osvaldo, o poeta pacientemente aguardou sua vez e pediu ao tiozinho um chocolate e se ele tinha vodka. O bigodudo lhe serviu a bebida quente e balançou a cabeça para os lados respondendo a pergunta. Enquanto fazia o troco para dez, o tiozinho lembrou.

- Não quer um conhaque?
- Pode ser.
- Com gelo?
- Não precisa. Quero quatro doses.

Antes de voltar pra fila Osvaldo passou na barraquinha de doces e comprou dois quebra-queixos. Num, deu uma pequena mordida. O outro deu para o moleque que pedia para engraxar sapatos.

- Obrigado por guardar o lugar.

A moça de vestido roxo sorriu.

- Está forte o chocolate, bêbado?
- Está bom.
- Vamos sentar aqui.
- Aqui é melhor.
- É muito perto do palco. Assusto-me com as bombinhas dos palhaços.
- Deixa de frescura.
- Demora pra começar?

Osvaldo era homem de bom coração. Com canetas e teclados transformava palavras em obras admiráveis. Era um nobre escritor. Chorava fácil. Seus ápices da felicidade atingiam-se em momentos toscos, ingênuos e infantis. O circo era um deles. As luzes se apagaram, uma lágrima desceu para a bochecha do poeta.

Gritou o homem de cartola e smoking pretos.

- Gosto de malabares.
- Eu também.
- Esses são bons.
- Vou pegar mais um conhaque.

Não tinha fila na barraquinha do bigodudo. “O senhor me vê quatro doses de conhaque e um chocolate quente”, pediu o bêbado, que sentou no banquinho de madeira do meio. O tiozinho, sem fregueses naquela hora, puxou papo com o bêbado. “Frio, né? Não gosta de circo?” O bêbado já tem ela pronta. “Gosto sim, e muito. Estou aqui fora porque queria tomar mais um conhaquinho, mas já vou voltar. Quero ver os palhaços. Adoro os palhaços. Você gosta?” “Gosto também. Já fui palhaço. Era um dos bons. Ninguém ficava sem rir. Tenho saudade daquela época.” O causo foi longo. O bêbado ouviu o bigodudo atenciosamente. Despediu-se do tiozinho e voltou para o circo. O espetáculo chegara ao fim. Sua decepção foi visível. Encheu os olhos de água e partiu em direção a porta de saída.

- Eu não vi nada.
- Quem mandou ficar lá fora?
- Não seja ruim comigo.
- Não estou sendo.
- Vamos passar no bar

Osvaldo puxou a cadeira de uma mesa que estava próxima à parede e se sentou. Puxou uma caneta do bolso, um pedaços de guardanapos do porta-guardanapo e começou a resenhar. O bêbado pediu uma vodka.

- Vai tomar vodka?
- Não quero mais conhaque.
- Você está triste por ter perdido os palhaços?
- Um pouco.
- Vamos voltar ao circo amanhã.
- Ótimo.

O bêbado, completamente embriagado levantou-se. Foi ao balcão.

- Eu quero mais uma vodka. Marca pra mim. Estou indo embora.

Responde o dono do boteco: “Vou pendurar, mas preciso que você me pague na semana que chega. Combinado Osvaldo?” “Combinado”, responde o bêbado que foi para casa terminar o conto que havia começado.

Só fico sóbrio para corrigir a gramática do que crio na embriaguez.
Osvaldo, o poeta.

Fonte:
http://oliveirando.blogspot.com/2009/09/o-bebado-e-o-poeta.html

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