sábado, 6 de agosto de 2011

Lúcia Constantino (Quem Te Olhou nos Olhos)


Quem Te olhou nos Olhos,
ouviu a canção das nuvens,
executada nas cordas solares.
E viu os lírios do coração se abrirem.
E naquele momento, sentiu
os justos se perderem de suas angústias
e as astúcias dos pensamentos
se converterem em serenos faróis.

Decifrou ele, em Teu Olhar,
os veios profundos
que no infinito desenham as estrelas,
teto de um mundo
que ainda vale a pena,
quando há no Ser o sonho
de reencontrar o verdadeiro lar.

Quem Te olhou nos Olhos,
sabia que estava diante do manancial solar,
maestro da lua, do mar
e de todos os vales profundos
onde ainda respiram os náufragos
e os insensatos passos dos absurdos.

Ao fitar Teus Olhos,
com certeza alimentou-se dessa aurora
e vestiu-se de gente pela primeira vez,
estreando a vida,
sentindo-se sagrada e ascendida criatura,
seiva da terra remida.

Aquele que Te fitou os Olhos
fez de si mesmo uma candeia eterna,
consciente de que ao olhar o próprio céu,
humanamente auto-gerou luz à sua hora
e enfim, se reconheceu.

Quem Te olhou nos Olhos
recebeu asas para a caminhada
ao longo dos séculos.

Nasceu.

Fontes:
http://asasonoras.blogspot.com/2011/06/quem-te-olhou-nos-olhos.html
Imagem = http://nitidaneblina.blogspot.com/

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 287)

Uma Trova Nacional

Uma Trova Potiguar

Pescaria só tem graça,
Se, lá na ponta do anzol,
vem um litro de cachaça,
limão e carne-de-sol.
–FRANCISCO MACEDO/RN–

Uma Trova Premiada


1998 -Sete Lagoas/MG
Tema: TROPEÇO - 1º Lugar.

A defender eu me apresso
o linguajar puro e rico.
Mineiro não diz “tropeço”:
Se for “da gema”, é “trupico”!
–MARISA DA CONCEIÇÃO PEREIRA/MG–

Uma Trova de Ademar

Se nós somos descendentes
de um homem feito de barro,
na certa somos parentes
de um pote velho, ou de um jarro!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Um pesadelo medonho
que o genro nunca esqueceu:
a sogra surgiu-lhe em sonho
dizendo que não morreu...
–EDMILSON FERREIRA MACEDO/MG–

Simplesmente Poesia

MOTE.
A cachaça é lenitivo...
calmante pro coração!

GLOSA.
Aparenta corrosivo
não prejudica ninguém,
pelo sabor que ela tem
a cachaça é lenitivo...
traz em si o incentivo
para qualquer solução,
foi a maior invenção
caiu do céu como oferta
e agora foi descoberta:
calmante pro coração!
–AUGUSTO MACEDO/RN–

Estrofe do Dia

É comum encontrar homem casado
que só vive implorando a viuvez,
quando perde a mulher não passa um mês
sem ficar novamente apaixonado;
antes mesmo do luto ter passado
vai a tudo que é baile namorar,
compra nova mobília e monta o lar
e na igreja faz novo juramento,
todo mundo acha ruim o casamento
mas ninguém quer morrer sem se casar!
–PALMEIRAS GUIMARÃES/PE–

Soneto do Dia

Azar
–RENATA PACCOLA/SP–

Certo dia, acordei de mau humor –
resquício de uma noite mal dormida.
Peguei o carro, e então fundiu o motor,
Segui para o metrô, enfurecida.

Tentei continuar com minha lida,
mas fiquei presa num elevador.
Neste compartimento sem saída,
passei horas de angústia e terror,

e saí sob o som de bate-estaca.
Depois, no meio de um supermercado,
senti a dor de um burro quando empaca.

Foi aí que vi, quase ao meu lado,
irônicos dizeres numa placa:
“Sorria. Você está sendo filmado!”

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Gilbamar de Oliveira Bezerra (Trovas Esparsas)


PENSAMENTOS EM TROVAS

A MORTE
Não tenho medo da morte,
como temer o que é certo?
Ela é sempre nosso Norte,
vezes longe, vezes perto

A TRISTEZA
Apague toda tristeza
guardada no coração,
pois ela, com certeza,
é venenoso escorpião

O DESTINO
Seja seu próprio destino,
quem faz seu futuro é você,
levando a vida sorrindo,
não haverá muito sofrer

O AMOR
Só ama quem é amado
até mesmo o altruísta
porque o amor despojado
é dar uma de artista

TROVAS DESCONTRAÍDAS

Dói ver uma criança
passando necessidade,
é quando perco a esperança
na nossa humanidade
*
Não deveria sofrer
quem trabalha e envelhece,
pois ele fez por merecer
o descanso que enobrece
*
Não gosto de vagabundo
que dá uma de esperto,
jamais quero ter no mundo
um cara desse por perto
*
Um sorriso feminino
é oceano de sedução,
faz de um homem menino
que se afoga na paixão
*
Sou fragmentos de poesia
num jardim espalhados,
sou restos de fantasia
na tristeza desprezados

TROVAS DO CORAÇÃO

Tantos amores se vão
deixando tristeza no ar,
são coisas do coração
que não se cansa de amar

E nessa árdua jornada
sem pensar no seu sofrer
sai em busca da amada
buscando um novo querer

Se perde a grande paixão
nos reveses da vida,
esse pobre coração
sofre nova despedida

Mas nesse diapasão
vai em frente a procurar
essa perfeita união
pois seu destino é amar

Ah, como sofre o coração
que nunca logra desbravar
essa doce ilusão
de seu amor encontrar

Fonte:
http://gilbamar-poesiasecronicas.blogspot.com/search/label/Trova

Ademar Macedo (O Trovadoresco n. 74 - agosto de 2011)

Ademar Macedo

Gilbamar de Oliveira Bezerra (Antologia Poética)


MINHA POESIA

Quando já nada restar de mim,
posto que serei pó do tempo,
que será dos resquícios poéticos
hoje ainda brotando em minh'alma?

Terão maior valia para alguém
num mundo tão conturbado,
onde a poesia quase não tem vez
e a ternura pereceu sem graça?

Do meu coração, provavelmente,
continuarão fluindo doces poemas
e doravante ainda mais singelo serei
mesmo que nunca fascine ninguém

Os homens não plantam árvores
somente para si próprios, eles vão,
elas permanecem dando sombra
a quantos virão depois, e isso é lindo

DOCE VENENO

Meu último suspiro será por você,
para que sorria e eu leve comigo
a beleza do seu sorriso,
eu versejo e murmuro feliz
porque você é a minha poesia.
Sua voz é a bela música
que o meu coração sempre
desejou ouvir tantas vezes.
Então, fala-me, murmura,
canta para mim
Você é o veneno doce
que só faz bem a mim
você transformou o menino
que havia em mim no homem
que eu apenas aparentava ser
antes de a conhecer.

A TI AMO

Recorro aos gestos
e falo às mãos
desdobro-me em carícias
divido-me em mil
sou todo afagos
eis-me feito afeição
para expressar
o quanto te amo!

A ti amo tanto
quanto o céu é azul
a lua é dourada
o sol brilha e queima
as nuvens são brancas
a água é límpida
o mar é salgado!

Nesse grandioso amor
com que me enlaço
flutuo, danço, voo,
sou primavera
viro beija-flor
semeio jardins
de gozo pereço
morrendo em mim
e renascendo em ti.

MULHER, ESSE CÉU

Cada mulher é como jardins floridos
onde muitos beija-flores tentam,
a todo custo, usufruir de seu néctar.

Cada mulher é um sol de alegria,
maravilhosa lua de encanto,
estrela de brilho raro, céu de prazer,

Cada mulher é um misterioso universo
onde descobrimos as delícias
mais encantadoras de estar vivo

Cada mulher é um universo
a ser conquistado, um castelo
a ser desbravado, um oceano
onde mergulhar para ver o paraíso

Cada mulher se torna assim,
um sorriso especial que encanta,
fascina e, por vezes, apunhala
o coração do homem

Cada mulher é um amor inusitado
escrevendo dia após dia uma
nova e inconfundível história.

Cada mulher é delicioso sonho novo,
agradável e rara ternura inolvidável,
sorridente êxtase extraordinário.

EXPLOSÃO DE VIDA

Como lágrimas de anjos a chuva cai
refrescando docemente a alma da cidade
cujo suave gesto feminino se sobressai
parecendo de algo sentir muita saudade

Os milhões de respingos assim diluídos
formando gigantesca cascata celeste
são lençóis plúmbeos constituídos
que a cidade nua no momento veste

Pássaros voam em bandos alegremente
porque a água que vem do céu é branda
alguns gorjeiam, outros carregam semente
a natureza embonecada sorri e canta

Quão linda é a vida sob esse belo prisma
é quando percebemos de Deus o Seu poder
e ainda que o descrente hesite em sua cisma
"há um Criador sim", ele diz sem perceber

OLHOS SEM CORAÇÃO

Somente olhos sem coração,
insensíveis, pejados de dor,
incapazes de sorrir
não contemplam flores.
São olhos apagados,
descoloridos, quase mortos,
turvos, sombrios, pobres,
que não se alegram.
Olhos órfãos da felicidade,
opacos, fósseis de tantas
e estranhas melancolias.
São olhos moribundos
que não derramam lágrimas,
olhos secos sem traços
ou sinais de vida.
Oh, céus, são tristes
olhos necessitados
de se deixar vencer
pelo poder catalizador
do pranto.

ALGUMAS COMIDAS NORDESTINAS

Como estamos vivenciando o período junino, achei de bom alvitre postar novamente um dos meus cordéis mais conhecidos, lidos e comentados. Divirtam-se e agucem o apetite lendo esses versos nascidos da inspiração oriunda das guloseimas degustadas no Nordeste.

A culinária nordestina
é modesta porém variada
agradando qualquer paladar
tem cuscus com leite, buchada,
a boa cocada de rapadura
além da gostosa panelada

O baião-de-dois, que petisco!
Arroz-d-leite, carne de bode,
manteiga da terra, chouriço,
desde que não engorde
mas se engordar, que fazer?
Come, balança e sacode

Carne-de-sol com farofa,
queijo de coalho e goiabada,
feijão verde, arroz da terra,
pamonha, café e coalhada,
bolacha preta, canjica,
tapioca doce e salgada

Caldo de cana e pão doce,
cocada feita com leite,
fuçura de bode cozida,
doce de banana, um deleite,
pé-de-moleque, espéce,
um docinho de caju, aceite!

Bolo de milho, doce de coco
manga, suco de maracujá
abacaxi quase açúcar,
sapoti, melão, mungunzá
seriguela e cajarana
mocotó com feijão e juá

Grude, cocorote, broa
mel de engenho, milho assado
sequilhos feito de goma
galinha guisada, guiné torrado,
sopa de feijão todos gostam,
e posta frita de Dourado

Sirvam-se de doce de jerimum,
de mamãe, banana ou caju,
goiaba em calda ou compota,
mangaba e batida de umbu,
arroz doce, um espetáculo,
que tal um melzinho de uruçu?

Claro que tem muito mais
não guardo tudo na cachola
há outras tantas variações
é só procurar, ora bolas!
Pelo menos podemos saber
que o Nordeste é da hora.

Fonte:
http://gilbamar-poesiasecronicas.blogspot.com/
http://sitedepoesias.com/poesias/60467

Gilbamar de Oliveira Bezerra (1951)


Natural de Mossoró/RN, nascido a 31 de agosto de 1951, filho de Severino Bezerra de Oliveira e de Terezinha Leite de Oliveira.

Funcionário do Banco do Brasil, e também Bacharel em Ciências Jurídicas pela UERN, turma de 1985.

Membro de diversas instituições culturais, dentre as quais estão a Academia Uruguaiana de Letras, Academia Internacional de Letras “3 Fronteiras” e Instituto Cultural do Oeste Potiguar (ICOP). Cadeira n. 3 da Academia Mossoroense de Letras.

Casado, autor de três livros, sendo dois de contos e crônicas e um sobre o frustrado ataque dos cangaceiros a Mossoró, fato ocorrido em 13/06/1927.

Participou de vários concursos de contos, poesias e crônicas, sendo premiado em alguns e participando de coletâneas.

Atualmente escreve nos sites: http://recantodasletras.uol.com.br/escrivaninha/publicacoes/editor.php?acao=ler&idt=1051523&rasc=0, www.ver-o-poema.com.br e www.sonetos.com.br.

Blog: http://gilbamar-poesiasecronicas.blogspot.com/.

Livros de sua autoria, ainda inéditos, encontram-se no site www.mesadoeditor.com.br aguardando aprovação.
Link
Possui uma coluna semanal no jornal O Mossoroense.

Livros:
A Derrota de Lampião
O Ataque de Lampião a Mossoró – Trovas
O Motim dos Flagelados – Contos

Fontes:
http://gilbamar-poesiasecronicas.blogspot.com/
sitedepoesias.com/poetas/Gilbamar
Academia Mossoroense de Letras

Ialmar Pio Schneider (Soneto a Jorge Amado)


In Memoriam
Falecimento do escritor em 6.8.2001

Bem sabemos que foi o Jorge Amado,
o escritor portentoso e dos mais lidos,
e que seus livros são os preferidos,
por conterem também um texto ousado.

Sempre fiel, ao romance devotado,
soube fazer relatos divertidos,
também jamais hão de ser esquecidos
os personagens que tem seu legado.

Na simples homenagem destes versos,
desejo traduzir uma lembrança
do ABC de Castro Alves, de Gabriela,

de outros romances fortes e diversos;
e vejo O Cavaleiro da Esperança
em sua luta para a vida bela !

Fonte:
Soneto enviado pelo autor

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 286)

Héron Patrício e Yedda Ramos Maia Patrício, na UBT SP
Uma Trova Nacional

Cabe ao homem, no contexto
de um só ato, único e breve,
pôr esperanças no texto
das cenas que a vida escreve...
–HÉRON PATRÍCIO/SP–

Uma Trova Potiguar

Não busco da vida o intento
senão de ser, todo dia,
feliz a cada momento
no meu ninho de poesia!
–MARA GARCIA/RN–

Uma Trova Premiada

2008 - Bandeirantes/PR
Tema: AUDÁCIA - M/E.

Luto por meus ideais,
com audácia entre os abalos,
que não abalam jamais
a esperança de alcançá-los!
–WANDA DE PAULA MOURTHÉ/MG–

Uma Trova de Ademar

Nenhuma ciência explica
as satisfações da mente.
O prazer não se fabrica,
ele nasce... Simplesmente.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

De longe sinto a fragrância
de tua doce presença,
pois não existe distância
que uma saudade não vença.
–FRANCISCO PÉRSIO FALABELLA/MG–

Simplesmente Poesia

Poema da Vergonha
–ELISABETH SOUZA CRUZ/RJ–

Tenho vergonha deste meu poema,
porém não calo a voz da poesia....
Eu nem queria dar a quem blasfema
a chance do meu verso... ( que ironia!).

O preconceito ainda é um grande edema,
a sociedade mostra a anomalia
de existir gente formando um sistema,
tentando praticar a hegemonia!

Minha caneta hoje não cruza os braços,
e vem aqui para estreitar os laços,
porque o Brasil requer uma Unidade!

Ninguém agrida o povo Nordestino,
que essa agressão é um grande desatino...
É uma vergonha.... é uma imbecilidade!

Estrofe do Dia

Santana do Matos aniversaria,
e este seu filho que ela viu nascer,
lhe manda com carinho esta poesia
mas nem sabe direito o que dizer!
Apesar de nascer de sua entranha
bem cedo me mudei pra terra estranha
quando ainda era muito pequenino;
mas eu guardei no vídeo da memória...
É aqui que começa a minha história
e amar esta cidade é meu destino.
–ADEMAR MACEDO/RN–

Soneto do Dia


Um Filho de Santana do Matos.
–GILSON FAUSTINOMAIA/RJ–

Pode um filho fugir da mãe querida,
mesmo sendo inda tenro, esse menino;
percorra pelo mundo outro destino,
sempre a mãe lhe dará uma acolhida.

Sua terra natal é sua vida.
Amar o antigo berço é dom divino.
Ali Deus colocou, do pequenino,
o início dessa estrada percorrida.

Em Santana do Matos tua história
estará para sempre na memória
do povo teu irmão do antigo lar.

Não preciso nem mesmo ser profeta,
pra saber, Ademar, que és o poeta
mais nobre e mais querido do lugar.

Fontes:
Textos enviados pelo Autor
Foto por José Feldman

Monteiro Lobato (Viagem ao Céu) XV – A cavalgada louca


Aquilo até parecia fábula. Estarem montados num cometa, a voarem com velocidade de cavalos-luz, era coisa que quando fosse contada aos povos da Terra havia de provocar sorrisos de incredulidade.

— É o que me aborrece — ia dizendo Pedrinho. — Quando contarmos esta proeza, ninguém na Terra vai acreditar...

— Vovó acredita, juro! — disse Narizinho. — Vovó está tão treinada em nossas maravilhas que não há nada em que não acredite. E Tia Nastácia também.

— Isso sei eu — mas os outros? Todos os outros adultos hão de dizer que é fantasia nossa.

— Ora os adultos! — exclamou Narizinho com ar de pouco-caso. — Não há maior sem-gracismo do que ser adulto.

Bem razão tinha Peter Pan em não querer crescer, em não querer nunca virar gente grande — ou “adulto”, como eles dizem com todo o pedantismo. A tal gente grande não sabe fazer a única coisa interessante que há na vida...

— Que é, Narizinho?

— Ora que é! Brincar, bobo. Tirando o brinquedo, que é que resta na vida? As gentes grandes arrumam a casa, varrem, lavam roupa, guiam bondes nas ruas, entregam pão nas portas, constroem navios, escrevem livros, jogam no bicho, guerreiam — fazem tudo, menos a grande coisa que é brincar, brincar, brincar até arrebentar, como nós...

— É verdade — concordou o menino. — Mas por que será que os adultos não brincam?

— De medo de parecerem crianças. Eles morrem de medo de parecer crianças, como se não fosse dez vezes mais importante ser criança do que ser uns homões de bigodes feito taturanas debaixo do nariz, ou umas mulheronas gordas, cheias de rugas na cara, sardas e pés-de-galinha.

— É como eu penso — volveu Emília lá da garupa. — Se em vez de boneca eu tivesse nascido gente grande, sabem o que fazia? Suicidava-me com um tiro de canhão na orelha.

Enquanto isso o cometinha voava pelos espaços com uma velocidade incrível. Quanto tempo durou aquela corrida? Impossível calcular.

— Estamos devorando anos e mais anos-luz — dizia Pedrinho.

E na corrida louca passavam perto de quantas constelações existem pelos céus.

— Lá está a Grande Ursa — explicava Pedrinho. — E agora vamos nos aproximando da constelação de Cassiopeia e da constelação da Girafa...

Todos se admiravam da sabedoria de Pedrinho. Parece que sabia de cor todas as estrelas do céu. Em certo ponto Emília pediu:

— Não se esqueça de me chamar a atenção quando passarmos perto da Cabeleira de Berenice. Fiz aquela promessa a São Jorge e tenho de cumprir.

— E aquela lá longe é a constelação da Lira — continuou Pedrinho. — Recebeu esse nome porque lembra a forma de vaso duma lira.

— Isso não! — contestou a boneca. — A lira sempre foi redonda.

— Redonda? Você está sonhando, Emília.

— Sim, sim — insistiu a bobinha. — Dona Benta tem várias moedas na gaveta e entre elas uma lira bem redonda.

Pedrinho deu uma gargalhada.

— Boba! A lira dessa constelação não é a lira moeda da Itália — é a lira grega, um instrumento de música dos antigos, quando não havia violão nem piano. Os poetas até hoje falam muito em lira. Eles vivem “tangendo a lira...”

— E não se pode dizer “tocando a lira”? — quis saber a boneca.

— Não — respondeu Pedrinho. — A lira tange-se, não se toca. Tocar é para sino, viola ou piano.

— E para frango também — acrescentou Emília. — Tia Nastácia vive tocando os frangos que entram na cozinha.

Emília quis saber a forma da lira, quantas cordas tinha e de que modo era “tangida”. E Pedrinho estava a explicar tudo isso minuciosamente, com muitos gestos e micagens, quando, de repente, perdeu o equilíbrio e caiu do cometa abaixo, exatinho como quem cai dum cavalo xucro — e lá rodou pelos espaços infinitos.

— Acudam! — berrou Narizinho na maior aflição. — Pedrinho caiu no éter.

A situação era na verdade gravíssima. Dos três viajantes só Pedrinho era astrônomo e, além disso, só em seu bolso havia o maravilhoso pó de pirlimpimpim. Sem Pedrinho e sem o pó, como se arrumariam — como voltariam para casa? E Narizinho começou a sentir todas as angústias do terror.

— E agora? — gemia ela. — E agora, Emília, que vai ser de nós, largadas sozinhas nestes desertos infinitos? Gritar não adianta. Chorar, ainda menos. Que havemos de fazer, Emília?

A boneca não se apertou.

— O que temos a fazer, Narizinho, é não fazer coisa nenhuma. É ficarmos agarradinhas a este cometa e deixarmos que ele corra pelo espaço até que se canse e pare. Depois veremos.

A calma da boneca não sossegou a menina; mas ao lembrar-se de que muitas vezes se vira em aperturas tremendas e tudo acabou bem, resolveu sossegar — e foi sossegando. A falta de Pedrinho, entretanto, era enorme. Só ele sabia a ciência do céu, o nome das estrelas e planetas, de modo que sem ele um vôo pelos espaços de nada adiantava — iam passando perto das mais lindas constelações sem saber como se chamavam.

E assim rodaram as duas em silêncio durante minutos e minutos. A velocidade do cometa parecia cada vez maior. Se Dona Benta pudesse prever por onde elas andavam...

Súbito, Emília deu voz de alarma.

— Um cometão! — gritou. — Um cometão enorme vem vindo ao nosso encontro.

Narizinho, que estava de cabeça baixa, pensativa, ergueu os olhos e viu. Viu realmente um cometa de enormíssima cauda avançando na direção do delas. Pelo jeito os dois iam encontrar-se e chocar-se — e ai do pequenino! Narizinho lembrou-se da conversa de Dona Benta sobre a atração que os astros exercem uns sobre os outros, e viu que a força de atração do cometa grande estava puxando para si o cometinha. Era talvez por isso que a velocidade aumentava tanto. E a conseqüência seria fatal: o grande engoliria o pequeno.

— Vamos ficar sem cavalo, Emília! O cometa grande está atraindo o nosso...

— E que tem isso? — foi a resposta da boneca. — Se o cometa grande atrair o nosso, apenas mudaremos de cavalo. Em vez de montadas num cavalinho, iremos devorar o éter num verdadeiro cavalão de Tróia.

O cometa grande rapidamente crescia de vulto. Foi ficando imenso, imensíssimo, até que...

Bum!... os dois se chocaram com horrível estrondo. Narizinho e Emília perderam os sentidos.
____________
Continua … XVI – Aparece o Burro
–––––––––––-
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Viagem ao Céu & O Saci. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. II. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 285)


Uma Trova Nacional

Ao vê-la perto do altar,
à luz dos vitrais vermelhos,
num reflexo, sem pensar,
fui dobrando os meus joelhos...
–HÉRON PATRÍCIO/SP–

Uma Trova Potiguar

Vida: caminho que alcança
na esquina a sua metade;
de um lado, vive a esperança,
do outro, dorme a saudade.
–MARA MELINNI/RN–

Uma Trova Premiada

2008 - Bandeirantes/PR
Tema: AUDÁCIA - M/E.

Com seu jeitinho de santa,
no mesmo olhar ela oferta
a timidez que me encanta
e a audácia que desconserta!
–JOSÉ OUVERNEY/SP–

Uma Trova de Ademar

Ouvi ainda criança
uma frase e não esqueço,
causou-me desesperança...
“Todo homem tem seu preço!”
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

As estrelas...na amplidão,
nem todos conseguem vê-las.
Um sonhador põe a mão
muito além dessas estrelas!
–ALOÍSIO ALVES DA COSTA/CE–

Simplesmente Poesia

Meu Credo
–SERGIO AUGUSTO SEVERO/RN–

Creia!
Eu não perdi o gosto pela luta!
Minha Dama deu-me o motivo
(Sou seu campeão!);
Um Nobre Amigo sagrou-me Cavaleiro,
mas confessou-me
“ser a pena mais forte que a espada!”

E agora,
caneta em riste,
sigo atacando, qui-xo-tes-ca-men-te,
os meus Moinhos de Vento!

Estrofe do Dia

Dentre as delícias da vida,
de uma não abro mão;
é mergulhar o meu sonho
na fonte de inspiração
das rimas de um bom poeta
que acerte sempre na meta,
varando o meu coração.
–DOROTHY JANSSON MORETTI/SP–

Soneto do Dia

A Rosa e os Espinhos
–ALDA CORRÊA MENDES/RJ–

Era tão linda a rosa amarela que achei!
A sua cor jamais me demonstrou tristeza,
e ninguém percebeu as dores que amarguei
quando eu a vi murchar com tanta singeleza.

Nem ninguém saberá o pranto que abafei
ao ver que aquele viço era a grande certeza
da prova de um amor que nunca revelei,
sem esperar da vida a volta da beleza.

E agora que estou só, fitando a simples haste
daquela bela flor que espargia carinhos,
tenho em meu peito dor que só me traz desgaste.

Chorando o fim da rosa, eu procuro caminhos
que anulem este amargo e penoso contraste,
pois triste é encontrar apenas os espinhos!

Fontes:
Textos enviados pelo Autor
Foto obtida no blog de Pedro Ornellas http://www.vivatrova.blogspot.com

Sá de Freitas (A Lua e o Sol)

Fonte:
O Autor

Antonio Manoel Abreu Sardenberg (Projeto Quatro em Um) numero 6


Voz da Razão
ANTONIO MANOEL ABREU SARDENBERG

Quando minha razão fala,
com a voz do coração,
tudo em mim então se cala
e minha vida se embala
na mais sublime canção.

E quando a luz matutina
vem meiga me despertar,
a esperança descortina
e a fé, então, me ensina:
é hora de agradecer,
é momento de rezar!

E quando o silêncio cala
profundo dentro da gente,
sem querer a alma sente
que por nós é DEUS quem fala!

A Rosa e os Espinhos
ALDA CORRÊA MENDES MOREIRA

Era tão linda a rosa amarela que achei!
A sua cor jamais me demonstrou tristeza,
e ninguém percebeu as dores que amarguei
quando eu a vi murchar com tanta singeleza.

Nem ninguém saberá o pranto que abafei
ao ver que aquele viço era a grande certeza
da prova de um amor que nunca revelei,
sem esperar da vida a volta da beleza.

E agora que estou só, fitando a simples haste
daquela bela flor que espargia carinhos,
tenho em meu peito dor que só me traz desgaste.

Chorando o fim da rosa, eu procuro caminhos
que anulem este amargo e penoso contraste,
pois triste é encontrar apenas os espinhos!

Dorme
FERNANDO PESSOA
1888 - 1935

Dorme enquanto eu velo...
Deixa-me sonhar...
Nada em mim é risonho.
Quero-te para sonho,
Não para te amar.
A tua carne calma
É fria em meu querer.
Os meus desejos são cansaços.
Nem quero ter nos braços
Meu sonho do teu ser.
Dorme, dorme. dorme,
Vaga em teu sorrir...
Sonho-te tão atento
Que o sonho é encantamento
E eu sonho sem sentir.

TROVAS

As almas de muita gente
São como o rio profundo:
-A face tão transparente,
E quanto lodo no fundo!...
BELMIRO BRAGA - JUIZ DE FORA

Mesmo soltas e espalhadas
as pétalas são formosas;
porém somente abraçadas
é que elas se tornam rosas!
A. A. DE ASSIS – MARINGÁ

Baú velho, tampo torto,
cartas e fotos mofando...
-Refúgio de um sonho morto
que eu vivo ressuscitando!...
JOSÉ OVERNEY - PINDAMONHANGABA

Quisera ser um brinquedo
ou ser fios de esperanças,
para morar em segredo
no coração das crianças!
MARIA NASCIMENTO - RIO DE JANEIRO

No tear da solidão,
rendeiro em dias tristonhos,
basta um fio de ilusão
para tecer os meus sonhos!
ELISABETH SOUZA CRUZ - NOVA FRIBURGO

Amigos que não convêm
São aves de arribação:
- Se faz bom tempo eles vêm...
- Se faz mau tempo eles vão...
SOARES DA CUNHA – BELO HORIZONTE

Num dos lances mais astutos
que a vida tem-me inspirado,
eu mostro os olhos enxutos,
e escondo o lenço molhado.
VANDA FAGUNDES QUEIROZ - CURITIBA

Fonte:
A. M. A. Sardenberg

Trova Viva (Novo Blog de Trovas)


Amigo trovador,

Vim fazer um pedido: quero que conheça o Blog "Trova Viva".

Apenas mais um blog poético?

Não! O Trova Viva tem conteúdo diferenciado, informações úteis e interessantes, histórias, fotos, documentos, curiosidades, episódios marcantes, causos engraçados, tudo relacionado com o mundo da trova.

Não é nossa prioridade divulgar concursos e resultados, nem a publicação de trovas em si, porém, mantemos links dos principais sites e blogs que têm essas finalidades. Assim, entrando no "Trova Viva" poderá visitar esses com apenas um clique.

Faça uma visita agora mesmo!

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Fonte:
Pedro Ornellas

II Jogos Florais de São Francisco de Itabapoana (Âmbito Estadual – Rio de Janeiro – Resultados Finais)


TEMA: VENTO - L/F

VENCEDORAS POR ORDEM ALFABÉTICA

Não há erro ou exagero,
vento, uivando, sem guarida,
é o grito de desespero
da natureza agredida
ALMERINDA F. LIPORADE- Rio de Janeiro

Anos contados de espera,
nem assim você voltou,
tanta saudade quimera
que o vento já dispersou!
DIRCE MONTECHIARI – Nova Friburgo

Senhor da calma e tormento,
do tempo bom, do que chove,
é pelas asas do vento,
que a natureza se move!
EDERSON CARDOSO DE LIMA – Niterói

Não importa eu me algemar
às grades dos sentimentos...
Quem ama aprende a voar
na liberdade dos ventos!
EDMAR JAPIASSÚ MAIA – Rio de Janeiro

Quando o vento, aos meus ouvidos,
sopra as palmas do coqueiro,
pareço ouvir os gemidos
das dores do mundo inteiro.
RENATO ALVES – Rio de Janeiro

MENÇÃO HONROSA

Te amo tanto, ninguém nega,
e o vento me causa ciúme
pois ele sempre carrega
junto dele o teu perfume.
CARLOS AUGUSTO SOUTO DE ALENCAR – Campos dos Goytacazes

Enquanto meu pensamento
recorda a felicidade,
lá fora a canção do vento
embala a minha saudade.
JOÃO COSTA – Saquarema

Você foi brisa envolvente,
pelo bem que me fazia...
Hoje, ao partir de repente,
mais que vento, é ventania!
JOÃO FREIRE FILHO – Rio de Janeiro

Que dera que os pensamentos
pudessem ser, de verdade,
sempre livres como os ventos,
arejando a humanidade.
SANDRO PEREIRA REBEL – Niterói

O vento, com peraltice,
leva folhas pelo espaço.
Que bom se um dia o sentisse
levando as preces que faço...
RUTH FARÁH NASCIF – Cantagalo

MENÇÃO ESPECIAL

A saudade é como o vento.
Não sabemos de onde vem.
Sopra em nosso pensamento
quando lembramos de alguém.
ABÍLIO KAC – Rio de Janeiro

Parece que a mão do VENTO
empurra os passos da hora
e apressa o triste momento
em que a gente vai embora...
HEMOCLYDES S. FRANCO - Rio de Janeiro

Repare na voz do vento,
tem um som especial,
expressa seu sentimento:
vai, da brisa, ao vendaval!!!
ALBA HELENA CORRÊA – Niterói

Quem passa a vida ao relento
e se entrega ao deus dará
joga a própria vida ao vento,
não sabe o fim que terá!
THEREZINHA TAVARES – Nova Friburgo

Na febre do meu tormento
cresce mais o meu ciúme,
quando imagino que o vento
leva aos outros teu perfume.
GILVAN CARNEIRO DA SILVA – São Gonçalo

TEMA: PULGA – HUMORÍSTICA

VENCEDORAS

Esnobe e em tom de bravata,
diz a pulga, dessa vez,
que mudou do vira-lata
pra morar num pequinês!
EDMAR JAPIASSÚ MAIA – Rio de Janeiro

À pulguinha apaixonada,
promete o pulgão infame
amor eterno e morada
em cachorro de madame.
JOÃO COSTA – Saquarema

Se a pulga valesse tanto
no mercado monetário,
meu amigo, eu te garanto
meu cão era milionário.
JOÃO MOREIRA MONTEIRO – Bom Jardim

Um chimpanzé – que se julga
¨expert¨ em bichos – garante
já ter visto muita pulga
encarando um elefante!!!
MARIA MADALENA FERREIRA – Magé

O “pulgo” ficou cismando
quando viu, pelo caminho,
sua pulga passeando
no cachorro do vizinho...
RENATO ALVES – Rio de Janeiro

MENÇÃO HONROSA

Casamento foi desfeito,
da pulga com o pulgão.
brigas e muito despeito...
até mudaram de cão!
DIRCE MONTECHIARI – Nova Friburgo

A pulga é sempre um perigo!
Causa furor, eu bem sei...
no paletó de um mendigo,
ou na cueca de um rei...
GILVAN CARNEIRO DA SILVA – São Gonçalo

A pulga e o “pulgo” a brigar...
Foi enorme a confusão!
A pulga deixou o lar
e... foi morar noutro cão!
RENATO ALVES – Rio de Janeiro

Num desespero danado,
pelo quarto deita e rola.
Um coça-coça engraçado:
-Com pulga na camisola...
DIAMANTINO FERREIRA – Campos dos Goytacazes

A pulga ficou doente,
com o sangue aferventado,
ao morder cachorro quente,
ficou com beiço empolado...
AILSON CARDSO DE OLIVEIRA - Magé

MENÇÃO ESPECIAL

Diz, a pulga, saltitante:
Vou pegar a condução,
Chego, à festa, num instante,
Vou, de carona, num cão!!!
ALBA HELENA CORRÊA - Niterói

Com a pulga atrás da orelha
e muito desconfiada...
a minha sogra, uma”abelha”,
me deu uma forte picada!
CARLOS ALBERTO DE CARVALHO – São Gonçalo

Pôs o cachorro no chão
depois saiu rebolando...
Não podia por a mão
onde a pulga estava andando
GILVAN CARNEIRO DA SILVA – S. Gonçalo

-Ufa, escapei por um triz!
Disse a pulga apavorada:
-Por que esse cão infeliz,
se coça tanto por nada?
JESSÉ NASCIMENTO- Angra dos Reis

Indo ao baile lá na roça,
me senti meio doidão:
ora as pulgas da palhoça,
ora o efeito do quentão!
RUTH FARAH NASCIF – Cantagalo

Fonte:
Roberto Pinheiro Acruche

J.B.Xavier (Ser Pai)


Ser pai é ser anônimo consciente
É ser mestre sem nunca ensinar nada
É apontar o caminho pela estrada
E receber um riso de presente...

Ser pai é abstrair-se de vaidade
No sucesso que o filho venha a ter
É estar preparado prá sofrer
Na solidão da ausência e da saudade...

Ser pai é ser a luz orientadora
Sem nunca brilhar mais que o filho amado
É aceitar não ficar nem ao seu lado
Mas atrás, como sombra protetora.

Ser pai é não viver por recompensas
É levar pela mão, mas na hora certa
Deixar seguir o ser que ali desperta
Mesmo em meio a negras indiferenças...

Ser pai é praticar a tolerância
Sem jamais ser, por isso, permissivo,
Ser pai é ser às vezes lenitivo
Na dor que vem em forma de fragrância...

Ser pai é aceitar ser contestado
Sabendo mesmo assim que estava certo
E, longe, ainda assim estar por perto
Zelando pelo filho tão amado...

Ser pai é aprender quando calar
Se o filho, por acaso, lhe contesta,
Transformar sua tristeza numa festa
Ser pai é dar exemplo e orientar...

Ser pai é dirigir sem obrigar,
Ceder na compreensão das aparências,
Viver só de saudades e de ausências,
Sorrir ao ver o filho caminhar...

Ser pai é conseguir ir se apagando
À medida que o filho se encaminha
Que a vida, por si mesmo já esquadrinha,
Ser pai é se afastar, mesmo que amando...

Ser pai é ser apenas influência
Sem jamais tentar ser imposição,
Ser pai é doar sempre o coração
Mesmo na dor singela de uma ausência...

Ser pai é receber ingratidão
Injúrias, e às vezes, esquecimento
E aninhar, mesmo assim esse momento
Com zelo no fundo do coração...

Ser pai é esclarecer sem ensinar
Levando o filho a tal curiosidade
Que passe a meninice e a mocidade
No gosto do aprender e pesquisar...

Ser pai é ser silêncio angustiado
Na madrugada fria de uma ausência
Rezar ao Deus Maior, na onipotência
Que proteja o seu filho desgarrado...

Ser pai é admitir ao mesmo instante
Que dele seu filho se libertou
E anular-se na obra que criou
E mesmo assim, fazê-lo ir adiante...

Ser pai é freqüentar o tombadilho
De um navio que de si vai se afastando,
Ser pai é ver um homem trabalhando
E dizer com orgulho: esse é meu filho!

Fonte:
Enviado pelo autor disponível no Recanto das Letras
Imagem = http://dirfam.blogspot.com/2009_08_01_archive.html

Amosse Mucavele (Gaza, Meu Útero)

Rio Limpopo, Moçambique
À Paulina Chiziane

A Provincia dos meus olhos é uma flor que nunca murcha, as suas folhas estão pintadas de variadas cores, cores que refletem vários sentimentos, sentimentos que nos tranquilizam, carregados de tanta emoção, fazendo-nos re(viver) nesta ponte de afetos que liga-nos de um passado glorioso a um presente nostálgico.

Nestes ultimamentes a minha querida Gaza anda desalmada, carece de amor, falta-lhe uma voz amiga, pois Os Ventos do Apocalipse abocanharam a sua felicidade e o medo cobriu-lhe o teto. Dorme um sono secular, vive um pesadelo milenar, a natureza trancou-lhe as portas, e ela aceitou estar encarcerada em Mabalane. Não se interessou em contratar um advogado, muito menos procurar ajuda dos amigos, ficou no silêncio das grades da sua angústia, nem a mim que num passado não muito distante juntos plantamos coqueirais de amor.

Quando cheguei a Provincia que tanto me esperava, constatei que algo mudou, o casebre transformado em Castelo, repleto de seguranças, empregados domésticos ,etc., uma prisão domiciliar, creio que ela conseguia me ver, daí descobri a 8ª Cor do Arco Irís.

Bati a porta a 1ª, 2ª, 3ª vez. Ninguém respondeu, mas de longe via-se um monte de gente a circular no quintal. O meu último sentido despertou-me da letargia que me assombrava.

Oh, pobre de mim! Nas grandes casas já não se bate a porta, toca-se a campainha. A resposta veio a uma velocidade da luz, em seguida vieram os serviçais atenderam-me.

-Com quem o senhor deseja falar? – perguntaram-me.

Arrepiado de medo, e a tremelicar de incerteza, dei a seguinte resposta: – Com a dona da casa.

– Quem é o senhor? Pois a senhora está a dormir. Ela quando encontra-se neste estado não gosta de ser incomodada. Espero que entendas, podes vir mais tarde? Se assim o achar conveniente, mas contudo deixe-nos com o seu nome.

De longe ouvia-se uma voz feminina a perguntar: – Oh José! - creio que era o nome do homem que estava a me atender, – não veio alguém me precisar?

– Tem aqui um senhor que precisa da senhora – respondeu o José

– Manda-o entrar – disse ela.

A sua voz planta respeito e felicidade no povo que a circunda, apesar dela não desfrutar dos mesmos. O corpo dela guarda segredos milenares tal como As mumias, os seus olhos são uma verdadeira caixa de surpresas. Sei que quando cruzarem-se com os meus explodirão como a bomba atômica que destruiu Hiroshima e Nagasaki. e os seus estilhaços irão cair nas mãos da potência do nosso amor. Sobrevoarão a caminho do futuro nas asas das Andorinhas. Tenho comigo uma pá para poder cavar os compartimentos do seu coração. Bem sei que Gaza é de poucas palavras e muitas ações, diferente de outras mulheres que sonham, Gaza vive, idealiza e concretiza.

Chegando à sala de visita onde ela estava sentada: – Pode sentar – disse ela, com olhos boquiabertos. Em seguida aproximou-se de mim e deu-me um abraço do tamanho do mundo. Os empregados domésticos ficaram bastante surpresos , pois nunca tinham visto O Alegre Canto da Perdiz. Instalou-se o silêncio, a realidade tinha traços de ficção,.

– Sabes! Hà muito que preciso de conversar consigo. Volvidos 12 anos tive a oportunidade de estar perto de ti, dada as circunstâncias desta auto-estrada da vida, ora quando vinhas ao meu encontro não me encontravas e quando fazia o mesmo você estava em constantes viagens, e neste instante nos encontramos.

A sociedade em que estou inserida nela está contra a nossa relação amorosa, agitava-me para te deixar, te esquecer, cortar os laços que nos une.

– Aquela provinciana não é digna do seu amor – diziam eles

Davam-me dissolventes e eu resistia sempre, tal como fez o ngungunhane, assim transformei a minha palavra em flecha e o amor que uiva dentro de mim num arco. Saiamos deste lugar, pois algo diz de mansinho que este lugar tem alguma coisa de nefasto, caso continuemos sentados nesta mesa onde estamos sentados com os garfos e as facas que mal sabem dançar Niketche e muito menos sabem falar a nossa língua, o nosso changana. Creio que de tanta inveja este lugar pode vir a restaurar estes nossos sentimentos ambulantes dando-lhes um outro ar.

– Princesa, vamos! – disse eu.

– Para onde, meu amor? – respondeu ela

Vamos sentar na esteira do rio Limpopo a sós, para melhor escutarmos A Balada do Amor ao vento.
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Nota: em negrito são nomes de livros de Paulina
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Fontes:
Texto enviado pelo autor
Rio Limpopo = http://devitz.blogspot.com/2010/07/arvore-misteriosa-no-rio-limpopo.html

Estação 3 (Eventos Culturais 6 e 7 de Agosto, em Guarulhos/SP)


Em comemoração aos seus 7 anos, o Grupo LOUPT – LOUcos Por Teatro
promove, em parceria com a Secretaria de Cultura de Guarulhos e entidades beneficentes da cidade, o evento “Estação 3”, que tem por objetivo envolver a comunidade e os artistas numa festa multicultural.

Dias 06 e 07 de Agosto no Teatro Padre Bento
Rua Francisco Foot, 03 - Tranquilidade - Guarulhos

PROGRAMAÇÃO:

Sábado 06/08/11

14:50 - Teatro infantil: Isolados - Grupo 2a. Opção
15:00 - Oficina de mímica com Rodrigo Pignatari
16:00 - Teatro infantil: Aladin - Grupo 5a. Maravilha
17:00 - Experimentação com colagem com Aline Fonseca
17:10 - Uma caixinha de surpresas com Mirian Wartusch
18:10 - Apresentação de curtas com André Okuma
19:30 - Teatro: Vozes da luta com Cia Barca Cênica

Domingo 07/08/11

12:00 - Teatro: A Coroa de Orquídeas com o Grupo LOUPT - LOUcos Por Teatro
15:10 - Sarau literário com Tessália Lemos
18:00 - Contação de estórias com Débora Kikuti
19:00 - Teatro: Maria Maria com a Cia Teatral Apolo e Dionísio
19:00 - Contação de estórias com Gisélia

além de diversos Shows.

Programação sujeita a alterações.

Fonte:
Mirian Wartusch

Monteiro Lobato (Viagem ao Céu) XIV – A Via-Láctea


Lá no sítio, quando Dona Benta falou da Via-láctea que os meninos enxergavam no céu, Emília veio com a asneirinha do costume. Estavam na varanda por uma noite muito límpida, a espiar as estrelas.

— E aquela espécie de nuvem branca que estou vendo lá? — tinha perguntado Narizinho; e depois de Dona Benta contar que era a Via-láctea e que láctea queria dizer “de leite”, Emília saíra-se com esta:

— Com que leite teriam feito aquilo? Para mim foi com leite da Grande Ursa...

Dona Benta explicou que naquele caso a palavra “láctea” não queria dizer “feito de leite”, como são os queijos e requeijões, e sim que tinha a aparência duma coisa leitosa.

— E “leitosa” não quer dizer “feita de leite”?

— Não. Leitosa quer dizer que dá idéia da cor do leite ou da consistência do leite. Aquilo lá no céu é o que os astrônomos chamam “nebulosa”. A Via-láctea é uma das muitas nebulosas que com o telescópio eles enxergam no espaço. Deram-lhe o nome de Via-láctea por causa da cor branquicenta com que a vemos daqui.

— E que é nebulosa? — perguntara Pedrinho.

Dona Benta cocou a cabeça. Não é fácil explicar às crianças o que é uma nebulosa. Por fim disse:

— Há várias hipóteses, meu filho. A hipótese mais aceita hoje é que são verdadeiros universos dentro do universo — arquipélagos de estrelas em tais quantidades que à distância parecem uma nebulosa, uma nuvem. São milhões de estrelas afastadíssimas.

— Todas como o Sol?

— Sim, meu filho. O Sol é uma estrela da infinidade de estrelas que há no espaço infinito. Está apenas a 150 milhões de quilômetros daqui, tão pertinho que sua luz leva só 8 minutos e 18 segundos para chegar até cá, caminhando com a velocidade que vocês sabem...

— Trezentos mil quilômetros por segundo — lembrou Pedrinho.

— Isso mesmo. Veja como é perto o Sol! Em 8 minutos e 18 segundos a sua luz chega até nós. Depois do Sol a estrela mais próxima da Terra está a 40 trilhões de quilômetros ou 4 anos-luz. Quer dizer que a luz dessa estrela leva quatro anos para chegar até nós.

— Irra!...

— E sabe que essa estrela está também muito perto de nós?

— Será possível? — exclamou Pedrinho assombrado. — Haverá ainda coisas mais distantes?

— Sim, meu filho. Os modernos telescópios revelam nebulosas a 500 milhões de anos-luz da Terra...

— Quinhentos milhões, vovó? — repetiu Pedrinho no maior dos assombros. — Isso também é demais; chega a ser desaforo...

— Quando inventarem telescópios ainda mais poderosos que os de hoje, é possível que essas nebulosas sejam consideradas próximas. Descobrir-se-ão outras a bilhões de anos-luz... Pois as nebulosas são isso — verdadeiros universos dentro do universo, a tremendas distâncias do nosso sistema planetário. E quando nos pomos a pensar no número de estrelas, então é que ficamos tontos de uma vez. A nossa galáxia, isto é, o universo onde está o nosso Sol e mais as estrelinhas que vemos no céu, compõe-se de mais de 40 bilhões de estrelas...

— Quarenta bilhões, vovó? Estou ficando totalmente tonto...

— Pois tonteie duma vez, sabendo que os telescópios revelam a existência de mais de 100 milhões de nebulosas, isto é, de universos dentro do universo, cada uma delas com bilhões e bilhões de estrelas...

Pedrinho fingiu que caía para trás...

Isso no sítio, nas conversas astronômicas de Dona Benta. Mas agora que estavam no céu e o fiunnn os levara justamente à Via-láctea, não quiseram saber daquela Via-láctea dos astrônomos.

Quiseram a Via-láctea da Emília, muito mais interessante. E foi na Via-láctea da Emília que eles brincaram, lá nos espaços infinitos.

Emília estava que nem doída. Viu por ali inúmeras estrelinhas em formação e começou a brincar com elas como se fossem amigas de infância e a contar-lhes histórias lá do sítio, proezas de Rabicó, façanhas do extinto Visconde de Sabugosa e do novo Doutor Livingstone. As estrelinhas divertiam-se com as novidades, mas confessavam não terem a menor noção da Terra.

— Parece incrível a ignorância destas bobinhas! — exclamou Emília quando suas amigas estrelas começaram a piscar para dormir. — Não sabem nada de nada. Falei do nosso grande planeta Terra, falei da Lua, falei de Marte — e todas arregalaram os olhos e abriram a boca. Era a primeira vez que estavam ouvindo tais palavras...

— Ah, Emília! — suspirou Pedrinho. — Isso prova como o universo é infinitamente grande e como a nossa Terra é pulga. Menos que pulga: é espirro de espirro de espirro de pulga. Cada uma dessas estrelinhas quando cresce vira um sol

— E sabe, Emília, quantas vezes a massa do nosso Sol é maior que a da Terra?

Emília não sabia.

— Um milhão e trezentas mil vezes! — declarou o menino. — O Sol é dum tal tamanho que até dá dor de cabeça nos astrônomos — e há estrelas muitíssimo maiores que ele. Mas quando o Sol nasceu devia ser um coitadinho como estas suas amigas daqui.

— Então é a isto que Dona Benta chama de “massa cômica”? — perguntou Emília.

Pedrinho riu-se.

— Massa cósmica, bobinha. Cômico quer dizer outra coisa. Cômico é o que é engraçado. Cósmico quer dizer relativo ao mundo, ou aos mundos, ou ao universo, que é o conjunto dos mundos.

— Mas que tem a palavra cósmico com mundo? Devia ser “massa múndica” e não massa cósmica.

— Vovó já explicou esse ponto. É porque em grego mundo é kosmos.

Enquanto falava, Emília ia fazendo um montinho de estrelas das menores, para enfeite de seu museu lá no sítio. E Narizinho, longe dali, pulava de cima das estrelas mais graúdas, sobre outras, tal qual lá no sítio pulava dum capim para trepar em outro.

Mais adiante havia um ponto onde a massa cósmica estava ainda pura, sem nenhuma estrelinha formada. Emília correu para lá e pôs-se a enrolar entre as palmas das mãos aquela massa luminosa, como Tia Nastácia enrolava massa de trigo para fazer bolinhos.

— Olhem que linda fiz agora! — disse ela mostrando uma enrolada em forma de rosquinha de polvilho. — Estrelas de rosca não existem no céu. Vou fazer uma porção e soltá-las no espaço para irem crescendo. Imaginem a cara dos astrônomos em seus telescópios, quando derem com as “estrelas emilianas”, todas em forma de rosca...

Pedrinho só queria saber de cometas. Juntou uma dúzia dos mais engraçadinhos para os levar — e ria-se de gosto, imaginando a cara de Dona Benta ao vê-lo ir tirando do bolso filhotes e mais filhotes de cometa.— Parecem sapinhos de cauda, só que estes não perdem o rabo quando crescem. Ficam de caudas cada vez maiores. Aquele cometa de Halley que vovó viu em 1.910 tinha uma cauda de 45 milhões de quilômetros...

E Pedrinho começou a contar o que sabia dos cometas.

— São uns astros muito curiosos — disse ele. — Também giram em redor do Sol como os planetas, mas têm as órbitas diferentes.

— Que é órbita? — perguntou Emília.

— Órbita é o caminho percorrido por um astro. A órbita dos planetas é quase um círculo, mas a dos cometas tem a forma do que os sábios chamam “elipse”.

— E que é elipse? — tornou a perguntar Emília.

— É a forma dos balões dirigíveis ou daqueles bolinhos compridos que Tia Nastácia faz. Os cometas passam muito perto do Sol e depois se afastam a distâncias tremendas. E levam assim toda a vida: a se aproximarem e depois a se afastarem do Sol. Segundo diz vovó, esse cometa de Halley, depois de passar perto do Sol, afasta-se até para lá da órbita de Plutão, que é o fim dos nossos mundos (estes mundos que giram em redor do Sol). Afasta-se sabe quanto? Afasta-se 1 bilhão e 300 milhões de léguas. Quando chega ao extremo da elipse, sente-se tão enregelado que volta para aquecer-se novamente ao calor do Sol. E assim toda a vida. Dá uma volta completa em setenta e seis anos.

— Que bobo! — exclamou a boneca. — Muito melhor se girasse sempre à distância em que a Terra gira, porque então teria um calorzinho sempre igual.

— Eles que usam o sistema da elipse é porque gostam — disse a menina. — Devem ter suas razões. E que mais você sabe dos cometas, Pedrinho?

— Sei a história do cometa Biela, que é muito interessante. Esse Biela costumava dar o seu giro completo em seis anos e meio, mas da vez em que passou à vista da Terra em 1.846 aconteceu-lhe uma coisa extraordinária: partiu-se em dois! Dividiu-se em dois cometas de órbitas paralelas, cada qual com o seu “núcleo”, ou cabeça, e a respectiva cauda.

— Que engraçado! E apostaram corrida no céu?

— Sim. Um começou imediatamente a afastar-se do outro. Um mês depois já estava a 60.000 léguas na frente. Seis anos e meio mais tarde a parelha de cometas foi novamente vista nos céus da Terra, mas separados por uma distância de 500.000 léguas.

— E depois?

— Depois decorreram diversos períodos de seis anos e meio sem que os dois Bielas voltassem, até que no dia 27 de novembro de 1.872 reapareceram desfeitos em milhares de fragmentos luminosos, sempre a correrem pela mesma órbita.

— Que história é essa?

— É que os dois Bielas se haviam espatifado completamente e agora estavam girando transfeitos em farelo de cometa. Os astrônomos calcularam em 160.000 o número dos pedaços dos Bielas que riscaram o céu naquela noite...

— Que assombro dos assombros não devia ser! — exclamou a menina entusiasmada. — Que beleza!...

— Também acho — concordou Pedrinho — e creio que nunca em tempo algum houve pelos céus da Terra um espetáculo mais portentoso. Cento e sessenta mil pedaços de cometa, imaginem!...

— Que regalo para os astrônomos, não?

— Sim, e deu-se um caso muito cômico. O Flammarion, que era um dos maiores astrônomos da época, estava naquele mês em Roma, convalescendo de um ataque de malária. E por causa da doença tinha de recolher-se muito cedo todos os dias. Pois na famosa noite de 27 de novembro aconteceu-lhe a coisa mais terrível de todas.

— Já sei! — gritou Emilia. — Caiu-lhe na cabeça um dos 160.000 pedaços do Biela...

— Não! Coisa muito pior. Flammarion foi para a cama às seis horas da tarde e a maravilhosa chuva de estrelas começou uma hora depois, exatamente às sete, e durou seis horas. Durou das sete até uma hora da madrugada — e ele roncando lá na cama, com as janelas fechadas!... No outro dia, quando se levantou e soube do acontecido, quase morreu de sentimento.

— Mas não houve por lá uma alma caridosa que o acordasse a tempo?

— Não houve nada. Todo mundo estava de nariz para o céu e ninguém se lembrou dele.

— Eu me matava — disse Emília. — Se eu fosse astrônoma e perdesse um espetáculo desses, juro que...

— ...que pregava um tiro de canhão na orelha, já sei — concluiu Pedrinho.

Muitas outras coisas ainda disse o menino sobre os cometas. Só parou quando viu Emília bocejar — então foi encher os bolsos de cometinhas novos. Enrolava-lhes a cauda em redor do núcleo e guardava-os. Narizinho, que também estava a lidar com aquilo, teve de repente uma idéia cômica.

— Sabem o que vou fazer? Amarrá-los uns nos outros pelas caudinhas e soltá-los no éter. Imaginem como vão ficar engraçados quando crescerem! E a dor de cabeça dos astrônomos do futuro para decifrar o mistério...

— Eles não se apertam — disse Pedrinho. — Armam logo uma hipótese e pronto.

— Que é hipótese, Pedrinho? — perguntou Emília. — Dona Benta usa muito essa palavra, que acho ótima para nome do bezerro da Vaca Mocha.

— Hipótese — explicou Pedrinho — é quando a gente não sabe uma coisa e inventa uma explicação jeitosa.

Emilia gostou tanto daquela palavra que se pôs a repeti-la de todos os modos, como era seu costume com as palavras importantes. Hipótese — tesehipo, setepohi, pohitese...

— Pare, Emília! — ralhou a menina. — Pelo menos aqui neste canteiro de mundos não mexa na torneirinha...

Mas a boneca nem ouvia. Estava às voltas com uma estrela dupla, coisa rara como trevo de quatro pétalas num jardim.

— Achei uma das duplas! — gritou ela. — Vou levá-la de presente ao meu cavalinho sem rabo.

Depois, voltando aos cometas, teve uma idéia excelente.

— Que tal, Pedrinho, se eu plantar um rabo de cometa no meu cavalinho sem rabo? — e sem esperar resposta arrancou o rabo dum dos cometinhas, enrolou-o e guardou-o no bolso do avental, enquanto ia murmurando lá consigo: “Como ele vai ficar contente!”

— Você falou em cavalo, Emília — disse Pedrinho e me fez lembrar do Burro Falante. Com certeza está enganchado na cauda dum desses grandes cometas que andam como malucos girando pelos espaços; e o meio de o acharmos é um só: sairmos em procura deles montados em outro cometa. Foi o que eu disse a São Jorge. É possível que aqui encontremos um cometa já crescidote que nos agüente no lombo. Vamos ver se descobrimos um que sirva.

E puseram-se a procurar um cometa já taludote. Súbito, Emília, que se afastara dos meninos, gritou lá longe:

— Estou vendo um que serve. Corram depressa!... Pedrinho e Narizinho correram para lá e realmente viram um cometa de linda cauda e do tamanho exato que queriam. Um verdadeiro potrinho.

Mas não foi fácil agarrá-lo. Era um cometa arisco e manhoso, sabido como ele só; nunca tinha visto gente, de modo que corcoveava e fugia assim que eles se aproximavam. Mas, cerca daqui, cerca dali, conseguiram afinal pegá-lo, e Pedrinho, que era bom cavaleiro, montou-o dum pulo. Depois, dando a mão à menina e à boneca, fez que as duas também montassem.

— E rédea? Como arranjar rédea para guiar este potro pelos espaços?

— Faça uma rédea de caudas de outros cometinhas — gritou Emília. — Rabo de cão se cura com mordedura do próprio cão, como diz Tia Nastácia.

Pedrinho gostou da idéia, e mesmo montado conseguiu alcançar e arrancar vários rabos de cometinhas menores, que num instante teceu em forma de rédea e passou pelo “núcleo” do potro. Os pobres cometinhas derrabados olhavam para trás desapontadíssimos e muito sem jeito. Quem se acostuma com rabo não sabe viver sem ele.

— Não se aflijam! — gritou-lhes a boneca. — Lá em casa há um ilustre marquês que também não tem rabo e vive muito bem. E chama-se Rabicó justamente por isso. Rabicó quer dizer sem rabo. Vocês ficam sendo os rabicós celestes...

Depois de bem domado aquele Potro dos Céus, Pedrinho perguntou:

— Pronto? Podemos partir?

— Não ainda! — gritou Emília. — Esqueci de pôr no bolso o meu montinho de estrelas. Espere que já volto — e apeando-se foi encher de estrelinhas o bolso do avental. Depois montou de novo e berrou para Pedrinho:

— Pronto! Podemos fincar as esporas nesta “hipótese”.

Pedrinho não fez isso; fez coisa mais importante: esfregou no nariz do cometa uma boa pitada do pó de pirlimpimpim.

O potrinho celeste espirrou e saiu ventando.
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Continua … XV – A Cavalgada Louca
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Viagem ao Céu & O Saci. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. II. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa